Avanços e Perspectivas dos Direitos da Criança com Ênfase na Área da Saúde Falar dos direitos da criança implica necessariamente um resgate do maior avanço em âmbito jurídico e político-ideológico relacionado ao tema, que foi a aprovação do Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA, que institui o paradigma da proteção integral, reconhecendo, sobretudo, a “condição peculiar de pessoa em desenvolvimento” das crianças e adolescentes. A base filosófica do direito menorista prevista no Código de Menores de 1927 e 1979 se manteve quase inalterada desde sua origem, por um longo período de 63 anos, até a aprovação do Estatuto da Criança e do Adolescente, em 1990, que introduziu o paradigma da “proteção integral” e o reconhecimento da cidadania infanto-juvenil. O ECA nasceu em resposta ao esgotamento histórico-jurídico e social do Código de Menores de 1979. Nesse sentido, o Estatuto é processo e resultado porque é uma construção histórica de lutas sociais dos movimentos pela infância, dos setores progressistas da sociedade política e civil brasileira, da “falência mundial” do direito e da justiça menorista O direito infanto-juvenil deixa de ser considerado um direito “menor”, “pequeno”, de criança, para se tornar um direito “maior”, equiparado ao do adulto Visualização do cidadão – criança e do cidadão-adolescente. ECA INOVADOR: Rompimento com o conservadorismo do Código de Menores (1979), regulamentando a cidadania infanto-juvenil; GARANTISTA: Em razão de ter introduzido o sistema de garantias constitucionais; Ver o Livro I, Título II do ECA – Dos Direitos Fundamentais: Do direito à vida e à saúde; Do direito à Liberdade ao Respeito e à Dignidade; Do Direito à Convivência Familiar e Comunitária; Do Direito à Educação, à Cultura, ao Esporte e ao Lazer; Do direito à Profissionalização e à Proteção no Trabalho (para maiores de 16 anos, ou na condição de aprendiz, a partir dos 14 anos, e sob todas as recomendações básicas previstas no Estatuto); PARTICIPATIVO: Pela maciça, expressiva e legitima participação popular durante o processo de elaboração; O ECA não foi uma dádiva do Estado, mas uma vitória da sociedade civil, das lutas sociais e reflete ganhos fundamentais que os movimentos sociais têm sabido construir. Ocorre que foi uma conquista obtida tardiamente nos marcos do neoliberalismo, nos quais os direitos estão ameaçados, precarizados e reduzidos, criando um impasse na “cidadania de crianças”, no sentido de tê-la conquistada formalmente, sem, no entanto, existir condições reais de ser efetivada e usufruída; É fato que está posto um quadro geral de baixa efetivação da normativa legal e da insuficiente operacionalização das políticas e das ações públicas; ... Dados do Brasil... O Brasil possui uma população de 190 milhões de pessoas, dos quais 60 milhões têm menos de 18 anos de idade, o que equivale a quase um terço de toda a população de crianças e adolescentes da América Latina e do Caribe. São dezenas de milhões de crianças e adolescentes em condição peculiar de pessoas em desenvolvimento, que necessitam de condições para desenvolverem com plenitude todo o seu potencial. As crianças são especialmente vulneráveis às violações de direitos, à pobreza e à iniquidade no País. 45,6% das crianças brasileiras vivem em famílias pobres, as crianças negras, por exemplo, têm quase 70% mais chance de viver na pobreza do que as brancas; o mesmo pode ser observado para as crianças que vivem em áreas rurais. Na região do Semiárido, onde vivem 13 milhões de crianças, mais de 70% das crianças e dos adolescentes são classificados como pobres. A taxa de mortalidade infantil caiu de 47,1/1000, em 1990, para 19/1000, em 2008. Contudo, as disparidades continuam: as crianças pobres têm mais do que o dobro de chance de morrer, em comparação às ricas, e as negras, 50% a mais, em relação às brancas. A taxa de sub-registro de nascimento caiu – de 30,3% (1995) para 8,9% (2008) – mais ainda continua alta nas regiões Norte (15%) e Nordeste (20%). Aproximadamente uma em cada quatro crianças de 4 a 6 anos estão fora da escola. 64% das crianças pobres não vão à escola durante a primeira infância. A desnutrição entre crianças menores de 1 ano diminuiu em mais de 60% nos últimos cinco anos, mas ainda cerca de 60 mil crianças com menos de 1 ano são desnutridas. Nas regiões mais pobres, como o Norte e o Nordeste, somente 40% das crianças terminam a educação fundamental. Nas regiões mais desenvolvidas, como o Sul e o Sudeste, essa proporção é de 70%. O Brasil tem 21 milhões de adolescentes com idade entre 12 e 17 anos. De cada 100 estudantes que entram no ensino fundamental, apenas 59 terminam a 8ª série e apenas 40, o ensino médio. A evasão escolar e a falta às aulas ocorrem por diferentes razões, incluindo violência e gravidez na adolescência. O país registra anualmente o nascimento de 300 mil crianças que são filhos e filhas de mães adolescentes. A taxa nacional de transmissão do HIV da mãe para o bebê caiu mais da metade entre 1993 e 2005 (de 16% para 8%), mas continuam a existir diferenças regionais significativas: 12% no Nordeste e 15% no Norte. As crianças e os adolescentes são especialmente afetados pela violência. Mesmo com os esforços do governo brasileiro e da sociedade em geral para enfrentar o problema, as estatísticas ainda apontam um cenário desolador em relação à violência contra crianças e adolescentes. A cada dia, 129 casos de violência psicológica e física, incluindo a sexual, e negligência contra crianças e adolescentes são reportados, em média, ao Disque Denúncia 100. Isso quer dizer que, a cada hora, cinco casos de violência contra meninas e meninos são registrados no País. Esse quadro pode ser ainda mais grave se levarmos em consideração que muitos desses crimes nunca chegam a ser denunciados. (Dados UNICEF – Brazil, 2012) Desafios para garantia de direitos das crianças e adolescentes É imprescindível que uma nova prática política seja pensada e desenvolvida, a partir da luta contrahegemônica em favor de segmentos geracionais (crianças, adolescentes, jovens e idosos) sob a ótica dos direitos humanos; A luta emancipatória em favor da infância e da adolescência pode ser considerada uma luta pelo asseguramento da essência humana e da identidade geracional de crianças e adolescentes, vencendo esse processo de desumanização, de dominação e opressão, que ainda condena grandes contingentes desse público infanto-juvenil a um processo mais especifico e doloroso de marginalização; Existe ainda a necessidade de estímulo a participação proativa de crianças e adolescentes, no mundo familiar, social e político, a partir deles próprios, e não como concessão do mundo adulto e como decorrência de políticas, programas e projetos artificiais que, no mais das vezes, promovem de fora para dentro esse “protagonismo” e ao mesmo tempo o emolduram e domesticam; Solidificação do Sistema de Garantias de Direitos SGD das crianças e adolescentes: Sistema especializado de promoção e proteção dos direitos humanos; Cabe ao SGD o papel de: (A)potencializar estrategicamente a promoção e proteção dos direitos da infância/adolescência, no campo de todas as políticas públicas, especialmente no campo das políticas sociais. (b) manter restritamente um tipo especial de atendimento direto, emergencial, em linha de cuidado integrado inicial, a crianças e adolescentes com seus direitos ameaçados ou violados ou adolescentes em conflito com a lei; Atuam exercendo três tipos de funções estratégicas: 1) Promoção de direitos: Desenvolvimento de uma política de atendimento dos direitos da criança e do adolescente, estrategicamente cortando, de maneira transversal e intersetorial, todas as políticas públicas (infra-estruturantes, institucionais, econômicas e sociais); 2) defesa (proteção) de direitos: Garantia do acesso à justiça, aos mecanismos de “proteção legal” das liberdades fundamentais da infância e da adolescência, para assegurar a impositividade daqueles direitos e liberdades e sua exigibilidade de forma concreta; 3) controle institucional e social da promoção e da defesa dos direitos: mecanismos de acompanhamento, avaliação e monitoramento, isto é, de controle social e institucional; A área da saúde... A assistência à saúde é um direito previsto pelo ECA: “É assegurado o atendimento integral à saúde da criança e do adolescente, por intermédio do Sistema Único de Saúde, garantido o acesso universal e igualitário às ações e serviços para promoção, proteção e recuperação da saúde” (Art. 11). A saúde compõe o Sistema de Garantia de Direitos da criança e do adolescente, sua compreensão ampliada em interface com os determinantes sociais potencializa a garantia dos direitos da criança e do adolescente, a partir, sobretudo, dos princípios da integralidade do cuidado e da intersetorialidade. Nesse âmbito, a intervenção dos profissionais de saúde tem um papel fundamental; Experiências de atendimento interdisciplinar a crianças vítimas de violência física, psicológica, sexual e estrutural nos serviços de saúde, que apontam para o atendimento integrado, em rede, acionando/solidificando/construindo o Sistema de Garantia de Direitos da criança e do adolescente, são iniciativas de maior contribuição na conformação do “cidadão-criança” e do “cidadão adolescente”, criando efetivas possibilidades de desenvolvimento sadio e harmonioso para esse segmento geracional, levando sempre em consideração as suas características particulares, de pessoas em desenvolvimento; OBRIGADA E VAMOS AO DEBATE!