ADVERTISING A propaganda digital em debate Postos em xeque pela expansão das mídias digitais, os modelos de negócios do setor de comunicação, em geral, e de publicidade e propaganda, em particular, vivenciam mudanças extremas, com a quebra de muitos paradigmas. A internet revolucionou a comunicação e trouxe inúmeros desafios aos veículos, às agências de propaganda e aos anunciantes. Mas, ao mesmo tempo em que reduz, gradativamente, as receitas provenientes dos modelos tradicionais, a propaganda digital gera dúvidas quanto à melhor forma de rentabilizar os negócios nas novas mídias. Para aprofundar a análise desses desafios e apontar as tendências contemporâneas da propaganda, a KPMG Business Magazine convidou Marcelo Coutinho, professor da Pós- Marcelo Coutinho, professor da Pósgraduação da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e diretor de Inteligência de Mercado para América Latina do Terra Networks 08 Advertising graduação da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e diretor de Inteligência de Mercado para América Latina do Terra Networks, e Jayme Brener, diretor da Ex-Libris Comunicação Integrada. Nesta reportagem eles comentam com Fernando Aguirre, sócio da KPMG no Brasil para a área de Mídia, os insights colhidos pelo estudo Networked Advertising - Growing revenue in a highly fragmented business, realizado pela KPMG International. Contrário à visão de “terra arrasada”, Coutinho destaca a necessidade de integrar as duas formas de propaganda, on-line e tradicional. Para ele, no mundo digital, o asset mais valioso é a reputação construída pela empresa no mundo off-line. “É preciso saber explorar o valor da marca e transformar o ativo ‘analógico’ em ativo ‘digital’”, aconselha o professor da FGV. Segundo Fernando Aguirre, um dos maiores desafios da área de Marketing das organizações é criar projetos © 2011 KPMG Auditores Independentes, uma sociedade simples brasileira e firma-membro da rede KPMG de firmas-membro independentes e afiliadas à KPMG International Cooperative (“KPMG International”), uma entidade suíça. Todos os direitos reservados. Impresso no Brasil. Publicidade on-line e queda de receitas desafiam setor de propaganda. À medida que quebram paradigmas e derrubam barreiras, as mídias digitais pedem novos modelos de negócios de propaganda e comunicação com retornos sustentáveis e inseridos em uma visão estratégica. “Não faz sentido haver competição nem projetos dissociados entre as mídias tradicionais e o meio digital. Estes universos não podem estar desconectados”, analisa o sócio da KPMG. Coutinho sugere duas linhas de trabalho simultâneas. Uma é analisar como as associações em torno da marca podem gerar conteúdo para fazer parte do universo de informações consumidas digitalmente. A outra diretriz é mapear as interações que podem ser construídas nas redes sociais a partir do investimento já realizado na marca. “Algumas organizações estão trilhando caminhos muito interessantes”, conta Coutinho, citando o case de um modelo de tênis com sensor para coletar dados sobre o desempenho do corredor durante os treinos, desde tempo e distância percorrida até ritmo e total de calorias queimadas. Essas informações podem ser inseridas em um site criado pelo fabricante para essa finalidade. O sistema permite ao corredor comparar sua performance com a de outros a partir de vários filtros, como faixa etária e percurso. E assegura ao fabricante acesso a um banco de dados para ações de propaganda diferenciadas, como a realização de uma maratona entre os usuários do tênis/sensor, que atraiu 7.500 pessoas. “Quanto um anunciante teria de gastar em publicidade tradicional para reunir esse contingente de consumidores correndo com sua marca? É um exemplo de novas formas de usar o ativo ‘marca’ fora do ambiente tradicional de publicidade a custos relativamente muito baixos”, acrescenta Coutinho. publicidade está na forma de encarar a propaganda, que agora tem de se voltar mais para o interesse do consumidor. Segundo o professor da FGV, não se trata mais de criar um discurso nem de imprimir ou veicular uma mensagem. A nova propaganda tem de conjugar os verbos escutar e dialogar. E nem todos estão preparados para isso. Em outras palavras, ele acredita que as A propaganda como serviço A principal mudança deflagrada pelas mídias digitais no universo da Fernando Aguirre, sócio da KPMG no Brasil para a área de Mídia © 2011 KPMG Auditores Independentes, uma sociedade simples brasileira e firma-membro da rede KPMG de firmas-membro independentes e afiliadas à KPMG International Cooperative (“KPMG International”), uma entidade suíça. Todos os direitos reservados. Impresso no Brasil. Advertising 09 ADVERTISING agências perderam o monopólio sobre o “discurso da marca” e, agora, precisam gerar “conversas sobre a marca”. Na opinião de Jayme Brener, essa alteração no conceito de propaganda teve origem no novo poder conquistado pelo consumidor, que deflagrou uma transição de modelos. “A noção de que propaganda é um serviço está se sobrepondo à ideia de publicidade como exposição. Basta ver o case citado pelo Coutinho, do fabricante de tênis: a venda do produto está associada à prestação de um serviço”, diz Brener. As mídias digitais também romperam as fronteiras entre a agência, que cria, e o veículo, que apenas distribui. O que se vê, hoje, são agências veiculando e veículos criando. Marcelo Coutinho avalia que o mercado tem de trocar o modelo de propaganda em broadcast para um modelo socialcast, principalmente por conta do gigantesco volume de dados que as redes sociais acumulam sobre o comportamento das pessoas e comunidades, algo impossível de se reunir pelos meios tradicionais, via institutos de pesquisas. Por exemplo: uma TV a cabo especializada em esportes, com milhões de clientes cadastrados para receber conteúdo específico de futebol, pode selecionar quantos milhares deles moram em uma determinada cidade e torcem por determinado time. “Com esse banco de dados podem-se desenvolver ações taylor-made para qualquer marca que queira se associar a este público”, ensina o professor da FGV. Para ele, o certo é que o setor de comunicação está em uma curva de aprendizado. Entrar nela com seis meses ou um ano de antecedência pode fazer toda a diferença para os players que querem se tornar dominantes e atingir economia de escala. “Aliás, está aí uma coisa que ninguém sabe avaliar: as leis da economia de escala continuam valendo?”, pergunta Coutinho. Jayme Brener avalia que essa questão remete a outra característica da era digital que ajudou a chacoalhar o universo da propaganda: a quebra da barreira de entrada na indústria da comunicação. Com talento e uma boa ideia, pode-se montar um negócio em casa investindo apenas em um celular e um plano de banda larga. Isso abre espaço para o surgimento de startups, ou “butiques digitais”: empresas bem-sucedidas, criadas por empreendedores talentosos de olho em futuras operações de venda. “Em um primeiro momento, algumas agências partiram para a criação de departamentos ou operações digitais, montando suas próprias estruturas. Mas não deu certo. Outras optaram por comprar um negócio pronto, estruturado, o que alimenta o movimento das startups”, complementa Marcelo Coutinho. Individualização As mídias digitais também afetaram diretamente outro pilar da indústria da propaganda: as pesquisas por amostragem. Como era muito caro coletar informações individualizadas, a alternativa viável era ouvir um grupo de mesmo perfil sociodemográfico – sexo, idade, renda – e extrapolar o resultado para todo o conjunto de pessoas com as mesmas características. A internet barateou muito a coleta de dados, permitindo traçar o comportamento individual de clientes/ consumidores. “Pode-se conhecer as preferências do telespectador © 2011 KPMG Auditores Independentes, uma sociedade simples brasileira e firma-membro da rede KPMG de firmas-membro independentes e afiliadas à KPMG International Cooperative (“KPMG International”), uma entidade suíça. Todos os direitos reservados. Impresso no Brasil. 10 Advertising A íntegra do estudo Networked Advertising Growing revenue in a highly fragmented business, realizado pela KPMG International, pode ser acessada em www.kpmg.com/BR que passa cinco horas por semana vendo conteúdo esportivo. Portanto, começamos a atuar com microssegmentos, o que era impossível fazer em pesquisas convencionais”, comenta Coutinho. É inegável que isso afeta diretamente a indústria da comunicação. A publicidade precisa trocar as ações baseadas em atitudes sociodemográficas pelas ações criadas a partir de comportamentos individuais. E, para isso, só há escala no meio digital. Para Fernando Aguirre, essa é uma das incógnitas do novo modelo de negócios que vem sendo perseguido pelas empresas de comunicação, principalmente quanto a custos e receitas. Se, para falar com cinco milhões de pessoas, o anunciante pagava X e a agência recebia uma comissão de Y, qual é o preço para se falar com dez mil pessoas via internet? “A receita da propaganda tradicional vai continuar caindo. Então, é preciso que as agências se reinventem”, aponta Coutinho. Quanto ao retorno das ações digitais, o professor da FGV assegura que, na internet, ao contrário do que ocorre no modelo tradicional de propaganda, é possível saber quantas pessoas viram o anúncio individualmente, apesar das afirmações de que 70% dos internautas têm bloqueadores de publicidade e de que só 1% deles clica nas propagandas. “É que clicar no anúncio não é medida de efetividade de anúncio, mas apenas da criatividade da peça publicitária”, acrescenta Coutinho. Economia da atenção “A abundância de um recurso gera a escassez daquilo que se necessita para consumir esse recurso”. O pensamento – ou constatação – é do economista norte-americano Herbert Alexander Simon, Prêmio Nobel de Economia de 1978. É, também, uma das frases preferidas de Marcelo Coutinho. Em outras palavras, o professor da FGV acredita que, no contexto das comunicações, a informação consome atenção. “A oferta de informação é elástica, mas o recurso usado para consumir este produto – a atenção das pessoas – é inelástico e se torna cada vez mais escasso”, afirma. Esse também é um aspecto a ser considerado na revisão dos modelos de negócios do setor. Outra realidade emblemática do novo panorama das comunicações é que o consumidor também virou mídia. Hoje, qualquer cliente tem no celular sua “central de produção” e na internet, seu veículo de comunicação. Neste novo cenário, falar em agência tradicional versus agência digital ou opor a internet às demais mídias são falsos dilemas. O que vale é o poder de adaptação à nova realidade. Jayme Brener, diretor da Ex-Libris Comunicação Integrada © 2011 KPMG Auditores Independentes, uma sociedade simples brasileira e firma-membro da rede KPMG de firmas-membro independentes e afiliadas à KPMG International Cooperative (“KPMG International”), uma entidade suíça. Todos os direitos reservados. Impresso no Brasil. Advertising 11