Publicação: Valor Econômico (SP)
Data: 17/09/2007
CPMF gera menos distorções na economia que outros tributos
Joaquim Levy
Impostos são uma necessidade antiga, cuja discussão, sabe-se, presta-se à
hipocrisia. Uma das sentenças mais conhecidas da antiguidade foi a resposta de
Jesus a uma "pegadinha" sobre impostos, registrada pelo apóstolo Mateus, segundo
a qual se deve dar a César (o Estado) o que é de César, e não misturar as coisas.
A impopularidade dos impostos atravessa a história. Carlos VII e Luis XI, por
exemplo, criaram um sistema de impostos na França muito condenado pela
Revolução de 1789, mas que foi a base do crescimento do país por 300 anos. O
principal desses impostos "talha" começou como temporário e continua existindo
até hoje na forma de imposto de renda. Por outro lado, vários impostos criados
pela Revolução, como aquele sobre as janelas, não tiveram sorte. Victor Hugo tem
uma página memorável contra este imposto, a qual termina dizendo que Deus nos
deu o ar de graça, mas o Estado queria cobrar por ele, fazendo as pessoas
morarem em casas escuras e fechadas. Curiosamente, dizem que o mesmo imposto
na Inglaterra incentivou a proliferação de janelas nas mansões, como mostra de
status (com se diz no Rio, "há controvérsia" mas, dependendo das alíquotas, pode
ser).
A emoção literária nem sempre é a melhor conselheira sobre impostos. A
análise econômica mais das vezes é indispensável para se evitarem descaminhos.
Nesse sentido, deve-se evitar que a renovação da CPMF – um tributo cobrado toda
vez que um recurso sai de uma conta bancária – seja abafada por generalidades,
preconceitos ou mesmo oportunismo.
A CPMF é hoje um dos tributos que gera menor distorção na economia. Além
de sua arrecadação ser transparente, verificável e barata, ela alcança agentes que
escapam de outros impostos, aumentando a equidade do sistema como um todo.
Como um cuidadoso estudo do Banco Mundial conclui, "apesar do encanto e
popularidade de opiniões afirmando que a CPMF é um mecanismo de tributação
muito oneroso à sociedade, até agora a pesquisa empírica tem falhado em dar
suporte a essa conjectura". De fato, as referências acadêmicas mais usadas nos
debates são um encadeado de citações sobre conjecturas ou modelos com falhas
lógicas ou saltos apriorísticos na implementação.
A CPMF se converteu basicamente em um tributo sobre compras e vendas que
usem os bancos. Ela pode encarecer um pouco o custo de produção das empresas,
mas pode-se demonstrar que o impacto é menor daquele que viria de outros
impostos, talvez com a exceção de um imposto ideal sobre o valor agregado. O
efeito da CPMF é parecido com o da tarifa cobrada pelos bancos sobre o talão de
cheques, ou da taxa cobrada pelas administradoras de cartões sobre as lojas.
É claro que há restaurantes que não aceitam cartão de crédito e pessoas que
deixam de usar o cheque, ou o caixa automático, porque têm que pagar pela
operação. Mas, a questão é se a CPMF, que incide sobre esses serviços, os encarece
a tal ponto que altere o comportamento das pessoas de forma prejudicial à
economia. Não há indicação disso. Primeiro porque ela não é cara em relação ao
custo dessas operações. Segundo, porque simplesmente não
desintermediação bancária desde 1998, quando a CPMF se estabilizou.
se
viu
Quando foi instituída, a CPMF foi muito criticada porque poderia distorcer o
investimento. Por exemplo, se o investidor pagar 0,38% cada vez que for trocar de
aplicação, a alocação de capital na economia poderia ser prejudicada, pois a
contribuição seria alta em relação ao rendimento dos títulos. Mas, a partir de 2004,
os ajustes de carteira saíram do alcance da CPMF, com a criação da Conta
Investimento. Essa conta também derrubou o argumento de que a CPMF encarece
a dívida pública.
Um outro argumento comum contra a CPMF é que ele encarece o crédito. Se
um empréstimo for renovado, por exemplo, semanalmente, a taxa de juros seria
acrescida de "50 CPMFs" ao ano - o que equivaleria a juros adicionais de uns 25%.
Com a taxa básica de juros em 18% ao ano e o spread bancário típico acima de
50% ao ano, esse impacto talvez fosse de segunda ordem. Mas, com a queda dos
juros, vale a pena olhar com atenção para o problema, dimensionando-o com
cuidado.
Deve-se ter claro, antes de se formular uma política para a CPMF no crédito,
que os empréstimos de curtíssimo prazo geralmente atendem mais às despesas
imprevisíveis do que ao total das despesas de giro. Há que se distinguir entre a
freqüência com que a empresa tem que fazer pagamentos e receber recursos, e a
freqüência com que recursos ociosos ou em falta devem transitar da conta corrente
da empresa para o banco e vice-versa. Esta última é que determina o custo
econômico da CPMF no crédito. Tecnicalidades à parte, essa é a discussão
importante no momento.
Finalmente, a defesa da CPMF como um "bom" imposto não deve ser
confundida com complacência em relação à crescente carga tributária, mesmo que
a tendência dos gastos do governo tenha a ver com a sua capacidade de
arrecadação. A tese de Ronald Reagan de que simplesmente cortar impostos acaba
com o gasto não foi confirmada nem sequer nos Estados Unidos. Ela resultou em
crescimento da dívida, juros altos e uma quase crise financeira, que foi evitada
porque o presidente Bush (41º) renegou seus compromissos e aumentou os
impostos em 1991. Segurar o gasto - especialmente o corrente - depende de uma
decisão política que envolve mais que a renovação de uma contribuição eficiente.
Esse tema deve ser tratado com máxima seriedade e sem hipocrisia.
Não tenhamos dúvidas: a discussão do gasto público e de assuntos como
concorrência é crucial para o país, afetando o crescimento, os preços e a justiça
social. Como se sabe, Robin Hood não era contra os capitalistas (que não existiam
ainda). Ele era contra se asfixiar os que produziam, penalizando-os com altos
impostos e regras voltadas principalmente para a auto-preservação de corporações
sustentadas pelos impostos. O que Robin Hood, assim como a maioria de nós,
queria, era um Estado que estimulasse a criação de riqueza, o comércio e a
iniciativa.
* Joaquim Levy é ex-secretário do Tesouro Nacional e secretário de Fazenda do Rio.
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