Programa saúde da família: a urgência da presença do Serviço Social1
Ana Cristina Batista de Oliveira2
[email protected]
Jussara Francisca de Assis3
[email protected]
Modalidade do trabalho:
Apresentação de experiências profissionais e metodologias
de intervenção (coletivo).
Eixo temático:
Políticas Sociais e desenvolvimento no contexto neoliberal e
os desafios para o trabalho social.
Palavras-chave:
Política Social de Saúde, Programa Saúde da Família,
Serviço Social.
Introdução:
O atual momento do cenário brasileiro nos revela que as transformações
societárias engendradas, principalmente, nas décadas de 1980 e 1990 trouxeram como
conseqüências um novo olhar diante da institucionalidade das políticas sociais e suas
dinâmicas. É sabido que com a implementação da Constituição Federal de 1988, a
maioria dos setores sociais, especialmente àqueles ligados à saúde, passaram a contar
com os princípios de universalidade e integralidade dentre outros. Neste processo, o
Programa Saúde da Família (PSF) é criado como objetivo de reorientar o modelo
assistencial de saúde onde a população usuária possa contar com promoção, prevenção
e recuperação da saúde, além de reabilitação de doenças e agravos mais freqüentes. Tal
iniciativa busca dinamizar o Sistema Único de Saúde principalmente nas áreas mais
carentes do país. Logo, são colocadas possibilidades progressistas para se alcançar
índices mais favoráveis de qualidade da saúde da população brasileira.
Por outro lado, o avanço do ideário neoliberal tem se colocado como um grande
desafio a ser enfrentado para que o processo de democratização da saúde pública
brasileira se desenvolva de forma satisfatória. Os sucessivos cortes em investimentos
sociais, por parte do Estado, atingem diretamente a gestão de programas sociais e
1
Ponencia presentada en el XIX Seminario Latinoamericano de Escuelas de Trabajo Social. El Trabajo Social en la
coyuntura latinoamericana: desafíos para su formación, articulación y acción profesional. Universidad Católica
Santiago de Guayaquil. Guayaquil, Ecuador. 4-8 de octubre 2009.
2
Acadêmica do 7º período em Serviço Social da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, bolsista PIBIC na
mesma instituição, vinculada a pesquisa “Estudo de um modelo de prevenção de doenças focado na comunidade: O papel
dos agentes comunitários no Programa de Saúde da Família (PSF) no município de Mesquita – Rio de Janeiro”,
coordenada pelos profs. Rogério Pinto da Universidade de Columbia (USA) e Sueli B. da Silva da PUC-Rio.
3
Assistente Social, Mestranda do Departamento de Serviço Social da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro –
Brasil.
1
especificamente programas como o Saúde da Família têm as chances de avanço tolhidas
por conta de reformas do sistema de saúde e da focalização das ações. Neste contexto, a
formação do quadro de profissionais do PSF ocorre de maneira reduzida, já que, muitas
vezes, os baixos investimentos impossibilitam a contratação de pessoal que poderia dar
maior qualidade aos atendimentos realizados. Dentre estes estão os assistentes sociais.
O Programa de Agentes Comunitários de Saúde foi incorporado ao PSF em 1994.
Tais agentes, considerados elementos fundamentais da operacionalização do PSF vêm
colocando a necessidade da presença de assistentes sociais nas equipes, já que muitas
vezes, lidam com situações sociais altamente complexas, tais como: violência doméstica,
desemprego, dependência química, dentre outros.
Entendemos e valorizamos a atuação dos agentes comunitários de saúde. Seu
trabalho é a “pedra de toque” do PSF. São estes trabalhadores os responsáveis pela
adesão e permanência dos usuários ao programa. No entanto, notamos que se as
equipes de saúde pudessem contar com a presença do profissional de Serviço Social no
acompanhamento e/ou na supervisão dos agentes comunitários e demais profissionais,
empreenderia maior qualidade aos serviços e diminuiria a sobrecarga para os agentes
comunitários.
Cabe dizer que este trabalho é produto da participação das autoras na pesquisa
intitulada: Estudo de um modelo de prevenção de doenças focado na comunidade: o
papel dos agentes comunitários de saúde da família (PSF) no município de Mesquita4 cuja
orientação é da Professora Dra. Sueli Bulhões da Silva (Programa de Pós-graduação do
Departamento de Serviço Social da PUC-Rio) em parceria com o Professor Dr. Rogério
Meireles Pinto (Columbia University School of Social Work). Esta iniciativa teve a
pretensão de examinar os mecanismos através dos quais agentes comunitários
realizavam o trabalho relacionado à prevenção da saúde de famílias de baixa renda do
referido município.
Sem a pretensão de esgotar o tema, o objetivo deste trabalho é analisar como se
dá a dinâmica do Programa Saúde da Família detectando sucessos e limites diante do
atual cenário brasileiro enfatizando a ausência do Serviço Social no Programa. Fato que
influencia, sobremaneira, a qualidade dos atendimentos prestados à população.
4
Esta pesquisa dividiu-se em duas fases. A 1º iniciou-se em 2007 onde quatro unidades do PSF – Mesquita foram
analisadas. A 2ª fase (2008-2009) contemplou todas as unidades de PSF do município.
2
1 – O Programa Saúde da Família (PSF): avanços e retrocessos no setor saúde.
No Brasil, os modelos de atenção à saúde passaram por vários processos.
Processos estes que não estão alheios às movimentações sociais, culturais, políticas e,
especialmente, econômicas do país.
O decorrer da década de 1980 é marcado pela efervescência dos movimentos
sociais, que no Brasil, reivindicavam a extensão da democracia através de direitos
políticos, sociais e civis. Neste período, o movimento de Reforma Sanitária, articulado aos
demais movimentos sociais, defendia a ampliação das políticas sociais para toda a
população brasileira. Este movimento,
[...] buscava um projeto para a saúde baseado nos princípios de universalidade, integralidade,
descentralização e participação social. [...] reunindo profissionais, intelectuais e lideranças políticas
do setor saúde, vindos, na maioria, do Partido Comunista Brasileiro. Representava um foco de
oposição ao regime militar buscando a transformação do setor saúde, pressupondo a
democratização da sociedade (CORREIA, 2007, p. 12).
A Reforma Sanitária teve, e continua tendo, mérito pela iniciativa de colocar em
pauta a importância de melhores condições de vida e trabalho para os cidadãos
brasileiros além de considerar a relevância dos determinantes sociais5 referentes ao
processo saúde-doença da população. Tal movimento contribuiu para que os direitos à
saúde se legitimassem através da Constituição Federal de 1988, considerada a
constituição cidadã. Neste bojo, nasceram as Leis Orgânicas da Saúde (Leis 8080 e
8142 ambas de 1990) que conformam o Sistema Único de Saúde - SUS.
As principais prerrogativas do SUS são: universalização, integralidade, equidade,
hierarquização, descentralização e controle social (aspectos que vão de encontro às
diretrizes da Reforma Sanitária). Este sistema busca transpor o modelo hospitalocêntrico,
tradicionalmente arraigado em nosso país. O objetivo é fazer com que a atenção primária
à saúde seja valorizada, isto é, que haja uma reorientação da atenção básica visando
potencializar transformações na assistência à saúde. Neste sentido, em 1994, surge no
Brasil o Programa Saúde da Família - PSF 6.
A saúde da Família constitui uma estratégia para a organização e o fortalecimento da atenção básica
como o primeiro nível de atenção à saúde no SUS. Busca a reorganização do modelo de atenção à
saúde pela ampliação do acesso e pela qualificação das ações da atenção básica, centrando-as no
5
Determinantes sociais devem, aqui ser entendidos, como a globalidade do processo saúde-doença visando o
reoordenamento das práticas assistenciais e coletivas. Conforme Santos et al (2008, p.77) “Parte-se do entendimento de
que a saúde resulta de um conjunto de fatores políticos econômicos, sociais, culturais que se combinam de maneira
particular, em cada sociedade e em conjunturas específicas, resultando em sociedades mais ou menos saudáveis”.
6
Este programa é atualmente denominado pelo Ministério da Saúde como Estratégia Saúde da Família. No entanto,
estaremos utilizando PSF por conta de seu uso disseminado.
3
modelo de Promoção da Saúde, construídas com base na reorientação das práticas dos profissionais
(FILHO, 2005, p.14).
Em 1995, o já existente Programa Agente Comunitário de Saúde – PACS foi
incorporado ao PSF cuja equipe mínima de trabalho é composta por “um médico de
família, um enfermeiro, um auxiliar de enfermagem e 6 agentes comunitários de saúde.
Quando ampliada, conta ainda com: um dentista, um auxiliar de consultório dentário e um
técnico em higiene dental” (BRASIL, 2009).
O PSF foi inicialmente implantado em áreas rurais do Brasil, mas atualmente sua
expansão vem se dando de forma intensa nos grandes centros urbanos. A pretensão dos
órgãos governamentais é de que este programa seja a principal porta de entrada da
população ao sistema de saúde.
Idealizadores e defensores do PSF valorizam a forma de atuação da equipe de
saúde, especialmente, dos agentes comunitários tidos como elo entre comunidade e
sistema de saúde, já que são responsáveis pelo cadastro e monitoramento das famílias.
Além disso, estes trabalhadores realizam, no mínimo uma visita domiciliar a cada família
cadastrada no programa. Embora esta atribuição não lhe seja exclusiva, isto é, médicos e
enfermeiros também realizam visitas de acordo com a necessidade do paciente, o agente
comunitário tem a visita domiciliar como designação específica de sua função conforme
lei 11.350/2006, que regulamenta as atividades profissionais dos agentes7. No entanto, se
por um lado temos avanços, por outro os retrocessos são reais.
Como dito anteriormente, a forma de estruturação dos modelos de atenção à
saúde acompanham o processo histórico da qual estão inseridos, ou seja,
Perceber o modelo em saúde como tal, é compreender que sua construção é contínua e exige
permanente esforço, que sua intencionalidade orienta a prática dos atores envolvidos, que por sua
vez, com sua cultura, interesses, visões de mundo, vão dando organicidade no modo de ‘fazer saúde’
(SILVA apud SANTOS et al. 2008, p. 74).
Deste modo, o SUS e, consequentemente, o PSF recebem os reflexos das
transformações sociais, econômicas e políticas engendradas ao longo da década de
1990. Ao contrário da década anterior que apresentou uma série de ações
redemocratizantes e de conquistas de direitos, a década de 1990 foi marcada por
modificações societárias colocadas pelo grande capital. Neste contexto, podemos dizer
que tanto a América Latina, e especialmente o Brasil, serviram de laboratório para as
7
Embora a visita domiciliar não seja uma novidade, já que temos em nossa história de serviços relacionados à saúde a
atuação das antigas enfermeiras visitadoras (década de 1920), a medicina comunitária e mesmo o trabalho de assistentes
sociais, atualmente, esta prática é valorizada por tomar um caminho contrário ao modelo hospitalocêntrico, ou seja, coloca o
profissional de saúde, no caso o agente comunitário, em contato mais próximo a população atendida não esperando que a
mesma leve sua demanda a unidade de saúde. Assim, a prevenção pode ser trabalhada de forma mais eficaz.
4
experiências neoliberais empreendidas por agentes do centro do capital (BORON, 2001,
p. 8). Assim, reformas e reestruturação de programas sociais vêm sendo estimuladas por
agências internacionais, tais como, Banco Mundial, Fundo Monetário Internacional (FMI) e
o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). Para ilustrar o que vem a ser o ideário
neoliberal Draibe (1993) diz que:
É antes um discurso e um conjunto de regras práticas de ação (ou de recomendações),
particularmente referidas a governos e a reforma do Estado e das suas políticas. É essa sua
característica que conduz Théret a qualificá-lo como ‘[...] sistema de receitas práticas para a gestão
pública’ (DRAIBE, 1993, p. 88).
Dentro desta lógica, a reforma administrativa brasileira, iniciada a partir do Plano
Diretor da Reforma do Estado (1995), afirmava que o Estado encontrava-se em crise e
que sua capacidade em administrar eficientemente os campos econômicos e sociais não
mais existia. As ações que referenciavam a um Estado de bem-estar deveriam ser
minimizadas com intuito de se “enxugar” gastos.
Logo, o que deveria ocorrer era a
diminuição das responsabilidades do Estado e aumento de liberdades individuais tendo
em vista um maior protagonismo do mercado e da sociedade civil. Em conseqüência
disso temos:
[...] a redução dos direitos sociais e trabalhistas, desemprego estrutural, precarização do trabalho,
desmonte da previdência pública, sucateamento da saúde e educação, tendência a debilitar os
espaços de representação coletiva e controle social sobre o Estado, conquistas da Constituição de
1988 (BRAVO, 2007, p. 100).
Nesta perspectiva, as ações de cunho social passam a ser tratadas pelo Estado
apenas em momentos emergenciais, já que a partir de então, os “gastos” sociais
deveriam ser mínimos. Assim, aspectos como a seletividade dos programas e focalização
em específicos segmentos sociais (geralmente àqueles abaixo do nível de pobreza)
passam a fazer parte do cotidiano das políticas sociais. Além disso, o repasse de recursos
para serviços públicos, especialmente serviços de saúde, diminuíram de maneira
considerável. Deste modo, podemos afirmar a existência da correlação de forças dos
princípios do SUS e do ideário neoliberal que vem impedindo o pleno desenvolvimento da
democratização da saúde pública no Brasil. Em conseqüência disso, o PSF é tido por
alguns autores como materialização das reformas de caráter neoliberal no setor da saúde,
já que tem aspectos de simplificação da atenção básica (FRANCO & MERHY apud
MONNERAT et al, 2007, p.107).
O PSF é tido para muitos como um programa focalizado na população pobre, ou
seja, um programa “‘pobre para pobres’, com utilização de baixa tecnologia” (SANTANA &
5
CARMAGNANI, 2001, p. 46). Tal aspecto deixa de lado o objetivo maior do SUS, isto é, a
universalização de direitos. Desta forma:
Passaram-se a confrontar, de um lado, a forte tradição universalista, concebendo direitos inalienáveis
do cidadão à educação, a saúde, à habitação, à previdência e assistência social, garantidos
principalmente pelo estado provedor, e de outro, o receituário neoliberal concebido segundo aqueles
princípios de seletividade e focalização das ações públicas sobre segmentos mais necessitados da
população [...] (DRAIBE, 1996, p.98).
Seguindo o pensamento de Draibe (1996, p. 98) é importante dizer que dentro
desta dinâmica o que se apresenta é uma forte tensão, onde de um lado temos a
possibilidade de ampliar os direitos sociais através da multiplicação de políticas nãocontributivas e universalização de programas e de outro temos a redução de recursos
públicos que impactam, negativamente, os princípios do SUS e, sobretudo, na forma de
contração de profissionais para atuar em áreas sociais, especialmente na área da saúde.
2 – Ofensiva neoliberal: reflexos na conformação das equipes de saúde da família e
a urgência do Serviço Social.
Conforme sinalizado, o PSF surge numa conjuntura paradoxal das políticas sociais
no Brasil. Por um lado, temos avanços na política de saúde, já que a descentralização, a
universalidade, a equidade, o controle social dentre outros direitos passam a ser
legitimados na Constituição Federal de 1988 e pela criação do SUS. Ao mesmo tempo em
que tais conquistas se aproximam da realidade, a ofensiva neoliberal neutraliza os
avanços sociais e, mais ainda,
promove o sucateamento dos setores sociais,
principalmente, o da saúde.
Por conta da diminuição de recursos destinados à saúde, arriscamos dizer que o
PSF, tem sua equipe de saúde formada de acordo com as tendências neoliberais que
apontam para “a opção de um modelo de desenvolvimento no qual a preocupação maior
está em o Estado responder aos interesses do capital” (TEIXEIRA, 2002, p. 238). Deste
modo, profissionais como assistentes sociais não estam presentes nas equipes de saúde.
Através de nossa experiência na pesquisa, anteriormente citada, percebemos que
o dia a dia das unidades de PSF do município de Mesquita e, sobretudo, a atuação dos
agentes comunitários de saúde, é permeado por complexas expressões da questão
social:
[...] a pobreza e as precárias condições de vida dos usuários, características das populações
cobertas pelos programas, geram demandas de ações de assistência social, moradia, educação e
trabalho, entre outras, que muitas vezes também permanecem sem resposta ou são tratadas de
forma caritativa (MENDONÇA, 2008, p.15).
6
Por isso, defendemos a inclusão de assistentes sociais nas equipes de saúde da
família. É importante pontuar que não há aqui qualquer forma de corporativismo, mas sim
a intensão em ampliar direitos não só dos usuários, mas sobretudo, da própria equipe de
saúde que, muitas vezes, não detêm o preparo técnico para lidar com tais situações e se
vêem sobrecarregadas em suas atribuições. Tal fato é ainda mais sério ao pensarmos
nos agentes comunitários de saúde que lidam de maneira mais intensa com situações
como violência doméstica, abuso sexual, maus tratos, desemprego etc. Nogueira e Mioto
(2007) colocam que para os agentes comunitários de saúde:
[...] dentre suas atribuições estão previstas ações referentes ao social, altamente complexas e,
portanto, incompatíveis com o nível de habilitação dos agentes comunitários. Merece também
destaque a própria supervisão do Programa, atribuída ao enfermeiro. Reforçando a escassa
preocupação com uma ação técnica mais competente e sinalizando para uma visão reducionista da
área contrapõe-se à concepção ampliada de saúde presente na Constituição Federal. Isso tudo sem
dizer que os objetivos do Programa sinalizam para ações que são competências históricas do
Serviço Social, exigindo o domínio de técnicas e conhecimentos próprios da formação do assistente
social (2007, p.220).
Já para Teixeira (2002, p. 244):
O Serviço Social tem um determinado conhecimento e especificidade profissional, adquiridos em sua
formação acadêmica em trabalhar com famílias. Isto permite-lhe responder às demandas/ofertas do
setor, que o gabaritam a dar consistência e coerência a projetos como o do PSF.
É importante ressaltar que a condição de trabalho dos agentes comunitários deve
ser analisada numa dimensão ampla. Estes sujeitos buscam nesta atividade “a
possibilidade de um trabalho remunerado, [...] a perspectiva de profissionalização [...]. A
profissionalização não só representa maior salário, mas também o apoio em um saber
legitimado e o reconhecimento social” (SILVA; DALMASO, 2002, p. 181). Além disso,
aspectos como segurança e satisfação das necessidades básicas, satisfação/realização
pessoal e transformação social.
A pesquisa de Azambuja et al (2007) realizada em uma unidade de saúde da
família num dos municípios do Rio Grande do Sul detectou que para os agentes
comunitários de saúde:
[...] o trabalho é tido como processo (des) potencializador do viver humano que emerge ligado à
sobrecarga de trabalho e estresse, por ocupar o tempo destinado ao convívio com a família, ao lazer
e ao cuidado de si. As mulheres são penalizadas pela dupla e tripla jornada de trabalho. O trabalho
também é gerador de angústias pelas responsabilidades assumidas e impotência sentida na
resolução dos problemas sociais, políticos, econômicos e ambientais presentes na comunidade
(2007, p.71).
Um dos pré-requisitos para ingressar na função de agente comunitário de saúde é
residir na área na qual prestará serviços. Sendo assim, muitas vezes, os agentes são
7
procurados em horários fora do seu expediente para atender solicitações da comunidade.
“As pessoas batem em nossa porta sem dia e horário”; “Esperam a gente encaminhar
para irem aos lugares”; “Uma grávida me chamou às 0:50h” (Comunicação verbal,
MESQUITA, 2009)8.
É interessante notar que o cotidiano dos agentes comunitários não está descolado
da dimensão macro, pois as circunstâncias políticas, econômicas e sociais desiguais que
permeiam a sociedade brasileira refletem-se na atuação da equipe de saúde da família,
principalmente do agente comunitário de saúde.
A interdisciplinaridade, tão cara, ao movimento de reforma sanitária e
consequentemente ao SUS deve ser defendida. A inclusão de profissionais como
psicólogos, fisioterapeutas e assistentes sociais contribuirão para a efetiva implantação de
um modelo de atenção à saúde integral.
A determinação em trabalhar com uma equipe completa, poderia revelar a intenção governamental
de implementar uma política que contemple realmente as necessidades de saúde e qualidade de
vida da maioria da população brasileira, entendendo-a como realmente um direito (TEIXEIRA, 2002,
p 262).
Como vimos a política de saúde no Brasil enfrenta muitos desafios. Contar com os
princípios efetivos do SUS, muitas vezes, parece algo inalcançável. No entanto,
precisamos acreditar que é possível superar as condições desfavoráveis de trabalho e
vida através do reconhecimento dos direitos sociais, em particular do direito à saúde.
Nesta perspectiva, a luta por dias mais equânimes no setor saúde deve ser pensado, não
só pelas autoridades, mas também pelos profissionais de saúde, usuários e sociedade de
forma geral.
Logo, se faz importante contar com programas como o PSF na ampliação do
acesso à saúde. No entanto, esta possibilidade não deve ser considerada uma “cesta
básica”. Deve ser caracterizada como direito integral à saúde. E tal fato só será possível
se pudermos contar com a responsabilização do Estado em formar equipes de
profissionais que possam atender de forma plena todos cidadãos.
8
Estes relatos são de agentes comunitários de saúde do município de Mesquita e foram colhidos na reunião de devolução
da pesquisa: Estudo de um modelo de prevenção de doenças focado na comunidade: o papel dos agentes comunitários de
saúde da família (PSF) no município de Mesquita em 04 fevereiro de 2009.
8
3- Conclusões.
Nossa pretensão foi de demonstrar, brevemente, a dinâmica do PSF e as
complexidades que envolvem tal programa dando destaque para a formação das equipes
de saúde da família.
Procuramos destacar que o PSF apresenta contradições, assim como os demais
programas assistenciais no contexto contemporâneo. A possibilidade de ampliação do
acesso à saúde é real no âmbito do PSF, no entanto, para que o mesmo se consolide,
realmente, como “instrumento de reorganização e reestruturação do sistema público de
saúde” (MS apud TEIXEIRA, 2002, p. 243) é necessário que seja considerado como
estratégia de ação e não como um programa de cunho focalizador.
Tomando a reflexão de Bravo (2005, p. 38) percebemos que há a necessidade de
modificar a direção do PSF para a promoção da atenção básica articulada aos demais
níveis de assistência. Este desafio terá maiores chances de superação através da
integralidade, interdisciplinaridade e equidade. Neste sentido, poder contar com uma
equipe integral de saúde da família (e não apenas básica) que possibilite aos sujeitos
envolvidos com o PSF, principalmente, os usuários maiores possibilidades de direito à
saúde.
Nesta oportunidade, pontuamos que se faz urgente a inclusão de outras categorias
profissionais, sobretudo, de assistentes sociais nas equipes de trabalho da estratégia da
família. Esta seria uma das formas de se transpor o caráter racionalizante que o programa
encapa. Ou seja, o PSF deve ser modificado no sentido de superar a áurea simplista que
o envolve.
Temos
a
convicção
que
as
complexidades
que
envolvem
o
PSF
e
consequentemente a definição de seu quadro de profissionais tem a ver com a dimensão
estrutural do Brasil. O encaminhamento dado às políticas públicas em países como o
nosso que se identificam com as orientações do capital financeiro mundial refere-se à
redução de investimentos que impactam na qualidade dos serviços sociais.
Quanto à ampliação do quadro de profissionais direcionado a um atendimento
integral das famílias do PSF temos tido alguns avanços. Atualmente, vêm sendo
implementados, em alguns municípios do país, Núcleos de Apoio à Saúde da Família –
NASF criado pelo Ministério da Saúde através da portaria GM nº 154, de 24 de Janeiro de
2008. Neste, o Serviço Social é tido como uma das áreas estratégicas de atendimento às
famílias.
9
Por fim, destacamos que o PSF só será conformado como reestruturador do
sistema público de saúde se for a ele dispensada a devida atenção por parte das
camadas dirigentes, dos profissionais de saúde e de toda a sociedade. Neste sentido,
reforçamos a defesa intransigente do SUS e dos princípios da Reforma Sanitária onde as
necessidades e carências transformem-se em direitos e não em seletividade, focalização
e políticas básicas.
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