MANUAL DE
HEPATITES
VIRAIS
Organização:
Vanessa Salete de Paula
Marcelle Bottecchia
Livia Melo Villar
Vanessa Faria Cortes
Letícia de Paula Scalioni
Débora Lopes dos Santos
Marcia Terezinha Baroni
Rachid Saab Cunha
Tainá Pellegrino Martins
1
2
MANUAL de hepatites virais / Organização: Vanessa Salete de Paula,
Marcelle Bottecchia, Livia Melo Villar, Vanessa Faria Cortes,
Letícia de Paula Scalioni, Débora Lopes dos Santos, Marcia
Terezinha Baroni, Rachid Saab Cunha, Tainá Pellegrino Martins.
- 1. ed. - Rio de Janeiro: Rede Sirius; OUERJ, 2015.
215 p. : il.
ISBN 978-85-88769-90-8 (E-Book)
1. Hepatite por vírus. I. Título.
CDU 616.61
Reitor
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Apoio Técnico da Rede Sirius
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Tainá Pellegrino Martins
3
BIBLIOTECA DO OUERJ
4
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5
A BIBLIOTECA OUERJ é composta por diversos volumes
em diferentes áreas temáticas. Representa o trabalho de Pesquisa, Magistério, Consultoria, Extensão e Auditoria de inúmeros profissionais de diversas instituições nacionais e extra-nacionais.
O objetivo da biblioteca é ser útil como instrumentação e base epistemológica dos Graduandos, Pós-graduandos e profissionais das
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Evidentemente que cada caso da BIBLIOTECA OUERJ deve ser encarado dentro de um contexto a que foi inicialmente proposto. Especialmente deve-se levar em conta as limitações vigentes do estado d’arte, das
circunstancias e da finalidade inicial a que foi proposta. As derivações
e extrapolações podem ser adotadas desde que não se deixe de vislumbrar sempre, estes limites de escopo inicial que norteou estes trabalhos.
Nós do OUERJ, agradecemos especialmente aos autores, a todos
os profissionais que compõem os Conselhos Editoriais, Executivos e
Consultivo do OUERJ. Agradecimento especial a REDE SIRIUS e a Pro
Reitoria de Extensão e Cultura da UERJ que possibilita esta publicação.
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Diretoria do OUERJ
SUMÁRIO
O QUE SÃO HEPATITES VIRAIS?
HEPATITE A
HEPATITE B
HEPATITE C
HEPATITE DELTA
HEPATITE E
DIAGNÓSTICO DAS HEPATITES VIRAIS
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
8
16
48
70
100
118
142
152
7
INTRODUÇÃO
8
O QUE SÃO
HEPATITES VIRAIS?
Entende-se por hepatite
os quadros que apresentam uma
alteração difusa no parênquima
hepático, caracterizadas por uma
lesão necroinflamatória dos hepatócitos, de gravidade variável.
Mesmo apresentando variações
importantes de incidência e prevalência, de acordo com a região
geográfica, as hepatites virais representam um problema sanitário
da maior relevância, em praticamente todos os países do mundo.
Agrupadas, muitas vezes, como
doença única, em razão da similaridade de suas manifestações clínicas, as hepatites virais
são doenças distintas causadas por diversos vírus que tem
o DNA ou RNA como seu material genético, envelopados e
não envelopados, com diferentes características funcionais
e estruturais. Essas entidades
são bem conhecidas e distintas, quanto à etiologia, epidemiologia, evolução, prognóstico
e profilaxia (KOONIN & DOLJA, 1993; ZANOTTO et al, 1996).
O conceito de hepatites
virais, que é conhecido desde a
época de Hipocrates, só foi estudado mais cientificamente após
os casos ocorridos posteriormente a Segunda Guerra Mundial, mais precisamente após a
vacinação de trabalhadores do
estaleiro de Bremen (Alemanha)
contra a varíola (vacina preparada com linfa humana). Dos
trabalhadores vacinados, 15%
se tornaram ictéricos, sendo evidente a associação desta enfermidade a um agente de transmissão parenteral (LURMAN, 1885).
No inicio do século XX, foram relatados surtos de hepatite de “período de longa incu-
9
10
bação” (50 a 180 dias), os quais
foram observados em muitos
países e foram associados às
transfusões de sangue, ao uso de
medicação injetável com seringas e agulhas não esterilizadas
e a administração de vacina, como
por exemplo, o surto de hepatite/
icterícia ocorrido entre os militares que foram vacinados contra a
febre amarela durante a Segunda Guerra Mundial. MacCallum,
em 1947, designou os termos
“vírus da hepatite A” (HAV) e
“vírus da hepatite B” (HBV)
referindo-se
aos
supostos
agentes etiológicos das hepatites de período de curta incubação ou infecciosa (18 a 37
dias) e de período de longa in
cubação ou soro-homologa (50
a 180 dias), respectivamente.
Esta terminologia foi adotada
pelo comitê das hepatites vi-
rais da Organização Mundial
de Saúde (OMS) e é utilizada
ate hoje (KRUGMAN, 1989).
Embora novos vírus tenham sido isolados e, em algum momento, associados as
hepatites (Huang et al. 2000;
Hinrichsen et al. 2002) tem-se
como certa, a existência de cinco
tipos de hepatites virais de importância médica (Tabela 1).
O vírus da hepatite B foi o primeiro deles a ser identificado
(1970), seguido pelo vírus da hepatite A (FEINSTONE et al, 1973),
vírus da hepatite D (HDV) (RIZZETO et al, 1977), vírus da hepatite E (BALAYAN et al, 1983) e
vírus da hepatite C (CHOO et al,
1989). Outros agentes foram
identificados em indivíduos com
hepatite pós-transfusional não
A-E, porém uma relação causal entre infecção por estes ví-
rus e hepatopatias ainda não pode ser confirmada. Dentre eles, destacam-se o vírus da hepatite G (HGV) (SIMONS et al, 1995), vírus
TT (TTV) (NISHIZAWA et al, 1997) e SEN-V (TANAKA et al, 2001).
11
Figura 1. Localização do fígado no corpo humano
12
Diariamente, na clínica encontram-se casos de hepatites que
não podem ser atribuídos a nenhum dos vírus conhecidos e por
isso é importante o estudo dessa
doença. Além disso, ainda existem várias hepatites relacionadas
com vírus capazes de produzir
quadros definidos (citomegalovírus, vírus do herpes, etc.) assim
como vírus considerados exóticos (arenavirus, vírus ebola, etc.).
Existem ainda as hepatites cuja
origem é atribuída a agentes nocivos não virais, como por exemplo,
a hepatite alcoólica que é causada pela ingestão em excesso de
bebidas alcoólicas, hepatite medicamentosa que é causada pela
ingestão em excesso de alguns
medicamentos ou agentes químicos tóxicos para o fígado e
as hepatites autoimunes que
são causadas pela agressão do
nosso próprio sistema imune (HOWARD et al, 1984).
De acordo com seu mecanismo habitual de transmissão,
as hepatites virais são comumente classificadas em dois grandes
grupos: o primeiro corresponde
àquelas cuja transmissão se faz
pelas vias fecal e oral, englobando
as hepatites A e E e no segundo,
situam-se as que são transmitidas através de contato direto com
o sangue contaminado, representadas pelas hepatites B, C e Delta.
Das cinco hepatites virais conhecidas, as mais importantes para a saúde pública são, as causadas pelo HBV
e HCV. Isso se deve à combina
ção da epidemiologia e clínica
dessas doenças. Epide miologicamente, a relevância dessas doenças deve-se à larga distribuição
geográfica e ao enorme número de
indivíduos mundialmente infectados. Do ponto de vista clínico,
ambas apresentam elevado potencial de cronificação, o que pode
levar á cirrose e ao câncer hepático (SHERLOCK & DOOLEY, 1997).
A hepatite A tem alta prevalência em regiões onde é precário o saneamento ambiental,
o que cria condições propícias
para sua disseminação. Essa característica faz com que a hepatite A seja amplamente encontrado
no Brasil, apesar de evidências
de que a sua transmissão já não
acontece tão precocemente
quanto em décadas passadas,
quando a quase totalidade das
crianças
tornava-se
infectada até os 5 anos de idade (VITRAL et al, 1998).
A OMS estima cerca de
400 milhões sejam portadoras crônicas da hepatite B (ZU-
CKERMAN, 1999) e que existam de cerca de 170 milhões de
portadores crônicos para a hepatite C, fato que tem levado as
autoridades de saúde pública a
considerar a hepatite C como a
grande pandemia do século XXI
(SHERLOCK & DOOLEY, 1997).
A hepatite Delta possui
associação obrigatória com a
hepatite B, largamente disseminada em extensas regiões
do território brasileiro – particularmente na Região Amazônica –
e pelo grande potencial de gravidade clínica, esse tipo de hepatite
reveste-se de grande importância no quadro sanitário nacional (BENSABATH et al, 1987).
A hepatite E ocorre em numerosos países em desenvolvimento, onde tem sido associada à
epidemias transmitidas por água
contaminada com resíduos de
13
14
esgoto (SHERLOCK & DOOLEY,
1997). Normalmente não se associa a casos graves, uma vez que,
como a hepatite A, não tem potencial de cronificação. Estudos
recentes demonstram a presença da hepatite E em populações
brasileiras, mas pouco se sabe
sobre
a
história
natural dessa doença no Brasil
(TRINTA
et
al,
2001).
É bem conhecido que as
hepatites virais ocorrem em
todo o mundo, com diferentes prevalências e vias de trans
missão (Tabela 2). Entretanto,
mesmo com todo o conhecimento
acumulado nas últimas décadas,
ainda existem lacunas importantes sobre a epidemiologia dessas
doenças. Esse fato demonstra
que existe ainda um longo caminho a ser trilhado para que se
chegue a atingir um conhecimen-
to pleno sobre a epidemiologia
dessas viroses. Por essa razão,
é importante a continuidade de
investigações epidemiológicas.
A persistência do HBV é
freqüente em recém-nascidos
(79%), incomum em adultos
(<5%) e intermediária em crianças (THOMAS & ZOULIM, 2012).
15
Figura 2. Campanha de Conscientização do Governo Federal
Fonte: Governo Federal
16
CAPÍTULO 1
HEPATITE A
O
vírus da hepatite A
(HAV) é distribuído mundialmente, devido às mudanças epidemiológicas e os diferentes perfis
de endemicidade a doença é um
problema de saúde pública. Embora as vias de transmissão sejam bem compreendidas e exitirem vacinas eficazes e seguras, a
epidemiologia esta mudando nos
países com endemicidade intermediária, onde vem ocorrendo
um aumento de pessoas sucetíveis a doença e consequentemente o aumento no número de surtos. Os focos da doença podem
ser dificeis de serem controlados,
principalmente, devido a casos
assintomáticos que podem ocorrer entre as crianças menores
de 5 anos de idade. Atualmente,
a hepatite A esta se deslocando
para as idades mais avançadas e
casos em adultos e adolescentes
vem ocorrendo com frequencia.
Além das pessoas expostas a surtos, e que ingerem água e alimentos contaminados, pessoas que
viajam para áreas endemicas e
homens que fazem sexo com homens, usuários de drogas e profissionais que trabalham com crianças podem estar em risco se não
tiverem imunidade contra o HAV.
O quadro clínico é bem conhecida, na maioria das vezes a doença
é autolimitada, mas casos de hepatite A fulminatante vem sendo
descritos na literatura. No estado do Rio de Janeiro, assim como
nos países em deselvolvimento,
a prevalência da hepatite A esta
relacionada com o perfil socio-economico da população e com as
condições de saneamento básico.
EPIDEMIOLOGIA
A epidemiologia da hepatite A está intimamente relaciona-
17
18
da ao nível de desenvolvimento
econômico, ao grau de saneamento básico e as condições de higiene. Portanto, uma relação inversa
é encontrada entre o nível socioeconômico e a prevalência de anticorpos anti-HAV. Estes fatores
levam a diferentes padrões epidemiológicos de hepatite A. Em populações onde as condições sanitárias são inadequadas ou mesmo
inexistentes, a maioria das crianças se infecta nos primeiros anos
de vida e desenvolve a forma assintomática da doença, de maneira que, acima dos 10 anos, a população quase toda já é imune ao
vírus. Este padrão hiperendêmico
é verificado nos países em desenvolvimento da Ásia, da África e em
certos locais da América Latina.
Por outro lado, quando se
trata de países bem desenvolvidos, com alto padrão de higiene
e saneamento básico, um padrão
epidemiológico oposto é verificado, consequentemente existe
um grande número de indivíduos
suscetíveis, pois a infecção pelo
HAV é totalmente ausente até a
terceira década de vida. Nestes
países as barreiras ambientais
impedem o contato com o vírus
na infância. Na Europa, observa-se que a prevalência de anticorpos contra o HAV é baixa em todas
as faixas etárias, consequentemente, há um aumento de casos
clínicos e de casos fatais da doença, pois a infecção atinge mais
a idade adulta, onde a doença se
desenvolve de forma sintomática. Em países com economia em
transição, como em alguns países
em desenvolvimento, aonde as
condições de saneamento básico e de higiene vêm melhorando
nas últimas décadas, encontra-
-se um padrão epidemiológico
de endemicidade intermediária.
Nestes locais, vem ocorrendo a redução na prevalência
de anti-HAV entre crianças e em
adultos jovens e consequentemente o deslocamento da infecção pelo HAV para faixas etárias
mais elevadas. Segundo dados do
inquérito nacional conduzido em
27 capitais das cinco macrorregiões do Brasil, a prevalência global
para a infecção pelo HAV (anti-HAV) foi de 39,5% em indivíduos
com idade inferior a 20 anos no
país. O percentual de crianças expostas ao HAV na faixa etária de 5
a 9 foi de 27,0% e de 44,1% para
o grupo de 10 a 19 anos. Esses
resultados apontam para o aumento da exposição com a idade
e colocam o conjunto das capitais
do Brasil como região de intermediária endemicidade. Apesar
disso, o Brasil apresenta regiões
com diferentes padrões de endemicidade. A região com maior
soroprevalência para anticorpos
anti-HAV em indivíduos com menos de 20 anos é a do Norte com
58,3%, seguido do Centro Oeste
com 54,1%, Nordeste 53,1% e
Distrito Federal com 41,6%. Todas
essas regiões foram consideradas
de endemicidade intermediária.
Já a região Sul apresenta a menor soroprevalência com 30,8%,
seguido da região Sudeste com
32,5%. Estas regiões são consideradas de baixa endemicidade.
Como resultado, uma parcela cada vez maior da nossa população adulta permanece suscetível ao HAV, levando à ocorrência
de surtos e casos esporádicos,
uma vez que o vírus não foi eliminado do ambiente. Sendo assim, a infecção pelo HAV conti-
19
nua sendo a forma mais comum
dentre as hepatites virais agudas.
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ESTRUTURA VIRAL
O HAV pertence a família Picornaviridae e é o
único membro do gênero
Hepatovirus. A partícula viral
tem formato icosaédrico, não é
envelopada e mede aproximadamente 27 a 32 nm de diâmetro.
As partículas são bastante estáveis no ambiente, especialmente
quando associadas com matéria
orgânica, apresentando um elevado grau de resistência a pH
baixos e temperatura elevadas,
estas características facilitam a
transmissão por via fecal-oral e
água e alimentos contaminado.
GENOMA VIRAL
O genoma é dividido em
três regiões: 1) uma região não
codificante presente na extremidade 5’ (5’NC), com cerca de 735
nucleotídeos, corresponde a 10%
do genoma e está covalentemente ligada à proteína viral VPg; que
tem importante papel na iniciação
da tradução e atua como sítio de
entrada do ribossoma; 2) uma região de leitura aberta que codifica
proteínas estruturais (componentes do capsídeo) e não estruturais
(proteínas importantes para replicação e síntese de novas partículas virais) e 3) uma pequena região não codificante presente na
extremidade 3’ com cerca de 63
nucleotídeos a qual é pós-transcricionalmente
poliadenilada.
A tradução da região de leitura
aberta do genoma do HAV produz
uma poliproteína com cerca de
2.225 a 2.227 aminoácidos, a qual
leva à produção de precursores
proteicos denominados P1, P2 e P3.
A região P1 é processada em proteínas estruturais VP1, VP2, VP3, e a
proteína viral VP4, que é essencial
para a formação da partícula viral.
A clivagem das regiões P2 e P3
leva à produção de proteínas não
estruturais que estão envolvidas
com o processo de replicação viral, desenvolvendo funções na
síntese do RNA viral e na etapa de
montagem do virion. Através da
clivagem da região P2 são obtidas
as proteínas 2A, que está associada com a morfogênese do nucleocapsídeo, 2B, que está envolvida
com o aumento da permeabilidade das membranas celulares e 2C,
envolvida na replicação do genoma viral. A P3 é clivada em quatro proteínas não estruturais, 3A,
3B, 3C e 3D. A proteína 3A é altamente hidrofóbica e tem função
de ancorar as proteínas 3B e 3C.
A proteína 3B é responsável pela
iniciação do processo de replicação do genoma viral, a proteína
3C é a protease responsável pela
clivagem das proteínas, e a proteína 3D tem a função de RNA
polimerase dependente de RNA.
21
22
Figura 3. Vacina infantil contra Hepatite A.
Fonte: Ministério da Saúde
REPLICAÇÃO VIRAL
A entrada do vírus no organismo ocorre através da ingestão de partículas virais que
infectam o trato digestório, a replicação do HAV ocorre no fígado,
no citoplasma dos hepatócitos.
A replicação é iniciada com a interação do HAV a receptores específicos presentes na superfície
da célula hospedeira, após o reconhecimento pelos receptores
o vírus é internalizado por endocitose. No citoplasma da célula, o
vírus perde o capsídeo proteico,
e o genoma de RNA fita simples e
polaridade positiva passa a atuar
como RNA mensageiro (RNAm)
para a síntese da poliproteína viral. O sítio de entrada interna do
ribossomo (IRES), presente na região 5’NC, direciona a tradução do
genoma viral usando a maquinaria
ribossomal da célula hospedeira.
A tradução da poliproteína
se inicia com a ligação do IRES à
subunidade 40S do ribossomo
celular. Proteínas não estruturais
do HAV (2B-3Dpol) sintetizam
uma cópia do RNA complementar
de polaridade negativa (replicativo intermediário), que servirá
de molde para a síntese de novas
fitas de polaridade positiva, que
sintetizarão novas proteínas virais. Após a tradução e síntese
das proteínas estruturais e não
estruturais as fitas positivas são
empacotadas para a formação de
novas partículas virais e depois
sofrem clivagem de maturação na
região de junção entre as proteínas VP2 e VP4. Após este processo, a partícula viral é montada, as
partículas completas são sintetizas contendo um capsídeo icosaédrico com 60 cópias de cada proteína estrutural e com o RNA de
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polaridade positiva; as partículas
incompletas são sintetizas sem o
RNA do HAV, ambas as partículas
são secretadas pelos hepatócitos.
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VARIABILIDADE
GENÉTICA
Os primeiros experimentos para verificar a variabilidade
genética do vírus da hepatite A
foram realizados através do sequenciamento da região VP1/2A.
As distâncias genéticas encontradas entre as cepas do HAV sequenciadas foram distribuídas
de forma desigual, permitindo
a classificação do HAV em diferentes genótipos. Nesta região,
os genótipos apresentam variabilidade nucleotídica superior a
15%. Inicialmente o HAV foi classificado em sete genótipos I a VII,
mas posteriormente os genótipos
da hepatite A foram reclassifica-
dos em seis genótipos, I a VI, com
base em sequências derivadas da
região VP1 completa. Os genótipos I, II e III são divididos em subgenotipos A e B, com a diferença
genética de 7 a 7,5% entre os
subgenotipos da região VP1/P2A.
Recentemente, um novo subtipo C foi proposta no genótipo I.
Os genótipos I-III são associados
com infecções em humanas, enquanto genótipos IV-VI estão associados com infecção em símios.
Os genótipos do HAV e subgenotipos apresentam uma distribuição
geográfica específica. Em todo o
mundo, o genótipo I é o mais prevalente, e o subgenotipo IA é mais
comum do que o subgenotipo
IB. O subtipo IA circula na America do Norte e Sul, Ásia e África.
O subtipo IB é predominante no
Oriente Médio e África do Sul. No
Brasil a co-circulação dos subge-
notipos IA e IB foi observada. Os
isolados do genótipo II foram inicialmente identificados na França em Serra Leoa na década de
70 e 80. No entanto, atualmente
a detecção deste genótipo é raramente relatada. O subgenotipo
IIA pode ter sido originado na
África Ocidental. O genótipo III
tem uma distribuição global, cepas pertencentes ao subtipo III,
foram identificadas em países da
Ásia e Europa, bem como em Madagáscar e Estados Unidos. Um
aumento na distribuição do genótipo IIIA foi relatado recentemente na Coréia, Rússia e Estónia.
Na Índia, surtos de hepatite A notificados foram causados pelo genótipo IIIA. No Japão, os subtipos
IIIA e IIIB co-circulam amplamente com cepas dos genótipos IA e IB.
TRANSMISSÃO
A hepatite A é adquirida
principalmente pela via fecal-oral,
incluindo o contato pessoa-a-pessoa e ingestão de água ou alimentos
contaminados por fezes de indivíduos infectados. Em raras ocasiões,
o HAV também pode ser
transmitida
através
da
transfusão
de
sangue
ou
hemoderivados
provenientes
de doadores infectados e assintomáticos que doam sangue
no período de viremia O HAV é
altamente transmissível, portanto, a ocorrência de surtos é
freqüentemente relatada, especialmente nos locais onde a imunidade na população é baixa.
TRANSMISSÃO POR ÁGUA OU
ALIMENTOS CONTAMINADOS
O surtos de hepatite A
por água ou alimentos con-
25
26
taminados a partir de um
fonte única são caracterizados por
um aumento brusco do número
pessoas com icterícia em um
curto período de tempo. À contaminação pela água ocorre comumente entre pessoas que bebem
água contaminada ou nadam em
águas contaminadas por esgoto.
A transmissão de origem alimentar ocorre quando a pessoa que
manipula o alimento esta contaminada e não tem medidas de higiene adequadas, principalmente quando não lava as mãos após
ir ao banheiro, neste caso o HAV
é transferido para os alimentos
atráves da mão contaminada durante a preparação ou quando
as plantas destinadas para alimentar torna-se contaminada
com fezes durante colheita ou
processamento antes de chegar
ao estabelecimento de servi-
ço de alimentação ou em casa.
A contaminação por alimentos,
também pode ocorrer através da
ingestão de frutos do mar infectados, principalmentes ostras e
mexilhões. A detecção e seqüenciamento de HAV RNA de amostras de água, alimentos e dos
pacientes infectados são ferramentas úteis para a identificação
da fonte de transmissão de HAV.
TRANSMISSÃO
PESSOA-PESSOA
A
forma
mais
comum de transmissão do
HAV ocorre quando existe
o contato pessoal prolongado e próximo entre individuos infectados e suscetíveis.
A eliminação prolongada do
HAV nas fezes, antes e depois
o aparecimento dos sintomas,
facilita a transmissão pessoa
- pessoa. Este tipo de transmissão é comum ocorrer no contato
intradomiciliar, em instituições
fechadas, como escolas, creches
e berçários, lugares que existem aglomerações de pessoas,
compartilhamento de objetos,
condições de higiene inadequadas e alta proporção de indivíduos suscetíveis à hepatite A.
Surtos intradomiciliares ocorrem com frequência devido ao
compartilhamento de objetos
e contato das pessoas que vivem em uma mesma residência.
As crianças assintomáticas facilitam a transmissão do HAV. Na
transmissão pessoa-pessoa pode
ser detectado apenas uma genotipo ou mais de um genótipo se
diferentes fontes de infecçãoo
estiverem envolvidas no surto.
HOMENS QUE FAZEM SEXO
COM HOMENS (HSH)
A transmissão sexual por
si só não é uma via de transmissão do HAV. Contudo a tranmissão pode ocorrer entre homens
que fazem sexo com homens
como conseqüência direta da
relação sexual oral anal e o contato com fezes contaminadas
pelo HAV. A eliminação dos vírus nas fezes ocorre antes do
início dos sintomas e continua
além da fase sintomática, a disseminação prolongada do HAV
nas fezes facilita a transmissão
através do contato oral-anal.
USUÁRIOS DE DROGAS INJETÁVEIS (UDI)
O aumento da transmissão do HAV entre os usuários de drogas pode ser
associado com precarias condi-
27
28
ções sanitárias e de higiene pessoal, e fatores relacionados ao
estilo de vida e comportamento
sexual (sexual oral-anal). O HAV
não é considerado um patógeno
com transmissão através do sangue nas mesmas extensão que
HBV e HCV. No entanto, a tranmissão percutânea não pode ser
excluído devido ao compartilhamento freqüente de agulha e seringas entre usuários de droga.
Na Noruega foi relatado surtos
da hepatite A do subgenotipo
IIIA entre usuários de drogas.
QUADRO CLÍNICO
A hepatite A é caracterizada como uma doença aguda e
na maioria das vezes auto-limitante; os sintomas podem variar
de uma forma assintomática rápida ou até hepatite fulminante
(<1%). Após a infecção ocorre
o período de incubação ou pré-clínico, geralmente neste período o paciente não apresenta
os sintomas característicos de
hepatite. Este período é caracterizado pelo tempo entre a exposição ao vírus e o início dos
sintomas, esta fase pode variar
de 15 a 50 dias, com uma média
de 30 dias, onde ocorre a replicação viral ativa e excreção viral nas fezes. A transmissão do
vírus pode ocorrer durante a
fase pré-clínica devido à elevada carga viral que é excretada.
A segunda fase, conhecida
como fase prodomica, é caracterizada pelo aparecimento de
sintomas não específicos e pode
variar desde alguns dias até mais
do que uma semana antes do início da icterícia. Em mais da metade dos pacientes, este período
é caracterizado por anorexia,
febre, fadiga, mal-estar, mialgia,
náuseas e vómitos. Os sintomas inespecíficos como coriza,
tosse, dor de cabeça e dor de
garganta também podem estar
presentes. Os sintomas observados na fase prodomica tendem
a diminuir com o aparecimento
da icterícia, contudo o mal-estar e a anorexia podem persistir.
A terceira fase ictérica
ou de hepatite viral aguda começa com o aparecimento
de urina escura devido à excreção de bilirrubina, fezes claras e
amarelamento da pele e mem-
29
30
branas mucosas. A fase ictérica
começa dentro de 10 dias após
os primeiros sintomas e é observada em mais de 85% dos casos
de infecção pelo HAV. Entre as
crianças com idade inferior a 5
anos de idade, apenas 50% apresentam sintomas de hepatite viral aguda, a maioria dos casos
é assintomático o que facilita a
transmissão silenciosa do vírus.
A icterícia não é observada em todos os casos sintomáticos da hepatite A; hepatite
anictérica pode ocorrer. O paciente geralmente se recupera completamente dentro de 2
meses. Na literatura não há registros de formas crônicas da
doença, embora tenha havido
casos em que a doença se estendeu por mais de 6 meses.
Ocasionalmente,
lesões
mais extensas do fígado podem
ocorrer, levando a lesão hepática grave, a que se refere à insuficiência hepática como aguda
ou hepatite fulminante, que é
uma complicação rara, caracterizada por febre alta, dor abdominal, vômitos e icterícia.
A hepatite fulminante seguida de morte pode ocorrer, mas
tais casos são raros, e tendem a
ocorrer mais comumente em indivíduos mais velhos. Manifestações extra-hepáticas de HAV
são incomuns, mas podem ser
observadas. Aproximadamente
5-15% dos pacientes têm esplenomegalia. Existe também uma
forma rara de hepatite, hepatite
colestática e ictérica, que pode
ser grave e pode persistir por
vários meses antes da resolução
completa da doença. Em alguns
pacientes, a anorexia e diarreia ocorrem periodicamente.
A recorrência da doença
ocorre entre 3 e 20% de casos de
hepatite aguda e pode ser mais ou
menos grave do que a manifestação original, e geralmente acontece de 4-15 semanas depois que
os sintomas iniciais foram resolvidos. Após o desaparecimento
dos sintomas os pacientes podem continuar eliminando o HAV
nas fezes em baixas quantidades.
PATOGÊNESE
A infecção por hepatite A
geralmente ocorre após a ingestão do HAV em material contaminado com fezes. O HAV entra
pela via gastrointestinal é absorvido e se prolifera na mucosa
digestiva. Após a proliferação o
HAV circula na corrente sanguínea e através da circulação portal e sistêmica chega ao fígado
onde inicia a replicação viral nos
hepatócitos. Nos hepatócitos o
RNA do HAV tem função de RNA
mensageiro e é utilizado para a
síntese de novas partículas virais. As novas partículas virais
são eliminadas pelos hepatócitos e chegam aos canalículos biliares; em seguida são encontradas na bile e no intestino, onde
infectam as fezes com uma elevada concentração (109 a 1010
copies/mL). As partículas são
eliminadas nas fezes no inicio da
infecção, antes do aumento da
alanina aminostransferase (ALT)
e aparecimento dos sintomas ou
icterícia. Os pacientes infectados
com o HAV que são assintomáticos também eliminam os vírus
das fezes e podem ser fonte de
infecção da doença. Durante a infecção, no período de viremia o HAV é detectado no sangue com carga viral
31
32
de 2 a 4 logs menores do que é
geralmente encontrado nas fezes. O vírus é eliminado na circulação sanguínea pela membrana
basolateral. A viremia precede
o aparecimento dos sintomas
clínicos pelo menos duas semanas antes e os títulos virais declinam após o aparecimento dos
sintomas, contudo o HAV RNA
pode ser detectado no sangue
até 10 semanas após o inicio da
infecção. Estudos com infecção
experimental em primatas detectaram o HAV-RNA nas glândulas salivares e na orofaringe
sugerindo uma replicação inicial
nesses locais. Contudo, a carga viral detectada na saliva foi
menor do que a encontrada no
sangue. Os estudos com primatas não humanos são importantes para esclarecer a patogênese
do HAV, porém vários aspectos
ainda precisam ser elucidados.
O DIAGNÓSTICO
LABORATORIAL
Diagnóstico bioquímico
Os testes bioquímicos da
função hepática podem ser usados como auxiliar para o diagnóstico da hepatite A, entretanto
não é um teste especifico, apenas
indica que o paciente apresenta
alterações bioquímicas que podem estar relacionadas à inflamação no fígado. Entre os testes
bioquímicos incluem a medição
da bilirrubina total no soro, fosfatase alcalina (ALT) e aspartato aminotransferase (AST), mas
apenas ALT é um teste específico para a hepatite. Em pacientes sintomáticos, as elevações
de ALT e AST ocorrem com frequência. O diagnóstico labora-
torial deve incluir hemograma
completo, tempo de atividade da
protrombina (ATP) e transaminases séricas. Em pacientes com
falência hepática aguda três variáveis são avaliadas para definir
o prognóstico da insuficiência
hepática fulminante: (1) idade,
menor que 11 anos ou maior de
40 anos; (2) duração da icterícia,
antes do início da encefalopatia
superior a 7 dias; e (3) elevação
das enzimas séricas, bilirrubina
e o tempo de protrombina que
indicam um mau prognóstico.
Tipicamente, os níveis totais de
bilirrubina no soro permanecem abaixo de 10 mg/dl, mas os
níveis de 20 mg/dl podem ocasionalmente ser observados. As
concentrações de ALT e AST fornecem uma avaliação quantitativa de danos no fígado durante
a infecção aguda. ALT está loca-
lizada principalmente no fígado,
e é limitado para o citosol dos
hepatócitos, enquanto AST é encontrada na mitocôndria (80%)
e citosol (20%). Esta compartimentalização das
enzimas pode explicar parcialmente o padrão de transaminases observado em muitas formas
de doenças hepáticas, uma vez
que durante a hepatite aguda,
os níveis de ALT são significativamente mais elevados do que
os níveis de AST, resultando em
uma maior proporção dos níveis
de ALT/AST (> 1,4). A lesão hepatocelular torna-se evidente
devido à acentuada elevação dos
níveis das transaminases hepáticas, em muitas vezes maior do
que 500 UI/L, logo após o período prodromico. No entanto,
exceções podem ocorrer em situações em que o paciente de-
33
34
senvolve grave necrose tecidual, resultando em um aumento
da liberação de AST no sangue.
O aumento das transaminases
ocorre na fase prodromica, atingindo um pico ao mesmo tempo
em que ocorrem os sintomas clínicos, neste período as concentrações acima de 1.000 UI/L são
comuns. Em dois meses, 60%
dos pacientes têm testes bioquímicos normais, atingindo quase
100% em 6 meses. Como a albumina é a principal proteína
secretora produzida pelo fígado,
e é importante para a regulação
de concentração osmótica, ela
também é útil para acompanhar
o prognóstico da doença. Os testes bioquímicos não permitem
que a diferenciação da hepatite
A de outras formas de hepatite
aguda, de modo que os testes sorológicos são necessários para
identificar o agente etiológico.
O diagnóstico sorológico
Ensaios
imunoenzimáticos
(ELISA)
O diagnóstico laboratorial do
vírus da hepatite A pode ser feito através de testes sorológicos
específicos para a detecção de
anti-HAV IgM. A presença destes anticorpos na maioria dos
indivíduos aparece após o período de incubação viral e detecção do anti-HAV IgM é um dos
testes mais importante para
o diagnóstico da hepatite A.
Os anticorpos anti-HAV da classe IgM são detectados por testes imunoenzimáticos (ELISA),
a partir do início dos sintomas,
geralmente aumentam rapidamente entre 4 e 6 semanas após
a infecção e, em seguida, caem
para níveis indetectáveis dentro
de 4 a 6 meses, raramente persiste por mais de 12 meses, em
média permanecem detectáveis
durante 3 meses. A sensibilidade e a especificidade da detecção
de anticorpos anti-HAV IgM nos
testes comerciais geralmente
são superiores a 99%. Na maioria dos casos as transaminases
séricas normalizam antes de anti-HAV IgM se torna indetectável.
Os anticorpos anti-HAV da classe IgG são detectados por testes
imunoenzimáticos que detectam anti-HAV total, estes testes
detectam anticorpos IgM e IgG
simultaneamente. Os anticorpos anti-HAV IgG persistem por anos e fornecem proteção contra a reinfecção. Apesar
da detecção deste anticorpo não
distinguir infecção aguda recente de uma infecção passada, esses
anticorpos indicam imunidade
contra a doença, e sua detecção
pode ser usado para estudos epidemiológicos de prevalência da
infecção pelo HAV, bem como a
avaliação de resposta vacinal.
Os anticorpos anti-HAV
IgM e IgG podem ser detectadas simultaneamente de 1 a 2
semanas após o início dos sintomas. Os títulos de anti-HAV
IgG podem subir gradualmente,
atingindo níveis elevados durante a fase de convalescência e
diminuírem após a fase o aparecimento dos sintomas, contudo
os títulos de anti-HAV IgG persistirem conferindo imunidade
contra reinfecção. A detecção
de anticorpos anti-HAV total é
utilizado para determinar o estado imune de um indivíduo
após a vacinação ou infecção.
Pacientes
imunocomprometidos e transplantados po-
35
dem
desenvolver
infecção
aguda sem anti-HAV IgM.
36
Ensaio
imunocromatográfico
Os ensaios imunocromatográficos, conhecidos como teste
rápido, podem ser utilizados para
detecção de anti-HAV IgM e IgG,
estes testes são eficazes quando
aplicada ao diagnóstico clínico
devido à sua simplicidade, rapidez e especificidade. Contudo,
estes testes são mais indicados
quando o paciente apresenta altos títulos de anticorpos. A maioria dos testes imunoenzimáticos para a detecção de anti-HAV
total são ensaios competitivos
e por isto detectam simultaneamente anti-HAV IgM e IgG, enquanto que o teste rápido detectam IgM e IgG separadamente.
Diagnóstico
molecular
Os métodos moleculares
como amplificação em cadeia
da polimerase (PCR), PCR em
tempo-real e sequenciamento
não são utilizados rotineiramente no diagnostico da hepatite A,
mas são ferramentas uteis para
estudar o curso clínico da doença, genotipagem, caracterização
viral do HAV e fazer um diagnóstico precoce e diferencial.
Como o vírus da hepatite A é um
vírus de RNA, para fazer a amplificação do HAV-RNA é necessário
fazer uma reação de transcrição
reversa antes da técnica de PCR
e PCR em tempo-real. Estudos
utilizando PCR de transcrição reversa (RT-PCR) têm demonstrado que HAV RNA pode ser detectado no sangue mais cedo do que
os anticorpos, e que a viremia
pode estar presente por um período muito mais longo que a fase
de convalescência da hepatite A.
A amplificação do RNA viral por PCR é realizada em duas
reações (RT-PCR e nested PCR).
Esta técnica é atualmente utilizada para a detecção de HAV RNA
em diferentes tipos de amostras
como em soro, plasma, saliva,
suspensão fecal, água e alimentos contaminados. Embora seja
observada uma carga viral elevada do HAV nas amostras de fezes,
a detecção, quantificação e genotipagem do HAV RNA na maioria das vezes são realizadas em
amostras de soro, devido à presença de inibidores de fezes que
podem interferir com a detecção do material genético de HAV.
A detecção por PCR ou PCR em
tempo real tem um papel importante no diagnóstico preco-
ce de infecção, especialmente
no período de janela imunológica, durante surtos e em casos
de hepatite aguda de etiologia
desconhecida, atualmente estas
são as técnicas mais sensíveis e
específicas para a detecção do
HAV em amostras clínicas. A detecção de RNA do HAV antes de
IgM anti-HAV pode ser utilizado
como um método de diagnóstico
precoce durante surtos de hepatite A e ou em pacientes com
sintomas de hepatite sem sorologia definida. Contudo, o diagnóstico molecular de hepatite A
ainda não é usado em laboratórios clínicos e de bancos de sangue, como é atualmente realizado para hepatite B e hepatite C.
O PCR em tempo-real permite a
detecção e a quantificação simultânea do HAV e pode ser utilizado
para o diagnóstico de pacientes
37
38
sem anticorpos específicos para
hepatite A e para a monitorização
da infecção em casos excepcionais ou em trabalhos de investigação sobre o HAV. A velocidade e
a elevada sensibilidade desta
técnica permite a análise rápida de amostras em larga escala, como em surtos epidêmicos.
Estudos
de
correlação entre carga viral, marcadores sorológicos e bioquímicos são utilizados em
estudos longitudinais para determinar a quantificação do RNA
do HAV, duração viremia e período excreção do HAV nas fezes.
O sequenciamento é utilizado para genotipagem viral
e investigação de surtos epidemiológicos, onde amostras
de pacientes, água e ou alimentos contaminados podem
ser sequenciadas para inves-
tigação da fonte de infecção.
39
Figura 4. Rotas dos Vírus
Fonte: Revista Pesquisa (FAPESP)
PREVENÇÃO E
CONTROLE
40
Higiene
Como o vírus da hepatite A é transmitida de pessoa para pessoa
por via fecal-oral, bons hábitos de higiene como lavar as mãos após
ir ao banheiro e antes de preparar os alimentos é fundamental para
a prevenção, além de condições sanitárias favoráveis. As pessoas que
viajam para áreas endêmicas devem evitar a exposição à hepatite A,
evitando a ingestão de alimentos mal lavados e água não filtrada.
Vacinação
Atualmente existem vacinas atenuadas e inativadas para hepatite A. A vacina atenuada é utilizada na China. As vacinas que são mais
utilizadas e licenciadas na maioria dos países é a inativada. Essas vacinas contêm partículas virais que são produzidas em cultura de células,
purificadas e inativadas com formalina, e adsorvido a um adjuvante de
hidróxido de alumínio. Devido ao lento crescimento do vírus e o baixo titulo em cultura celular a vacina tem um preço elevado. Contudo,
o HAV apresenta apenas um sorotipo, as vacinas inativadas são altamente imunogênicas e protegem contra a infecção. Geralmente a vacina é administrada em duas ou três doses dependendo do fabricante.
Os países desenvolvidos recomendam a vacinação contra
hepatite A para as pessoas com maior risco de adquirir a doença,
incluindo os viajantes para regiões de alta endemicidade de
hepatite A, os usuários de drogas ilícitas, pessoas que estão
em maior risco de desenvolver
a doença fulminante, tais como
pessoas com infecção crônica de
HCV. Contudo, nos últimos anos,
alguns países como Estados
Unidos adotaram a imunização
universal de crianças e os casos
diminuíram em mais de 95%.
Da mesma forma, em Israel, um
país de endemicidade intermediária para o HAV, após a política
de vacinação do HAV, foi observado em todo o país a diminuição na incidência de hepatite
A e nas taxas de casos agudos,
graves e fulminante. Nos países
de endemicidade intermediaria
onde as condições socioeconômicas e sanitárias estão melhorando e o número de indivíduos
suscetíveis aumentou consideravelmente nas últimas décadas,
existe uma grande discussão
sobre a implementação da vacina no calendário infantil devido
ao alto custo da vacina, mas estudos tem mostrado que a imunização universal impacta favoravelmente e que e o ônus com
a doença é maior que os benefícios da vacina. Na Argentina apenas uma dose foi administrada
na vacinação universal, as taxas
de soroconversão foram satisfatórios e esta estratégia pode ser
utilizada em países onde houve
uma transição de alta para baixa endemicidade nas últimas
décadas e onde o vírus ainda é
encontrado no meio ambiente.
No Brasil, a vacina está
disponível na rede particular e
recentemente foi aprovado a incorporação da vacinada da he-
41
42
patite A na rotina nacional do
programa de imunização do sistema único de saúde (SUS). Assim como ocorreu nos outros países que já adotaram a vacina no
calendário de vacinação infantil
futuramente espera-se uma redução dos casos esporádicos de
hepatite A e nos surtos epidêmicos. Nos países com alta
endemicidade a vacinação não
é recomendada, pois a maioria
da população teve contato com
o vírus na infância e adquiriram
imunidade. Como mencionado
acima, as recomendações para a
vacinação estão diretamente relacionadas a prevalência e incidência da hepatite A; e as mudanças na epidemiologia da doença
pode alterar a perspectiva de futuro sobre a imunização em países onde o saneamento está passando por uma rápida melhora.
PREVENÇÃO DOS
CASOS SECUNDÁRIOS
DE HEPATITE
Caso confirmado
É o caso que corresponde
à definição de caso clínico (paciente com doença aguda com
um início discreto dos sintomas
e icterícia ou níveis elevados de
aminotransferases) e é confirmado laboratorialmente (anticorpos anti-HAV IgM reagente).
Caso provável
Pessoa assintomática ou
com sintomas discretos e que
tem uma relação epidemiológica com a pessoa com resultados
laboratoriais confirmados de
hepatite A ou esteve exposta a
surto ou alimentos e água contaminada durante os 15-50 dias
antes de início dos sintomas.
Quando um caso clinico é confirmado, o caso índice e seus familiares devem receber orientação
verbal e escrita sobre a importância de lavar as mãos após usar
o banheiro e antes de preparar
alimentos. É importante que todos os membros da família pratiquem os hábitos de higiene, pois
alguns podem já ter adquirido
a hepatite A e estar excretando
o vírus da hepatite A nas fezes.
Indivíduos cuja higiene pessoal é inadequada (por exemplo,
crianças ou pessoas com graves
dificuldades de aprendizagem)
devem ser vigiados para garantir
que eles lavam as mãos corretamente após a defecação. Objetos
como copos, talheres, pratos,
mamadeira, chupeta devem ser
utilizados apenas pelo doente.
A pessoa com hepatite A deve
ser dispensada do trabalho, da
43
44
escola ou creche para evitar a
disseminação do vírus e surtos
entre os indivíduos suscetíveis.
Uma avaliação deve ser
realizada para tentar identificar a possível fonte de infecção;
por exemplo, história de viagem
à país endêmico ou história de
contato com um caso conhecido
de hepatite A durante o período
de incubação, ingestão de água
ou alimento contaminado. Se
nenhuma fonte evidente de infecção for identificada, e o caso
índice frequenta um ambiente
de acolhimento de crianças de
pré-escola ou na escola primária, a infecção pode ter sido adquirida de uma criança infectada
assintomática. Nestas circunstâncias, podem ser necessárias
medidas de saúde pública no
ambiente onde há suspeita do
foco da infecção onde esta ocor-
rendo o surto da hepatite A.
PROFILAXIA PRÉ-EXPOSIÇÃO
•
A vacinação da hepatite A pré-exposição oferece proteção contra a infecção pelo vírus da hepatite A (HAV). É recomendado para
pessoas que estão em maior risco de infecção e para qualquer pessoa
que pretenda obter imunidade.
•
Pessoas que buscam proteção imunológica, mas são alérgicas
aos componentes da vacina devem receber Ig. A administração deve
ser repetida se a proteção é necessária para períodos superiores a
5 meses. Para as pessoas que necessitam de repetidas doses de Ig, o
rastreio do seu estado imunológico é útil para evitar doses desnecessárias de Ig.
A PROFILAXIA PÓS-EXPOSIÇÃO
•
Nas pessoas que tenham sido expostas ao HAV e que não tenham sido previamente vacinados deve ser administrada uma dose
de Ig (0.02ml/kg) dentro de duas semanas após a exposição. Pessoas
que receberam uma dose de vacina contra hepatite A pelo menos 2
semanas antes da exposição HAV não precisam receber Ig.
•
A vacinação em massa pós - exposição para conter a propagação
de HAV em surtos tem se mostrado eficaz para bloquear a expansão
do surto epidêmico.
•
A sorologia de triagem de contatos de pessoas infectadas para
anti-HAV, antes de serem dadas Ig não é recomendada porque a triagem pode atrasar a sua administração.
45
46
HEPATITE A
NO RIO DE JANEIRO
No Rio de Janeiro casos de
hepatite A ocorrem com frequência, principalmente durante o
verão, onde as pessoas tem mais
contato com águas contaminadas, observa-se a ocorrência de
surtos intradomiciliares, em creches, escolas e em comunidades
fechadas. Assim como tem sido
observado no Brasil, o Rio de
Janeiro vive uma mudança do
perfil epidemiológico da hepatite A e os casos estão se deslocamento para faixas etárias mais
elevadas. Como a prevalência da
doença esta relacionada com os
padrões econômicos e de saneamento básico, é comum observar
no Rio de Janeiro padrões de endemicidade diferentes de acordo
com a população estudada, geralmente nos bairros e cidades
onde o poder aquisitivo é maior
a prevalência é menor. Contudo,
com as melhorias no saneamento básico, mesmo nas populações menos favorecidas encontra-se um número elevado de
crianças e jovens sem imunidade prévia ao HAV. Como descrito
anteriormente, a hepatite A é auto-limitada e em crianças menores de 5 anos geralmente ocorre
de forma assintomática; com a
mudança no perfil epidemiológico de alta para médio-baixa
endemicidade a doença ocorre
em adolescentes e jovens-adultos onde a maioria dos casos é
sintomático. Devido ao aumento de casos agudos também tem
sido observado casos de hepatite A fulminante no Rio de Janeiro
(<1%). No Rio de Janeiro ocorre
a cocirculação dos genótipos IA
e IB, os dois genótipos são en-
contrados no meio ambiente e em
surtos epidêmicos; contudo, nos
casos esporádicos da doença a
maioria dos pacientes se infectam
com HAV do genótipo IA. Os casos
de hepatite fulminante podem
estar relacionados ao genótipo
IA ou IB, mostrando que a gravidade da doença não esta associada ao genótipo do vírus e sim as
características do hospedeiro.
Para fins de vigilância epidemiológica são considerados
dados confirmados de hepatite A,
os casos notificados de indivíduos com anti-HAV IgM confirmado
ou que preencham as condições
de caso suspeito e ou que tenham
vinculo epidemiológico com
caso confirmado de hepatite A.
Em estudo de base populacional foi encontrada uma baixa
prevalência nas capitais da região
Sudeste, entre indivíduos de cinco
e 19 apenas 32,5% das crianças
e jovens tinham anticorpos anti-HAV total. De acordo com o Sistema de notificação de agravos (SINAN), entre os casos confirmados
de hepatite A de 2007 a 2012 na
região sudeste, 34,9% ocorreram
no Rio de Janeiro. Com a implementação da vacina no calendário infantil espera-se que o número de casos notificados diminua.
47
48
CAPÍTULO 2
HEPATITE B
A hepatite B é a mais pe-
rigosa das hepatites e uma das
principais doenças do mundo. Os
portadores da hepatite B podem
desenvolver doenças hepáticas
graves tais como a cirrose e carcinoma hepatocelular. O vírus provoca hepatite aguda em um terço
dos atingidos, e um em cada mil
infectados pode ser vítima de hepatite fulminante. Em 10% dos
casos a doença torna-se crônica, sendo esta situação mais frequente em homens (WHO, 2014).
Ao examinar milhares de
amostras de soro de diferentes
áreas geográficas do mundo foi
observado que uma amostra de
soro de um aborígene da Austrália continha um antígeno que reagia especificamente com um anticorpo presente no soro de um
paciente hemofílico dos Estados
Unidos. Estudos posteriores re-
velaram que este “antígeno Austrália” era relativamente raro na
população da America do Norte e
no oeste europeu, porém era prevalente em algumas regiões africanas e asiáticas e entre pacientes com leucemia, síndrome de
Down e hepatite aguda (BLUMBERG et al, 1967; BAYER et al,
1968). Em 1968 foi estabelecida a
correlação entre o antígeno Austrália (agora designado antígeno
de superfície do vírus da hepatite
B ou HBsAg) e a infecção pelo vírus da hepatite B (PRINCE, 1968;
OKOCHI & MURAKAMI, 1968).
Posteriormente, a purificação
do vírus da Hepatite B (HBV)
foi realizada a partir do soro de
portadores do HBsAg e a partícula completa (vírion) foi detectada por microscopia eletrônica (DANE et al, 1970).
O HBV pertence à família
49
50
Hepadnaviridae, a qual compreende um pequeno numero de vírus
que compartilham varias características em comum, tais como: o
tamanho, ultraestrutura do vírion,
organização genômica e um mecanismo particular de replicação
do DNA viral. A separação dessa
família é dada em dois gêneros:
Orthohepadnavirus e Avihepadinavirus; este último representando os vírus que infectam as aves
(patos, garças, gansos e cegonhas)
e no primeiro, estão incluídos os
vírus que infectam os mamíferos
(seres humanos, esquilos, marmotas e primatas não-humanos)
(KIDD- LJUNGGREN et al, 2002).
Epidemiologia da infecção
De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS)
aproximadamente 240 milhões
de pessoas estão cronicamente
infectadas pelo HBV no mundo.
Estes portadores crônicos servem como fonte de infecção para
outros indivíduos (WHO, 2014).
A infecção pelo HBV exibe altas
prevalências para o HBsAg (8% a
15%) no Sudeste asiático, China,
Filipinas, África, bacia amazônica e Oriente Médio. Prevalência
intermediaria (2-7%) é observada no leste europeu, Ásia central,
Japão, Israel e ex-União Soviética,
enquanto que prevalências baixas
(<2%) são encontradas na América do Norte, Europa Ocidental,
Austrália e sul da América Latina
(MARGOLIS et al, 1991).
51
Figura 5. Distribuição Mundial do HBV
Fonte: Adaptado do CDC
(www.who.int/entity/ith/diseases/hepatitisB/en/).
52
O Brasil é atualmente considerado uma área de endemicidade
intermediária para a infecção pelo HBV, porém observam-se taxas
variáveis de prevalência em diferentes regiões do país, sendo então
divididas em sub-regiões, uma vez que localidades vizinhas podem
apresentar graus distintos de endemicidade. A OMS classifica a Região Sudeste como de baixa endemicidade. Todavia, os resultados do
inquérito sugerem a ocorrência de baixa endemicidade (menor que
1%) da infecção pelo vírus da hepatite B no conjunto das capitais de
cada macrorregião e do Distrito Federal (BOLETIM EPIDEMIOLÓGICO
HEPATITES VIRAIS, 2011).
Figura 6. Distribuição do HBV no Brasil
Fonte: Ministério da Saúde
ESTRUTURA GENÔMICA
O HBV possui um mecanismo único entre os vírus que infectam o
homem, o qual permite a produção de diferentes tipos de partículas virais. Em preparações para
microscopia eletrônica do soro
de indivíduos infectados podem
ser observados três tipos de partículas: as completas infecciosas,
as incompletas esféricas e as incompletas filamentosas (GANEM
& SCHNEIDER, 2001) (Figura 3).
As partículas incompletas
são encontradas em excesso (em
torno de 1013/ml) no soro de
indivíduos infectados. Ambas as
partículas subvirais, apresentam
um diâmetro de 22nm. As partículas virais infecciosas são esféricas com diâmetro de aproximadamente 42nm. Estes vírions
apresentam um envelope lipídico
externo, composto pelas proteí-
nas S (“small”), M (“middle”) e L
(“large”), o qual constitui o HBsAg.
O nucleocapsídeo possui simetria
icosaeédrica e é constituído pela
proteína do core (HBcAg) e pelo genoma viral (TIOLLAIS et al, 1985)
GENOMA VIRAL
O genoma do HBV é um dos
menores entre os genomas virais
que infectam o homem. Este genoma é composto por uma molécula
de DNA de fita parcialmente dupla
com 3.200 pb (Figura 5). A fita mais
longa e complementar aos RNAs
virais e possui polaridade negativa (GERLISH & ROBINSON, 1980).
Na fita de polaridade positiva, que
possui uma região de fita simples,
a posição da extremidade 5’ terminal é fixa, enquanto que a posição da extremidade 3’ terminal
e variável. Assim, o comprimento
da fita positiva e variável, corres-
53
54
pondendo entre 50-90% do comprimento da fita complementar.
Próxima as extremidades 5’
de ambas as fitas observa-se uma
pequena seqüência de 11 nucleotídeos, que são diretamente repetidas e por isso são chamadas de
direct repeats (DR1 e DR2). Essas
seqüências são importantes para a
iniciação da replicação viral (SEEGER et al, 1986; WILL et al, 1987).
Todo o genoma do HBV é codificante, possuindo quatro fases de
leitura aberta conhecidas como
pré-S/S, pré-C/C, P e X (Figura 5).
Todos os genes são codificados
pela fita longa e possuem pelo menos uma região de sobreposição a
outro gene. A sobreposição dessas
quatro fases de leitura aumenta a
capacidade de síntese protéica em
aproximadamente 50% do esperado para a totalidade do genoma do
HBV (GANEM & VARMUS, 1987).
FASE DE LEITURA
PRÉ-S/S
O gene pré-S/S inclui as regiões pré-S1, pré-S2 e S, com três
códons de iniciação na mesma
fase de leitura. A maior proteína
que compõe o HBsAg é a large (L),
cujo códon de iniciação está localizado no inicio da região pré-S1 e
é codificada pelas regiões pré-S1,
pré-S2 e S. A proteína de tamanho
intermediário conhecida como
middle (M) é codificada pelas regiões pré-S2 e S. A partir do códon de iniciação localizado no inicio da região S, a menor proteína
(small S) é sintetizada. Essas proteínas possuem o mesmo códon
de terminação, o qual se localiza
no final da região S. Essas proteínas podem se apresentar sob as
formas glicosiladas e não glicosiladas (SEEGER & MASON, 2000).
Os três tipos de proteínas não são
distribuídos uniformemente entre as diferentes formas de partículas virais. Partículas subvirais
de 22nm são compostas predominantemente por proteínas S,
apresentando quantidades variáveis de proteína M e pouca ou nenhuma proteína L. Entretanto, as
partículas completas (vírions) são
enriquecidas de proteínas L. Uma
vez que as proteínas L contém os
sítios de ligação do HBV aos receptores específicos nos hepatócitos (NEURATH et al, 1986; KLINGMULLER & SCHALLER, 1993) este
enriquecimento de proteínas L
poderia prevenir as partículas
subvirais, que são mais numerosas, de competir com os vírions
pelos receptores presentes na superfície celular (GANEM, 1996).
A proteína M também atua
como elemento de ligação para
a adsorção do HBV. A proteína
S, que é a principal proteína que
forma o HBsAg, é capaz de induzir resposta imunológica protetora (anti-HBs) contra o HBV, e é o
antígeno utilizado na formulação
de vacinas (GROB, 1998). Mutações em epítopos específicos,
ocorrendo dentro do gene S, podem interferir na proteção vacinal, na análise de resultados sorológicos, bem como prejudicar a
terapia baseada na utilização de
anticorpos específicos para suprimir a infecção em indivíduos transplantados (BLUM, 1993;
WALLACE & CARMAN, 1994).
FASE DE LEITURA
PRÉ-C/C
A região pré-C/C possui
dois códons de iniciação na mesma fase de leitura. O HBeAg é
traduzido a partir de um único
códon de iniciação da região pré-
55
56
-C. É produzido um polipeptídio
precursor de 214 aminoácidos,
sendo 29 aminoácidos pertencentes a região pré-C e os demais ao
gene C. O produto é enviado para
o reticulo endoplasmático rugoso
onde é processado através da clivagem nas suas extremidades, o
que resulta na formação do HBeAg com 159 aminoácidos. O HBeAg é então secretado na circulação
sanguínea, sendo um indicador
de replicação viral (GARCIA et al,
1988; NASSAL & RIEGER, 1993).
O códon de iniciação do
HBcAg está localizado a 87 nucleotídeos após o sítio de iniciação
da região pré-C. O polipeptídio
do core possui 185 aminoácidos.
O nucleocapsídeo viral é formado por 180 monômeros desta
proteína que espontaneamente se agrupam para formar uma
partícula icosaédrica (NASSAL &
SCHALLER, 1996). O HBcAg é ainda capaz de induzir a produção
de anticorpos (anti-HBc) independentemente de células T, tanto na infecção natural pelo HBV
quanto em animais imunizados
(MILICH & MCLACHLAM, 1986).
Diversas mutações na região pré-C/C tem sido descritas
por vários autores (CARMAN et
al, 1989; FIORDALISI et al, 1990;
MARUYAMA et al, 2000; DE CASTRO et al, 2001). Uma das mutações mais freqüentes é a troca de
uma guanina no nucleotídeo 1896
por uma adenina, alterando o códon 28 da proteína HBeAg, inicialmente UGG, em um códon de
terminação (UAG) para a tradução
protéica. Com isso, não ocorre a
expressão do HBeAg. Os genótipos
B, C, D e E apresentam uma uracila
nesta posição, explicando assim,
a alta prevalência de mutantes
A1896 na Ásia e no Mediterrâneo
onde os três primeiros genótipos
são encontrados. A infecção pelo
HBV mutante na região do pré-core, incapaz de secretar HBeAg,
tem sido associada com hepatite fulminante (SATO et al, 1995),
hepatite crônica severa (BRUNETTO et al, 1989) e também já
foi descrita em pacientes assintomáticos (OKAMOTO et al, 1990).
O GENE P
O gene P cobre aproximadamente três quartos do genoma
e codifica uma enzima com atividade de DNA polimerase transcripatse reversa e RNAse H. Existem
quatro domínios na polimerase
viral: o domínio aminoterminal,
que atua como proteína terminal
ou primase, o qual é necessário
para o inicio da síntese da fita de
DNA de polaridade negativa; uma
região conhecida como espaçadora que aparentemente não possui
nenhuma função em particular; o
domínio de transcriptase reversa
e o domínio C-terminal que possui
uma atividade de RNAse H. Existe
uma homologia entre a polimerase viral e outras transcriptases reversas, em particular essas
enzimas compartilham o motivo
YMDD (Tyr-Met-Asp-Asp), que é
essencial para a atividade de transcrição reversa (TOH et al, 1983).
O GENE X
O gene X é o menor e codifica um peptídeo com aproximadamente 154 aminoácidos que
somente pode ser detectado nos
hepatócitos infectados. A seqüência do gene X é conservada entre
os hepadnavirus que infectam mamíferos, mas está ausente nos vírus que infectam as aves. A função
57
58
exata desta proteína na infecção
pelo HBV ainda não foi completamente definida, mas acredita-se
que este gene não seja necessário
para a encapsidação e replicação
viral (FEITELSON & DUAN, 1997).
O gene X é um gene regulador que pode ativar a transcrição
de certos genes virais e celulares (HENKLER & KOSHY, 1996).
REPLICAÇÃO DO HBV
Os mecanismos e os primeiros eventos de adesão e entrada
nos hepatócitos ainda não estão
bem estabelecidos. Sabe-se que
vários receptores estão envolvidos nesse processo. Uma vez no
citoplasma, o nucleocapsídeo é
transportado para o núcleo, aonde o genoma viral é liberado. O
DNA viral de fita dupla parcial é
convertido em um DNA circular
de fita dupla covalentemente fe-
chado (cccDNA) através da atuação da DNA polimerase (BOCK et
al, 1994). O cccDNA é responsável
pela perpetuação da infecção pelo
HBV, uma vez que essas moléculas servirão de moldes transcricionais para a produção de RNA
pré-genômico, o qual é essencial
para a replicação viral e alguns
RNA mensageiros (RNAm) que serão necessários para tradução de
proteínas virais. Todo RNA viral é
transportado para o citoplasma,
onde sua tradução resultará no
envelope viral, core, proteínas da
polimerase assim como os polipeptídeos X e pré-core. Em seguida, os nucleocapsídeos são reunidos no citoplasma e, durante esse
processo, uma única molécula de
RNA genômico é incorporada na
montagem do core viral. Uma vez
que o RNA viral é encapsidado,
a transcrição reversa é iniciada.
A síntese da dupla fita do
DNA viral é sequencial. A primeira fita é feita a partir do molde
de RNA encapsidado. Durante ou
após a síntese dessa fita, o RNA é
degradado e a síntese da segunda fita é iniciada, utilizando-se a
primeira fita recém sintetizada
como molde. Alguns nucleocapsídeos, contendo o genoma maduro,
são transportados de volta para
o núcleo, onde seus DNAs genômicos podem ser convertidos em
cccDNA para manter um estoque
intranuclear estável de moldes
transcricionais. A maioria, entretanto, passa pelo retículo endoplasmático rugoso para adquirir o
envelope lipoproteico viral. Com o
envelope formado pelas proteínas
de superfície L, M e S, os vírions
presentes nas vesículas do retículo endoplasmático rugoso são
secretados (POLLACK & GANEM,
1993; PAPATHEODORIDIS et al,
2002; GANEM & PRINCE, 2004).
59
60
Tabela 1. Principais características dos vírus que causam Hepatite
Fonte: Ministério da Saúde
SUBTIPOS DO HBSAg Quatro determinantes antigênicos foram distinguidos baseados em diferenças nas partículas
formadas pelo HBsAg small, são
eles: d/y e w/r. A diferença entre
eles é gerada pela substituição de
amoniácidos nas posições 122 e
160, respectivamente (OKAMOTO
et al, 1987a). Todos os subtipos
descritos possuem em comum
o determinante “a” e de acordo
com COUROUCÉ e colaboradores
(1976), existem oito serotipos:
adr, ayr, ayw1, ayw2, ayw3, ayw4,
adw2 e adw4. Pelo uso do determinante q+/q-, nove subtipos do
HBsAg puderam ser descritos.
GENÓTIPOS DO HBV
OKAMOTO e colaboradores
(1988) sugeriram que os subtipos
poderiam ser um tipo de classificação das diferentes linhagens do
HBV dentro de subtipos genéticos.
Os genótipos do HBV divergem
em 8% da seqüência nucleotídica
do genoma completo. Não há uma
correlação direta entre os genótipos e subtipos, pois alguns subtipos podem ser encontrados em
mais de um genótipo diferente.
Atualmente o HBV possui
oito genótipos bem caracterizados (A-H) e dois em estudos (I
e J) (SUNBUL, 2014). Os genótipos do HBV apresentam uma
distribuição geográfica característica nas diferentes regiões do
mundo. No Brasil, os genótipos
mais encontrados são os A, D e
F (BOTTECCHIA et al, 2008a).
MUTAÇÕES NO
GENOMA DO HBV
61
62
A substituição de nucleotídeos pode ter importantes
conseqüências na patogênese,
na imunoprofilaxia, na resistência aos fármacos e na persistência vírica (NORDER et al, 1992).
A taxa de mutação do HBV
foi estimada ser entre 1,4 e 3,2
x 10-5 substituições/sitio/ano.
Esta taxa de mutação é mais
alta do que a que normalmente acontece nos vírus de DNA e
é mais próxima a certos vírus de
RNA (OKAMOTO et al, 1987b).
A taxa de substituições in
vivo depende de vários fatores.
Alguns deles são relativos ao HBV
(genoma compacto e replicação
por transcrição reversa), alguns ao
seu hospedeiro (resposta imune) e
outros aos tratamentos antivirais
(KIDD-LJUNGGREN et al, 2002).
TRANSMISSÃO
O HBV é principalmente
encontrado no sangue de indivíduos infectados. A carga viral
pode ser maior que dez bilhões
de vírions/mililitro de sangue em
portadores com sorologia positiva
para o HBeAg. Além disso, o HBV
pode ser detectado em outros
fluidos corporais, como na urina,
saliva, fluido nasofaringeano, sêmen e fluido menstrual (ALTER
et al, 1977; DAVISON et al, 1987).
A transmissão do HBV ocorre pela exposição vertical, através
da relação sexual, pela exposição
ao sangue ou derivados, pelo transplante de órgão ou tecidos e através de seringas compartilhadas
pelos usuários de drogas intravenosas (BEASLEY & HWANG, 1987).
QUADRO CLÍNICO
A hepatite B pode variar
desde uma doença aguda autoli-
mitada, até uma forma grave como
a hepatite fulminante. Pode, ainda,
apresentar um curso crônico com
evolução para cirrose hepática
ou, como acontece com os portadores sadios, cursará como patologia com baixíssima ou mesmo
nenhuma agressão ao hepatócito.
Cerca de 90-95% dos pacientes
adultos infectados evoluem para
a cura, e menos de 1% dos indivíduos desenvolvem uma hepatite
fulminante. Entretanto, crianças
infectadas através de transmissão
vertical, apresentam mais de 90%
de chance de se tornarem portadores crônicos (ALBERTI et al, 1983).
O período de incubação da
hepatite B é de 50-180 dias, com
média de 75 dias. Após este tempo inicia-se o chamado período
prodrômico (pre-ictérico), que
dura vários dias e se caracteriza
pelo aparecimento de fraqueza,
anorexia e mal-estar geral. Nesta
fase, os doentes podem sentir dores abdominais difusas, náuseas,
intolerância a vários alimentos,
desconforto abdominal e vômitos.
O aparecimento de icterícia, com
colúria e hipocolia fecal (período
ictérico), ocorre em somente 20%
dos doentes, sendo a hepatite B
uma doença assintomática no restante dos casos. Quando aparece a
icterícia, os sintomas gerais, como
febre e mialgias, diminuem de intensidade. Neste momento se elevarão os níveis séricos das bilirrubinas, principalmente da fração
direta. As transaminases estarão
muito elevadas no soro, expressando a ocorrência de lesões hepatocíticas. Este quadro ictérico
costuma durar cerca de 20 dias ou
mais, e pode, às vezes, provocar
pruridos cutâneos. O período de
convalescência dura, em media, de
63
20 a 30 dias (MCINTYRE, 1990).
64
PREVENÇÃO E
TRATAMENTO
A prevenção da hepatite B
visa reduzir os casos de hepatite,
tanto aguda quanto crônica e, conseqüentemente, as complicações
desencadeadas pelo agravamento
desta infecção. Estes fatores dependem da seleção e controle de
doadores de sangue, sêmen, tecidos e da educação da população
em relação às formas de transmissão, através de programas de
conscientização e treinamento de
profissionais de saúde. O modo
mais eficaz de prevenir a hepatite
B e através das vacinas, incluindo
programas de vacinação que englobam crianças e adolescentes em
todo mundo, além de adultos que
constituam uma população sob
especial risco para esta infecção
(HOLLINGER & LIANG, 2001). No
Brasil, a vacina contra hepatite B
foi implementada em 1992. A mesma faz parte do calendário infantil
de imunizações do Ministério da
Saúde e está disponibilizada nos
postos de saúde para pessoas até
37 anos e a indivíduos sob especial risco em qualquer faixa etária.
Os objetivos do tratamento
de pacientes infectados pelo HBV
são: reduzir o nível de viremia e
a melhora da disfunção hepática.
Atualmente existem dois tipos de
tratamento para a infecção pelo
HBV: interferon e os antivirais.
Pelo fato do HBV não codificar
sua própria protease ou integrase
(como no HIV) e que o seu mecanismo primário é precariamente entendido, a polimerase viral
torna-se o alvo mais importante
no desenvolvimento de terapias
anti-HBV. A polimerase do HBV
é essencial para a replicação viral e o bloqueio de sua atividade
irá interromper a replicação viral
completamente (LEE et al, 2002).
Interferon
Por muitos anos, a administração do Interferon α (IFNα) foi o principal instrumento da
terapia. Cerca de 30% dos pacientes que toleraram esse regime tiveram a perda do HBeAg, o
desenvolvimento de anticorpos
anti-HBe e o declínio dos níveis
séricos das enzimas hepáticas.
Com a soroconversão para anti-HBe e a normalização dos níveis
de ALT a melhora é bem sucedida depois que a terapia é descontinuada (WONG et al, 1993).
No entanto, os efeitos colaterais causados pelo tratamento
com IFN- α (febre, mialgias, trombocitopenia e depressão) o torna
difícil para muitos pacientes. Além
do mais, em muitos pacientes
ocorre uma lesão hepática aguda
durante o uso do medicamento,
freqüentemente, um pouco antes
ou durante a diminuição do HBeAg (GANEM & PRINCE, 2004).
65
Análogos de
Nucleosídeos/
Nucleotídeos
Na década de 90, a terapia contra o HBV teve um grande impacto pelo sucesso das
drogas que bloqueiam diretamente a replicação viral. Todas
as drogas desenvolvidas até o
momento são análogos de nucleotídeo/nucleosídeo que atu-
am na transciptase reversa viral.
66
Lamivudina
A lamivudina (3TC) foi o
primeiro análogo de nucleotídeo
com eficácia contra o HBV, sendo
muito utilizada também contra a
infecção causada pelo HIV. Essa
droga pode inibir a atividade RNA
e DNA dependente da DNA polimerase do HBV (BESSESEN et al,
1999). Atualmente a emergência da resistência a lamivudina já
e bem reconhecida, sendo elas:
rtV173L, rtL180M e rtM204V/I
(BOTTECCHIA et al. 2007). BENHAMOU e colaboradores (1999)
encontraram ruptura de viremia
relacionada aos “mutantes que escapam” no motivo YMDD em 53%
dos pacientes após dois anos de
tratamento. Esse estudo indica que esses tipos de
mutantes irão ocorrer eventu-
almente na maioria dos pacientes durante a monoterapia com
lamivudina e que a emergência
da resistência é acelerada pelos
altos níveis de replicação viral.
Adefovir
Demonstrou boa eficácia
contra HBV em pacientes HBeAg positivos, com uma redução
média dos níveis séricos do HBV
DNA. A freqüência de soroconversão para HBeAg é intensa e há
uma melhora histológica no fígado (MARCELLIN et al, 2003). A
eficiência de inibição de replicação não só dos mutantes do HBV
resistentes a lamivudina in vitro
e in vivo é boa. Foram identificadas cepas mutantes, entretanto,
a taxa de desenvolvimento de resistência é baixa. Após um tratamento prolongado, a mutação rtN236T foi isolada (ANGUS et al,
2003). Em pacientes infectados
com o genótipo A2 do HBV e que
possuem o polimorfismo na posição rtL217R, a eficácia do adefovir é diminuída Adefovir possui uma atividade de resgate em
pacientes previamente tratados
com lamivudina e que possuem
mutações de resistência a lamivudina (BOTTECCHIA et al, 2008b).
Entecavir
Entecavir é um análogo de
nucleotídeo deoxyguanina, que
inibe a replicação do HBV de 651.600 vezes a mais que a lamivudina (LEVINE et al, 2002). As mutações de resistência ao entecavir
só se desenvolvem em cepas que
contenham mutações pré-existentes de resistência a lamivudina. As
mutações relacionadas ao entecavir são divididas em dois grupos:
I) rtV173L+rtL180M+rtM204V
que selecionam as mutações rtM250V+rtI169T e II) rtL180M+rtM204V que selecionam as mutações rtrtT184+rtS202, as quais
foram observadas em pacientes
que passaram a utilizar o entecavir como droga de resgate (XU &
CHEN, 2006). Sendo assim, o entecavir é uma boa opção apenas
para pacientes nunca tratados.
Tenofovir
Possui uma atuação similar
tanto em pacientes co-infectados
(HBV/HIV) quanto em pacientes
mono infectados pelo HBV. O tratamento com tenofovir leva a uma
diminuição da carga viral em 4-6
log, e de 30-100% dos pacientes
tiveram o HBV DNA indetectável
por PCR a partir da 24a semana de
tratamento (WONG & LOK, 2006).
AMINI-BAVIL-OLYAEE e colaboradores (2009) descreveram
que a mutação rtA194T causa re-
67
68
sistência ao tenofovir. Essa mutação é difícil de ser selecionada,
fazendo com que o tenofovir demonstre excelentes resultados no
tratamento da hepatite B crônica
e seja o medicamente de primeira escolha para tratar pacientes
previamente tratados ou não.
VACINAÇÃO
A vacina para hepatite B é
composta principalmente pela
proteína S do envelope viral e
tem mostrado eficácia, segurança e proteção a todos os subtipos
conhecidos do HBV. A primeira
vacina foi licenciada no inicio da
década de 80 e era produzida
a partir de plasma humano de
portadores crônicos do HBsAg
(SZMUNESS et al, 1980). A possibilidade de transmissão de outros agentes infecciosos também
transportados pelo sangue motivou o desenvolvimento da vacina
recombinante que, produzida a
partir da técnica de DNA recombinante para a expressão do HBsAg em leveduras, tem demonstrado uma boa imunogenicidade
contra o HBV. O esquema vacinal
indicado é de três doses nos meses 0, 1 e 6 via intramuscular. A
detecção de títulos de anticorpos
anti-HBs ≥10UI/L, aparecendo
de um a dois meses após a última
dose, confere imunidade contra o
HBV. Predisposição genética, indivíduos do sexo masculino, tabagismo, obesidade, idade superior
a 40 anos, tratamento hemodialítico, infecções pelo HIV e HCV são
alguns dos fatores que tem sido
atribuído a uma não-resposta vacinal (ASSAD & FRANCIS, 2000).
69
70
CAPÍTULO 3
HEPATITE C
ESTRUTURA VIRAL
Na década de 70, com o desenvolvimento dos testes sorológicos para a detecção de marcadores da infecção pelos vírus das
hepatites A e B (HAV e HBV), foram observados vários casos de
hepatite por transmissão sanguínea que não eram causadas pelo
HAV e HBV (FEINSTONE et al,
1975) e, assim estabeleceu-se o
conceito de hepatite não-A, não-B
(NANB). Foi observado que pelo
menos 10% das transfusões sanguíneas resultavam em hepatite
NANB (AACH et al, 1991), causando dano hepático persistente
e evoluindo em pelo menos 20%
dos casos para cirrose hepática
nas infecções crônicas. Além disso, uma parcela dos casos ocorria
esporadicamente na comunidade e não estava associada necessariamente à transfusão sanguí-
nea e à recepção de derivados
do sangue (ALTER et al, 1982).
Em 1989, o principal
agente etiológico das hepatites
NANB foi descrito por Choo e colaboradores (1989) a partir do
isolamento de vários clones de
cDNA por meio de hibridações
que se justapunham, utilizando
estudos de clonagem e sequenciamento genético. Este agente foi definido como o vírus da
hepatite C (HCV) e classificado
dentro do gênero Hepacivirus,
na família Flaviviridae (CHOO
et al, 1991; SIMMONDS, 2004).
A partícula viral tem diâmetro
aproximado de 70nm (HE et al,
1987; SIMMONDS, 2004), estrutura tridimensional análoga à
dos Flavivírus e simetria icosaédrica, com espículas de 6-8 nm
em sua superfície (PRINCE et al,
1996). As partículas virais apre-
71
72
sentam elevada heterogeneidade
bioquímica pela sua associação
com anticorpos ou lipoproteínas (ROINGEARD et al, 2004).
Os vírions podem circular na
corrente sanguínea complexados às lipoproteínas de baixa densidade, às imunoglobulinas, ou como partículas
livres (LINDENBACH, 2013).
GENOMA VIRAL
O HCV possui estrutura
genômica composta por uma
fita simples de RNA de polaridade positiva com aproximadamente 9.400 nucleotídeos
(CHOO et al, 1991; LI et al, 1995).
A análise estrutural do vírus revelou que o material genético é
envolto por um nucleocapsideo,
composto principalmente por
proteínas do core, e ainda protegido por um envelope lipídico (RO-
SENBERG et al, 2001). O envelope
lipídico contém duas glicoproteínas principais incorporadas a
sua estrutura, proteína do envelope 1 (E1) e 2 (E2) (DRUMMER
et al., 2004; VIEYRES et al, 2014).
O genoma é constituído por
uma única fase de leitura aberta
(ORF – open reading frame), que
codifica uma poliproteína de cerca de 3000 aminoácidos (3010
– 3033 aa) e durante e após a
tradução, sofre uma série de clivagens por proteases virais e do
hospedeiro produzindo proteínas
estruturais (E1, E2 e core) e não
estruturais (p7, NS2, NS3, NS4A,
NS4B, NS5A e NS5B) (CHOO et
al,1991) (Figura 1). Além disso, é
flanqueado por duas regiões não
traduzidas (RNT): a extremidade
5’, que é a mais conservada do genoma viral e contém o sitio interno de entrada ribossomal (IRES
– internal ribossome entry site) e a extremidade 3’ que apresenta a
cauda poli-U, critica no início da replicação viral (CHOO et al, 1991).
A poliproteína precursora é clivada em diversas proteínas individuais
mediante a ação de proteases virais e celulares. O segmento amino
terminal da fase de leitura aberta é processado pela peptidase sinal do
hospedeiro para então produzir a proteína do nucleocapsídeo (core),
duas glicoproteínas do envelope (E1 e E2), representando 25% do
genoma localizado na porção aminoterminal. Os 75% restantes codifica as proteínas não estruturais p7, NS2, NS3, NS4A, NS4B, NS5A
e NS5B as quais sofrem ação das proteases virais (LOHMANN, 2013).
Figura 6. Genoma e Poliproteína do HCV
Fonte: Adaptado de LYRA at al., 2004
73
74
As proteínas estruturais
são representadas pelo core e
envelope. A proteína do core é
composta por 191 aa (peso molecular ~21 kDa) constituintes
do capsídeo viral que associam-se, provavelmente, pela porção
N-terminal ao RNA genômico
para formar o nucleocapsídeo
(DRAZAN, 2000). É o primeiro
domínio expresso durante a síntese da poliproteína. Não é glicosilada e comparada a outras
proteínas do HCV, é a mais conservada. Resultados de analises
de sequencias obtidas de diversas
cepas demonstraram homologia
de 81% a 88% em sequencias
nucleotídicas e 96% em sequencias de aminoácidos (SIMMONDS
et al, 1994; DAVIS et al, 1999).
A proteína madura é constituída por uma região de ligação
RNA-terminal (Domínio I, ~120
aminoácidos) e uma região C-terminal de ligação a membrana
(Domínio II, ~50 aminoácidos).
As proteínas do core formam
homodímeros e multímeros que
são estabilizados por ligações
intermoleculares de dissulfeto (KUSHIMA et al, 2010) sendo
capaz de se agrupar espontaneamente para formar o capsídeo
viral e interagir com as glicoproteínas do envelope E1 e E2 (FORNS et al, 1999). Em sua região
C-terminal há uma sequência de
20 aa com função de sinalização
que direciona a glicoproteína
E1 ao retículo endoplasmático
granular (FORNS et al, 1999).
As glicoproteínas do envelope viral E1 (35 kDa) e E2
(70 kDa) são as principais proteínas estruturais expressas na
superfície das partículas virais
do HCV, são produzidas a par-
tir de clivagem enzimática e estão envolvidas nos processos
de interação com o receptor e
fusão celular (GRAKOUI et al,
1993; TAKIKAWA et al, 2000).
Em termos antigênicos, a
proteína E2 apresenta uma região hipervariável (HVR1) que
pode induzir a produção de anticorpos neutralizantes, funcionando como um mecanismo de
escape, evadindo desta forma
da resposta imune do hospedeiro (BUKH et al, 1995; PENIN
et al, 2004; LYRA et al, 2004).
A HVR1 desempenha papel
importante na evolução da infecção pelo HCV. Os casos de resolução na fase aguda apresentam
menor variabilidade (nas sequências de E2) dentro de um mesmo paciente em relação àqueles
casos que evoluem para hepatite
crônica (CHEN & WANG, 2007).
Além disso, a proteína E2 apresenta um sítio de ligação para
CD81, que é uma proteína de
membrana (26 kDa), encontrada em diversas células, incluindo
hepatócitos, células do sistema
imune, fibroblastos e células endoteliais e, podem participar do
processo de penetração do HCV
nessas células. Além da interação das proteínas E2 com CD81
para penetração nos hepatócitos,
o HCV ainda utiliza o receptor de
lipoproteína de baixa densidade
(LDL-R) (CHEN & WANG, 2007).
A ligação com LDL-R e SRB1 leva a mudanças conformacionais na partícula viral permitindo o envolvimento de outros
co-receptores de membrana do
hepatócito (CD 81, claudina-1 e
ocludina) (JAHAN et al, 2011).
As proteínas E1 e E2 ainda são os
principais alvos para produção
75
76
de vacinas e têm sido bastante estudadas quanto à sua variabilidade, sendo a proteína E1 também
utilizada em propósitos clínicos
de diagnostico em testes de genotipagem (CHEN & WANG, 2007).
A proteína p7 é um polipeptídeo de 63 aa que é parcialmente clivado a partir de E2. É
composto por um pequeno fragmento hidrofóbico (hexâmeros)
que tem atividade de canal iônico e pode ter um importante papel na maturação e liberação da
partícula viral (SAKAI et al, 2003;
ROINGEARD et al, 2004; AWEYA
et al, 2013). Inicialmente, a proteína p7 é necessária para a montagem do vírus por meio da interação com NS2 (JIRASKO et al,
2010; BOSON et al, 2011; MA et al,
2011; POPESCU et al, 2011; STAPLEFORD & LINDENBACH, 2011;
TEDBURY et al, 2011). Seu segun-
do papel importante envolve sua
capacidade de oligomerizar e formar canais iônicos hexaméricos e
heptaméricos específicos para cátions (MONTSERRET et al, 2010).
Dessa forma, a proteína p7
é capaz de equilibrar o pH dentro
dos compartimentos secretórios
e endolisossomais das células
produtoras de vírus (WOZNIAK
et al, 2010). Foi observado que
na ausência desta proteína, as
partículas virais não foram produzidas, sugerindo fortemente
que sua atividade de canal iônico (atuação como viroporina)
protege as partículas virais da
exposição prematura ao baixo
pH durante a maturação e saída
do vírus (WOZNIAK et al, 2010).
A proteína NS2 é uma proteína não-estrutural zinco-dependente de 23 kDa que contém
três domínios aminoterminais
transmembrana e um domínio
cisteína protease carboxiterminal (JIRASKO et al, 2010). É a
primeira protease viral ativada
pelo polipeptídeo e responsável
pela clivagem (ação cis) da junção NS2/NS3 (NS2/NS3 protease) e pela maturação das proteínas não estruturais restantes
(DUMOULIN et al, 2003). Sabe-se
também, que a atividade de protease da NS2 é fundamental para
que ocorra a replicação completa do HCV in vivo, entretanto a
mesma é dispensável para replicação do vírus in vitro (ROINGEARD
et al, 2004, JIRASKO et al, 2008).
A proteína NS3 (serina
protease específica) é uma proteína não-estrutural hidrofílica de
aproximadamente 70 kDa. Apresenta atividade serina-protease
(NS3/4A) na região N-terminal,
porém para que a clivagem (ação
trans) da poliproteína seja eficiente, é necessária a presença
do cofator NS4A, principalmente
no sítio NS4B/NS5A (BRASS et al,
2006). Além disso, apresenta atividade de helicase (RNA-helicase/
NTPase) na extremidade C-terminal com função de separar o RNA
de cadeia dupla o que é essencial
para a replicação do RNA (DE
FRANCESCO et al, 2000; RANEY
et al, 2010; SALAM et al, 2014).
A proteína NS4A é composta por aproximadamente 54
aa (8 kDa) e funciona como cofator para serina protease NS3 e é
também incorporada como componente integral do core (ROINGEARD et al, 2004). A proteína
NS4B (p27) (23 kDa), por sua
vez, é a proteína viral do HCV
menos caracterizada, porém, alguns estudos sugeriram que ela
seja responsável por induzir a
77
78
alterações nas membranas celulares denominada “teia membranosa” (ROINGEARD et al, 2004).
A proteína NS5A é uma fosfoproteína de ligação ao RNA que apresenta três domínios e desempenha papel essencial na montagem
da partícula viral em grande parte por seu domínio III (TELLINGHUISEN et al, 2008; KIM et al,
2011). A montagem de partículas virais requer o recrutamento de NS5A pelas gotas lipídicas,
onde interage com proteínas do
core (MASAKI et al. 2008), apolipoproteína (apo) E e anexina
A2 (BENGA et al, 2010; CUN et
al, 2010; BACKES et ai, 2010).
A região NS5B possui uma sequência
semi
conservada
que codifica uma RNA-polimerase dependente de RNA.
Essa enzima não apresenta mecanismos de reparo, o que acar-
reta uma elevada porcentagem
de erros devido a incorporação
de nucleotídeos durante a replicação do RNA, o que torna o
genoma viral susceptível a inúmeras substituições de nucleotídeos (FORNS & BUKH, 1999).
Os sítios para a atividade
da proteína NS5B possuem especial afinidade de ligação com
segmentos de poli U, como aquele presente na extremidade da
região 3’ NC do HCV. A existência
de um elemento de replicação
cis no seu domínio C-terminal,
em conjunto com a região 3’NC,
garante a iniciação da replicação
do genoma completo a partir da
região 3’NC (YOU et al, 2004).
REPLICAÇÃO VIRAL
A replicação do HCV, mesmo com os avanços no desenvolvimento de cultivos celulares,
ainda está pouco esclarecida e o
modelo aceito mais utilizado para
estudo é aquele baseado na similaridade do ciclo dos vírus pertencentes à família Flaviviridae.
O início da replicação ocorre na membrana do hepatócito
com a adsorção da partícula viral.
Acredita-se que o receptor de LDL
e glicosaminoglicanas realizam a
ligação celular inicial de baixa afinidade (BARTH et al, 2003), antes
da interação das proteínas E1 e
E2 com os receptores SR-BI (scavenger receptor class B type I) e
CD81 (SCARSELLI et al, 2002).
Fatores adicionais como o
receptor do fator de crescimento
epidérmico (EGFR) e receptor de
efrina A2 são importantes para a
entrada do HCV, e possivelmente modulam a interação entre
CD81 e CLDN1 (LUPBERGER et
al, 2011). As moléculas claudi-
na-1 (CLDN1) e ocludina (OCLN)
também foram relacionadas a
entrada do vírus (EVANS et al,
2007; PLOSS et al, 2009). Contudo, a associação entre virion e
colesterol parece estar relacionada à fase tardia de entrada do
HCV, durante ou antes da fusão,
através da interação com o receptor de absorção do colesterol NPC1L1 (SAINZ et al, 2012).
A adsorção do vírus ocorre por
endocitose mediada por clatrina, enquanto a fusão requer o
pH baixo encontrado nos endossomos (TSCHERNE et al, 2006).
Após internalização e desnudamento, o genoma viral é exposto para assim iniciar a tradução e replicação. O RNA do HCV
tem função de RNA mensageiro
(RNAm), logo a tradução é iniciada a partir do reconhecimento do
sitio interno de entrada ribosso-
79
80
mal (IRES) localizado na região
5’ NC. A poliproteína resultante
é clivada por proteases celulares
e virais (NS2/NS3 e NS3/NS4A),
produzindo
dez
proteínas.
Enquanto ocorre a tradução, a atividade de RNA-polimerase RNA - dependente (transcriptase) gera uma fita de RNA,
de polaridade negativa, complementar ao RNA viral, que serve
também de molde para que haja
a síntese de novas fitas de RNA de
polaridade positiva que servirão
para a formação de novos vírus
(PAWLOTSKY,2004;PENINetal,2004).
A montagem do vírus é um
processo associado a síntese de lipídios da célula (BARTENSCHLAGER et al, 2011).
Após a clivagem, a proteína do core madura passa da
membrana do RE para gotículas lipídicas citoplasmáticas
(CLDS) com auxílio da molécula
diacilglicerol aciltransferase-1
(DGAT1) (HERKER et al, 2010). A
formação do nucleocapsídeo envolve a interação da proteína
NS5A com a proteína do core. O
direcionamento do RNA para os
locais de montagem do nucleocapsídeo é coordenado através
da interação entres as glicoproteínas NS2, p7, NS3 e NS5A e uma
série de sinais são responsáveis
pela translocação das proteínas
de envelope E1 e E2 pelo RE (JIRASKO et al, 2010; POPESCU
et al, 2011). Após termino da etapa de montagem, a partícula viral montada é então transportada, via
complexo de golgi (CG), para
ser exocitada da célula hospedeira (PAWLOTSKY, 2004).
81
Figura 7. Principais etapas de replicação do HCV
Fonte: Adaptado de PAWLOTSKY & GISH, 2006
82
VARIABILIDADE
GENÉTICA
A replicação do HCV apresenta alta taxa de erros o que gera
mutações em uma taxa de aproximadamente 10-5 por nucleotídeo
por replicação, proporcionando
uma elevada diversidade viral. As
regiões 5´NC, core, região hipervariável 1 e NS5B são as regiões
mais utilizadas para genotipagem
do HCV (STUMPF & PYBUS, 2002).
A partir do sequenciamento e analise filogenética da região
NS5 do HCV foi possível classificar
o vírus em genótipos (homologia
de 65,7% a 68,9%) e subtipos
(homologia de 76,9% a 80,1%).
Atualmente existem 7 genótipos
(1, 2, 3, 4, 5, 6 e 7), sendo cada um
subdividido em subtipos nomeados alfabeticamente, de acordo
com a sua ordem de descoberta
(SIMMONDS et al, 1994; MURPHY
et al, 2007; SMITH et al, 2014).
O genótipo 1 do HCV é o
mais prevalente em todo mundo
sendo responsável por 46% de
todos os casos de infecção entre
adultos, seguido pelo genótipo 3
(22%), 2 (13%), 4 (13%), 6 (2%),
e 5 (1%). O subtipo 1b é o mais comum entre os subtipos (GOWER
et al, 2014). A presença de um único genótipo com numerosos subtipos em uma região geográfica é
um padrão sugestivo de um longo
período endêmico de infecções.
Por outro lado, a presença de
mais de um genótipo do vírus,
com cada um deles representado por apenas poucos subtipos
pode indicar introdução recente
destes isolados em áreas endêmicas (SMITH et al,1997; LAMPE
et al, 2010). No Brasil, o genótipo
1 é o mais prevalente seguido do
genótipo 3, e em menor propor-
ção pelo genótipo 2; porém, já foram descritos os genótipos 4 e 5
em alguns estudos (CAMPIOTTO
et al, 2005; RIBEIRO et al, 2009;
PEREIRA et al, 2009; LAMPE et
al, 2013; GOWER et al, 2014).
A heterogeneidade genética do HCV faz com que este
apresente quasispécies, que são
vírus com genomas muito semelhantes, porém com homologia
entre 90,8% a 99% nas sequências de nucleotídeos (UEDA et al,
2004). Esse fenômeno apresenta importante papel no curso da
infecção pelo HCV, uma vez que
a pressão imunológica seleciona
variantes resistentes no hospedeiro (PLAUZOLLES et al, 2013).
A elevada variabilidade
genética do HCV apresenta implicações clínicas que incluem:
I) patogenicidade da doença hepática, uma vez que a infecção
pelo genótipo 1 ou presença de
múltiplas quasispécies parece
se correlacionar com a maior
gravidade; II) influência na resposta antiviral, seja devido aos
genótipos 1 e 4 ou presença de
cepas com mutações de resistência (RAV- resistant-associated variants) (TONG et al, 2008).
Recentemente, um estudo realizado na região Norte
do Brasil demonstrou que pacientes com hepatite C crônica infectados pelo genótipo 1
apresentam
maior
atividade necroinflamatoria e grau
de fibrose comparado aos pacientes com genótipo 3 do
HCV (FECURY et al., 2014).
Estudos realizados por sequenciamento direto de amostras de pacientes não tratados
demonstraram presença de RAVs
pré-existentes aos inibidores de
83
84
protease (substituições nas posições D168, Q80, R155, T54, V36
V55 e V170) (PERES-DA-SILVA et
al., 2010). As mutações nas posições R155K e A156T da região
NS3 estão associadas à elevada resistência aos inibidores de protease. (COURCAMBECK et al, 2006).
Outro inibidor de protease avaliado foi o simeprevir,
onde estudos in vivo e in vitro
demonstraram mutações de resistência nas posições Q41R,
V36M, F43S, T54S, Q80K/R/L,
R155K, A156T/V, e D168N/
A/V/E/H/T (WU et al, 2013).
Quanto a região NS5, a mutação
S282T tem sido associada a resistência ao sofosbuvir (inibidor
de polimerase) (LAM et al, 2012).
No entanto, esta mutação não é
encontrada com frequência em
pacientes com HCV não tratados
(KUNTZEN et al, 2008). Para a re-
gião NS5A, o fármaco em processo mais avançado é o daclastavir,
que apresentou mutações de resistência nas seguintes posições
L31V, P32L, Q54L, Y93H, M28T,
Q30H, Q30R, L31M, L31V, P32L
e Y93C (GAO et al, 2010; LEMM
et al, 2010; FRIDELL et al, 2010).
A distribuição do perfil
mutação é diferente entre as populações do mundo e vai se tornar bastante importante na elaboração de diretrizes regionais,
que certamente terão suas particularidades de acordo com a
distribuição e perfil de mutação
de cada região, a fim de se obter uma eficácia máxima apesar
da variabilidade genética e diferentes regimes de tratamento.
TRANSMISSÃO
A exposição parenteral é
a forma mais eficiente de trans-
missão do HCV. Com a inclusão
dos testes de detecção de anticorpos anti-HCV em bancos de
sangue, a transmissão do vírus
diminui bastante em transfusões
de sangue e derivados. Com isto,
grande maioria das infecções por
HCV está associada à utilização
de drogas injetáveis e, por isso, a
prevenção deste comportamento
de risco irá eliminar grande parte das infecções. O uso de drogas
intravenosas (DIV) é uma das
principais formas de transmissão do HCV nos últimos 40 anos
em países como os Estados Unidos e a Austrália, e atualmente
este é o principal fator de risco
em países desenvolvidos (ALTER, 2002; DORE et al, 2003;
KLEVENS et al, 2012; HAGAN et
al, 2013). Nesses países, o uso
de DIV responde por cerca de
70% a 80% das contamina-
ções pelo HCV ocorridas nos últimos 30 anos (ALTER, 2002;
DORE et al, 2003; HAGAN et al,
2013; KLEVENS et al, 2012).
Outras formas de infecção pelo HCV incluem os procedimentos médicos e exposição nosocomial, transplante
de órgãos, exposição ocupacional, transmissão vertical e
sexual (KLEVENS et al, 2012).
Procedimentos com equipamentos ou seringas contaminadas se apresentam como uma
forma possível de transmissão.
Estima-se que aproximadamente 2 milhões de indivíduos se
infectem por esta via. Em países
subdesenvolvidos, muitas vezes
ocorre a reutilização de material ou ausência de esterilização.
Além disso, muitas terapias são
realizadas em ambiente doméstico por indivíduos não habili-
85
86
tados o que aumenta significativamente o risco de infecção
pelo HCV (HAURI et al, 2004).
Acredita-se que entre os
anos de 1960 e 1991, antes da
introdução dos testes sorológicos nos bancos de sangue, 5% a
15% dos receptores de hemoderivados infectaram-se com HCV
e, atualmente, após a adoção dos
testes de rastreamento, o risco
de infecção por transfusão sanguínea está em torno de 0,001%
por unidade de sangue transfundida. A prevalência do anti-HCV
em doadores de órgãos, varia
de 4,2% a 5,1% dependendo do
teste realizado. Receptores de
órgãos sólidos de doadores anti-HCV positivos apresentam elevadas taxas de soroconversão.
Em estudo realizado com transplantados renais, 35% dos receptores de doadores com anti-HCV
reagente desenvolveram doença
hepática no pós-transplante, e
74% apresentaram evidências de
viremia. Apesar desses dados, as
evidências ainda são limitadas e
são necessários novos estudos
para avaliar o impacto do transplante de órgãos na prevalência
do HCV (MARTINS et al, 2011).
Quanto aos acidentes ocupacionais, os acidentes perfurocortantes são uma forma bem
documentada de transmissão
do HCV, apresenta taxas de soroconversão após uma única
exposição percutânea com objeto sabidamente contaminado
variando entre 3% e 10% (MITSUI et al, 1992; SARRAZIN et al,
2010; MARTINS et al, 2011).
A transmissão vertical apresenta taxas variando entre 0% a
20%, com média em torno de 5%
na maioria dos estudos (TALER
et al,1991, MARTINS et al, 2011).
Por fim, o papel da transmissão
sexual ainda não foi bem estabelecido (SY & JAMAL 2006), constituindo este um fato controverso
na epidemiologia da hepatite C
devido à divergência entre resultados (KLEVENS et al, 2012).
A maioria dos trabalhos
afirma que as chances de transmissão são baixas ou quase nulas e as porcentagens oscilam
entre 0% e 3% (ALTER et al,
1989; KLEVENS et al, 2012).
PATOGÊNESE
Apesar do HCV apresentar
baixa infectividade e lenta taxa de
replicação, 80 a 85% dos pacientes desenvolvem infecção assintomática persistente, que pode progredir para cirrose e carcinoma
hepatocelular (MAASOUMY et al,
2012; HAJARIZADEH et al, 2013).
Depois da inoculação do
HCV, o período de incubação é variável. O RNA do HCV no sangue
(ou fígado) pode ser detectado
por PCR dentro de vários dias a
oito semanas. Os níveis de aminotransferases começam a se elevar
aproximadamente 6 a 12 semanas
depois da exposição (de 1 a 26 semanas) e esta elevação varia consideravelmente entre os indivíduos, mas tende a ser mais de 10-30
vezes superior ao limite normal
(que é em torno de 800U/L). Os
anticorpos anti-HCV são encontrados no soro por ensaio imunoenzimático em 8 semanas depois da exposição, porém podem
ser detectados por meses em alguns casos (FORMAN & VALSAMAKIS, 2011; GUPTA et al, 2014).
Baixos níveis de anticorpos anti-HCV durante a
fase aguda da doença da infec-
87
88
ção são associados com resolução espontânea da infecção
(LEWIS-XIMENEZ et al., 2010).
A maioria dos novos casos será
assintomática e com um curso
clinicamente não aparente ou
moderado. A icterícia ocorre em
menos de 25% dos pacientes com
hepatite C aguda e não será notada na maioria dos pacientes (VOGEL et al, 2009). Outros sintomas
que podem ocorrer são: náusea,
dor no quadrante superior direito e fadiga. Em pacientes que
apresentam sintomas de hepatite aguda, a doença tem duração
de 2 a 12 semanas. Com a resolução dos sintomas, os níveis de aminotransferases normalizam em cerca de
40% dos pacientes e a perda de
HCV RNA indicando cura ocorre em menos de 20% dos casos
independente da normalização
das aminotransferases. A hepatite fulminante devido a hepatite C é rara (FORMAN & VALSAMAKIS, 2011; GUPTA et al, 2014).
Nos indivíduos com infecção aguda não resolvida, 70-80%, evoluem para a forma crônica, onde
o vírus replica-se persistentemente e é possível detectar o RNA
viral no soro ou tecido hepático,
na presença de resposta imune
(BLACKARD et al. 2008). A hepatite C crônica é definida pela presença do RNA do HCV por mais
de 6 meses e nestes casos a taxa
de resolução espontânea é baixa.
A diversidade genética do
HCV e sua alta taxa de mutação
podem estar associadas ao escape do reconhecimento imune. Por
outro lado, fatores do hospedeiro
podem estar associados a resolução espontânea do HCV, entre
eles: a resposta de linfócito TCD4
especifica para HCV, altas taxas de
anticorpos neutralizantes contra
proteínas estruturais do HCV, o polimorfismo do gene da IL28B e alelos específicos HLA-DRB1 e DQB1
(LAUER et al, 2001; THOMAS
et al, 2009; RAUCH et al, 2010).
A maioria dos pacientes com hepatite C crônica é assintomática ou
apresentam sintomas não específicos leves (KLEVENS et al, 2012;
MAASOUMY et al, 2012; HAJARIZADEH et al, 2013). O sintoma
mais frequente é fadiga e os menos
frequentes são náusea, fraqueza,
mialgia, artralgia e perda de peso.
Os níveis de aminotransferases
podem variar consideravelmente durante o curso natural de infecção crônica. Cerca de um terço
dos pacientes tem níveis normais
de ALT (MARTINOT-PEIGNOUX
et al, 2001, PUOTI et al, 2002).
Cerca de 25% dos pacientes tem
concentração sérica de ALT entre
2 a 5 vezes acima do limite superior normal. Há pouca correlação
entre as concentrações de aminotransferases e histologia hepática,
pois até mesmo pacientes com
níveis normais de ALT demonstram evidencia histológica de inflamação crônica na maioria dos
casos (MATHURIN et al, 1998).
Dos indivíduos cronicamente infectados, aproximadamente 15 a
20% desenvolvem cirrose num
período de 10 a 30 anos e, por ano,
1-5% destes doentes desenvolve
hepatocarcinoma (HCC) (KLEVENS et al, 2012; MAASOUMY et al,
2012; HAJARIZADEH et al, 2013).
Cerca de 30 a 40% dos
pacientes com hepatite crônica
apresentam manifestações extra-hepáticas entre elas: manifestações hematológicas (crioglobulinemia mista e linfoma), doenças
89
autoimunes (tireoidite, presença
de vários autoanticorpos), doença
renal (glomerulonefrite membranoproliferativa), doenças dermatológicas (porfiria cutânea tardia
e lichen planus) e diabetes mellitus (ZIGNEGO & CRAXI, 2008).
90
EPIDEMIOLOGIA
A ferramenta mais utilizada para estimar a prevalência da
hepatite C são estudos de soroprevalência realizados em doadores de sangue (DE ALMEIDA-NETO et al, 2013; NISHIYA et al,
2014), usuários de drogas (OLIVEIRA-FILHO et al, 2014; SANTOS CRUZ et al, 2013) e pacientes
submetidos à hemodiálise (FREITAS et al, 2013; BOTELHO et al,
2008). No entanto, por se tratar
de populações com características específicas (grupos de risco
para hepatite C), estes estudos
podem não representar a prevalência real da infecção pelo HCV.
Estimativas da Organização Mundial da Saúde (OMS) demonstram que 130 a 170 milhões estão infectados pelo HCV o que
significa uma prevalência de 2,2
a 3% sobre a população mundial
(WHO, 2014). A cada ano, mais
de 350000 pessoas morrem de
doenças no fígado relacionadas
com a hepatite C (WHO, 2014). A
prevalência global do HCV é igual
a 1,6% correspondendo a 115
milhões de infecções, e a prevalência de viremia é igual a 1.1%
correspondendo a 80 milhões
de casos (GOWER et al, 2014).
Embora o HCV tenha distribuição
mundial, existe um elevado grau
de variação geográfica em sua prevalência (GOWER et al, 2014). A
prevalência de anti-HCV é alta na
Ásia Central (5,4%), Leste Euro-
peu (3,3%), Meio Oeste da região
Norte da África (3,1%) e regiões
Central e Oeste da África Subsaariana (4,2 e 5,3%, respectivamente). Prevalências intermediárias
são encontradas no sul da África Subsaariana (1,3%), Europa
Central (1,3%), Austrália (1,4%),
America Latina (1-1,25). Baixas
prevalências são observadas na
Oceania (0,1%), Caribe (0,8%) e
Oeste Europeu (0,9%) (GOWER et
al, 2014). Os países com as taxas
mais altas de infecção crônica são:
Egito (22%), Paquistão (4,8%) e
China (3,2%) sendo o principal
modo de transmissão nesses países atribuído às injeções usando
seringas contaminadas (WASLEY & ALTER 2000; WHO 2014).
Estima-se que o número
de pacientes HCV RNA positivos
seja de 80 a 90% dos indivíduos
com positividade para anti-HCV.
Alguns grupos são mais afetados: usuários de drogas, hemodialisados, pessoas que receberam transfusão antes de 1991.
Na Europa e nos Estados Unidos,
a hepatite C crônica é a causa
mais comum de doença crônica
de fígado e a maioria dos transplantes de fígado são para os
casos de hepatite C crônica (KLEVENS et al, 2012).
No período de 1999 a 2011,
foram notificados no SINAN
82.041 casos confirmados de hepatite C no Brasil, onde a maioria estava localizada nas regiões
Sudeste (67,3%) e Sul (22,3%)
(MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2012).
A taxa média de número de casos
foi de 5,4 casos por 100 mil habitantes e a maioria dos indivíduos
apresentavam faixa etária de 55 a
59 anos de idade (15,8 casos/100
mil hab). O coeficiente
91
92
de mortalidade por hepatite C é de
um óbito a cada 100 mil habitantes
em 2010. A principal fonte de infecção é o uso de drogas (27,4%),
seguido da transfusão sanguínea
(26,9%) e contato sexual (18,5%)
(MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2012).
Em estudo realizado na população brasileira entre 10 e 69 anos
residente nas 5 regiões geográficas brasileiras, a prevalência de
anti-HCV é igual a 1,38%. Em indivíduos com mais de 20 anos de
idade, a soropositividade para anti-HCV foi igual a 0,97% na região
Nordeste, 1,64% na região Centro
Oeste, 1,63% na região Sudeste,
1,7% na região Sul e 3,22% na região Norte (PEREIRA et al, 2009).
No Brasil, a prevalência de
anti-HCV também varia de acordo
com o grupo estudado com 0,6%
em usuários de crack, 0,8% em
profissionais de beleza, 1% em
homens que fazem sexo com homens, 1,4% em motoristas de caminhão e 6,9% em indivíduos infectados pelo HIV (FREITAS et al.,
2010; SANTOS-CRUZ et al, 2013;
VILLAR et al, 2014a,b; SOARES
et al., 2014; FREITAS et al, 2014).
No período de 1999 a 2011
foram notificados 4694 casos de
hepatite C no Estado do Rio de
Janeiro. Em 2010, a taxa de detecção de hepatite C por 100.000
habitantes no Estado do Rio de
Janeiro foi igual a 5,8, o que é superior a média nacional (5,4).
Neste mesmo ano, o coeficiente de mortalidade por hepatite C
por 100.000 habitantes foi 1,8 no
Estado do Rio de Janeiro (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2012). Estudos
realizados em alguns grupos no
Rio de Janeiro demonstraram prevalências de anti-HCV de 0,2% entre crianças (VILLAR et al., 2014),
0,5% em gestantes (LEWIS-XIMENEZ et al., 2002), 1,09% em
doadores de sangue (ANDRADE
et al., 2006), 6,6% em pacientes
com lúpus eritematoso sistêmico (COSTA et al., 2002) e 10,1%
em usuários de drogas intravenosas (OLIVEIRA et al., 2009).
PREVENÇÃO
Até o momento não existe
uma vacina disponível contra a
hepatite C. Desta forma, a eliminação dos comportamentos de
risco é fundamental para que as
taxas de incidência da infecção
sejam reduzidas e, consequentemente, diminuição dos casos de
doença hepática. Para erradicar
o HCV, a transmissão deve ser eliminada de três modos: triagem
de casos de HCV e consequente
conscientização destes indivíduos para que evitem a infecção de
outros indivíduos, tratamento dos
indivíduos positivos e mudança
de política e comportamento para
prevenir novas infecções e reinfecções (HAGAN & SCHINAZI, 2013).
A exposição percutânea a
sangue contaminado com o HCV
é um dos principais modos de
transmissão do vírus. Com o advento da triagem sorológica para
HCV em bancos de sangue, o uso
de drogas injetáveis é um dos
principais modos de transmissão
em todo mundo, logo medidas
educativas voltadas para redução de transmissão neste grupo,
tais como não compartilhamento
de seringas e agulhas, poderiam
reduzir a transmissão do HCV. A
transmissão do HCV também pode
ser minimizada pelo não compartilhamento de outros objetos perfurocortantes, tais como laminas
de barbear, alicate de unha e ou-
93
94
tros (HAGAN & SCHINAZI, 2013).
A transmissão sexual do
HCV ainda é controversa, particularmente em casais heterossexuais e monogâmicos com taxas de 0
a 0,6% de novas infecções por ano
(RUSSELL et al, 2009). Entretanto esta via de transmissão é a terceira mais relatada entre os casos
de hepatite C documentados no
Brasil (MINISTÉRIO DA SAÚDE,
2012). Logo, estratégias de educação sexual com encorajamento
de uso de preservativos e práticas
seguras podem auxiliar na prevenção da transmissão do HCV.
Nas últimas duas décadas, vários
candidatos a vacinas profiláticas
e terapêuticas baseadas em diversas estratégias (indução de anticorpos vs. resposta de células T),
usando diferentes veículos (proteínas recombinantes, peptídeos,
DNA, partículas semelhantes a
vírus, vetores virais e leveduras)
e para diferentes regiões da poliproteina do HCV tem sido desenvolvidas em modelos animais incluindo roedores e chimpanzés.
Algumas destas vacinas já estão
em fase II de avaliação e os estudos têm demonstrado respostas
vigorosas de células TCD4 e TCD8,
entretanto ainda não está claro se
estas respostas podem ser capazes de prevenir a infecção crônica
e se é efetiva para todos os genótipos do vírus (DRUMMER, 2014).
TRATAMENTO
Por muitas décadas, o tratamento padrão da infecção crônica
pelo HCV consistia na administração da combinação de interferon
peguilado alfa-2a ou alfa-2b (PEG-IFN) e ribavirina (FRIED et al.
2002). Os pacientes que respondem ao tratamento devem apre-
sentar resposta virológica sustentada (RVS) determinada pela
ausência de RNA viral no período
de seis meses após o tratamento
(PAWLOTSKY, 2009). O tratamento com PEG-IFN e ribavirina ainda
é recomendado no Brasil e a duração do mesmo varia de acordo
com o genótipo infectante. Indivíduos infectados pelo genótipo
1 devem receber PEG-IFN e RBV,
durante 48 a 72 semanas, assim
como os indivíduos infectados
pelos genótipos 4 e 5. O esquema
recomendado para o tratamento de indivíduos infectados pelos
genótipos 2 e 3, na inexistência
de fatores preditores de baixa
RVS como, fibrose avançada ou
cirrose e carga viral superior a
600.000UI/mL, é a associação de
IFN convencional e RBV, durante
24 semanas. Na existência desses fatores, o esquema recomen-
dado é a associação de PEG-IFN
e RBV, durante 24 a 48 semanas
(MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2011).
O tratamento com IFN e
ribavirina é eficaz em aproximadamente 80% dos doentes infectados com o genótipo 2 ou 3 e
menos de 50% dos doentes com
o genótipo 1 (PAWLOTSKY, 2009).
Alguns fatores já foram relacionados a falta de resposta ao tratamento com interferon peguilado e
ribavirina, entre eles, os níveis de
colesterol LDL, taxa de alfafetoproteina, níveis de ácido hialurônico, polimorfismo de base única
da interleucina 28B (IL-28B), níveis basais de vitamina D (VILLAR
et al., 2013; WADA, 2014). Os
principais efeitos adversos do
tratamento convencional para
hepatite C são: alterações hematológicas, sintomas semelhantes
a gripe, dor de cabeça, fadiga, fe-
95
96
bre e mialgia (relacionados ao
interferon) e anemia hemolítica,
tosse, dispneia, gota, náuseas,
erupções cutâneas e teratogenicidade (relacionados a ribavirina)
(MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2011).
Devido a baixa taxa de resposta ao tratamento com dupla
terapia, agentes antivirais de
ação direta (DAAs) têm sido desenvolvidos. Estes agentes pertencem a diferentes classes de
medicamentos, tais como inibidores da atividade da protease
NS3/4A (telaprevir, boceprevir,
simeprevir, faldaprevir, asunaprevir, danoprevir, vaniprevir,
ABT-450-ritonavir, MK5172 e GS9451), inibidores do complexo
de replicação de NS5A (daclatasvir, lidipasvir, ABT-267, GS-5816,
e MK-4782), inibidores nucleotidicos e não nucleosidicos da
polimerase (GHANY et al. 2011;
GENTILE et al, 2014; FEENEY
et al, 2014; KANDA et al, 2014).
Até o presente momento,
telaprevir, boceprevir, simeprevir
e sofosbuvir já foram licenciadas
para o uso. Atualmente no Brasil,
a terapia tripla (IFN + ribavirina +
telaprevir ou boceprevir) é recomendada para pacientes com genótipo 1 que não responderam ao
tratamento com terapia dupla ou
com fibrose avançada (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2013). Estas drogas demonstraram taxas de RVS
de 67%- 75% em estudos de fase
III com pacientes infectados pelo
HCV genótipo 1 (POORDAD et
al, 2011; JACOBSON et al, 2011).
Em relação aos efeitos adversos, foram observados para
Boceprevir, anemia, pele seca
e disgeusia e para o Telaprevir, anemia, náuseas, exantema, diarreia, prurido e sinto-
mas anorretais (MS, 2012).
Por ser uma proteína essencial
para a montagem e replicação
viral, inibidores de NS5A são antivirais potentes e atuam em concentrações picomolares, embora apresente resposta diferente
nos genótipo 1a e 1b (WANG et
al, 2012). Daclatasvir, lidipasvir,
ABT-267, GS-5816, e MK-4782
são inibidores de NS5A sendo
testados em estudos de fase II-III, com alguma probabilidade
de licenciamento em curto período de tempo. Estes agentes têm
demonstrado reações adversas
mínimas, porém já foram encontradas as seguintes mutações
de resistência M28T, L31M / V, e
Y93C / N (FEENEY et al, 2014).
A RNA-polimerase dependente de
RNA (NS5B) é responsável pela
replicação do RNA do HCV. Tal
como acontece com os inibidores
da transcriptase reversa do HIV,
existem duas classes principais
de inibidores de NS5B. Estes são
os inibidores de nucleosídeos (s),
que se ligam ao local ativo da enzima e causa a terminação prematura da cadeia, ou nucleotídeos
(t), que se ligam fora do sitio ativo,
mas causam uma alteração conformacional que inibe a atividade da RNA polimerase (FEENEY
et al, 2014; WELZEL et al, 2014).
Nos últimos anos, a pesquisa clínica na área de novos
tratamentos para a hepatite C
crônica tem se dedicado ao desenvolvimento de regimes baseados em antivirais de ação
direta, com o objetivo de aumentar a eficácia do tratamento e
melhorar a tolerabilidade e segurança. O sofosbuvir é o primeiro
composto que tem sido avaliado em regimes combinados livre
97
98
de interferon. Este medicamento
pertence aos inibidores de nucleotídeos do genoma viral e atua na
polimerase como um terminador
de cadeia durante o processo de
replicação do HCV, e exibe atividade antiviral pan-genotípica
com uma elevada barreira à resistência (DEGASPERI & AGHEMO,
2014). Estudos clínicos demonstraram taxas de resposta de 83 a
96% em pacientes infectados com
genótipos 1, 2 e 3 Outros medicamentos inibidores da polimerase que ainda estão sendo testados são: mericitabine (t), VX-135
(t), desabuvir (s), BMS-791325
(s), GS-9669 (WELZEL et al,
2014; FEENEY et al, 2014). O desenvolvimento de formulações com doses fixas tem reduzido a interação entre os medicamentos e reduzido a duração da
terapia (8-12 semanas) o que pode
facilitar a aplicação de novos regimes com DAAs. Entretanto, o alto
custo destes medicamentos ainda
é um dos grandes empecilhos para
o uso rotineiro na prática clinica.
99
CAPÍTULO 4
100
HEPATITE DELTA
O vírus da hepatite D ou
Delta (HDV), descoberto em 1977
por Rizzetto e colaboradores é
reconhecido como o mais patogênico e infeccioso entre os vírus hepatotrópicos (PONZETTO
et al, 1987; FONSECA, 1993). Ele
possui um antígeno denominado delta (HDAg), que é o componente interno de uma partícula
virus-like, composta por uma
pequena molécula de RNA e pelo
HDAg, envoltos pelo antígeno de
superfície do HBV (HBsAg). Já
que o HBsAg é essencial para a
entrada nos hepatócitos e dispersão célula-célula, o HDV só pode
infectar portadores crônicos do
HBV (superinfecção) ou coinfectar indivíduos simultaneamente
com o HBV (coinfecção) (RIZZETTO et al, 1991). O HDV possui um
poder notável de dominância e
supressão, apresentando efeito
inibitório sobre a síntese dos antígenos virais do HBV durante a
superinfecção, particularmente
sobre o HBsAg e o HBcAg (RIZZETTO et al, 1977), além de ser
o responsável pela exacerbação e
agravamento da doença hepática
em indivíduos infectados pela hepatite B (RIZZETTO et al, 1980).
O HDV está classificado como a espécie protótipo
do gênero Deltavirus que, até
o momento, é um gênero separado, não sendo classificado taxonomicamente em nenhuma
família de vírus (ICTV, 2012).
EPIDEMIOLOGIA DA
INFECÇÃO
A infecção pelo HDV representa um grave problema de
saúde pública principalmente
em áreas endêmicas para o HBV,
estimando-se que aproximada-
101
102
mente 18 milhões de pessoas no
mundo estejam infectadas pelo
HDV (Figura 1). Ser portador crônico da hepatite B é principal fator epidemiológico, o que poder
ser observado nas populações
nativas da Amazônia brasileira
(BENSABATH et al, 1987; FONSECA et al, 1988; FONSECA et al,
1994; BRAGA et al, 2001), peruana (CASEY et al, 1996), venezuelana (HADLER et al, 1983) e,
em determinadas áreas da África
(LESBORDES et al, 1986). O fato
de ser HBsAg positivo também se
aplica como fator epidemiológico
aos grupos susceptíveis de infecção para hepatite B, como os toxicômanos, os hemodializados e os
politransfundidos (RIZZETTO et
al, 1977; FONSECA, 1993). Curiosamente na Ásia a incidência para
o HDV é baixa, independente de
possuir uma alta prevalência de
portadores do HBV. Uma possível
explicação para o observado seria
1) o HDV ainda não está difundido
nessa população, ou 2) essa população é resistente á infecção pelo
HDV (CHEN et al, 1992). Já em
países com baixa prevalência de
infecção pelo HBV, a infecção pelo
HDV ocorre principalmente os
grupos mais suscetíveis (RIZZETTO et al, 1977; FONSECA, 1993).
Estudos europeus mostraram
uma prevalência maior do que
20% nos indivíduos HBsAg positivos. Com um maior conhecimento sobre o vírus delta e seu
modo de transmissão, houve a
implementação de medidas preventivas como o uso de seringas,
agulhas e material médico descartáveis, além da introdução
dos programas de vacinação para
HBV, o que diminuiu significativamente a incidência para
cerca
de
5
a
10%
(GAETA
et
al,
2000).
Entretanto, estudos demonstram que os imigrantes seriam um reservatório residual de HDV no sul da Europa (RIZZETTO & CIANCIO, 2012). Nos Estados Unidos, os usuários
de drogas são uma grande reocupação (KUCIRKA et al, 2010).
103
Figura 7. Distribuição do HDV
Fonte: Adaptado de PASCARELLA & NEGRO, 2010
104
Como já foi citado, O HDV
é endêmico nas populações nativas da Amazônia brasileira, onde
está associado a manifestações
mais graves de doença hepática (BENSABATH & DIAS, 1983;
BENSABATH et al, 1987; GOMES-GOUVÊA et al, 2008, 2009;
MENDES-CORREA et al, 2011).
Na região amazônica, os
anticorpos anti-HDV podem ser
encontrados em até 34% dos
indivíduos portadores do HBsAg (Fonseca et al, 1988; MENDES-CORREA et al, 2011). De
acordo com o Ministério da
Saúde, no período de 1999 a
2011, foram notificados 2.197
casos de hepatite D no Brasil.
A maioria dos casos concentra-se na região Norte (76,4%).
(Ministério da Saúde, 2012)
Os programas de vacinação para o HBV foram introduzi-
dos como controle da infecção e
estão sendo efetivos reduzindo o
número de portadores do HBV e,
consequentemente os portadores de HDV na Bacia Amazônica
(RIZZETTO & CIANCIO, 2012).
Nunes e colaboradores, em 2007,
não encontraram nenhum marcador para o HDV em um estudo
realizado em uma reserva indígena no Pará. Em regiões não endêmcias, os dados sobre a prevalência do HDV são escassos.
ESTRUTURA GENÔMICA
O HDV é um vírus híbrido
e defectivo, sendo o único vírus
satélite que depende do envelope
do helper HBV para dar suporte
à montagem e liberação de novas
partículas de HDV e contribuir
para a capacidade dessas partículas em se ligar e infectar células susceptíveis (RIZZETTO et al,
1977). Sendo assim, o HDV não
é um vírus hepatotrópico autônomo. Apesar de se replicar nos
hepatócitos, até o momento não
foram identificados receptores
para o HDV nestas células. Considerado como subvírus satélite do
HBV, o HDV é classificado como a
espécie protótipo do gênero Deltavirus que, até o momento, é um
gênero separado, não sendo classificado taxonomicamente em
nenhuma família de vírus (ICTV,
2012). Suas partículas são pequenas, variando de 30 - 36 nm de diâmetro, esféricas e envelopadas.
O genoma é composto por uma
molécula de RNA de fita simples,
circular e polaridade negativa, envolvido por cerca de
70 a 200 moléculas de HDAg
(WANG et al, 1986; RYU et al,
1993; GUDIMA et al, 2002).
O envelope viral é formado pelas
proteínas de envelope do HBV
(HBsAg), em todas as suas formas (large, middle e small) (SUREAU, 2006), além de lipídios
da célula hospedeira (HUGHES
et al, 2011) que são adquiridos
durante a coinfecção com o HBV.
GENOMA VIRAL
O HDV RNA possui um tamanho reduzido, estrutura circular e replicação através do
mecanismo de círculo rolante. O
genoma do HDV (~1700 nt) codifica para o antígeno delta (HDAg)
(FLORES et al. 2012). No
entanto, estudos mais específicos
do genoma viral propõem que ele
compreenda um domínio viroide-like de aproximadamente 350 nt,
contendo ribozimas cruciais para
sua replicação, fusionado a outro
domínio, contendo a região codificante para o HDAg. O genoma do
105
106
HDV é menor do que o de qualquer outro agente infeccioso de
animais e a sua sequência nucleotídica rica em citocinas (C) e guaninas (G) permite um alto grau
de pareamento intramolecular de
bases, o que gera a formação de
uma estrutura em forma de bastonete, não ramificada (WANG et
al, 1986; HUGHES et al, 2011).
A célula infectada pelo HDV
contém o genoma, uma fita complementar e um RNA linear, de
aproximadamente 800 nt. A fita
complementar possui a sequência aberta de leitura da única
proteína do HDV, entretanto, esta
proteína de 195 aminoácidos (aa)
é traduzida a partir de um RNA
mensageiro (RNAm) (TAYLOR,
2012). O terceiro RNA que surge
durante a replicação do HDV possui a mesma polaridade da fita
complementar, porém de forma
linear, com a extremidade 5´ capeado e a extremidade 3´ poliadenilada (GUDIMA et al, 2000). Esse
RNA, que funciona como RNAm,
tem aproximadamente 800 nt
e codifica para a única proteína
codificada pelo vírus, o HDAg.
REPLICAÇÃO DO HDV
Acredita-se que o receptor
no hepatócito seja o mesmo que
o do HBV, já que ambos os vírus
possuem o mesmo envelope. A infecciosidade do HDV depende da
ligação de um domínio na região
N-terminal da porção pré-S1 da
proteína large do HBsAg ao receptor no hepatócito (BARRERA
et al, 2005; ENGELKE et al, 2006).
Uma segunda região localizada no
loop antigênico das três proteínas de envelope do HBV também
é necessária para infecciosidade
(ABOU-JAOUDÉ & SUREAU, 2007;
SALISSE & SUREAU, 2009), porém
ainda não está claro se o loop antigênico e os determinantes pré-S1
atuam sinergicamente ou independentemente na entrada viral.
Longarela e colaboradores
(2013) demonstraram que a entrada do HDV nos hepatócitos depende também de uma interação
com glicosaminoglicanos (GAG),
mais especificamente o heparan
sulfato localizado na matriz extracelular das células hepáticas.
O vírus perde o envelope após entrada no hepatócito e
um sinal de localização no HDAg
transloca o nucleocapsídeo para
o núcleo celular (XIA et al, 1992).
Para que haja a replicação, o vírus
utiliza RNA polimerases da célula
do hospedeiro, que reconhece o
genoma como um DNA fita dupla,
devido a sua estrutura dobrada em
forma de bastonete (LAI, 2005).
Três tipos de RNA são produzidos
durante a replicação: RNA genômico circular, RNA antigenômico
complementar ao circular e um
RNA antigenômico poliadenilado
linear de 0,8 kb, que é o RNA mensageiro contendo a fase de leitura aberta que codifica o HDAg.
107
79,2%
3,2%
108
3,2%
8,8%
5,7%
Figura 8. Prevalência da infecção pelo HDV em 2010
Fonte: Governo Federal
(http://www.aids.gov.br/publicacao/2012/boletim_de_hepatites_virais_2012).
Sugere-se que a RNA polimerase II é a responsável pela
replicação do HDV; entretanto
um estudo mostrou que as RNA
polimerase I e III também interagem com o HDV RNA (GRECO-STEWART et al, 2009). A replicação do HDV RNA circular
ocorre através de um mecanismo de círculo rolante (rolling-circle), que é único entre os vírus que infectam animais, porém
comum aos viróides de plantas.
O HDV RNA é primeiramente sintetizado como uma molécula
linear, contendo muitas cópias do
genoma, mas no RNA genômico
e na fita complementar, uma sequência de 85 nucleotídeos atua
como ribozima, que tem a capacidade de auto-clivar o RNA linear
em monômeros (WU et al, 1989).
Esses monômeros se ligam
para que haja a formação de um
RNA circular, mas o papel da
RNA ligase do hospedeiro nesse processo ainda é controverso.
O HDAg é a única proteína
conhecida que é codificada pelo
genoma do HDV. Ela se apresenta em duas isoformas: L-HDAg
(large) de 27 kDa com 214 aminoácidos e a S-HDAg (small) de
24 kDa com 195 aminoácidos. A
sequência N-terminal das duas
isoformas é a mesma, sendo diferenciadas apenas por 19 aminoácidos na porção C-terminal
da isoforma L-HDAg. A fase de
leitura aberta da fita complementar gera ambas as isoformas devido a uma heterogeneidade no
códon 196 (WEINER et al, 1988).
Um stop códon nessa posição leva
a tradução da isoforma S-HDAg;
entretanto, quando a enzima celular
adenosina-deaminase-1
edita o RNA, ocorre uma mu-
109
110
dança na sequência UAG => UGG e então, a isoforma L-HDAg é produzida (WANG et al, 1986; JAYAN & CASEY, 2002), fazendo com que
a isofroma S-HDAg retorne ao núcleo para dar suporte à replicação viral (TAYLOR,2006; YAMAGUCHI et al, 2001). A isoforma L-HDAg atua como um regulador negativo da replicação do HDV, sendo imprescendível para a montagem do vírion (CHANG et al, 1994).
Portanto, a edição do RNA é fundamental para o ciclo replicativo do HDV, controlando os níveis de cada isoforma e, consequentemente, o balanço entre síntese viral e montagem da partícula.
Figura 9. Representação esquemática da partícula de HDV
Fonte: FONSECA, 2002
Algumas modificações após
a tradução da isoforma L-HDAg,
principalmente a prenilação do
resíduo de cisteína na porção
C-terminal, é essencial para sua
capacidade de ligação ao HBsAg e
montar a partícula viral (GLENN
et al, 1992). A metilação do S-HDAg por arginina metiltransferase na arginina-13 (um domínio de
ligação do RNA) é essencial para
a translocação do S-HDAg para o
núcleo e para replicação da fita de
RNA complementar, para que haja
a formação do RNA genômico (LI
et al, 2004). Por isso, modificações
pós-traducionais determinam o
balanço do ciclo de vida viral e são
alvos terapêuticos importantes no
desenvolvimento de novas drogas.
Uma vez no núcleo, as moléculas L-HDAg formam complexos com S-HDAg e novas construções de RNA genômico, que serão
exportados para a membrana de
Golgi através de um sinal na porção C-terminal da isoforma L-HDAg. Na membrana, estes complexos se associam as proteínas
de envelope do HBV para criação
do vírion infeccioso (BARRERA
et al, 2005; WANG et al, 1991). A
interação da porção C-terminal
da isoforma L-HDAg com a cadeia
pesada de clatrina da rede trans-Golgi é essencial para a montagem viral (HUANG et al, 2007).
VARIABILIDADE DO HDV
Análises de diferentes isolados demonstraram que o tamanho do genoma varia entre 1672 e
1697 nt, mas que apesar disso, as
sequências são altamente variáveis (CASEY & GERIN, 1995; RADJEF et al, 2004; DENY, 2006). A
divergência de sequências dentro
de um mesmo genótipo pode che-
111
112
gar a até 18% e entre genótipos
diferentes varia de 20-40% (Hughes et al, 2011). Em um indivíduo, a população viral circulante
pode ser bem variada (quasispecies) (Deny, 2006), o que se deve a
não atividade de leituta das RNAs
polimerases. A taxa de mutação
na região não-codificante do genoma do HDV é de 3,52x10-3
substituições de base/sítio do genoma/ano, enquanto que para a
região codificante é de 1,49x10-3
para substituições não sinônimas,
e 0,67x10-3para substituições sinônimas (KRUSHKAL & LI, 1995).
No entanto, essa variabilidade não é homogênea por todo
genoma, as regiões da ribozima
auto-catalítica e o domínio de ligação do HDAg ao RNA são extremamente conservadas, enquanto
a região C-terminal da proteína
LHDAg é bastante divergente. Até
a introdução de técnicas de biologia molecular para a genotipagem,
a mesma era realizada por análise
imuno-histoquímica do tecido hepático (HSU et al, 2000) ou pelo
polimorfismo no comprimento de
fragmentos de restrição (RFLP)
de produtos de reação em cadeia
da polimerase (PCR) (WU et al,
1995). Atualmente a genotipagem é realizada através do
sequenciamento direto e análise
molecular de árvores filogenéticas, demonstrando a existência de
oito diferentes genótipos (RADJEF
et al, 2004; LE GAL et al, 2006).
GENÓTIPOS DO HDV
Baseado na divergência
em 20 - 40% da sequência nucleotídica do genoma completo,
atualmente o HDV é dividido em
8 genótipos (LE GAL et al, 2006;
DENY, 2006; HUGHES et al, 2011).
O genótipo 1 é o mais prevalente
no mundo (SHAKIL et al, 1997). O
genótipo 2 (previamente conhecido como 2a) é encontrado no Japão, Taiwan e em algumas regiões
russas (ZHANG et al. 1996; WU
et al, 1998; IVANIUSHINA et al,
2001). O genótipo 3 (o mais divergente de todos) é encontrado na
região da Bacia Amazônica (PARANÁ et al, 2006), enquanto que
o genótipo 4 (previamente conhecido como 2b) é encontrado em
Taiwan e no Japão (SAKUGAWA et
al, 1999). Já os genótipo 5-8 foram
descritos em africanos, incluindo
seus descendentes que migraram
para o norte da Europa (RADJEF
et al, 2004; LE GAL et al, 2006).
DOMINÂNCIA VIRAL
Tanto a coinfecção quanto
a superinfecção HBV/HDV supri-
mem a replicação do HBV em pacientes e em sistemas modelos.
Cerca de 80% dos pacientes são
HBeAg negativos, e a maioria possui baixos níveis de HBV no soro
(SAGNELLI et al, 2000; CROSS et
al, 2008; ZACHOU et al, 2010; WEDEMEYER & MANNS, 2010). Uma
das explicações para a dominância do HDV seria que as proteínas
codificadas pelo HDV regulam negativamente a replicação do HBV,
reprimindo a atividade de duas
regiões enhancer do HBV. Outra
explicação é que a proteína L-HDAg transativa o gene MxA induzido por interferon-α, inibe a replicação do helper HBV reduzindo a
exportação do RNAm viral a partir
do núcleo (WILLIAMS et al, 2009;
WEDEMEYER & MANNS, 2010).
Apesar da influência do
HDV sobre o HBV, aproximadamente 20% dos pacientes com he-
113
patite D são HBeAg e/ou HBV-DNA positivo (HUGHES et al, 2011).
114
TRANSMISSÃO
Assim como o HBV, o HDV
é transmitido via parenteral
através da exposição ao sangue
ou fluidos corpóreos contaminados (FARCI, 2003). Testes em
chimpanzés demonstraram que
uma pequena inoculação é suficiente para transmitir a infecção
(PONZETTO et al, 1987). Dessa forma, as taxas de transmissão continuam elevadas entre
usuários de droga intravenosa.
A transmissão intrafamiliar
ocorre e parece ser comum em
regiões de elevada prevalência,
sendo conhecida como transmissão parenteral inaparente, principalmente relacionada com pequenas lesões na pele por picadas
de insetos ou através de mucosas.
A transmissão perinatal do HDV
é incomum. Devido à triagem de
produtos do sangue, novas infecções em pacientes hemofílicos, receptores de transfusão de sangue,
e pacientes que recebem hemodiálise não são mais vistos em países desenvolvidos (HSIEH, 2006).
TRATAMENTO
O principal objetivo do tratamento da hepatite Delta não é
apenas a eliminação do HDV, mas
também controlar a infecção da
hepatite B. Portanto, o principal
desafio em definir a terapia ideal é a complexidade em ter como
alvo duas infecções persistentes.
O HDV utiliza exclusivamente enzimas fornecidas pelos hepatócitos do hospedeiro para a replicação viral. Dessa forma, o HDV
não possui enzimas virais específicas que poderiam ser usadas
como alvo terapêutico para inibir
a sua replicação. Até o momento,
o interferon-α parece ser a única droga disponível com atividade antiviral significativa contra o
HDV (HEIDRICH et al, 2013), mas
algumas questões permanecem
sem resposta, como por exemplo, a duração do tratamento.
Terapias mais longas parecem estar associadas com maiores
taxas de resposta, mas ainda não
está claro quais pacientes podem
interromper com segurança o tratamento após 1 ano (GUNSAR et al,
2005). Um melhor entendimento
da biossíntese viral e das interações HDV-hospedeiro e HDV/HBV
são cruciais para a identificação
de novos agentes terapêuticos. Até
o momento não existem drogas
que atuem diretamente no RNA
viral ou no HDAg e abordagens
experimentais como inibição da
ribozima ainda estão muito longe
dos ensaios clínicos. A etapa de
montagem das novas partículas é
essencial para uma infecção bem
sucedida e este processo envolve
uma modificação pós-traducional
do L-HDAg. Alguns estudos mostraram que, prevenindo a prenilação, a interação do L-HDAg com
o HBsAg é interrompida e a síntese de novos vírions é bloqueada.
Em modelo animal, esses inibidores
demonstraram-se
efetivos na eliminação viral (BORDIER et al, 2003).
Outras formas de modificações pós-traducionais da proteína HDAg, como acetilação,
fosforilação e metilação também
podem ser úteis como alvos para
novos compostos terapêuticos.
Estudos demostraram que peptídeos sintéticos específicos para
a região N-terminal do domínio
115
116
pré-S1 do HBsAg são capazes de
inibir a ligação viral e, portanto, a infecciosidade do HDV, chamando atenção para um alvo terapêutico alternativo (BARRERA
et al, 2005; GLEBE et al, 2005;
GRIPON et al, 2005; SCHULZE et
al, 2010, HUGHES et al, 2011).
Drogas capazes de interferir nos processos cruciais
para o ciclo replicativo parece
ser o futuro para o tratamento
da infecção causada pelo HDV.
PREVENÇÃO E
CONTROLE
Uma vez que a infecção
do HDV é relacionada ao HBV,
as estratégias de prevenção são
as mesmas: vacinação para a
hepatite B e a profilaxia pós-exposição (HSIEH et al, 2006).
Vacinas profiláticas contra o HDV
ainda estão sendo estudadas. A he-
patite D crônica, adquirida por superinfecção, é uma doença grave,
entretanto, uma vacina pode ser
importante para proteger portadores do HBsAg da superinfecção
pelo HDV (ROGGENDORF, 2012).
117
118
CAPÍTULO 5
HEPATITE E
No início da década de
80, testes sorológicos desenvolvidos para o vírus da hepatite A,
confirmaram a existência de um
novo vírus de transmissão entérica até então desconhecido, associado à ocorrência de um surto
ocorrido em Nova Déli, Índia, em
1955 (WONG et al, 1980; BRADLEY, 1990). Àquela época, os
testes realizados demonstraram
que os indivíduos acometidos no
surto, causado por um problema
de contaminação do abastecimento de água potável, já eram
imunes ao vírus da hepatite A, já
bem caracterizado desde 1973.
O agente associado à hepatite
entérica não-A não-B, denominação adotada desde então, foi
posteriormente
caracterizado
através de estudos de caracterização morfológica e molecular
(REYES, 1990; TAM, 1991). A he-
patite E, doença causada pelo vírus E da hepatite (HEV), classificação adotada após os referidos
estudos, foi reconhecida como
endêmica ou epidêmica em países da África, da Ásia e no México
(PURCELL & EMERSON, 2001).
Em 1997, a descoberta da
circulação do HEV em suínos,
contribuiu para uma revisão sobre a epidemiologia da hepatite E,
visto que, casos autóctones foram
descritos em regiões previamente
consideradas livres da circulação
do HEV (MENG et al,1997). Ao
longo dos últimos anos, diferentes espécies foram descritas como
possíveis reservatórios do HEV, dinamizando a discussão sobre aspectos epidemiológicos, patogênicos e clínicos sobre este agente,
hoje considerado como único dentre os principais vírus causadores de hepatite, cuja transmissão
119
120
além de entérica pode ser zoonótica (MENG, 2013). Outras formas
menos freqüentes de transmissão envolvem a via parenteral e
a transmissão vertical (KHUROO
et al, 2004; PATRA et al, 2007).
A OMS estima dos 20 milhões de casos de hepatite E
anuais, 56000 resultam em óbitos relacionados à complicações da doença (WHO, 2014).
CLASSIFICAÇÃO
E MORFOLOGIA
Em 1983, durante um surto
de hepatite entérica não-A não-B ocorrido próximo a Moscow, o
Dr. Balayan realizou o transporte
de amostras a serem investigadas através da autoinfecção por
ingestão de amostras de fezes de
pacientes. Nas semanas subseqüentes, ele desenvolveu um quadro agudo de hepatite e realizou
coletas seriadas das fezes para observação em microscopia e infecção experimental em macacos do
gênero cynomolgus (WONG et al,
1980; BRADLEY, 1990). O HEV foi
caracterizado a partir da detecção
de partículas semelhantes a vírus
(VLPs) por imunoeletromicroscopia (IEM) (BALAYAN et al, 1983).
O Dr. Balayan já havia sido previamente exposto ao HAV não apresentou resposta sorológica para
este vírus nem para o vírus da hepatite B (HBV), mas desenvolveu
anticorpos para VLPs recuperados de suas fezes. Inicialmente, o
HEV foi classificado na família Caliciviridae devido às semelhanças
morfológicas compartilhadas com
outros membros dessa família. No
entanto, em 2004, após extensas
avaliações de dados obtidos após
a caracterização de diferentes
genomas, o comitê internacional
de taxonomia viral (ICTV) determinou a criação do gênero hepevirus e da família Hepeviridae
para reclassificação de isolados
do HEV (FAUQUET et al, 2005).
Análises de difração em
raio-X demonstraram que o VHE
apresenta uma partícula não envelopada e esférica, com aproximadamente 32-34 nm de diâmetro e uma superfície indefinida
com leves depressões (YAMASHITA et al, 2009). O genoma do HEV
consiste de uma fita simples de
RNA de polaridade positiva com
a presença de cap (7-metilguanosina) e de uma cauda poli-A, com
aproximadamente 7200 nucleotídeos (nt). O genoma viral possui duas regiões não-codificantes
(NC) nas extremidades 5´ e 3´, que
são altamente conservadas e possuem 35 e 68-75 nt, respectivamente. Estas regiões são elemen-
tos cis regulatórios envolvidos na
replicação do genoma viral, na
tradução e encapsidação, como
observado em outros vírus com
genoma constituído de RNA. T
rês fases abertas de leitura
(ORFs), descontínuas e parcialmente sobrepostas, organizadas
na ordem 5´- ORF1-ORF3-ORF2
-3´ compõem o genoma ((MENG
et al,1997; AHMAD, 2011). A
ORF1 compõe a maior unidade
codificante, é localizada na extremidade 5´ e possui aproximadamente 5000 nucleotídeos. As
proteínas codificadas estão envolvidas no processo replicativo
do genoma viral como a metiltransferase, uma protease semelhante à papaína, a helicase e a
RNA polimerase RNA dependente
(KOONIN et al, 1992; AGRAWAL
et al, 2001). Alguns domínios homólogos a outros vírus RNA de
121
122
polaridade oriundos de plantas
e animais foram identificados na
ORF1 (PUDUPAKAM et al, 2011).
Uma região não codificante hipervariável da ORF1 apresenta
uma diversidade genética significativa e pode estar envolvida na
eficiência da replicação do HEV.
As diferenças entre genomas observadas para os variados
isolados estão concentradas nesta região de hipervariabilidade
(HUANG et al, 2004). A ORF2 codifica uma proteína de 660 aminoácidos, única estrutural que
compõe o capsídeo viral, e contêm uma seqüência sinal típica
próxima à região 5´ terminal, seguida de uma região com cargas
altamente básicas do genoma viral. Esta região está envolvida na
encapsidação do transcrito genômico. A ORF2 é altamente imunogênica e possui diversos epito-
pos (REYES, 1990; MUSHAHWAR
et al, 1996; AHMAD, 2011). Essa
região é alvo para o desenvolvimento de uma vacina, além de
codificar outros epítopos secundários na região central da proteína. A ORF3 codifica para uma
fosfoproteína capaz de se associar
ao citoesqueleto da célula, possivelmente servindo como sítio de
ancoragem (OKAMOTO, 2007).
Além disso, essa proteína pode
estar envolvida na interação com
a proteína fosfatase quinase ativada por mitogênese e outras quinases extracelulares promovendo
a sobrevivência celular através da
ativação da cascata de sinalização intracelular (KORKAYA et al,
2001; NAGASHIMA et al, 2011).
Apesar de apenas um sorotipo ter sido proposto a variabilidade entre os isolados do
VHE é diversa (PURCELL, 1994;
OKAMOTO, 2007). Estes agrupam-se em pelo menos quatro
genótipos principais. As classificações são baseadas na análise de seqüências completas e/
ou parciais (ORF1 e ORF2) (ZANETTI et al, 1999; SCHLAUDER
& MUSHAHWAR 2001; LU et al,
2006). De acordo com a classificação atual, os quatros principais
genótipos são subdivididos em
subtipos definidos em reconstruções filogenéticas (LU et al, 2006).
O genótipo 1 é subdividido
em cinco subtipos; 1a-e, o genótipo 2 em dois subtipos; 2a-b, o
genótipo 3 em dez subtipos; 3a-j,
e o genótipo 4 em sete subtipos;
4a-g. No genótipo 1 estão agrupados isolados da Ásia e da África
associados à ocorrência endêmica
e epidêmica da hepatite E nessas
regiões. Recentemente, foi identificado em casos esporádicos na
Venezuela e Uruguay e em pequenos surtos em Cuba (ECHEVARRÍA
et al, 2013; MIRAZO et al, 2014).
O genótipo 2 possui uma
amostra protótipo proveniente de um surto ocorrido no México em 1986, e outras provenientes do continente africano
(Chad e Nigéria) que foram caracterizadas nos últimos anos.
O genótipo 3, foi determinado quando em 1997, um grupo
dos EUA fez a primeira descrição
de um isolado do HEV em suínos
(MENG et al,1997). Este isolado
demonstrou estar relacionado a
casos autóctones de hepatite E
aguda nos EUA. Estudos subseqüentes realizados em áreas não
endêmicas levaram a caracterização de outros isolados suínos
e humanos relacionados à uma
mesma região geográfica e também classificados nesse genótipo.
123
124
O genótipo 4, o mais recente caracterizado, também inclui
isolados suínos e de casos humanos autóctones, porém com circulação mais restrita à países orientais do Leste da Ásia e da Europa
central (HAKZE-VAN et al, 2011).
A hipótese sobre a transmissão zoonótica deste vírus levou a uma série de investigações
da circulação em outras espécies.
Até 2010, além do HEV suíno, o
vírus foi identificado também em
javalis, cervos e aves. Recentemente, outros vírus relacionados,
denominados HEV -like, foram
identificados em ratos, coelhos,
ferrets, visons, raposas, morcegos e alces, além de um agente
distante relacionado isolado de
amostras de salmonídeos (MENG,
2011; KUMAR et al, 2013).
O crescente número de seqüências do HEV ou de vírus rela-
cionados (HEV -like), e o aumento
de novos genótipos ou genogrupos em potencial, tem levantado
discussão acerca do atual sistema de classificação do gênero
Hepevirus
(OLIVEIRA-FILHO
et al, 2013; SMITH et al, 2013).
ASPECTOS CLÍNICOS
A hepatite E pode desenvolver desde quadros assintomáticos
até quadros de hepatite fulminante (AGGARWAL, 2011). Em regiões endêmicas, onde circulam os
genótipos 1 e 2, a taxa de mortalidade varia de 0,5 a 4%. A maioria
dos casos é de quadros assintomáticos ou associados à hepatite
aguda auto-limitada. Nessas regiões, a taxa de ataque é maior entre jovens e adultos (médias de 30
anos) (KUMAR et al, 2007), sendo
um dado peculiar considerando o
perfil epidemiológico padrão para
doenças de transmissão fecal-oral
em áreas endêmicas. Após um período de incubação de 2 a 8 semanas, o sintomas são observados
em torno de 20% dos casos e podem incluir uma fase prodrômica com anorexia, hepatomegalia,
febre, fraqueza e vômito seguida de sintomas clássicos como
icterícia, acolia fecal e colúria.
Além dos sintomas, o aumento dos níveis de enzimas hepáticas como bilirrubina, alanina aminotransferase e aspartase
aminotransferase é característico
da fase aguda da doença (ZHU et al,
2010; REIN et al, 2012). Durante
as epidemias quando circulam os
genótipos 1 e 2, foi observada uma
taxa de 25% de mortalidade entre
mulheres no terceiro trimestre de
gestação, associada desenvolvimento de quadros fulminantes da
hepatite (TANIGUCHI et al, 2009).
Em regiões de baixa endemicidade, a maior ocorrência de
casos se dá entre faixas etárias
mais avançadas e indivíduos do
sexo masculino. É possível que
este padrão epidemiológico esteja associado à hábitos de consumo (ex: embutidos; carne mal-cozida) (PAVIO & MANSUY, 2010).
Embora a hepatite E seja
uma doença aguda, alguns casos
de persistência do vírus (casos
crônicos) vêm sendo descritos
nos últimos anos como associados
à pacientes submetidos ao tratamento de imunosupressão para
transplante e também indivíduos
imunocomprometidos pela infecção do HIV ou por apresentar distúrbios como linfoma ou leucemia
(LE COUTRE et al, 2009; SCHLOSSER et al, 2012; KOENECKE et al,
2012). À exceção desses casos,
apenas um caso foi descrito rela-
125
tando um indivíduo imunocompetente com hepatite E arrastada
por um ano. Outras complicações
como pancreatite e desordens
neurológicas também já foram
observadas para casos agudos e
crônicos (DALTON et al, 2008).
126
TRANSMISSÃO
O principal modo de transmissão durante os surtos de hepatite E é a via entérica, em particular pela ingestão de água
contaminada. Os indivíduos que
eliminam vírus entericamente
durante a fase aguda da doença,
sintomáticos ou não, são provavelmente aqueles que mais contribuem para a manutenção do
vírus no ambiente, com a quantidade de vírus excretada chegando
a 108 cópias de genoma por miligrama de fezes. Indivíduos que
eliminam HEV nas fezes por um
período prolongado também podem contribuir para esta manutenção (TEO, 2007). A transmissão pessoa-a-pessoa e vertical não
é comum, mas os riscos de infecção pelo HEV e a mortalidade de
crianças nascidas de mães infectadas pelo HEV é alta (AGGAEWAL &
NAIK, 1992; TESHALE et al, 2010)
Tendo em vista o curto período da fase virêmica da infecção, admite-se que a probabilidade de transmissão parenteral
seja baixa. A ocorrência de transmissão do HEV por transfusão
de sangue em áreas endêmicas
foi demonstrada em receptores
infectados a partir de doadores
com infecção subclínica e viremia
(KHUROO et al, 2004; GOTANDA
et al, 2007; TAKEDA et al, 2010).
A transmissão do HEV tem
sido relatada como associada a
veiculação hídrica em grandes
e pequenas epidemias. A co-infecção com o vírus da hepatite A
(HAV) também tem sido relatada
(PURCELL, 1994). As epidemias
estão associadas aos genótipos 1
e 2 do HEV. No entanto, o HEV já
foi identificado em amostras de
esgoto e de água do mar países industrializados, sendo o genótipo
3, o principal, podendo ter uma
papel significante na transmissão
entre humanos (CLEMENTE-CASARES et al, 2003; ISHIDA et al,
2012; MASCLAUX et al, 2013). A
viabilidade do HEV no ambiente e em esgoto ainda é desconhecida (YUGO & Meng, 2013).
Atualmente, a hepatite E é
considerada uma doença zoonótica e transmitida a partir de reservatórios animais, principalmente
suínos. Nesses casos, a transmissão está associada aos genótipos
3 e 4 do HEV (TEI et al, 2003; TEO,
2010). O HEV permanece infeccioso mesmo quando submetido a
temperaturas até 60°C, o que sugere a transmissão pelo consumo
de alimentos crus ou mal cozidos
(YUGO & Meng, 2013). Uma série
de 29 casos esporádicos de hepatite E aguda, descritos no Japão,
identificou nove pacientes com
história recente de consumo de
porções de fígado de suíno grelhado (YAZAKI et al, 2003). A pesquisa pelo HEV-RNA em fígados de
suínos comercializados em mercearias próximas às residências
dos respectivos pacientes revelou
algumas amostras eram positivas
para presença do genoma do HEV.
Um estudo realizado posteriormente demonstrou que pacientes diagnosticados com hepatite
E possuíam histórico recente de
consumo de porções de fígado cru
ou mal cozido de suíno, e metade
127
128
destes pacientes também haviam
consumido porções de intestino de suíno (MIZUO et al, 2005).
Nos EUA, amostras de fígado
de suíno para consumo foram positivos para presença do genoma
do vírus. Um estudo experimental
demonstrou ainda que as partículas permaneciam infecciosas sob
aquelas condições de armazenamento (FEAGINS et al, 2007). No
Japão, casos esporádicos de hepatite E, e casos provenientes de
surtos foram descritos como associados à ingestão de carnes de
javalis e de cervos cruas ou mal
cozidas. (TAMADA et al, 2004).
A transmissão zoonótica a partir
de contato direto com animais
também já foi descrita. Fazendeiros, veterinários, e funcionários
que manipulem diretamente os
animais representam grupos de
risco (MENG et al, 2002; RENOU
C, CADRANEL et al, 2007).
Um surto de icterícia em
Cruzeiro foi descrito, durante o
qual 33 passageiros estavam infectados pelo HEV. Neste estudo
de caso-controle verificou-se que
o consumo de bivalves era o fator de risco significativo (SAID et
al, 2009). Moluscos bivalves vêm
sendo associados à transmissão
de vírus entéricos como os adenovírus, rotavírus, norovírus e vírus da hepatite A (RIGOTTO et al,
2005; SINCERO et al, 2006). Em
países com boa disponibilidade
de saneamento básico, o papel do
ambiente como fator contribuinte
para transmissão e manutenção
da endemicidade do HEV ainda
é pouco esclarecido, ao contrário das regiões endêmicas, onde
esta forma de transmissão já é
bem caracterizada e reconhecida
(IPPAGUNTA et al, 2007). Estudos
desenvolvidos na Espanha e na
Holanda demonstraram a correlação entre amostras de origem
humana, suína e ambiental para
a mesma região geográfica (CLEMENTE-CASARES et al, 2009; RUTJES et al, 2009). Na Espanha, um
estudo prospectivo demonstrou
o impacto das melhorias sanitárias na circulação de HAV em
regiões onde programas de vacinação foram estabelecidos desde
o ano de 1999. No entanto, estas
medidas não influenciaram a circulação do HEV, cuja proporção
de detecção permaneceu constante nos últimos anos, o que
pode sugerir a sua manutenção
em reservatórios animais (RODRIGUEZ-MANZANO et al, 2010).
O risco de transmissão
zoonótica do HEV é hoje extensivamente estudado, com a des-
crição de novas espécies reservatórias, revelando um potencial
problema para saúde pública.
EPIDEMIOLOGIA DA
HEPATITE E NO MUNDO
A hepatite E sempre foi considerada endêmica ou hiperendêmica em países da Ásia como
Índia e China. A ocorrência da doença está associada à transmissão
fecal-oral somente e humanos e
em sua maioria associada ao genótipo 1 do HEV. No México, em
1986, a partir de um grande surto envolvendo 26 mil indivíduos,
o genótipo 2 foi caracterizado
classificando o país como endêmico. No entanto, o genótipo 2
foi somente observado em casos
autóctones em alguns países da
África ocidental após algumas décadas (Lu et al, 2006; TEO, 2010).
129
130
Em regiões consideradas
não endêmicas, a hepatite E não
era investigada visto que casos
relacionados não eram diagnosticados. Estudos de soroprevalência realizados demonstraram
que nessas regiões a prevalência
de anticorpos contra o VHE era
maior do que se previa para esse
cenário epidemiológico. Assim,
algumas hipóteses surgiram, dentre elas, a possibilidade de um vírus relacionado estar circulando,
desvios relacionados à sensibilidade dos testes desenvolvidos
para áreas endêmicas, ou mesmo
a possibilidade de manutenção do
vírus em reservatórios animais.
Esta última foi demonstrada pela
primeira vez em 1997 com a caracterização do VHE suíno (MENG
et al, 1997). Portanto, em regiões
consideradas não endêmicas, relatos de casos esporádicos de he-
patite E envolvem viajantes para
regiões endêmicas, associados ao
genótipo 1, e casos autóctones, associados à transmissão zoonótica
dos genótipos 3 e 4. A maioria dos
casos associados à transmissão
zoonótica do VHE são por consumo de carne crua ou mal cozida de
suínos, javalis e cervos (COLSON
et al, 2010; BERTO et al, 2013).
As soroprevalências em áreas endêmicas pode variar de 25 à
40%, durante epidemias e nas regiões não endêmicas pode variar de
1 à 4%, podendo chegar até 29%,
dependendo do estudo realizado
(MUSHAHWAR, 2008; TEO 2009).
A identificação de novos
reservatórios animais do HEV
está contribuindo para dinamização da epidemiologia do vírus
que tende a ser atualizada ao longo dos próximos anos (MENG,
2000, IZOPET et al, 2012).
131
132
EPIDEMIOLOGIA DA
HEPATITE E NAS
AMÉRICAS E NO BRASIL
A primeira evidência de infecção pelo HEV na América do
Sul foi registrada na Venezuela
em 1994 (PUJOL et al, 1994). As
diferentes prevalências observadas nos estudos de soroprevalência realizados refletem a diversidade de metodologias utilizadas
incluindo diferenças para os critérios de amostragem (BENDALL et
al, 2010). A maioria das prevalências observadas para populações
urbanas ou rurais variaram de
1% a 10%. Os sintomas da infecção aguda pelo HEV não podem
ser distinguidos de outras formas de hepatites virais. A infecção pelo genótipo 1 do HEV pode
ser grave durante a gravidez, mas
casos de hepatite fulminante em
mulheres grávidas nunca foram
relatados entre mulheres grávidas na América Latina. A infecção
pode ser subclínica quando o indivíduo é exposto a pequenos inóculos do vírus, permanecendo assim não identificado. No entanto,
esse tipo de infecção pode induzir
imunidade parcial, com viremia
e eliminação do vírus nas fezes
(PURDY & KHUDYAKOV, 2011).
Surtos da infecção pelo
HEV foram relatados no México
em 1986, no entanto, a prevalência observada para este país
não é significantemente superior a outros países da América
Latina (VELAZQUEZ et al, 1990).
Estudos de caracterização
molecular identificaram o único
protótipo do genótipo 2ª, porém
estudos subseqüentes demonstraram a circulação do genótipo 3
em 2009. Surtos e casos esporádicos foram descritos em Cuba. Em
alguns casos, a infecção estava
associada a infecção pelo HAV e
em outros casos foi identificado
o genótipo 1 (MONTALVO et al,
2005). Portanto, os genótipos 1, 2
e 3 podem circular em populações
do México e da região do Caribe.
Recentemente, um estudo
realizado na Venezula, confirmou a co-circulação dos genótipos 1 e 3 em pacientes positivos
para anti-HEV IgM, em pacientes
menores de 20 anos, também infectados pelo HAV (MONTALVO
et al, 2008). Outros
países da América do sul, incluindo Argentina, Brasil, Chile,
Peru e Uruguay, diagnosticaram
pacientes com hepatite E aguda
através da detecção de anti-HEV
IgM e/ou detecção de HEV RNA.
Apenas na Argentina, o genótipo 1 foi identificado em casos
importados. Nos outros países,
casos autóctones foram associados ao genótipo 3 (LOPES DOS
SANTOS et al, 2010a; MUNNE
et al, 2011; MIRAZO et al, 2011)
No Brasil, alguns estudos
de soroprevalência demonstraram a evidência de anticorpos
anti-HEV em diferentes grupos
populacionais como em mineiros na Bacia Amazônica (6,1%)
(PANG et al, 1995). Em São Paulo,
pacientes submetidos à hemodiálise apresentaram prevalência de
4,9% de anti-HEV (FOCACCIA et
al, 1995). Prevalências de 2% entre doadores de sangue e de 29%
dos casos de hepatite viral aguda
foram observadas em Salvador,
Bahia (PARANA et al, 1999). No
Laboratório de Referência Nacional para Hepatites Virais / Fiocruz / RJ (CRNHV), entre janeiro
de 1994 e dezembro de 1996,
foram diagnosticados 147 casos
133
134
de hepatite viral aguda não A-C,
com prevalência de anti-HEV de
2,1% (TRINTA et al, 2001). No
Rio de Janeiro, foi observada prevalência de 2,4% para anti-HEV
na comunidade de Manguinhos
(SANTOS et al, 2002). Estudos
realizados com usuários de drogas não-injetáveis e injetáveis,
também deste estado, revelaram
prevalências de 6,5% e 11,8%,
respectivamente (TRINTA et al,
2001). Em Londrina, o marcador
anti-HEV IgM foi detectado concomitantemente em quatro pacientes com hepatite A e em um
paciente com hepatite aguda não
A-C sugerindo a hepatite E como
etiologia provável de alguns casos de coinfecção ou de casos não
esclarecidos (LYRA et al, 2005).
Um estudo realizado em
São Paulo demonstrou pela primeira vez a circulação do HEV
em suínos no Brasil (PAIVA et
al, 2007). Em seguida, outros
estudos realizados em animais
do Rio de Janeiro, Mato Grosso,
Pará e Londrina, demonstraram
a circulação do genótipo 3 nessas populações (SANTOS et al,
2009; DE SOUZA et al, 2012).
As amostras foram classificadas entre protótipos de outras regiões não-endêmicas onde
amostras de casos humanos foram descritas como relacionadas a amostras circulantes em
suínos para uma mesma região
geográfica. No Rio de Janeiro, o
mesmo grupo realizou uma investigação com 64 amostras de
soro de casos agudos de hepatite não A-C atendidos no núcleo
de hepatites virais do Instituto
Oswaldo Cruz, Fiocruz. Dentre
as amostras, foi identificado um
paciente que apresentou soro-
conversão (anti-HEV IgM) e viremia, sendo a amostra deste
paciente também classificada no
genótipo 3 (LOPES DOS SANTOS
et al, 2010a). Na análise filogenética, esta amostra demonstrou
estar relacionada a amostras de
suínos. Esta foi a primeira vez
em que se comprovou um caso
agudo de hepatite E no Brasil
e sua associação com amostras
de suínos pode sugerir a transmissão zoonótica deste vírus no
país. Recentemente, foi descrito
um caso de hepatite E crônica
em uma criança transplantada
que apresentava aumento recorrente dos níveis de enzimas hepáticas e rejeição celular aguda
(PASSOS-CASTILHO et al, 2014).
Apesar do dados crescentes, a epidemiologia da hepatite E no Brasil ainda possui
lacunas a serem preenchidas
com outros estudos de soroepidemiológicos e moleculares.
DIAGNÓSTICO
O diagnóstico de HEV é
baseado na detecção de anticorpos específicos (IgM e IgG), mas
a sensibilidade e especificidade
dos diferentes testes comerciais
disponíveis não são otimizadas.
Técnicas de amplificação do genoma (HEV RNA) também podem ser utilizadas como diagnóstico. Esta abordagem pode
identificar casos agudos, além
de confirmar resultados sorológicos. Diversos ensaios com
essa abordagem foram descritos para detecção do HEV RNA
em amostras de soro, plasma
ou amostras fecais: reação em
cadeia da polimerase precedida
por transcrição reversa (RT-PCR), nested-PCR; PCR em tempo
135
136
real, e amplificação isotérmica.
Os diferentes protocolos incluem
ensaios genéricos estabelecidos
para a detecção dos genótipos
1-4. Embora, atualmente, haja
mais dados sobre a epidemiologia e patogênese do HEV, alguns
fluxogramas de diagnóstico foram propostos e o critério de padronização ainda é crítico. Ainda não é existente um consenso
sobre as melhores metodologias
para pesquisas sorológicas e
diagnósticas de infecção aguda.
A partir de dados obtidos
de casos agudos esporádicos e de
surtos, é sabido que o anti-HEV
IgM é detectável 4 dias após o
aparecimento dos sintomas e
permanece por até 5 meses. No
entanto, reações positivas robustas são raras após 3 meses.
Em média, 90% dos pacientes
possui anti-HEV IgM detectável
por 2 semanas após o início dos
sintomas e o anti-HEV IgG é detectável logo após o aparecimentos do anti-HEV IgM. O anti-HEV
IgG pode permanecer por até 14
anos após a infecção. Os testes
comerciais apresentam uma variabilidade significativa em termos de sensibilidade e especificidade, o que pode justificar a
discrepância entre os estudos de
soroprevalência. A freqüência de
resultados falso positivos de testes para detecção de IgM pode alcançar 2,5% e isso se deve ao fato
de que as metodologias de diagnóstico serem baseadas em antígenos genótipo específicos. Apesar da variabilidade genética que
leva a modificações importantes
em sítios antigênicos, os 4 genótipos compartilham domínios de
reação cruzada na proteína constituinte do capsídeo (ORF2). Em
geral, os testes incluem antígenos
ou peptídeos imunodominantes
das regiões da ORF2 e ORF3 para
detecção de imunoglubulinas de
diferentes classes. Recentemente, os testes desenvolvidos são
baseados na expressão da proteína da ORF2 em sistemas recombinantes como de baculovirus
ou Escherichia coli. Embora essa
abordagem tenha aprimorado a
sensibilidade, a especificidade
ainda precisa ser avaliada especialmente considerando aqueles
testes utilizados em regiões de
baixa endemicidade, onde a freqüência de resultados IgM falso
positivos é maior. Além das inconsistências observadas para
sensibilidade e especificidade
dos diferentes testes, a reatividade cruzada dos testes para
detecção do IgM foi observada
para outros vírus hepatotrópicos
como Epstein-Barr (EBV) e Citomegalovírus (CMV). O diagnóstico de infecção aguda pelo HEV
utilizando testes comerciais em
casos de pacientes imunocomprometidos pela infecção pelo
HIV, quadros de linfoma ou leucemia, e também doadores de órgãos, deve ser avaliado de forma
criteriosa considerando que nesses pacientes a soroconversão
pode ser tardia ou mesmo ausente. Alguns estudos demonstraram que testes para detecção
de IgM apresentaram maior sensibilidade e especificidade comparados a testes voltados para
detecção IgG nesses grupos. Entretanto, a detecção molecular de
HEV RNA ainda é essencial para o
diagnóstico de um quadro agudo.
De um modo geral, a utilização de técnicas para detecção
de HEV RNA como marcador de
137
138
infecção aguda ainda é um tema
de discussão considerando a variabilidade no desempenho dos
diferentes testes sorológicos.
No entanto, a sensibilidade para
detecção do RNA viral depende de fatores como o momento
da coleta (estágio da infecção),
transporte e armazenamento da
amostra. A infecção pelo HEV
não pode então ser excluída caso
o genoma não seja detectado. A
detecção do HEV RNA em amostras biológicas é o padrão-ouro
para confirmação de casos agudos de hepatite E, uma vez que,
as técnicas de detecção de ácido
nucléico podem de forma acurada identificar uma infecção corrente. No entanto, o custo dessas
técnicas restringe sua aplicação
em uma rotina laboratorial de
diagnóstico. Técnicas com diferentes abordagens para detec-
ção dos 4 genótipos conhecidos
já foram descritas, mas também
apresentam grande variabilidade, em especial, as técnicas não
comerciais (“in-house”). Esse
fato se dá especialmente porque
os protocolos não são padronizados considerando as diferentes regiões do genoma utilizadas
para o rastreamento. R e c e n temente, a organização mundial
de saúde desenvolveu um estudo
para seleção de padrões internacionais a serem utilizados em ensaios moleculares para detecção
do HEV RNA. Após a seleção de
alguns candidatos, estes foram
utilizados para validação de kits
comerciais desenvolvidos para
detecção de HEV RNA. Os padrões
foram selecionados por representarem a maioria dos subtipos
do genótipo 3 circulantes em países industrializados. No entanto,
também nesse caso, a variabilidade observada para a sensibilidade entre esses ensaios, realça a
necessidade da padronização de
metodologias genótipo específicas e o desenvolvimento de protocolos capazes de detectar todos
os genótipos existentes do HEV.
PREVENÇÃO E
CONTROLE
A hepatite E é uma doença aguda auto-limitada em pacientes imunocompetentes. Em
pacientes imunocomprometidos
ou com outras hepatopatias associadas, a infecção pelo HEV
pode levar ao desenvolvimento
do quadro de hepatite fulminante ou falência hepática. Nesses
casos, o tratamento com ribavirina por um curto período demonstrou colaborar para recuperação completa do paciente
e evitar a necessidade de transplante (PÉRON et al, 2011). Atualmente, o transplante de fígado
é a única opção de tratamento
validado para pacientes com
falência hepática fulminante.
Medidas profiláticas para
se evitar a infecção pelo HEV, especialmente em grupos de risco
como mulheres grávidas, indivíduos imunocomprometidos, e
indivíduos transplantados, estão
sendo desenvolvidas. Até o momento, dois tipos de vacinas recombinantes estão em desenvolvimento e em testes. A primeira
desenvolvida pela GlaxoSmithKline (Brentford, UK) e o Instituto
de Pesquisas do Exército Walter
Reed (Washington, DC, USA) foi
testada no Nepal demonstrando
bons níveis de eficácia e segurança após a administração de 3 doses. No entanto, essa vacina teve
139
140
sua produção suspensa (SHRESTHA et al, 2007). A segunda vacina, conhecida como HEV 239,
foi licenciada na China em 2011
e está aprovada para administração em grupos de alto risco
e será disponibilizada para países endêmicos (ZHU et al, 2010).
As duas vacinas são baseadas
no genótipo 1, e desta forma seriam eficazes para prevenir a infecção em mulheres grávidas e
viajantes para áreas endêmicas.
A prevenção para outros genótipos circulantes em regiões não
endêmicas ainda é questionável.
O desenvolvimento de vacinas voltadas para outros genótipos, em especial o genótipo 3, deve
ser considerada pois pode prevenir a infecção crônica pelo HEV.
141
142
CAPÍTULO 6
DIAGNÓSTICO DAS
HEPATITES VIRAIS
ASPECTOS GERAIS
DO DIAGNÓSTICO DAS
HEPATITES VIRAIS
O diagnóstico das hepatites de uma forma geral é inicialmente sorológico por métodos
imunoenzimáticos onde ocorre
a detecção de antígenos virais ou
de anticorpos produzidos contra estes antígenos; isso quando
se trata do diagnóstico voltado
para dizer ao paciente se ocorre infecção ou não por um dos
agentes virais hepáticos (Hepatites A, B, C e Delta). Uma excessão
ocorre para o vírus da hepatite C
(HCV); no qual para confirmação
do resultado sorológico inicial é
necessário realizar-se também a
detecção do ácido nucléico viral.
As partículas virais relativas às hepatites causadas pelos
vírus B, C e Delta não podem ser
cultivadas em culturas de células
convencionais para isolamento como outros agentes virais,
como por exemplo os adenovírus respiratórios em células
Hep2 (Human epithelial type
2), e por isso este tipo diagnóstico para fins de pesquisa não
é aplicado para estes vírus. Ao
contrário, o vírus da hepatite A
(HAV) pode ser cultivado em linhagem celular continua FRhK4 (fetal rhesus monkey kidney),
produzindo inclusive efeito citopático-CPE (citopatic effect).
Os métodos moleculares
tais como a reação de PCR (polymerase chain reaction) qualitativo ou quantitativo (PCR em tempo real), é aplicado para todas
as hepatites virais e têm um papel importante, principalmente
para a epidemiologia molecular
desses vírus que está bastante
relacionada a diversos aspec-
143
144
tos e também de grande importância para o perfil da infecção
em um determinado portador
do vírus. Também é importante
para definição de conduta medicamentosa ou terapêutica/antiviral. Há hepatites virais que
não apresentam métodos sorológicos de fácil aquisição, principalmente em postos de saúde
públicos, tais como a hepatite
E, que é detectada no sangue do
paciente, exclusivamente através da pesquisa do ácido ribonucléico viral (RNA viral), como
o método de detecção inicial.
A microscopia eletrônica
pode ser aplicada com bastante dificuldade em preparações
purificadas dos virus hepáticos
citados, e por isso praticamente
só em teoria é detectado por esta
ferramenta, principalmente com
relação ao HCV. Quando a parti-
cula do vírus da hepatite B (HBV)
foi identificada por Dane, em
1970, a microscopia foi aplicada
para nesta identificação, a partir de preparações purificadas
do plasma humano. No entanto,
com a introdução da vacina contra o HBV, recombinante e amplamente utilizada, soros contendo
as partículas do HBV completas
ou incompletas, tornaram-se raros, reflexo de um bom controle
da infecção e cobertura vacinal.
Finalmente, é importante ressaltar no diagnóstico das
hepatites virais, a importância
dos marcadores bioquímicos, os
quais indicam o estado das funções hepatáticas e contribuem
para o bom entendimento dos
resultados virus-específicos laboratoriais. Como marcadores
bioquímicos temos principalmente as transaminases (AST e
ALT), bilirrubinas e enzimas canaliculares (fostatase alcalina,
gama glutamil transpeptidases.
ESPÉCIME VIRAL
A detecção de qualquer
agente viral causador de uma virose está na dependência da qualidade, quantidade e do momento em que é realizada a coleta da
amostra a ser testada. A preservação da amostra é fundamental
devido a necessidade de manter-se a estabilidade das partículas
virais compostas dos antígenos
e do material genético viral. Anticorpos específicos produzidos
em específicos momentos da infecção viral, como proteínas que
são, desnaturam na presença de
altas temperaturas, impedindo
a devida detecção. Por isso toda
amostra viral a ser conduzida
ao laboratório deverá ser pre-
servada, de altas temperaturas.
Para as principais hepatites virais (A, B, C e Delta) o principal espécime viral é o soro ou
plasma. No entanto o sangue
total pode ser enviado ao laboratório que realizará a detecção
e lá será realizado os procedimentos específicos de preparo
da amostra. Neste caso, para sangue total não é necessário manter a amostras no gelo, desde
que seja enviada ao laboratório
em um prazo de um dia. Em testes sorológicos de detecção de
antígenos/anticorpos o volume
da amostra é muito importante,
pois muita vezes é necessária a
re-testagem, e porque geralmente são utilizados volumes em
torno de 100 a 200L para cada
teste sorológico a ser realizado.
Para a detecção dos genomas
virais por métodos molecula-
145
146
res, um mesmo volume utilizado
para um único teste sorológico
pode ser utilizado para em torno
de 10 amplificações moleculares
(por exemplo por PCR). Os tubos
de coleta para sangue total necessitam de anticoagulante. Os
mais utilizados são aqueles contendo EDTA (ethylenediaminetetraacetic acid), identificados com
tubos com tampa roxa. Os tubos
de tampa verde contendo heparina ou aqueles contendo solução
de citrato de dextrose (acid citrate dextrose), de tampa amarela
também podem ser utilizados.
É importante ressaltar que
alguns anticoagulantes não são
recomendados para a coleta com
o objetivo de detecção molecular
por PCR, como é o caso da heparina, a qual inibe a enzima Taq
DNA polimerase de realizar a polimerização da cadeia de ácido
desoxiribonucléico (DNA). Para
espécimes de soro, os tubos não
devem conter nenhum anticoagulante e, neste caso, são tubos
de tampa vermelha ou dourada.
MÉTODOS
SOROLÓGICOS Vamos considerar como
método sorológico principalmente os ensaios imunoenzimáticos ELISA (enzyme linked
immunosorbent assay). No entanto, também podem ser utilizados os testes rápidos que
têm como base a imunocromatografia (também conhecida pelo termo em ingles lateral
flow) e testes como o RIBA (recombinant immunoblot assay).
A hepatite causada pelo
HAV apresenta aspectos clínicos
que irão comungar com algumas
infecções hepáticas, inclusive as
que ocorrem com menor frequência como a causada pelo citomegalovirus (CMV), por isso, o
sangue total na primeira semana
do aparecimento dos sintomas
clínicos, deverá ser coletado e
submetido ao ensaio imunoenzimático para detecção de IgM
(imunoglobulina M) para confirmar uma infecção recente.
Caso o teste seja negativo, a presença de imunoglobulinas totais deverá ser investigada. A
positividade para imunoglobulinas totais anti-HAV permanecerá pelos próximos 7 a 10 dias.
A sorologia da infecção
pelo HBV é de extrema importância para definir o curso da infecção (aguda ou crônica). Vários
marcadores são considerados
para a interpretação. O primeiro
marcador, bastante importante
é a detecção do principal antí-
geno do HBV, o antígeno de superfície do virus da hepatite B
(hepatitis B surface antigen-HBsAg). A presença deste antígeno
significa que houve infecção e
sua permanência deverá ser verificada nos próximos seis meses porque o prognóstico para
a forma crônica da infecção está
condicionada a presença deste
marcador por mais de seis meses
no sangue do paciente. O marcador anti-HBs pode ser fruto de
uma resposta vacinal e por isso
é necessário verificar-se a presença de um terceiro marcador,
o anticorpo contra a proteína do
core do HBV, chamado de anti-HBc (hepatitis B core antibody).
Neste caso, os testes do tipo ELISA, detectam anticorpos totais.
O anti-HBc é produzido
quando o paciente têm contato
com as partículas virais comple-
147
148
tas de 42nm, uma vez que são
produzidos contra a proteína
do cerne viral HBcAg (hepatitis C core antigen). Outros dois
marcadores têm também grande importância: HBeAg (hepatitis B “e“ antigen) e o correspondente anticorpo anti-HBe.
O HBeAg é produzido somente quando está havendo replicação ativa do vírus, uma vez
que a produção desse antígeno
é a partir da mesma região codificante para a síntese da proteina do cerne viral (HBcAg), a
qual utiliza um alternativo códon de iniciação. O anti-HBe tem
portanto similar interpretação.
Cada um dos marcadores citados aparecem em um determinado momento da infecção, no
entanto este “modelo” não pode
ser considerado um padrão,
porque existem mutações nas
regiões codificantes para a síntese das proteínas do HBsAg e
do HBcAg/HBeAg que resultam
em antígenos e anticorpos, ou
ausências de produção de HBeAg e anti-HBe, que confundem
a interpretação. Os vírus mutantes HBsAg são chamados de
mutantes de escape e são problemáticos para o diagnóstico.
A hepatite B é uma doença
séria que acomete a população
mundial e pode levar o indivíduo
a morte. É uma doença sexualmente transmissível, mas também pode ser disseminada pelo
sangue contaminado e por isso
foi necessário o desenvolvimento de métodos rápidos que detectam o HBsAg em somente uma
gota de sangue. Um exemplo é o
teste rápido que tem como base
a fixação do anti-HBs em um papel de filtro (cromatografia de
papel) que pode reagir quando
na presença do HBsAg contido
na gota de sangue a ser testada.
A detecção do HCV sorologicamente, é somente um método inicial de triagem, uma vez
que a detecção molecular é confirmatória e os ensaios imunoenzimáticos não apresentam especificidade de 100%. Para triagem
é utilizado o ELISA para detectar
anticorpos no soro do pacientes
com suspeita de infecção pelo
HCV, e que são específicos para a
proteina do cerne e proteinas não
estruturais NS3, NS4 e NS5 do
HCV. Adicionalmente a testagem
para a presença de anticorpos
no soro pode ser realizada utilizando o método RIBA, o qual, da
mesma forma irá detectar, assim
como o ELISA, anticorpos para
antígenos virais. O método RIBA
não é um método confirmatório e
também é necessário que seja realizada a testagem pelo método
molecular caso haja positividade
de uma determinada amostra.
Neste caso somente a detecção
do RNA do HCV, para atestar que
um determinado paciente está
infectado. Em casos que ocorre
um resultado negativo para uma
determinada amostra no ELISA,
porem a mesma amostra apresentou resultado positivo para o
RIBA e negativo para a detecção
de RNA do HCV; o significado dessa situação é que o paciente em
questão foi infectado pelo HCV,
mas de alguma forma conseguiu
resolver a infecção pelo HCV.
Finalmente falando da sorologia para hepatite Delta (Delta hepatitis-HDV), é importante
lembrar que estes vírus utilizam
a proteína do HBsAg do HBV
como proteína de envelope e
149
150
sendo assim, toda amostra HBsAg positiva, originária de áreas
endêmicas para a infecção pela
hepatite Delta deveria também
ser testadas para os marcadores sorológicos Anti-HD IgM e
HDAg. O marcador Anti-HD IgM
pode apresentar títulos baixos e
tardiamente durante a infecção,
por isso, o método sorológico
deve ser complementado com o
método molecular (detecção de
RNA do HDV) e com o método
ELISA para detecção do HDAg.
MÉTODOS
MOLECULARES
O PCR atualmente é o método molecular mais amplamente utilizado para detecção de genomas das hepatites virais que
estamos tratando. Atualmente é
um método relativamente acessível e bem mais barato do que
10 anos atrás. O sequenciamento nucleotídico, que corresponde
a sequenciar regiões específicos
ou todo o genoma viral, fornece
importantes informações: 1.Presença de mutações que conferem resistência a uma séria de
antivirais utilizados, principalmente para controlar a infecção pelo HBV e/ou controlar/
eliminar a infecção pelo HCV;
2. Fundamental para determinar
genótipos circulantes; 3.Definir
susceptibilidade a determinados medicamentos moduladores
(HCV); entre outras aplicações.
Por isso é uma técnica tão importante. No entanto esta técnica nem sempre está disponível
para toda a rede laboratorial
pública e muitas vezes, nem tão
pouco para as privadas. A técnica de sequenciamento nucleotídico é complexa no que diz
respeito a análise pós reação.
A tabela a seguir apresenta os métodos moleculares
mais utilizados para as principais viroses hepáticas que estão
sendo discutidas neste capítulo.
151
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