PESQUISA REALIZADA PELO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. É PROIBIDA A REPRODUÇÃO OU A TRANSMISSÃO, CONFORME LEI DE DIREITOS AUTORAIS. EDITORA PADMA LTDA. Presidente: Osmundo Lima Araújo Revista Trimestral de Direito Civil Ano 8, vol. 30, abril a junho de 2007 RTDC ISSN 1518-2010 Diretor: Gustavo Tepedino Conselho Editorial António Pinto Monteiro, Antonio Junqueira de Azevedo, Encarn Roca, Jean Beauchard, Luiz Edson Fachin, Pietro Perlingieri, Ricardo Pereira Lira, Ruy Rosado de Aguiar Jr. e Sálvio de Figueiredo Teixeira. Editora: Maria Celina Bodin de Moraes Coordenador Editorial: Bruno Lewicki Conselho Assessor Ana Luiza Maia Nevares [Atualidades-Resumos de Teses e Dissertações], Anderson Schreiber [Doutrina], Caitlin Sampaio Mulholland [Jurisprudência], Carlos Edison do Rêgo Monteiro Filho [Ensaios e Pareceres], Carlos Nelson Konder [Atualidades-Notrcias], Gisela Sampaio da Cruz [Observador Legislativo], Leonardo Mattietto [Resenha Bibliográfica] Estagiária: Milena Cianni Capa e Projeto Gráfico: Simone Villas-Boas Editoração Eletrônica: TopTextos Edições Gráficas Ltda. Revisão: Fernando Guedes A Revista Trimestral de Direito Civil é produzida no âmbito do convênio de colaboração cientrfica e editorial firmado entre a Editora Padma, a Editora Renovar e o Instituto de Direito Civil-IDe. Contribuições, correspondências e pedidos de intercâmbio poderão ser enviados para a Editora PADMA, na Rua Antunes Maciel, 177 - São Cristóvão - RJ -CEP 20940-01 OTel.: (21 )2580-8596, ou para os e-mails:[email protected]@yahoogroups.com A CONFERÊNCIA DE RECONHECIMENTO DE TEXTO (OCR) NÃO FOI REALIZADA. PESQUISA REALIZADA PELO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. É PROIBIDA A REPRODUÇÃO OU A TRANSMISSÃO, CONFORME LEI DE DIREITOS AUTORAIS. ISSN 1518-2010 CIP-Brasil. Catalogação-na-fonte Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ. Revista trimestral de direito civil. - v.30 (abril/junho 2007) . - Rio de Janeiro: Padma, 2000-. v. Gustavo Tepedino Trimestral 1. Direito - Periódicos brasileiros. 95-1227. CDU - 34(07) A CONFERÊNCIA DE RECONHECIMENTO DE TEXTO (OCR) NÃO FOI REALIZADA. PESQUISA REALIZADA PELO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. É PROIBIDA A REPRODUÇÃO OU A TRANSMISSÃO, CONFORME LEI DE DIREITOS AUTORAIS. Fundamentos da responsabilidade civil do terceiro cúmplice l _ - - - - - - - - - - P A U L A GRECO BANDEIRA 1. Distinção estrutural entre situações jurídicas reais e obrigacionais. Princípio da Relatividade dos Contratos. Noção de parte e de terceiro. Relatividade e oponibilidade dos contratos. Eficácia interna e externa das obrigações. Aplicação direta das normas constitucionais às relações privadas. Funcionalização das situações jurídicas subjetivas patrimoniais aos valores constitucionais; 2. Fundamentos da responsabilidade civil do terceiro cúmplice: a função social do contrato, o abuso de direito e a boa-fé objetiva; 3. Natureza da responsabilidade civil do terceiro cúmplice. Requisitos para a configuração do dever de reparar. O problema da cláusula penal. Interpretação do art. 608 do Código Civil. Precedentes judiciais. I. DISTINÇÃO ESTRUTURAL ENTRE SITUAÇÕES jURfDICAS REAIS E OBRIGACIONAIS. PRINCfplO DA RELATIVIDADE DOS CONTRATOS. NOÇÃO DE PARTE E DE TERCEIRO. RELATIVIDADE E OPONIBILlDADE DOS CONTRATOS. EFICÁCIA INTERNA E EXTERNA DAS OBRIGAÇÕES. APLICAÇÃO DIRETA DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS ÀS RELAÇÕES PRIVADAS. FUNCIONALlZAÇÃO DAS SITUAÇÕES jURfDICAS SUBJETIVAS PATRIMONIAIS AOS VALORES CONSTITUCIONAIS o presente trabalho investigará a possibilidade, no ordenamento jurídico brasileiro, de responsabilização civil do terceiro que contribui para o inadimplemento contratual levado a cabo pelo devedor - 2 o chamado terceiro cúmplice - violando o direito de crédito alheio, ao celebrar com o devedor contrato incompatível com a obrigação por este previamente 1 A autora agradece especialmente ao Professor Gustavo Tepedino, cuja discussão das idéias aqui expostas revelou-se imprescindível para o desenvolvimento deste trabalho. Ao Anderson Schreiber, pelo incentivo. E a Milena Donato Oliva, pela preciosa reflexão conjunta. 2 A designação terceiro cúmplice não é unânime na doutrina, tendo sido adotadas referências distintas ao mesmo fenômeno, como "responsabilidade delitual do terceiro em relação a um contratante" (Henri Lalou), "tutela aquiliana do credor contra terceiros" (Guido Tedeschi), "tutela aquiliana do crédito", "tutela externa do crédito" etc. A CONFERÊNCIA DE RECONHECIMENTO DE TEXTO (OCR) NÃO FOI REALIZADA. PESQUISA REALIZADA PELO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. É PROIBIDA A REPRODUÇÃO OU A TRANSMISSÃO, CONFORME LEI DE DIREITOS AUTORAIS. RTDC • VOL. 30 • ABR/JUN 2007 assumida. Tal análise não englobará as hipóteses em que o terceiro pratica um ilícito contra a pessoa do devedor (ex. homicídio ou lesões corporais) ou em relação à coisa objeto da prestação a qual o devedor se obrigou (ex. destruição ou furto), tornando impossível o cumprimento da obrigação. Em primeiro lugar, torna-se imprescindível a análise da distinção estrutural entre as situações jurídicas reais e as creditórias, que embasou o surgimento do princípio da relatividade dos contratos. Tradicionalmente, atribui-se especial relevância à distinção entre direitos reais e obrigacionais, a qual tem por base a estrutura destas situações jurídicas. Diz-se que os direitos reais têm por objeto imediato uma coisa, com a qual estabelece seu titular um liame direto, sem intêrmediári0 3 , podendo dela extrai todas as vantagens e utilidades sem a necessidade de cooperação de outro sujeito. Além disso, a situação jurídica assim constituída tem caráter absoluto, criando dever jurídico negativo, prevalecente erga omnes, de respeitar o exercício do direito real pelo seu titular. 4 Afirma-se, ainda, que os direitos reais são taxativos, admitindo-se como tais apenas aqueles previstos em lei. Vige, portanto, o princípio do numerus c/ausus, segundo o qual se confere ao legislador ordinário competência exclusiva para a • criação de direitos reais, aos quais, por sua vez, atribui conteúdo típico, daí decorrendo um segundo princípio, corolário do primeiro, o da tipicidade dos direitos reais. Este último princípio diz com a estruturação dos poderes conferidos ao respectivo titular. 5 Desse modo, enquanto a taxatividade concerne à fonte do direito real, a tipicidade se refere à modalidade 6 de seu exercício. Costuma-se fundamentar, assim, que, ao contrário dos direitos de crédito, 3 Segundo Julien SCAPEL, "Ie principal critere de distinction du droit réel et du droit personnel tient à la structure de ces droits. Le droit personnel est un droit médiat car le créancier ne peut obtenir la prestation consistant à donner, faire ou ne pas faire, objet du droit, que par I'intermédiaire du débiteur. A I'opposé, le droit réel est un droit immédiat entre une personne et une chose. Le titulaire de ce droit peut tirer toutes les utilités économiques de la chose sans intermédiaire. Cette premiere différence est fondamentale. Elle constitue la base de la distinction" (La notion d'obligation réelle. Aix-en-Provence: Presses Universitaires D'Aix-Marseille, Faculté de Droit et de Science Politique, 2002, p. 30). 4 TEPEDINO, Gustavo. Multipropriedade imobiliária. São Paulo: Saraiva, 1993, p. 58. 5 TEPEDINO, Gustavo. Multipropriedade imobiliária, cit., p. 82. 6 GONDINHO, André Pinto da Rocha Osório. Direitos reais e autonomia da vontade: o princfpio da tipicidade dos direitos reais. Rio de Janeiro: Renovar, Biblioteca de teses, 2001, p. 16. A CONFERÊNCIA DE RECONHECIMENTO DE TEXTO (OCR) NÃO FOI REALIZADA. PESQUISA REALIZADA PELO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. É PROIBIDA A REPRODUÇÃO OU A TRANSMISSÃO, CONFORME LEI DE DIREITOS AUTORAIS. RTDC • VOl. 30 • ABRIJUN 2007 submetidos ao princípio da liberdade da autonomia privada para a sua criação, os direitos reais, por serem oponíveis erga omnes, devem ter seus contornos estipulados em lei. 7 Os direitos obrigacionais, ao seu turno, possuem, entre o credor e o objeto do direito (a prestação), o devedor, do qual aquele depende para a satisfação de seu direit0 8 Em outras palavras, para a satisfação do direito obrigacional afigura-se imprescindível a cooperação do 9 devedor. No mais, as situações obrigacionais possuem caráter relativo, vinculando apenas credor e devedor, o que se contrapõe à natureza absoluta das situações jurídicas reais w Assim, afirma-se que os direitos obrigacionais se referem a um dever específico dirigido a uma pessoa determinada ou determinável, cujo objeto consiste em um comportamento seu (fazer, não fazer ou dar). Já os direitos reais correspondem a um dever geral de abstenção (obrigação passiva universal), que atinge toda a coletividade. 11 Conforme leciona Pietro Perlingieri: A situação creditória, não tendo uma relação de inerência ou de imanência com uma res, se realiza mediante o adimplemento e o alcance do resultado. Característica saliente é o comportamento devido: a prestação. Na situação dita real a utilidade, o alcance do resultado útil para o titular se identifica na relação de imediatidade entre situação e utilidade oferecida pela res, sem que, normalmente, seja necessária a intervenção por parte de um terceiro; na situação dita creditória o interesse a favor do titular se realiza exclusivamente mediante a atividade, o comportamento do sujeito obrigado. Característica única e essencial do direito de crédito é a intermediação 7 TEPEDINO, Gustavo. Autonomia privada e obrigações reais. In: Temas de direito civil. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, t. 2, p. 287. 8 TEPEDINO, Gustavo. Multipropriedade imobiliária, cit., p. 58. 9 v., 10 VARELA, João de Matos Antunes. Das obrigações em geral, 10. ed. Coimbra: Almedina, 2000, v. 1, por todos, NONATO, Orosimbo. Curso de obrigações. Rio de Janeiro: Forense, 1959, v. 1, p. 43. p.166. 11 João de Matos Antunes VARELA ensina que" não basta, porém, o caráter absoluto do poder do titular para definir o direito real". Isso porque são poderes absolutos "os direitos de autor e os direitos de personalidade, por exemplo, que todavia não se confundem com os direitos reais". Dar a doutrina clássica definir o direito real como" um poder imediato sobre a coisa, não só para caracterizar o objecto especffico destas relações (as coisas), mas principalmente para destacar a ligação directa do titular com a res" (Das obrigações em geral, cit., p. 182). A CONFERÊNCIA DE RECONHECIMENTO DE TEXTO (OCR) NÃO FOI REALIZADA. ., PESQUISA REALIZADA PELO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. É PROIBIDA A REPRODUÇÃO OU A TRANSMISSÃO, CONFORME LEI DE DIREITOS AUTORAIS. RTDC • VOl. 30 • ABR/JUN 2007 mediante a prestação; intermediação que, quando está presente nas situações reais, assume um papel complementar. 12 Na esteira desta distinção estrutural entre situações subjetivas reais e obrigacionais, a doutrina clássica costuma afirmar que o contrato é res inter alios acta, ali;s neque nocet neque prades/, vale dizer, os efeitos (aí incluídos direitos e obrigações) dele advindos atingem apenas as partes que consentiram na criação do vínculo obrigacional, não podendo prejudicar, nem beneficiar terceiros. Nas palavras de Carvalho Santos, "em regra, as obrigações não podem ser opostas a terceiros, nem por eles invocadas. É lógico que assim seja, porque sem o consentimento válido não pode ter existência o ato Jurídico, nem por conseguinte, a obrigação, que, para essas pessoas que na sua formação não intervierem, é como se não existísse. 13 " Consagra-se, assim, o princfpio da relatividade dos contratos, que, embora não estivesse positivado no Código C ivil de 1916,14 foi fartamente desenvolvido pela doutrina pátria, G encontrando guarida também em ordenamentos estrangeiros, a exemplo do art. 406, n° 2 do Código Civil português,15 do art. 1.372 do Código Civil italiano 16 e do art. 1.165 do Código Civil francês H 12 Perfis do direito civil: Introdução ao direito civil constitucional. Tradução Maria Cristina De Cieco. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. 203. v., também, VAHELA, João de Matos Antunes. Das obrigações em geral, cit., p. 183. 13 CAHVALHO SANTOS, J. M. Código civil brasileiro interpretado, 13. ed. Hio de Janeiro: Freitas Bastos, 1988, v.13, p. 14; grifou-se. 14 O Código Civil de 2002 também não dedicou um dispOSitivo especifico à diSciplina do principio da relatividade dos contratos. Como ressaltado por Teresa NEGHEIROS, "no Código Civil de 1916, não havia, como não há no novo código, um dispositivo que expressamente dispusesse sobre a ineficácia do contrato em relação a terceiros, embora a teoria geral dos contratos a tenha como um verdadeiro dogma em matéria contratual. A eficácia relativa dos contratos (à falta de disposição expressa no Código Civil) era dedUZida, a contrario sensu, do disposto no art. 928: 'A obrigação, não sendo personalfssima, opera, assim entre as partes, como entre os seus herdeiros'" (Teoria do contrato: novos paradigmas, 2. ed. Hio de Janeiro: Henovar, 2006, p. 213). 15 "Art. 406, n° 2. (... ) em relação a terceiros, o contrato só produz efeitos nos casos e termos especificamente previstos na lei" . 16 "Art. 1.372. Efficacia dei contratto. II contratto ha forza di legge tra le parti. Non puà essere sei oito A CONFERÊNCIA DE RECONHECIMENTO DE TEXTO (OCR) NÃO FOI REALIZADA. PESQUISA REALIZADA PELO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. É PROIBIDA A REPRODUÇÃO OU A TRANSMISSÃO, CONFORME LEI DE DIREITOS AUTORAIS. RTOC • VOto 30 • ABRIJUN 2007 Para fins de aplicação deste principio, compreende-se por parte contratual o "centro di interessi obiettivamente omogenei" 18, podendo ser composta" di una, come di due, tre o piú persone (che rispetto a quel dato contratto esprimono una comune posizione di interesse)" 19 A noção de parte contrapõe-se a de terceiro, assim entendido como "tutti i sogc)etti che non ne sono 'parti', e che purtuttavia possono essere in qualche modo interessati ad esso o toccatl indirettamente dai suoi effeti" 20 A partir da premissa, estabelecida pelo principio da relatividade, de que só o devedor está adstrito ao dever de prestar, a doutrina quase unânime concluiu que o contrato poderia ser lesionado apenas pelo devedor, não se admitindo que terceiros pudessem violá-lo doutrina estrangeira, Adriano de Cupis afirma que, Z1 Na em princípio, a tutela do crédito se exaure no âmbito interno da relação contratual, inexistindo dever geral de abstenção Imposto aos terceiros no sentido de não lesionarem o crédito alheio, não admitindo, por isso, que terceiros sejam responsabilizados pela sua violação n No mesmo sentido, sublinha Antunes Varela que "Se o devedor não cumprir, porque a tal tenha sido instigado por terceiro, é ele, e não che per mutuo consenso o per cause ammesse dalla legge (1671,2227).11 contratto non produce effetto rispetto ai terzi che nel casl previstl dalla legge (1239, 1300 e seguente, 1411, 1678, 1737)". 17 "Art. 1.165. Les conventions n'ont d'effet qu'entre les partles contractantes; elles ne nUlsent pOlnt au tiers, et elles ne lui profitent que dans le cas prévus par I'article 1.121 " 18 ROPPO, Enzo. /I contratto. Bologna: Socletà Editrice 11 MUlino, 1977, p. 77. 19 ROPPO, Enzo. /I contratto, cit., p. 77. 20 ROPPO, Enzo./1 contratto, Clt., p. 77. Sobre o tema, v. TRABUCCHI, Alberto. /stituzioni di diritto civile. ventiduesima edizlone agglornata con le riforme. PADOVA: CEDAM. Casa Editrice Dott. Antonio Milani, 1977, p. 676-677. 21 A representar exceção a esta tendência, no direito brasileiro, Serpa LOPES (Curso das obrigações: contratos, 7. ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2001, interferência de terceiros na violação do contrato. In: dos Tribunais, v, de direito civil: fontes v. 3, p. 134) e Alvino LIMA (A Revista dos 7ribunais. São Paulo: editora Revista 315, p. 17-18) cogitaram da possibilidade de responsabilização civil do terceiro cúmplice, com base na oponibilidade dos contratos. 22 DE CUPIS, Adriano. /I danno: teoria generale dei la responsabilità civile. Milano: DOTT. A. Giuffre Editore, 1970, p. 66-68, O autor, entretanto, admite a responsabilidade de terceiro dentro de certo limite, devida pelo credor com danno: teoria generale dei la na hipótese em que o terceiro obstaculiza a satisfação da prestação vistas a usurpar sua titularidade ou o seu exercfcio do direito de crédito (/I respon- sabilità clvile, cit., p, 72 e 55.). A CONFERÊNCIA DE RECONHECIMENTO DE TEXTO (OCR) NÃO FOI REALIZADA. PESQUISA REALIZADA PELO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. É PROIBIDA A REPRODUÇÃO OU A TRANSMISSÃO, CONFORME LEI DE DIREITOS AUTORAIS. RTDC • VOl. 30 • ABR/JUN 2007 este, que terá que indemnizar o credor. Mesmo que o não cumprimento resulte da colaboração de terceiro com o devedor (realização de compra e venda com violação do pacto de preferência que vinculava o alienante; celebração do contrato de trabalho com o empregado que deixa culposamente de cumprir o contrato com outra empresa, por causa de nova convenção), só este último, e não o terceiro (que nenhum dever assumiu perante o lesado), responde pela violação cometida [ ... ] Além de nenhum dever juridico ter assumido ou lhe ser imposto por lei em face do credor, o terceiro pode inclusiva mente ter partido da idéia de que o devedor prefere sujeitar-se às sanções do não cumprimento da primeira obrigação contraida, para cumprir a segunda ou celebrar o contrato posterior. 23 " Luiz da Cunha Gonçalves, na mesma direção, refuta cada uma das posições dos que defendem a responsabilidade civil do terceiro cúmplice, entendendo pela irresponsabilidade do terceiro. De sua minuciosa explicação destaca-se a seguinte passagem: "Cada contrato é independente de outro. Um contrato só pode ser violado por quem nêle se obrigou (V. art. 705) e não por um terceiro; e, posto que do contrato tenha nascido para um dos contraentes determinado direito, êste é relativo, é direito de obrigação; não é direito real, ou direito invocável erga omnes, que por tôda a gente haja de ser respeitado. Portanto, um terceiro, não podendo violá-lo, porque não lhe pode ser oposto, também não incorre em responsabilidade extracontratual. [ ... ] Em suma, temos por inexacta a construção juridica francesa da responsabilidade do terceiro na inexecução do contrato. Nos códigos estrangeiros, também, não se encontra o aspecto civilistico 24 " 23 VARELA, João de Matos Antunes. Das obrigações em geral, cit., p. 179. Contudo, o autor admite a possibilidade de responsabilização do terceiro nos seguintes termos: "Para que o terceiro, ao impedir ou perturbar o exerdcio do crédito, aja ilicitamente, violando já o direito do credor, é necessário que a sua actuação exceda a margem de liberdade que a existência dos direitos de crédito ainda consente a estranhos à relação, pisando nomeadamente os terrenos interditos pelo abuso do direito (art. 334°)" (Das obrigações em geral, cit., p. 177). 24 Tratado de direito civil em comentário ao Código Civil português, 2. ed. São Paulo: Max Limonad, 1957, v. 12, t. 2, p. 952-953 e 961. A despeito de seu entendimento, o autor logo em seguida admite que já se tenham manifestado algumas tendências legislativas que confirmam a responsabilidade do terceiro na inexecução dos contratos. A CONFERÊNCIA DE RECONHECIMENTO DE TEXTO (OCR) NÃO FOI REALIZADA. PESQUISA REALIZADA PELO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. É PROIBIDA A REPRODUÇÃO OU A TRANSMISSÃO, CONFORME LEI DE DIREITOS AUTORAIS. RTDC • VOL. 30 • ABR/JUN 2007 Contudo, tal conclusão não colhe e revela, como constatado por Menezes Cordeiro, uma petição de princípio, na medida em que se afirma que os créditos não seriam oponíveis a terceiros porque relativos, sendo que seriam relativos porque apenas oponíveis inter partes. 25 Em outras palavras, a doutrina clássica, partindo da premissa verdadeira de que só o devedor está adstrito ao dever de prestar, deduz que o terceiro não pode interferir no crédito alheio, conclusão esta que a premissa adotada não autoriza. Em doutrina, é possível identificar duas principais linhas de pensamento que procuraram desmistificar a ilação acima referida de que os terceiros não poderiam interferir nos contratos, tendo em conta o princfpio da relatividade. A primeira delas, marcadamente francesa, situa o problema na sede dos contratos, traçando a distinção entre relatividade e oponibilidade. A segunda, por sua vez, enfrenta a questão em torno do direito de crédito, afirmando a existência de uma eficácia interna e outra externa das obrigações. De logo, esclareça-se que independentemente da teoria que se adote, do ponto de vista prático, chega-se ao mesmo resultado, qual seja, o reconhecimento da existência de um dever de terceiros de não interferir no contrato ou no direito de crédito alheio. 26 Para os adeptos da primeira teoria, portanto, afigura-se imprescindível diferenciar-se o princípio da relatividade da oponibilidade dos contratos. O princípio da relatividade significa que os efeitos do vínculo contratual, vale dizer, a criação, extinção ou modificação de situações jurídicas subjetivas, situam-se no plano interno dos contratantes, atingindo apenas as partes que consentiram na formação do contrato. Dito por outras palavras, os direitos e deveres decorrentes do contrato vinculam apenas as partes, não obrigando, tampouco beneficiando terceiros. A oponibilidade, todavia, encontra-se em plano diverso, qual seja, o da existência do contrato, terreno em que o princfpio da relatividade não se aplica, uma vez que dizer que os efeitos não atingem terceiros não significa que o contrato não exista em face de terceiros. 27 A oponibilidade decorre do reconhecimento de que o contrato é um fato social. o qual reflete uma realidade exterior a si próprio, uma gama variada de interesses, 25 CORDEIRO, Menezes. 26 A constatação crédito. Direitos reais. Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1979, v. 1, p. 434. é de SANTOS JÚNIOR, E. Da responsabilidade civil de terceiro por lesão do direito de Coimbra: Almedina, 2003, p. 436, 438 e 439. 27 Em elucidativa explicação ao teor do art. 1.165 do Código Civil francês, afirma Mazeaud: "L'article 1165 ne dit point que le contrat n'existe pas vis-à-vis de tiers, mais seulement qu'il n'a pas d'effetvis-à-vis des tiers. II importe de saisir la distinction" (H. e L. MAZEAUD, responsabilité civile délictuelle et contractuelle, Traité théorique et pratique de la t. I, 3. ed., 1938, p. 296). A CONFERÊNCIA DE RECONHECIMENTO DE TEXTO (OCR) NÃO FOI REALIZADA. PESQUISA REALIZADA PELO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. É PROIBIDA A REPRODUÇÃO OU A TRANSMISSÃO, CONFORME LEI DE DIREITOS AUTORAIS. RTOC • VOL. 30 • ABR/JUN 2007 relações, situações econômico-sociais, não se limitando a um mero conceito jurídico, 28 Deste modo, impõe-se a todos - partes e terceiros - a necessidade de reconhecerem a existência do contrato e, conseqüentemente, de o respeitarem 29 Na lição de De Page: "Au seil même de la matiére, et sous peine de la rendre totalement incompréhensible, une distinction capitale s'impose, en ce qui concerne le principe de la relativité des contrats: la distinction entre les effets internes de I'acte, et son existence, l.e pnnClpe de la relativité des contrats n'a pas, en effet, un sens absolu, 11 ne signifie pas que les tiers peuvent et doivent se désintéresser à tous égards d'un contrat passé entre d'autres personnes, Le principe de la relativité ne concerne que les effets internes du contrat, les DROITS et OBLlGAflONS qui en découlent. Ce sont ces droits et obligations seuls qUi sontpersonnels aux parties, et qui ne concernent pas les tiers, Mais pour le surplus, si on se place sur le terrain de I'existence du contrat, I'article 1165 ne s'applique plus, et c'est même un principe tout différent, celui d' opposibilité (et non celui de la relativité) qui joue, A cet égard, ainsi qu'on I'a três justement remarqué, I'existence du contrat est un FAIT dont les tiers doivent, en principe, tenir compte 30 " A propósito, Simone Calastreng afirma que os direitos reais, em razão da publicidade que lhes é inerente, seriam dotados de oponibilidade absoluta, ao passo que os direitos de 28 Neste sentido, confira-se ROPPO, Enzo, /I contratto, cit., p, 9, 29 Como afirma SimoneCALASTRENG: "L'effet d'un contrat, c'est le plein accomplissement, c'est la réalisation des volontés qui le créent, c'est, nous I'avons vu, d'apporter des changements choisls et préClSés dans I'activité normale des hommes ou dans leurs biens, L'opposabilité d'un contrat, c'est la nécessité pour tous, parties et tiers, de reconnaltre son existence et de la respecter, dans sa réalité légale, (La relativité des conventions: étude de I'article 1165 du Code Civil, ci1., p, 363), Na doutrina nacional, v, LOPES, Miguel Maria de Serpa, Curso de direito civil: fontes das obrigações: contratos, cit., p, 134; e FERREIRA DA SILVA, Luis Renato, A funçáo social do contrato no novo código civil e sua conexáo com a solidariedade social, In: SARLET, Ingo Wolfgang (coord,), O novo Código Civil e a Constituiçáo, Porto Alegre: Livrana do C'est par conséquent le devolr qui incombe à tous d'ajouter foi à son contenu" Advogado, 2003, p, 139, Traité élémentaire de droit civil belge, 1Dome ed, Bruxelles: ttablissementes tmile La relativité des conventions et les groupes des contrats, In: Bibliothéque de Oroit Privé, 1. 268, Paris: LGDJ, 30 DE PAGE, Henri, Bruylant, 1948, 1. 1, p, 154, Confira-se, ainda, na doutnna francesa, BACACHE-GIBEILI, Mireille, 1996, p, 85, A CONFERÊNCIA DE RECONHECIMENTO DE TEXTO (OCR) NÃO FOI REALIZADA. PESQUISA REALIZADA PELO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. É PROIBIDA A REPRODUÇÃO OU A TRANSMISSÃO, CONFORME LEI DE DIREITOS AUTORAIS. RTDC • VOL. 30 crédito teriam oponibilidade relativa, na medida em este direito dependeria de seu prévio conhecimento • ABRIJUN 2007 que o respeito, por parte de terceiro, a 31 De outra parte, a segunda corrente doutrinária antes referida afirma que as obrigações são dotadas de um efeito interno, dirigido contra o devedor, e um efeito externo consubstanciado no dever imposto aos terceiros de respeitarem o direito de créditoiJlheio, não lhes sendo dado impedir ou dificultar o cumprimento da obrigação 32 O direito de crédito en- quanto direito subjetivo deve ser respeitado por todos, dele se irradiando o dever geral de abstenção imposto aos terceiros de nele não interferirem. Diz-se, assim, estar-se diante da projeção externa do direito de crédito. Tais teorias, conforme aludido anteriormente, buscaram, sob prismas diversos, impedir que terceiros, ao argumento do princípio da relatividade, se abstivessem de respeitar o direito de crédito alheio, cooperando com o devedor em sua violação. Repita-se, ainda uma vez, que o princípio da relatividade, forjado sob a ótica voluntarista e individualista caracterizadora das codificações oitocentistas, encerrava as partes contratantes como num parêntese, daí a doutrina tradicional afirmar recorrentemente que o contrato era coisa alheia aos terceiros e a estes não interessava. Esta concepção convivia pacificamente com as exceções ao princípio da relatividade - como o contrato em favor de terceiro 33 '-, admitidas em razão da crescente complexidade social da vida moderna, nos planos econômico, financeiro e tecnológiCO, e conseqüente intensificação e imbricamento das relações contratuais, que reclamavam uma resposta por parte do ordenamento às situações até então carecedoras de tutela jurídica. 31 34 La relativité des conventions: étude de I'article 1165 du Code Civil, cit., p. 398-399. 32 Em referênCia à doutrina da eficácia externa das obrigações, explica Mario Júlio de Almeida COSTA: "A exposta orientação clássica opõe-se modernamente a defensores, além de um efeito doutrina do efeito externo. Admitem os seus interno das obrigações, dirigido contra o devedor e em todo o caso primacial, um efeito externo, traduzido no dever imposto às restantes pessoas de respeitar o direito do credor, ou seja, de não impedir ou dificultar o cumprimento da obrigação. Alude-se, a propósito, à chamada doutrina do terceiro cúmplice" (Direito das obrigações. Coimbra: Almedina, 1998, p. 76). principio da relatividade dos contratos não é absoluto. Sofre importantes exceções. [ ... ] Há contratos que, fugindo 33 Orlando GOMES invoca. ainda, outras exceções ao princfpio da relatividade. Confira-se: "O à regra gerai. estendem seus efeitos a outras pessoas, quer criando, para estas, direitos, quer impondo estipulação em favor de terceiro, o contrato coletivo de trabalho, fideicomisso 'inter vivos'" (Contratos, 21. ed. atual. e notas de Humberto obrigações. Tais são, dentre outros, a a locação em certos casos e o Theodoro Júnior. RIO de Janeiro: Forense, 2000, p. 43-44; grifos no original). 34 Como assevera E. SANTOS JÚNIOR: "A cada vez maior complexidade social da vida nos tempos A CONFERÊNCIA DE RECONHECIMENTO DE TEXTO (OCR) NÃO FOI REALIZADA. G PESQUISA REALIZADA PELO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. É PROIBIDA A REPRODUÇÃO OU A TRANSMISSÃO, CONFORME LEI DE DIREITOS AUTORAIS. RTOC • VOl. 30 • ABR/JUN 2007 Assim, permitia-se que, em determinadas hipóteses excepcionais, os'direitos e deveres relativos ao contrato se estendessem a um terceiro, estranho ao vínculo obrigacional, para cuja formação não concorreu com sua vontade. Com a nova ordem constitucional de valores, fundada pela Constituição da República de 1988, e o reconhecimento da força normativa dos princípios, as normas constitucionais passam a incidir diretamente nas relações privadas, disciplinando os mais variados conflitos de interesses. As categorias de direito privado, como propriedade, empresa, família e contrato sofrem o influxo dos valores constitucionais e, neste passo, são remodeladas e funcionalizadas à realização destes valores, em especial da dignidade da pessoa humana, não mais havendo setores imunes a tal incidência axiológica, espécies de zonas francas para a atuação da autonomia privada 35 Neste passo, os principios constitucionais da função social (CRFB, arts. 1°, IV; 170, caput) e da solidariedade social (CRFB, art. 3°, I), ao incidirem diretamente nas situações jurídicas subjetivas, remodelam o princípio da relatividade, permitindo, em alguns casos, a extensão de direitos e a imposição de deveres contratuais a terceiros estranhos à formação do vínculo obrigacional. A guisa de exemplo, invoca-se o reconhecimento do direito da vítima de acidente de trânsito de acionar diretamente a seguradora do ofensor e pleitear, em face dela, • reparação pelos danos sofridos 36 Assim, para além das exceções tradicionalmente admitidas modernos, sob o plano económico e financeiro e sob o plano tecnológico, implicando uma teia cada vez mais apertada de situações interpessoais, apertou também a malha das relações contratuais - a expressão natural dessas situações, em tais planos -, que, muitas vezes, surgem ora encadeadas entre si ora cada vez mais próximas umas das outras ou, mesmo, imbrincadas umas nas outras, unidas por um fim comum, pela destinação na ou para a realização de uma mesma operação econõmica. Neste contexto, compreende-se que o princfpio da relatividade sofresse novos 'assaltos' ou tentativas de novas injunções, já para lhe descortinar novas excepções, já para concebê-lo numa perspectiva mais ampla, que, pretensamente salvaguardando-o - mas seguramente, afrouxando-o - , permitisse resposta a certas situações carecidas de solução jurfdica" (Da responsabilidade civil de terceiro por lesão do direito de crédito. cit., p. 169-170). 35 TEPEDINO, Gustavo. Do sujeito de direito à pessoa humana. In: Temas de direito civil. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. t. 2, p. 342. 36 Tal é o entendimento adotado pelo STJ em diversos precedentes, como se vê de trecho do voto da Ministra Nancy Andrighi: "De fato, a interpretação do contrato de seguro dentro desta perspectiva social autoriza e recomenda que a indenização prevista para reparar os danos causados pelo segurado ao terceiro seja por este diretamente reclamada da seguradora. Assim, sem se afrontar a liberdade contratual das partes - as quais quiseram estipular uma cobertura para a hipótese de danos de terceiros - A CONFERÊNCIA DE RECONHECIMENTO DE TEXTO (OCR) NÃO FOI REALIZADA. PESQUISA REALIZADA PELO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. É PROIBIDA A REPRODUÇÃO OU A TRANSMISSÃO, CONFORME LEI DE DIREITOS AUTORAIS. RTOC • VOl. 30 • ABRIJUN 2007 ao princípio da relatividade, reconhece-se sua mitigação em determinadas hipóteses nas quais isso se afigure indispensável à proteção de interesses, no caso concreto, merecedores de tutela, os quais em ponderação com a liberdade de contratar, sejam preponderantes. No caso específico da lesão ao direito de crédito por terceiro, entretanto, o reconheci·· mento de sua responsabilidade não representa mitigação ao princípio da relatividade. Como se verificará mais adiante, o dever de abstenção que recai sobre terceiros decorre da cláusula geral de boa-fé objetiva, informada pelo princípio da solidariedade constitucional, que se espraia por todas as situações jurídicas subjetivas, contratuais ou extracontratuais. A fonte deste dever, como se verá, é legal, não já decorrente do contrato, de modo que os direitos e deveres contratuais não se estendem aos terceiros, os qUJis, ao revés, devem obediência ao dever legal de não violar o direito de crédito alheio. Apenas em determinadas hipóteses, entretanto, ao se quantificar o dano pelo qual o terceiro cúmplice irá responder, será possível adotar como parâmetro deveres contratuais assumidos pelo devedor, verificando-se, aí, certo esmorecimento do princípio da relatividade, a fim de se evitar que a responsabilidade do terceiro seja mais gravosa que a do próprio devedor, que se obrigou perante o credor - o que representaria verdadeiro contra-senso. Poder-se-ia indagar se, a partir deste dever legal de terceiros não lesionarem o crédito alheio, se estaria diante de um dever geral de abstenção, oponível erga omnes, tal como ocorre com os direitos reais. A resposta, como se verá mais à frente, é negativa. Ao contrário maximiza-se a eficácia social do contrato com a simplificação dos meios jurfdicos pelos quais o prejudicado pode haver a reparação que lhe é devida. Cumpre-se o principio constitucional da solidariedade e garante-se a função social do contrato" (STJ, REsp 444.716-BA, 3" I, ReI. Min. Nancy Andrighi, v.U., julg.11.5.2004). V. tb.: STJ, REsp. 228840, 3" I, ReI. Min. Ari Pargendler, ReI. p/ acórdão Min. Carlos Alberto Menezes Direito, julg. 26.6.2000, publ. DJ 4.9.2000. V. também STJ, REsp. 401718, 4" T., ReI. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, julg. 3.9.2002, publ. DJ 24.3.2003; STJ, REsp. 294057, 4" I, ReI. Min. Ruy Rosado de Aguiar, julg. 28.6.2001, publ. DJ 12.11.2001; e STJ, REsp. 97590, 4" I, ReI. Min. Ruy Rosado de Aguiar, julg. 15.10.1996, publ. DJ 18.11.1996. Invoque-se, ainda, a hipótese em que o STJ impediu a penhora de imóvel hipotecado à instituição de crédito imobiliária em garantia de dfvida da construtora decorrente do financiamento da construção do ediffcio, tendo em vista o contrato de promessa de compra e venda celebrado entre o terceiro promitente-comprador e a construtora, mediante o qual o promitente-comprador já teria adimplido integral ou parcialmente suas prestações. Neste caso, nitidamente, a financeira, terceiro em relação ao contrato de promessa de compra e venda, foi impedida de exercer o seu direito de seqüela inerente à garantia real hipotecária por força deste contrato. Confira-se: STJ, REsp. 187940, 4" I, ReI. Min. Ruy Rosado de Aguiar Júnior, julg. 18.2.1999, publ. DJ 21.6.1999. A CONFERÊNCIA DE RECONHECIMENTO DE TEXTO (OCR) NÃO FOI REALIZADA. PESQUISA REALIZADA PELO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. É PROIBIDA A REPRODUÇÃO OU A TRANSMISSÃO, CONFORME LEI DE DIREITOS AUTORAIS. RTDC • VDl. 30 • ABRIJUN 2007 dos direitos reais, criados por lei e sUjeitos a registro, do qual decorre sua publicidade e conseqüente oponibilidade erga omnes, os direitos de crédito são criados pela autonomia privada, sem o necessário consenso social (traduzido por lei) capaz de permitir a produção de efeitos contra todos 37 Assim, o dever legal de abstenção que se está a tratar só recairá sobre terceiros caso tenham ciência do direito de crédito, que como qualquer outro bem, deverá ser juridicamente protegid0 38 Verifica-se, portanto, que a idéia clássica de relatividade segundo a qual o contrato só produz efeitos inter partes, constituindo negócio jurídico estranho a terceiros, não pode servir de escudo para que os terceiros se comportem como se o contrato não eXistisse 39 , contri- buindo com o devedor para o inadimplemento contratual e permanecendo imunes à responsabilização. De fato, "a relatividade das obrigações não poderia restar como justificativa para que pessoas alheias ao vínculo obrigacional venham a violá-lo. Este merece ser respeitado por toda a coletividade, como qualquer direito subjetivo, seja de natureza real ou obrigacional" .40 37 TEPEDINO, Gustavo. Multipropriedade imobiliária, cit., p. 84. 38 "Esta opinião não pode mais ser aceita: é verdade que a obrigação é relação que interessa ao devedor e ao credor, mas também é verdade que esta relação tem relev!lncia externa. Mesmo o crédito é, de um certo ponto de vista, um bem [ ... 1. um interesse juridicamente relevante, e enquanto tal deve ser respeitado por todos" (PERLlNGIERI, Pietro. Perfis do direito civil: introdução ao direito civil constitucional, cit., p. 142). 39 AZEVEDO, Antônio Junqueira de. Principios do novo direito contratual e desregulamentação do mercado. Direito de exclusividade nas relações contratuais de fornecimento. função social do contrato e responsabilidade aquiliana do terceiro que contribui para o inadimplemento contratual. Revista dos Tribunais, São Paulo, v. 750, ano 87, p. 117, 1998. 40 MAURO E SILVA, Roberta. Relações reais e relações obrigacionais: propostas para uma nova delimi- tação de suas fronteiras. In: TEPEDINO, Gustavo (coord.). Obrigações: estudos na perspectiva civil-constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 97. Na doutrina estrangeira, Luis DIEZ-PICAZO ressalta que "La tesis dogmática de la absoluta irrelevancia de !a relación obligatoria para los terceros y de la total separación entre la relación obligatoria y la esfera jurfdica de los terceros, se encuentra hoy en gran medida superada en la doctrina. En general, se propende a admitir la existencia de un deber de respeto dei derecho de crédito por parte de los terceros que no es nada más que una consecuencia dei deber general de respeto de todos los derechos subjetivos y de todas las situaciones jurfdicas que forman la esfera jurfdica ajena. Por ello, se ha pensado que el tercero que viola, dolosa o negligentemente, un derecho ajeno, asume por este solo hecho una determinada responsabilidad y debe resarcir ai titular dei derecho los danos que como consecuencia de ello se le siguen" (Fundamentos dei derecho civil patri- monial: las relaciones obligatorias. 4. ed. Madrid: Editorial Civitas, 1993. v. 2, p. 604-605) A CONFERÊNCIA DE RECONHECIMENTO DE TEXTO (OCR) NÃO FOI REALIZADA. PESQUISA REALIZADA PELO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. É PROIBIDA A REPRODUÇÃO OU A TRANSMISSÃO, CONFORME LEI DE DIREITOS AUTORAIS. RTOC • VOL. 30 • ABRIJUN 2007 Hessalte-se que a autonomia privada não é livre arbítrio, tampouco configura um valor em si mesmo, e será merecedora de tutela somente se representar, em concreto, a realização de um valor constitucional 41 Daí a necessidade de terceiros respeitarem o crédito alheio do qual têm ciência, não se admitindo, na legalidade constitucional, que eles exerçam seu direito à liberdade de contratar de forma ilimitada. Por oportuno, diga-se entre parênteses, que, na nova ordem constitucional, a distinção estrutural entre as situações jurídicas reais situações subjetivas - e obrigacionais, baseada no aspecto estático das e da qual, repita-se à exaustão, o principio da relatividade colhe seu fundamento - , deve ser rechaçada, impondo-se, ao revés, que se esteja atento à função desempenhada pelas situações subjetivas. Com efeito, a função permite que se determine a disciplina jurídica aplicável ao caso concreto que melhor atenda às peculiaridades dos interesses em jogo, se amoldando, portanto, à concreta ordem de interesses que se pretende regular. Assim, por meio da função dos institutos, é posslvel dar uma resposta por parte do ordenamento aos mais variados casos concretos que su rgem no seio social e que, por vezes, não se encaixam numa determinada estrutura predisposta pelo ordenamento. Nesta linha de raciocínio, o Prof. Perlingieri propõe um estudo unitário das situações patrimoniais, devendo-se, na verdade, estremar as situações patrimoniais das existenciais, fundadas em lógicas diversas 42 Na nova ordem constitucional de valores, em que a dignidade da pessoa humana representa o valor máximo do ordenamento a ser tutelado, as situações patrimoniais devem ser funcionalizadas às existenciais, as quais preponderam de forma absoluta. Na esteira deste entendimento, revela-se inadmissível que terceiros, cientes da existência do crédito alheio, cooperem com o devedor ou o induzam ao descumprimento do contrato, e restem imunes à responsabilização. Tal hipótese representaria verdadeira subversão da hierarquia de valores proposta pela Constituição, a admitir que a liberdade de contratar seja exercida sem limites, em violação aos deveres impostos pela cláusula geral de boa-fé objetiva, informada pelo princípio constitucional de solidariedade social. Como se verá a seguir, a doutrina e a jurisprudência têm empreendido esforços no sentido de determinar os fundamentos para a responsabilização do terceiro cúmplice, sustentando-a ora na função social do contrato, ora no abuso de direito e, ainda, na boa-fé objetiva. É ver-se. 41 PERLlNGIERI, Pietro, Perfis de direito civil: introdução ao direito civil constitucional, cit., p. 277. 42 PERLlNGIERI, Pietro, Perfis de direito civil: introdução ao direito civil constitucional, cit., A CONFERÊNCIA DE RECONHECIMENTO DE TEXTO (OCR) NÃO FOI REALIZADA. p. 201 e 55. CD PESQUISA REALIZADA PELO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. É PROIBIDA A REPRODUÇÃO OU A TRANSMISSÃO, CONFORME LEI DE DIREITOS AUTORAIS. RTDC • VOL. 30 • ABR/JUN 2007 2. FUNDAMENTOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL DO TERCEIRO CÚlvlPLlCE: A FUNÇÃO SOCIAL DO CONTRATO, O ABUSO DE DIREITO E A BOA-FÉ OBJETIVA A época das codificações liberais do séc. XIX, vigorava a doutrina voluntarista e indivi- dualista, consagrada pelo Código Napoleão, segundo a qual o sujeito de direito ocupava o centro do ordenamento jurídico e sua vontade do direito privado. 43 titular de patrimôni0 erigida a dogma Em outras palavras, o indivíduo 44 - consistia no único motor sujeito anônimo, neutro, abstrato e consistia no valor fundamental do direito privado, o qual buscava regular, do ponto de vista formal, sua atuação, sobretudo do contratante e do proprietário, que, por sua vez, "aspiravam ao aniquilamento dos privilégios feudais: poder contratar, fazer circular as riquezas, adquirir bens como expansão da própria inteligência e personalidade, sem restrições ou entraves legais" 45 A vontade do indivíduo, portanto, era exercida de forma quase ilimitada, sofrendo limitações excepcionais por meio da ordem pública e dos bons costumes. 46 De acordo com esta filosofia, os dois pilares do direito privado constituíam-se na propriedade e no contrato, esferas sobre as quais se exercia a plena autonomia do indivídu0 47 Na esteira desta concepção, formularam-se os três princípios contratuais clássicos, de- CD correntes da autonomia da vontade, a saber: (i) o princípio da autonomia privada, segundo o qual as partes podem convencionar o quê e com quem quiserem, sujeitas apenas aos limites impostos pelas normas de ordem pública; (ii) o princípio da obrigatoriedade dos contratos ou intangibilidade do conteúdo do contrato, de acordo com o qual o contrato adquire força de lei entre as partes, o denominado pacta sunt servanda; e, (iii) o princípio da relatividade dos contratos, pelo qual o contrato vincula apenas os contratantes, restringindo os seus efeitos inter partes, não beneficiando, nem prejudicando terceiros. Note-se que para a doutrina voluntarista e individualista a função social não se configurava em princípio jurídico, sendo entendida como um princípio da ciência política ou meta- 43 GIORGIANNI, Michele. O direito privado e as suas atuais fronteiras. Separata de: Revista dos Tribunais, Rio de Janeiro, ano 87, v. 747, p. 39, jan. 1998. 44 TEPEDINO, Gustavo. Do sujeito de direito à pessoa humana, cit., p. 342. Premissas metodológicas para a constitucionalização do direito civil. In: Temas de direito civil. 3. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2004, p. 2. 45 TEPEDINO, Gustavo. 46 TEPEDINO, Gustavo et alli. Código civil interpretado conforme a Constituição da República. Rio de Janeiro: Renovar, v. 2, 2006, p. 11. 47 GIORGIANNI, Michele. O direito privado e as suas atuais fronteiras, cit., p. 39. A CONFERÊNCIA DE RECONHECIMENTO DE TEXTO (OCR) NÃO FOI REALIZADA. PESQUISA REALIZADA PELO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. É PROIBIDA A REPRODUÇÃO OU A TRANSMISSÃO, CONFORME LEI DE DIREITOS AUTORAIS. RTDC • VOL. 30 • ABR/JUN 2007 jurídico, o qual se traduzia, em matéria contratual, na função econômica desempenhada pelo contrato no fomento às trocas e à prática comercial como um tod0 48 No Brasil, tal regime contratual clássico cede lugar a uma nova teoria contratual a partir da promulgação da Constituição da República de 1988, que, fundando uma nova ordem jurídica - personalista e solidarista - , consagrou os valores da dignidade da pessoa humana (CRFB, art. 1°,111), da solidariedade social (CRFB, art. 3°,1), da isonomia substancial (CRFB, art. 3°,111) e o valor social da livre iniciativa (CRFB, arts. 1°, IV e 170, caput). Posteriormente, com o advento do Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078, de 11 de setembro de 1990), a tábua de valores constitucionais foi prestigiada na disciplina legal dos contratos, permitindose a consolidação definitiva de uma cultura contratual que, sob vários aspectos, mostra-se antagônica à cultura contratual clássica 49 Assim, afirma-se que a Constituição da República e o CDC constituem os marcos desta transformação do modelo contratual clássico para o modelo contemporâneo da teoria contratual. 50 Os princlpios contratuais clássicos, a partir de então, adquiriram novos contornos, remodelados pelos novos princfpios contratuais, vale 1 dizer, a boa-fé objetiva, o equilfbrio econômico e a função social dos contratosS Na lição de Gustavo Tepedino: 48 Tal função económica do contrato é referida por Orlando GOMES nos seguintes termos: "A função económico-social do contrato foi reconhecida, ultimamente, como a razão determinante de sua proteção jurldica. Sustenta-se que o Direito intervém, tutelando determinado contrato, devido à sua função económico-social. Em conseqüência, os contratos que regulam interesses sem utilidade social, fúteis ou improdutivos não merecem proteção jurldica. Merecem-na apenas os que têm função económico-social reconhecidamente útil" (Contratos, cit., p. 20). 49 MORAES, Maria Celina Bodin de. Prefácio à Teresa Negreiros. in Teoria do contrato: novos paradigmas, cit. 50 TEPEDINO, Gustavo et alii. Código civil interpretado conforme a Constituição da República, cit., p. 7. 51 Como afirma António Junqueira de AZEVEDO, "estamos em época de hipercomplexidade, os dados se acrescentam, sem se eliminarem, de tal forma que, aos três princlpios que gravitam em volta da autonomia da vontade e, se admitido como principio, ao da ordem pública, somam-se outros três - os anteriores não devem ser considerados abolidos pelos novos tempos, mas, certamente, deve-se dizer que viram seu número aumentado pelos três novos princlpios. Quais são esses novos princípios? A boa-fé objetiva, o equillbrio económico do contrato e a função social do contrato" (Princlpios do novo direito contratual e desregulamentação do mercado. Direito de exclusividade nas relações contratuais de fornecimento. Função social do contrato e responsabilidade aquiliana do terceiro que contribui para o inadimplemento contratual, cit., p. 117). A CONFERÊNCIA DE RECONHECIMENTO DE TEXTO (OCR) NÃO FOI REALIZADA. PESQUISA REALIZADA PELO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. É PROIBIDA A REPRODUÇÃO OU A TRANSMISSÃO, CONFORME LEI DE DIREITOS AUTORAIS. RTOC • VOl. 30 • ABRIJUN 2007 "A boa-fé objetiva atua preponderantemente sobre a autonomia privada. O equilíbno econômico da relação contratual, por sua vez, altera substancialmente a força obrigatória dos pactos, dando ensejo a institutos como a lesão (art. 157, Código Civil), a revisão e a resolução por excessiva onerosidade (arts. 317,478 e 479, Código Civil). t, a função social, a seu turno, subverte o princfpio da relatividade, impondo efeitos contratuais que extrapolam a avença negociaI. 52" Especificamente no que tange à função social do contrato, embora tenha sido introduzida pela Constituição da República, por força de circunstância histórica já referida, ao lado do excessivo apego à técnica regulamentar, não suscitou de início maiores debates, vindo à tona apenas com a promulgação do Código Civil de 2002 que dedicou dispositivo especffico ao tema, in verbis: "Art. 421. A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato." Diante desta previsão, delinearam-se, em doutrina, três principais posições acerca do conteúdo e do papel da função social do contrato no ordenamento jurídico brasileiro. A primeira delas sustenta que, a função social, embora prevista em lei, não é disciplinada de forma sistemática ou especffica, encontrando-se presente de forma difusa dentro do ordenamento jurídico, expressa por meio dos institutos já positivados. 53 Em outras palavras, de acordo com este entendimento, o princípio da função social do contrato não assumiria eficácia Jurfdica autônoma, constituindo, antes, uma espécie de orientação de política legislativa constitucional, que revelaria sua importância e eficácia não em si mesma, mas em diversos institutos que justificariam soluções normativas especfficas, como, por exemplo, a resolução por excessiva onerosidade, a lesão, a conversão do negócio jurídico e a simulação como causa de nulidade 54 Gustavo. Novos princípios contratuais e a teoria da confiança: a exegese best knowledge of the sellers. In: Temas de direito civil, I. 2, cil., p. 250-251. 52 TEPEDINO, the 53 "( ... ) a lei da cláusula to prevê a função social do contrato mas não a disciplina sistemática ou especificamente. Cabe à doutrina e à jurisprudência pesquisar sua presença difusa dentro do ordenamento jurfdico e, sobretudo, dentro dos princfpios informativos da ordem econômica e social traçada pela Constituição" (THEODORO JÚNIOR, Humberto. O contrato e sua função social. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 93). 54 "O grande espaço da função social, de certa maneira, deve ser encontrado no próprio bojo do Código A CONFERÊNCIA DE RECONHECIMENTO DE TEXTO (OCR) NÃO FOI REALIZADA. PESQUISA REALIZADA PELO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. É PROIBIDA A REPRODUÇÃO OU A TRANSMISSÃO, CONFORME LEI DE DIREITOS AUTORAIS. RTOC • VOL. 30 • ABRIJUN 2007 Entretanto, tal posição acaba por esvaziar o conteúdo do principio da função social do contrato, uma vez que os outros institutos positivados, por já expressarem a função social, dispensariam sua existência como categoria aut6noma. Adotar este entendimento significaria interpretar a Constituição à luz do Código Civil, subvertendo a hierarquia de valores do ordenamento. Por outro lado, a segunda corrente de pensamento, majoritária, defende que a função social expressa o valor social das relações contratuais, vale dizer, não apenas a vontade dos contratantes que concorre para a formação do contrato importa, mas também os efeitos que este contrato projeta na sociedade. 55 Assim, o contrato se constituiria em bem que transcenderia a esfera individual dos contratantes, alcançando o âmbito social e, portanto, inserindos6 se no encadeamento das relações econ6micas Nas palavras de Adriana Schlabendorff: "[ ... ] O contrato possui em si um valor social - como se fossem dois lados de uma mesma moeda - , com projeções diferenciadas: uma no âmbito individual (no sentido Civil, ou seja, por meio de institutos legalmente institucionalizados para permitir a invalidação ou a revisão do contrato e assim amenizar a sua dureza oriunda dos moldes plasmados pelo liberalismo. 'Parece, portanto, que a função social vem fundamentalmente consagrada na lei, nesses preceitos e em outros, mas não é, nem pode ser entendida como destrutiva da figura do contrato, dado que, então, aquilo que seria um valor, um objetivo de grande significação (função SOCial). destruiria o próprio instituto do contrato', O campo propicio ao desempenho da função social, assim como à realização da eqüidade contratual é o da aplicação prática das cláusulas gerais com que o legislador definiu os vicias do negócio jurldico, os casos de nulidade ou de revisão. Seria pela prudente submissão do caso concreto às noções legais com que o Código tipificou as hipóteses de intervenção judicial do contrato que se daria a sua grande adequação às exigências sociais acobertadas pela lei civil" (THEODORO JÚNIOR, Humberto. O contrato e sua função social, cit., p, 106). 55 Como salienta Adriana SCHLABENDORFF, "ao afirmar que o contrato possui um valor social, não se quer dizer que ele tenha perdido o seu valor intrlnseco, ao contrário, significa que conjuntamente como esse 'valor em si', relacionado às partes contratantes, garantindo-lhes a capacidade de livre e conscientemente se auto-regrar, o valor social do contrato também possui uma projeção social" (A reconstrução do direito contratual: o valor social do contrato. 2005. 299 f. Tese (Doutorado em Direito Civil) , Universidade de São Paulo, São Paulo, p. 229). Na mesma linha de racloclnio, v. MELLO, Adriana Mandin Theodoro. A função social do contrato e o principio da boa-fé no novo Código Civil brasileiro. In: Revista Síntese de Direito Civil e Processual Civil, n. 16, p. 149, mar./abr. 2002. 56 FERREIRA DA SILVA, Luis Renato. A função social do contrato no novo código civil e sua conexão a solidariedade social, cit., p. 132. A CONFERÊNCIA DE RECONHECIMENTO DE TEXTO (OCR) NÃO FOI REALIZADA. com PESQUISA REALIZADA PELO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. É PROIBIDA A REPRODUÇÃO OU A TRANSMISSÃO, CONFORME LEI DE DIREITOS AUTORAIS. RTOC • VOL. 30 • ABR/JUN 2007 da autonomia privada) e outra no âmbito social (no sentido da importância da conser- vação dos contratos, instrumentalizada pela boa-fé objetiva, pelo equilíbrio econômico e pela minoração do relativismo contratual)" S7 Como se vê, segundo esta linha de raciocínio, o princípio da função social dos contratos deve significar que o contrato não pode "ser concebido como uma relação jurídica que só interessa às partes contratantes impermeável às condicionantes sociais que o cercam e que são por ele próprio afetadas" .58 Especificamente no que tange à responsabilização do terceiro que colabora com o devedor ou o induz à lesão do direito de crédito alheio, celebrando com ele contrato incompatível com obrigação anteriormente assumida, de acordo com esta teoria, o princípio da função social serviria de fundamento para a responsabilização do terceiro cúmplice, na medida em que propiciaria a apreensão do contrato como fato social. 59 Dito diversamente, o princípio da função social, baseado no princfpio da solidariedade constitucional, exigiria a colaboração entre os contratantes e terceiros, devendo estes últimos respeitar as situações jurídicas anteriormente constituídas, ainda que desprovidas de eficácia real, desde que a sua O existência seja por eles previamente conhecida. Assim, o princfpio da relatividade não poderia servir de pretexto para que terceiros desrespeitassem o direito de crédito alheio, justamente por não terem consentido em sua criação. Por esta razão, o princípio da função social limitaria o princípio da relatividade com vistas a garantir a responsabilização do terceiro cúmpliCe. Como sustenta Teresa Negreiros: "Numa sociedade que o constituinte quer mais solidária, não deve ser admitido que, sob o pretexto de que o direito de crédito é um direito relativo, possa tal direito ser 57 A reconstrução do direito contratual: o valor social do contrato, cit., p. 229. 58 NEGREIROS, Teresa. Teoria do contrato: novos paradigmas, cit., p. 207. 59 Nas palavras de Teresa NEGREIROS, "em contraposição à concepção individualista, o principio da função social serve como fundamento para a relevância externa do crédito, na medida em que propicia uma apreensão do contrato como fato social" (Teoria do contrato: novos paradigmas, cit., p. 267). No mesmo sentido, v. SCHLABENDORFF, Adriana. A reconstrução do direito contratual: o valor social do contrato. cit., p. 246; THEODORO JÚNIOR, Humberto. O contrato e sua função social, cit., p. 29-30; THEODORO NETO, Humberto Theodoro. O contrato e a relatividade de seus efeitos: direitos e obrigações na relação entre contratantes e terceiros, 2004, 316 f. Dissertação (Mestrado em Direito Civil) Faculdade de Direito da UFMG, Belo Horizonte, 2004. A CONFERÊNCIA DE RECONHECIMENTO DE TEXTO (OCR) NÃO FOI REALIZADA. PESQUISA REALIZADA PELO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. É PROIBIDA A REPRODUÇÃO OU A TRANSMISSÃO, CONFORME LEI DE DIREITOS AUTORAIS. RTDC • VOl. 30 • ABRIJUN 2007 desrespeitado por terceiros, que argumentam não ter consentido para a sua criação. Esta ótica individualista e voluntarista deve ser superada diante do sentido de solidariedade presente no sistema constitucional. [ ... ] o princípio da função social cumpre o papel de explicar e limitar o princípio da relatividade, cujo sentido próprio não mais se deduz exclusivamente do princípio da autonomia da vontade. 60" Na esteira de tal entendimento, foi editado o enunciado 21 da 1a jornada de direito civil do STJ, segundo o qual "a função social do contrato, prevista no art. 421 do novo Código Civil, constitui cláusula geral a impor a revisão do princípio da relatividade dos efeitos do contrato em relação a terceiros, implicando a tutela externa do crédito". De acordo com Teresa Negreiros, a liberdade de contratar seria dotada de uma função social, de modo que o exercício desta liberdade em contrariedade a esta função representaria abuso de direito. Assim, o terceiro que, ciente do direito de crédito alheio, firma contrato com o devedor incompatível com a obrigação por este anteriormente assumida, exerce sua liberdade de contratar de forma abusiva, em violação à função social, devendo, por isso mesmo, ser responsabilizado. Deste modo, o princípio da função social do contrato associado ao abuso de direito deveriam ser invocados como fundamentos da responsabilização do terceiro cúmplice. 61 Acrescenta a autora, ainda, que a oponibilidade do contrato imporia aos terceiros o dever de respeito ao direito de crédito alheio do qual têm ciência, daí derivando a obrigação de não violarem este direito. 62 Em síntese, esta segunda corrente doutrinária acerca do conteúdo do princípio da função social atribui ao contrato valor social, que, portanto, projeta seus efeitos no âmbito da sociedade, de modo a reforçar a proteção do contratante em face de terceiros. Assim, como se viu, a função social consistiria em fundamento para a proteção do credor na lesão contratual provocada pelo terceiro cúmplice. Contudo, tal posição não colhe, pois acaba reduzindo a função social a um instrumento a mais de garantia da posição contratual do credor, desvirtuando a finalidade do instituto, o qual pretende impor deveres aos contratantes, não já ampliar-lhes a gama de garantias. Com efeito, a função social, como sustenta a terceira corrente doutrinária, deve ser entendida como um novo princípio que, informado pelos princípios constitucionais da digni- 60 NEGREIROS, Teresa. Teoria do contrato: novos paradigmas, cit., p. 208 e 273. 61 Teoria do contrato: novos paradigmas, cit., p. 255. 62 NEGREIROS, Teresa. Teoria do contrato: novos paradigmas, cit., p. 271-272. A CONFERÊNCIA DE RECONHECIMENTO DE TEXTO (OCR) NÃO FOI REALIZADA. ., PESQUISA REALIZADA PELO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. É PROIBIDA A REPRODUÇÃO OU A TRANSMISSÃO, CONFORME LEI DE DIREITOS AUTORAIS. RTOC • VOl. 30 • ABR/JUN 2007 dade da pessoa humana (art. 1°,111), do valor social da livre iniciativa (art. 1°, IV), da igualdade substancial (art. 3°, 111); e da solidariedade social (art. 3°, I), impõe deveres, e não direitos, aos contratantes em face de interesses socialmente relevantes alcançados pelo contrat0 63 Ao propósito, esclareça-se que funcionalização compreende processo que atinge todos os fatos jurídicos. 64 a síntese de seus efeitos essenciais, sua refere-se não apenas a vontade dos sujeitos, A função do fato corresponde profunda e complexa razão justificadora: ela mas ao fato em si, enquanto social e juridicamente relevante. Com base na função práticosocial que realiza, é possível qualificar o fato, atraindo, por conseguinte, a disciplina jurídica aplicável. Em matéria contratual, a função identifica-se com o problema da causa 65 Toda situação jurídica subjetiva possui uma função social. Assim, o interesse só será tutelado se e enquanto atender não apenas ao interesse do titular da situação Jurídica subjetiva, mas também àquele da coletividade. 66 /\ função social consiste na própria razão de atribuição do direito, de modo que o exercício do direito somente será merecedor de tutela se atender a função social 67 Deste modo, a estrutura interna do direito é remodelada de acordo com sua função social, concretamente definida, que constitui o próprio pressuposto de validade do exercício do direito. 68 Em outras palavras, a função permite vincular, de forma dinâmica, a estrutura do direito, em especial dos fatos jurídicos, dos centros de interesse privado e das relações jurídicas, aos valores da sociedade consagrados pelo ordenamento no lexto Constitucional. Assim, possibilita que o controle social não se limite ao exame de estruturas ou tipos abstratamente considerados, dando lugar ao exame do merecimento de tutela do tipo no caso concreto. 63 Com efeito, ensina Gustavo TEPEDINO que a função social do contrato deve ser entendida como o "dever imposto aos contratantes de atender pelo regulamento contratual - ao lado dos próprios interesses Individuais perseguidos a interesses extra contratuais socialmente relevantes, dignos de tutela jurldica, que se relacionam com o contrato ou são por ele atingidos. Tais interesses dizem respeito, dentre outros, aos consumidores, à livre concorrência, ao meio-ambiente, às relações de trabalho" (Crise de fontes normativas e técnica legislativa na parte geral do Código Civil de 2002. In: Temas de direito civil, t. 2, Clt., p. 20). 64 PERLlNGIERI, Pietro. Manuale di diritto civile. Napoli: Edlzione Scientifiche Italiane, 1997, p. 64 e ss. 65 PERLlNGIERI, Pietro. Perfis de direito civil: introdução ao direito Civil constitucional, cit., p. 96 66 PERLlNGIERI, Pietro. Perfis de direito civil: introdução ao direito civil constitucional, cit., p. 107. 67 PERLlNGIERI, Pietro. Perfis de direito civil: introdução ao direito Civil constitucional, Clt., p. 226. 68 TEPEDINO, Gustavo. Contornos constitucionais da propriedade privada. fn: Temas de direito civil, dt., p.318ess. A CONFERÊNCIA DE RECONHECIMENTO DE TEXTO (OCR) NÃO FOI REALIZADA. PESQUISA REALIZADA PELO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. É PROIBIDA A REPRODUÇÃO OU A TRANSMISSÃO, CONFORME LEI DE DIREITOS AUTORAIS. RTDC • VOl. 30 • ABRIJUN 2007 Daí afirmar-se que a função é elemento interno tendo em e razão justificativa da autonomia pnvada, vista que instrumentaliza as estruturas jurídicas aos valores constitucionais, permi- tindo o controle dinâmico e concreto da atividade privada. 59 No sistema atual, a função social amplia para o domínio do contrato a noção de ordem pública. Como ensina Gustavo lepedino, "tal como observado em relação à propriedade, em que a estrutura interna do direito é remodelada de acordo com sua função social, concretamente definida, e que se constitui em pressuposto de validade do exercício do próprio domínio, também o contrato, uma vez funcionalizado, se transforma em um 'Instrumento de realização do projeto constitucional' e das finalidades sociais definidas constitucionalmente".70 Na dicção do art. 421 do Código Civil, considera-se a função social um fim para cuja realização se justifica a imposição de preceitos inderrogáveis e inafastáveis pela vontade das partes 71 Daí dispor o parágrafo único do art. 2.03~) do Código Civil: "Nenhuma convenção prevalecerá se contrariar preceitos de ordem pública, tais como os estabelecidos por este Código para assegurar a função social da propriedade e dos con tratos. " De acordo com a função que a situação jurídica desempenha, serão definidos os poderes atribuídos ao titular das situações jurídicas subjetivas. Como dito anteriormente, os legítimos interesses Individuais dos titulares da atividade econômica só merecerão tutela na medida em que interesses socialmente relevantes, embora alheios à esfera individual, sejam igualmente tutelados. Vincula-se, portanto, a proteção dos interesses privados ao atendimento de interesses sociais, a serem promovidos no âmbito da atividade econômica 72 69 Como sustenta Gustavo TEPEDINO, "o sentido a ser atribuldo à função social não pode se limitar a restrições pontuais e externas à atividade econõmica privada, inserindo-se no próprio fundamento da Iniciativa econômica. Assim como no direito de propriedade, quis o constituinte tornar a função SOCial elemento Interno dos institutos jurfdicos de direito privado" (Novos princípios contratuais e a teoria da confiança: a exegese da cláusula to the best knowledge of the sellers, Clt., p. 2S1). 70 TEPEDINO, Gustavo et alii. Código civil interpretado conforme a Constituição da I?epública, v. 2, cit., p.l0. 71 TEPEDINO, Gustavo et alii. Código civil interpretado conforme a Constituição da I?epública, v. 2, cit., p.9. 72 PERLlNGIERI, Pietro. Perfis de direito civil: introdução ao direito civil constitucional, cit., p. 121. A CONFERÊNCIA DE RECONHECIMENTO DE TEXTO (OCR) NÃO FOI REALIZADA. PESQUISA REALIZADA PELO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. É PROIBIDA A REPRODUÇÃO OU A TRANSMISSÃO, CONFORME LEI DE DIREITOS AUTORAIS. RTOC • VOL. 30 • ABRIJUN 2007 Assim, a flexibilização do princípio da relatividade dos contratos em razão do princípio da função social dos contratos se efetiva por meio da imposição de deveres aos contratantes com vistas à promoção de interesses socialmente relevantes e não se destina à utilização como mera ferramenta para ampliação das garantias contratuais - o que traduziria um contra- senso. Como argutamente observado por Gustavo Tepedino: "O esmorecimento do princípio da relatividade indica, como observado no texto, a imposição aos contratantes de deveres extracontratuais, socialmente relevantes e tutelados constitucionalmente. Não deve significar, todavia, uma ampliação da proteção dos próprios contratantes, o que amesquinharia a função social do contrato, tornando-a servil a interesses individuais e patrimoniais que, posto legítimos, já se encontram suficientemente tutelados pelo contrato. 73 " Com efeito, no caso específico da lesão contratual provocada pelo terceiro cúmplice, busca-se tutelar interesses meramente privados do credor que sofreu lesão do seu direito de crédito, oriundo de relação contratual paritária, e, por isso mesmo, não se poderia cogitar da presença de interesses sociais relevantes que justificassem um reforço da proteção do credor • com fundamento na função social dos contratos. Isto constituiria verdadeira desvirtuação da finalidade do instituto da função social. Como já se afirmou, a função social tem por escopo a proteção de interesses extra contratuais socialmente relevantes e tutelados constitucional- mente, por meio da imposição de deveres aos contratantes, como é o caso, por exemplo, da tutela dos interesses do consumidor e dos interesses coletivos e difusos. Afastada a função social como fundamento da responsabilidade civil do terceiro cúmplice, passa-se a tratar da figura do abuso de direito invocada por alguns autores como base desta responsabilização. De fato, argumentam seus defensores que o terceiro que coopera ou induz o devedor ao inadimplemento contratual, celebrando com ele contrato incompatível com a obrigação preexistente, abusa do seu direito de contratar. Dito diversamente, se o terceiro, ciente do direito de crédito alheio, celebra com o devedor contrato ofensivo ao direito do credor, exercerá de forma irregular ou abusiva sua liberdade de contratar, devendo, por isso mesmo, ser responsabilizado. Nesta esteira, afirma Fernando Noronha: 73 TEPEDINO, Gustavo. Novos princípios contratuais ea teoria da confiança: a exegese da cláusula to the best knowledge of the sellers, cit., p. 251, nota 14. A CONFERÊNCIA DE RECONHECIMENTO DE TEXTO (OCR) NÃO FOI REALIZADA. PESQUISA REALIZADA PELO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. É PROIBIDA A REPRODUÇÃO OU A TRANSMISSÃO, CONFORME LEI DE DIREITOS AUTORAIS. RTOC • VOl. 30 • ABRIJUN 2007 "Assim, nas situações de indução ao inadimplemento de obrigação alheia, se o terceiro estava agindo no exercício de um seu direito (por exemplo, o direito de contratar um bom profissional), ele, em princípio, não terá nenhuma obrigação de indenizar, porque estaremos perante um ato justificado: em princípio todos têm o direito de contratar com qualquer pessoa. Se, porém, o direito não for exercido de forma regular, isto é, se houver abuso de direito, haverá responsabilidade. [... ] Como se vê, nas situações de indução ao inadimplemento a invocação da tutela externa só será possível em casos especiais, quando se configure um exercício abusivo de direitos. 74 " Nesta linha de raciocínio, há ainda quem defenda a responsabilidade do terceiro que, dolosamente, isto é, com intuito de prejudicar o credor, abusa do seu direito de contratar, restando caracterizado o ato emulativo. 75 Na doutrina estrangeira, Ferrer Correia, ao analisar especificamente a lesão do direito de crédito pelo terceiro nos pactos de preferência, isto é, na hipótese em que o terceiro, conhecendo o direito de preferência do credor, contrata com o devedor em violação frontal a este direito, sustenta a responsabilidade do terceiro com base no abuso de direito. Afirma que o devedor busca intencionalmente prejudicar os interesses do credor ao contratar com terceiro, pois se o credor quiser exercer a preferência terá de lhe pagar exatamente o mesmo preço que o terceiro lhe pagaria. Assim, o comportamento do devedor reveste-se de grave imoralidade, configurando ato emulativo, pelo qual também responde o terceiro. 76 No direito brasileiro, o Código Civil de 1916 não se referiu expressamente ao abuso de direito, o qual era extraído pela doutrina em interpretação a contrario sensu do art. 160, 1. 77 Posteriormente, foi disciplinado no art. 187 do Código Civil de 2002, o qual dispõe que: 74 Direito das obrigações. São Paulo: Saraiva, 2003, v. 1, p. 464-465. 75 DINIZ, Davi Monteiro. Aliciamento no contrato de prestação de serviços: responsabilidade de terceiro por interferência ilfcita em direito pessoal. In: Revista Síntese de Direito Civil e Processual Civil, n. 27, p. 91, jan.- fev. 2004. 76 CORREIA, A. Ferrer. Da responsabilidade do terceiro que coopera com o devedor na violação de um pacto de preferência. In: Estudos de Direito Civil e Comercial e Criminal, 2. ed. Coimbra: Livraria Almedina, 1985, p. 50. 77 "Art. 160. Não constituem atos ilfcitos: l-os praticados em legrtima defesa ou no exercrdo regular de um direito reconhecido". A CONFERÊNCIA DE RECONHECIMENTO DE TEXTO (OCR) NÃO FOI REALIZADA. ® PESQUISA REALIZADA PELO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. É PROIBIDA A REPRODUÇÃO OU A TRANSMISSÃO, CONFORME LEI DE DIREITOS AUTORAIS. RTDC • VOlo 30 • ABR/JUN 2007 "Art. 187. Também comete ato illcito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes." No abuso, o comportamento do sujeito, embora formalmente lícito, viola o seu fundarnento axiológico-normativo, que justifica o seu reconhecimento pela ordem jurídica do o qual se irá afem a validade do ato de exerdcio. 78 e segun- Ern outras palavras, o exercício do direito em contrariedade às suas finalidades econômicas ou sociais configura abuso do direito, impondo ao agente o dever de reparar os prejuízos causados. 79 Note-se que a abusividade do ato é aferida objetivamente, ou seja, deve-se verificar se o ato de exerdcio do direito subjetivo viola o sentido deste exerdcio determinado pelo valor inerente e estrutural a este do agente 80 mesmo direito, prescindindo da análise do elemento intencional Em outras palavras, a aterição da abusividade da conduta irá depender apenas da verificação de desconformidade concreta entre o exerdcio da situação jurídica e os valores tutelados pelo ordenamento civil-constitucional, pouco importando a intenção do agente de prejudicar outrem ou a cornprovação do elemento culpa. Assim sendo, o abuso de direito configura ato lícito, ganhando autonomia na ciência jurídica do ato ilícito -~ o qual pressupõe a violação de um dever legal e, portanto, culpa -, de rnodo a alcançar inúmeras situações que, justamente por não se enquadrarem no ilícito, exigem valoração funcional quanto ao seu exerdcio. Deste modo, o art. 187 do Código Civil, ao afirmar que o abuso de direito consiste em ato ilícito, deve ser compreendido como ilicitude em sentido lato, isto é, deve significar contrariedade ao ordenamento Jurídico como um todo, não autorizando a equiparação da etiologia do abuso de direito a do ato illcit0 81 Na hipótese de lesão do direito de crédito provocada pelo terceiro cúmplice, verifica-se, como se verá adiante, a violação, pelo terceiro, de um dever legal de abstenção imposto pela 78 V, sobre o tema, CARPENA, Heloisa. Abuso do direito nos contratos de consumo. Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p. 56. 79 Como observa Heloisa Carpena, "o comportamento do sujeito só aparentemente constitui exerclcio do direito, ultrapassando-o exatamente por violar seu sentido e seu fundamento objetivo" direito nos contratos de consumo, 80 CARPENA, Heloisa. (Abuso do cit., p. 73). Abuso do direito nos contratos de consumo, cit., p. 73. 81 No sentido do texto, ver a elucidativa explicaçâo de TEPEDINO, Gustavo tado conforme a Constituição da República, et alii. Código civil interpre- v. 1, cit., p. 342. A CONFERÊNCIA DE RECONHECIMENTO DE TEXTO (OCR) NÃO FOI REALIZADA. PESQUISA REALIZADA PELO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. É PROIBIDA A REPRODUÇÃO OU A TRANSMISSÃO, CONFORME LEI DE DIREITOS AUTORAIS. RTDC • VOL. 30 • ABRIJUN 2007 cláusula geral de boa-fé objetiva, informada pelo princípio da solidariedade constitucional, do qual decorre o respeito às situações jurídicas previamente constituídas. Por esta razão, o terceiro que coopera com o devedor ou o induz ao inadimplemento contratual, celebrando com ele contrato incompatível com obrigação anteriormente assumida pelo devedor, infringe este dever legal, praticando, por isso mesmo, ato ilícito. Ora, se de ilícito se está a tratar, o abuso de direito não pode servir de fundamento para a responsabilização do terceiro cúmplice. Hesta, portanto, analisar o papel do princípio da boa-fé objetiva na imputação desta responsabilidade. A boa-fé objetiva foi, inicialmente, referida no ordenamento jurídico brasileiro pelo art. 131 do Código Comercial de 1850, atualmente revogado, como critério de interpretação dos contratos mercantis. 82 Entretanto, o dispositivo teve aplicação insignificante e a acepção por ele atribuída ao princípio da boa-fé, além de fundar-se em preocupações diversas, era muito 'mais restrita do que aquela conferida hoje à boa-fé objetiva 83 A essa época, compreendia-se comumente por boa-fé o estado de ânimo do sujeito caracterizado pela ausência de malícia e pela crença pessoal de estar agindo em conformidade com o direito. Tratava-se, portanto, de acepção subjetiva da boa-fé Posteriormente, o Código de Defesa do Consumidor trouxe, em seu art. 4", a primeira previsão moderna da boa-fé objetiva, tomada como princípio da política nacional de relações de consumo 84 A partir de então, a boa-fé objetiva passou a ser entendida como um dever 82 "Art. 131. Sendo necessário interpretar as cláusulas do contrato, a interpretação, além das regras sobreditas, será regulada sobre as seguintes bases: 1. a inteligência simples e adequada, que for mais conforme à boa-fé, e ao verdadeiro espírito e natureza do contrato, deverá sempre prevalecer à rigorosa e restrita significação das palavras [ ... ]". 83 Tal é a constatação de fEPEDINO, Gustavo e SCHREIBER, Anderson. A boa-fé objetiva no Código de Defesa do Consumidor e no novo Código Civil. In: TEPEDINO, Gustavo (coord.). Obrigações: estudos na perspectiva civil-constitucional, cit., p. 30. 84 "Art. 4°. A Polftica Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessi- dades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparênCia e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princfpios: [ ... ] III - harmonização dos interesses dos participantes das relações de consumo e compatibilização da proteção do consumidor com a neceSSidade de desenvolvimento econômico e tecnológico, de modo a viabilizar os princfplos nos quais se funda a ordem econômica (art. 170, da Constituição Federal), sempre com base na boa-fé e equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores" . A CONFERÊNCIA DE RECONHECIMENTO DE TEXTO (OCR) NÃO FOI REALIZADA. @ PESQUISA REALIZADA PELO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. É PROIBIDA A REPRODUÇÃO OU A TRANSMISSÃO, CONFORME LEI DE DIREITOS AUTORAIS. RTDC • VOL. 30 • ABRIJUN 2007 imposto às partes contratantes de colaborarem mutuamente para a consecução dos fins objetivamente perseguidos com o contrato. O direito positivo brasileiro manteve o princípio da boa-fé objetiva circunscrito às relações de consumo até o advento do Código Civil de 2002,85 que, ao consagrar o princípio em seu artigo 422, estendeu sua incidência às relações contratuais paritárias: "Art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé." Como se vê, a boa-fé objetiva por consistir em cláusula geral, assumiu significados distintos ao longo do tempo, de acordo com as circunstâncias de tempo e lugar historicamente determinadas, representando, por isso mesmo, uma atualização em termos de técnica leg islativa. Note-se que o Código C ivil não estabeleceu parâmetros ou standards de conduta que auxiliassem na concretização do conteúdo da cláusula geral de boa-fé objetiva. Assim, para advertido por Gustavo Tepedino, a cláusula geral de boa-fé objetiva não se torne que, como letra morta ou atribua ampla discricionariedade ao intérprete, exigindo construção doutrinária capaz de lhe atribuir conteúdo menos subjetivo, impõe-se a conexão axiológica entre o dispositivo codificado e a Constituição da República, que define os valores e princípios basilares do ordenamento. 86 Com o intuito de concretizar o conteúdo da cláusula geral de boa-fé objetiva, costuma-se atribuir-lhe, na esteira da doutrina germânica,87 três funções essenciais: (i) função interpre- tativa dos contratos; (ii) função restritiva do exercício abusivo de direitos; e (iii) função criadora de deveres anexos à prestação principal, nas fases pré-negociai, negociai e pós-negociaI. Como cânon contratuais interpretativo, a boa-fé objetiva exige que a interpretação das cláusulas privilegie sempre o sentido mais consentâneo com o objetivo comum pretendido 85 Observe-se, entretanto, que a jurisprudência, antes da previsão codificada do princfpio da boa-fé objetiva, já estendia a sua aplicação às relações contratuais regidas pelo Código Civil. 86 TEPEDINO, Gustavo. Crise de fontes normativas e técnica legislativa na parte geral do Código Civil de 2002. In: Temas de direito civil, t. 2, cit., p. 7-8. 87 WIEACKER, Franz. EI principio general de la buena fé. Tradução Jose Luis de los Mozos. Madri: Civitas,' 1976, capftulo IV. A CONFERÊNCIA DE RECONHECIMENTO DE TEXTO (OCR) NÃO FOI REALIZADA. PESQUISA REALIZADA PELO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. É PROIBIDA A REPRODUÇÃO OU A TRANSMISSÃO, CONFORME LEI DE DIREITOS AUTORAIS. RTDC • VOL. 30 • ABRIJUN 2007 pelas partes com o negóci0 88 , à luz das circunstâncias concretas que o caracterizam. Tal função encontra-se positivada no art. 113 do Código Civil, in verbis: "Art. 113. Os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração." No que se refere à sua segunda função, a boa-fé objetiva assume conotação negativa, estabelecendo limites ao exercício dos direitos. Funciona, portanto, como critério para a diferenciação entre o exercício regular e o exercício irregular ou abusivo de direitos. Como especificação desta função, faz-se referência ao princípio do nemo potest venire contra factum proprium, segundo o qual a ninguém é dado vir contra o próprio ato, vale dizer, não se admite que o sujeito pratique uma conduta em contradição a anteriormente adotada, violando a legítima expectativa daquele que acreditara na preservação do comportamento inicial 89 E, ainda, à teoria do adimplemento substancial, de acordo com a qual considera-se abusivo o direito de resolução do contrato nas hipóteses em que o devedor adimpliu substancialmente o acordo, ou seja, alcançou um resultado tão próximo ao almejado que o seu inadimplemento não abala a comutatividade do ajuste, devendo o prejuízo do credor compor-se em perdas e danos. 9o Tal função foi incorporada no art. 187 do Código Civil, anteriormente referido, que consagra o abuso de direito. Por fim, a boa-fé exerce a função de fonte criadora de deveres anexos à prestação principal não previstos pelas partes no contrato. Tais deveres, portanto, decorrem da lei, não já da vontade dos contratantes, e denominam-se acessórios ou secundários justamente por não se referirem diretamente ao objeto primordial da obrigaçã0 91 Embora não possam ser definidos de forma abstrata e apriorística, são, normalmente, exemplificados como deveres 88 TEPEDINO, Gustavo. Crise de fontes normativas e técnica legislativa na parte geral do Código Civil de 2002, cit., p. 20. No mesmo sentido, MARTINS-COSTA, Judith. A boa-fé no direito privado. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2000, p. 432. 89 Sobre a matéria, v. SCHREIBER, Anderson. A proibição ao comportamento contraditório: nemo potest venire contra factum proprium. Rio de Janeiro: Renovar, 2004. 90 A respeito da teoria do adimplemento substancial, confira-se AGUIAR JÚNIOR, Ruy Rosado de. Extinção dos contratos por incumprimento do devedor: resolução. São Paulo: Aide Editora, 2003, p. 248. 91 Veja-se, sobre o tema, FERREIRA DA SILVA, Jorge Cesa. A boa-fé e a violação positiva do contrato. 1. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p. 270. A CONFERÊNCIA DE RECONHECIMENTO DE TEXTO (OCR) NÃO FOI REALIZADA. PESQUISA REALIZADA PELO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. É PROIBIDA A REPRODUÇÃO OU A TRANSMISSÃO, CONFORME LEI DE DIREITOS AUTORAIS. RTDC • VOl. 30 • ABRIJUN 2007 de informação, lealdade e transparência, que se agregam implicitamente ao regulamento contratual. A afronta a estes deveres importa em violação positiva do contrato, atraindo as soluções previstas pelo ordenamento para o inadimplemento contratual, a saber, o direito ao ressarcimento dos prejuízos, a possibilidade de recusar a prestação com base na exceção de contrato não cumprido (Código Civil, art. 485) ou de resolver o contrato (Código Civil, art. 486). Observe-se que esta terceira função desempenhada pela boa-fé objetiva carece de interpretação associada aos objetivos do negócio, pois "sena absurdo supor que a boa-fé objetiva criasse, por exemplo, um dever de informação apto a exigir de cada contratante esclarecimentos acerca de todos os aspectos da sua atividade econômica ou de sua vida privada. Assim, se é certo que o vendedor de um automóvel tem o dever boa-fé objetiva - imposto pela de informar o comprador acerca dos defeitos do veículo, não tem, por certo, o dever de prestar ao comprador esclarecimentos sobre sua preferência partidária, sua vida familiar ou seus hábitos cotidianos. Um dever de informação assim concebido mostrarse-ia não apenas exagerado, mas também irreal, porque seu cumprimento seria, na prática, impossível tendo em vista a amplitude do campo de informações" 92 Portanto, pode-se dizer que, no âmbito contratual, a boa-fé objetiva, independentemente da função que exerça, almeja sempre a preservação do conteúdo econômico que as partes pretenderam com o negócio alcançar, obrigando os contratantes a adotarem comportamento compatível com os fins comuns objetivamente pretendidos pelo ajuste. Em outras palavras, o princípio da boa-fé objetiva impõe um dever de conduta aos contratantes de perseguirem o interesse mútuo que se extrai objetivamente da avença e não seus interesses privados e individuais. Por outro lado, nas situações jurídicas extracontratuais, a boa-fé objetiva também se 94 aplica,93 a despeito de vozes doutrinárias em contrário. Em primeiro lugar, a cláusula geral 92 TE PEDI NO, Gustavo e SCHREIBER, Anderson. A boa-fé objetiva no Código de Defesa do Consumidor e no novo Código Civil, cit., p. 39. 93 Na doutrina estrangeira, Manuel Antônio de Castro Portugal Carneiro da FRADA aponta para a evolução na aplicação do prindpio da boa-fé objetiva que, embora originado no domrnio do contrato, expandiu-se, posteriormente, para outros âmbitos. Na dicção do autor, "foi no domrnio dos contratos (rectius, do cumprimento das obrigações contratuais) que a norma do comportamento de boa-fé germinou e encontrou a sua guarida mais segura. Acolhida aI como em seu domrnio originário, expandiu-se depois por outros âmbitos e por diversas formas de interacção entre sujeitos, de que a relação A CONFERÊNCIA DE RECONHECIMENTO DE TEXTO (OCR) NÃO FOI REALIZADA. PESQUISA REALIZADA PELO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. É PROIBIDA A REPRODUÇÃO OU A TRANSMISSÃO, CONFORME LEI DE DIREITOS AUTORAIS. RTDC • VOL. 30 • ABRIJUN 2007 de boa-fé objetiva encontra-se informada por quatro princípios constitucionais fundamentais para a atividade econômica privada, a saber, (i) o princípio da dignidade da pessoa humana . (CRFB, art. 1°, 111); (ii) o valor social da livre iniciativa (CRFB, art. 1°, IV); (iii) a solidariedade social (CRFB, art. 3°, I); e (iv) a igualdade substancial (CRFB, art. 3°, 111). Ao lado disso, como já se afirmou, as normas constitucionais se aplicam diretamente às relações privadas, sejam elas patrimoniais ou existenciais. Se assim é, não há fundamento constitucional que autorize a restrição da aplicação da cláusula geral de boa-fé objetiva às relações contratuais. De mais a mais, conforme aludido anteriormente, a distinção estrutural entre situações jurfdicas reais e obrigacionais encontra-se em crise, devendo-se, na legalidade constitucional, estar atento à função desempenhada pelas situações jurfdicas subjetivas, a qual permite atrair a disciplina jurfdica aplicável ao caso concreto que melhor se amolde às suas peculiaridades. Do ponto de vista funcional, deve-se diferenciar as situações patrimoniais das existenciais, fundadas em lógicas valorativas diversas, justificando tratamento unitário dispensado às situações jurfdicas patrimoniais conforme proposto pelo Prof. Perlingieri. Sendo assim, a cláusula geral de boa-fé objetiva deve se aplicar a todas as situações jurídicas patrimoniais - contratuais - , não se restringindo à órbita dos contratantes contratuais ou extra- 95 Aliás, diverso não se mostra o entendimento dos tribunais pátrios que admitem a aplicação do princípio da boa-fé objetiva às relações extracontratuais, como se colhe da seguinte decisão: "Processual Civil. Civil. Hecurso Especial. Pré-questionamento. Condomínio. Área comum. Utilização. Exclusividade. Circunstâncias concretas. Uso prolongado. Autorização dos condôminos. Condições físicas de acesso. Expectativa dos proprietários. Princípio da boa-fé objetiva. O Hecurso Especial carece de pré-questionamento quando a questão federal suscitada não foi debatida no acórdão recorrido. Diante das circunstâncias pré-contratual é porventura o exemplo mais significativo" (Teoria da confiança e responsabilidade civil. Coimbra: Almedina, 2004, p. 431-432). 94 Neste sentido, Humberto THEODORO JÚNIOR restringe a aplicação do princfpio da boa-fé objetiva aos contratos em oposição à função social que permitiria a projeção de efeitos contratuais na sociedade (O contrato e sua função social, cit., p. 29-30). 95 Conforme leciona Pietro PERLlNGIERI, "as cláusulas gerais de lealdade e de diligência (arts. 1.175 e 1.176 Cód. Civ.) não se referem exclusivamente às situações creditórias e à noção de adimplemento, mas tem relevilncia geral" (Perfis do direito civil: introdução ao direito civil constitucional, cit., p. 202). A CONFERÊNCIA DE RECONHECIMENTO DE TEXTO (OCR) NÃO FOI REALIZADA. e PESQUISA REALIZADA PELO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. É PROIBIDA A REPRODUÇÃO OU A TRANSMISSÃO, CONFORME LEI DE DIREITOS AUTORAIS. RTDC • VDL. 30 • ABR/JUN 2007 concretas dos autos, nos quais os proprietários de duas unidades condominiais fazem uso exclusivo de área de propriedade comum, que há mais de 30 anos só eram utilizadas pelos moradores das referidas unidades, pois eram os únicos com acesso ao local, e estavam autorizados por Assembléia Condominial, tal situação deve ser mantida, por aplicação do princípio da boa-fé objetiva. 96 " Em sua aplicação extracontratual, a boa-fé objetiva, informada pelo princípio constitucional de solidariedade social, impõe aos terceiros o dever de respeito às situações jurídicas anteriormente constituídas das quais têm ciência, impedindo-os de colaborarem com o devedor ou de induzi-lo ao inadimplemento contratual, celebrando com ele contrato incompatível com situação jurídica já existente. Em outras palavras, do princípio da boa-fé objetiva . decorre a obrigação negativa (dever de abstenção) dos terceiros de não lesionarem o direito de crédito alheio de que têm conhecimento, preservando as obrigações previamente assumidas pelo devedor. 97 Como se vê, a fonte do dever de respeito imposto aos terceiros negativo de não interferirem no direito de crédito alheio - G traduzido no dever deflui da lei (boa-fé objetiva), não já do contrato, cujos deveres e direitos permanecem circunscritos à esfera dos contratantes. Verificada a violação a este dever legal de respeito, impõe-se a responsabilização do terceiro cúmplice pela prática de ato ilícito extracontratual. Daí afirmar-se que o princípio da boa-fé objetiva, informado pela solidariedade social, consiste no fundamento da responsabilização do terceiro que viola o direito de crédito alheio. A corroborar este entendimento, leciona Gustavo Tepedino que: 96 STJ, REsp. 356.821/RJ, 3a T., ReI. Min. Nancy Andrighi, julg. 23.4.2002. 4 a T., ReI. Min. Ruy Rosado de Aguiar, julg. 3.12.1996; TJDF, Ap. ReI. Des. Cruz Macedo, julg. 30.6.2005; e, TJRJ, Ap. crv. v., tb., STJ, REsp. 107.211, 20020110912155, 4 a Turma crv. 2006.001.34796, Crvel, 5a Cc, ReI. Des. Cristina Tereza Gaulia, julg. 15.8.2006. 97 Neste sentido, confira-se Patrrcia CARDOSO: "A boa-fé não se restringe à órbita contratual, impon- do-se também a terceiros. Em relação a terceiros, tal padrão de lealdade expressa-se como um comportamento objetivo a ser por estes seguido diante de contrato celebrado entre as partes, de modo que estes não podem comportar-se de modo a ignorar a celebração do contrato, surgindo para estes um dever de respeito aos negócios alheios, um atuar em conformidade com a boa-fé" (A posição do terçeiro no contrato: uma abordagem não dogmática. 2006. 211 f. Dissertação (Mestrado em Direito Civil) Faculdade de Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, p. 215). A CONFERÊNCIA DE RECONHECIMENTO DE TEXTO (OCR) NÃO FOI REALIZADA. PESQUISA REALIZADA PELO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. É PROIBIDA A REPRODUÇÃO OU A TRANSMISSÃO, CONFORME LEI DE DIREITOS AUTORAIS. RTDC • VOL. 30 • ABR/JUN 2007 [ ... ] O princípio da boa-fé objetiva, informado pela solidariedade constitucional, por não se limitar ao dominio do contrato, alcança todos os titulares de situações juridicas subjetivas patrimoniais, vinculando-os ao respeito de posições contratuais, suas ou de terceiros. Por isso mesmo, fundamenta-se na boa-fé objetiva a proteção do crédito em face de terceiros, não já no princípio da função social. 98 Repita-se ainda uma vez: o dever de abstenção que recai sobre terceiros advém da lei, mais especificamente da cláusula geral de boa-fé objetiva, informada pelo princípio da solidariedade constitucional, que se espraia por todas as situações juridicas subjetivas, contratuais ou extracontratuais, e não do contrato, de modo que os direitos e deveres contratuais não se estendem aos terceiros. Por isso mesmo, este dever legal de respeito que fundamenta a responsabilização do terceiro cúmplice não representa uma exceção ao princípio da relatividade dos contratos. Ao propósito, relembre-se que a doutrina clássica, sob o fundamento do princípio da relatividade, segundo o qual os efeitos (rectius, direitos e obrigações) provenientes do contrato atingem apenas as partes que consentiram na criação do vinculo obrigacional, concluia que tais efeitos não poderiam beneficiar, tampouco prejudicar terceiros. 99 Em outras palavras, de acordo com o princípio da relatividade, os específicos direitos e deveres decorrentes do contrato vinculam apenas os contratantes, e, portanto - concluem - , as obrigações con- tratuais não poderiam ser oponiveis a terceiros para quem o contrato era como se não existisse. Assim, sequer cogitavam da possibilidade de responsabilização do terceiro cúmplice. Entretanto, na legalidade constitucional, tal conclusão não mais se sustenta diante do dever legal de respeito às situações jurídicas previamente constitufdas imposto aos terceiros pela cláusula geral de boa-fé objetiva, informada pelo princípio constitucional de solidariedade social. Se assim é, o terceiro, uma vez ciente do direito de crédito alheio, tem o dever legal de respeitá-lo, sob pena de incorrer em ato ilícito. Verifica-se, portanto, que a idéia clássica de relatividade não pode servir de escudo para que os terceiros se comportem como se o contrato não existisse, contribuindo com o devedor ao inadimplemento contratual e permanecendo imunes à responsabilização. 98 TEPEDINO, Gustavo. Novos principias contratuais e a teoria da confiança: a exegese da cláusula to the best knowledge of the sellers, cit., p. 251, nota 14. ver elucidativa explicação de BACACHE-GILa Relativité des conventíons et les groupes des contrats. in Bibliotheque de Droit Privé, 99 Sobre esta concepção clássica, na doutrina estrangeira, BEIU, Mireille. dI., p. 84. A CONFERÊNCIA DE RECONHECIMENTO DE TEXTO (OCR) NÃO FOI REALIZADA. PESQUISA REALIZADA PELO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. É PROIBIDA A REPRODUÇÃO OU A TRANSMISSÃO, CONFORME LEI DE DIREITOS AUTORAIS. RTOC • VOL. 30 • ABRIJUN 2007 Note-se, contudo, que tal dever legal de respeito imposto pela boa-fé objetiva assumirá contornos especfficos de acordo com as peculiaridades do caso concreto que auxiliarão na determinação da responsabilidade civil do terceiro cúmplice. Dito de outro modo, este dever legal somente incidirá no caso concreto se estiverem presentes determinados pressupostos necessários à responsabilização do terceiro. Assim, para que se admita a responsabilidade do terceiro cúmplice impõe-se a análise da disciplina contratual e das circunstâncias de fato que autorizarão a aplicação deste dever legal de respeito ao caso concreto. Nesta esteira, também no momento da quantificação do dano pelo qual o terceiro cúmplice irá responder, o intérprete deverá analisar a disciplina contratual do qual se origina o crédito violado, investigando a responsabilidade do devedor no caso concreto. Ao se proceder ao confronto entre a responsabilidade do devedor e a do terceiro, em determinadas hipóteses, a exemplo dos contratos que estipulam cláusula penal compensatória, será possível adotar como parâmetro deveres contratuais assumidos pelo devedor, verificando-se, aí, certa relativização do princípio da relatividade. Entenda-se bem: a admissão da responsabilidade do terceiro cúmplice não representa, por si só, esmorecimento do princípio da relatividade, uma vez que resulta da violação de um dever legal. Entretanto, em determinados casos especfficos, para que a responsabilidade do terceiro não seja mais gravosa que a do próprio devedor, que se obrigou perante o credor - o que representaria verdadeiro contra-senso-, será possível ao intérprete utilizar como parâmetro algumas cláusulas constantes do contrato. E, então, nestes casos, o princfpio da relatividade restará mitigado. Assentado o fundamento da responsabilização do terceiro cúmplice na boa-fé objetiva, passa-se, a seguir, a analisar a natureza desta responsabilidade - se contratual ou extracontratual -; os requisitos deste dever de reparar; a problemática da cláusula penal; a interpretação do art. 608 do Código Civil; e, por fim, de forma sintética, as decisões paradigmáticas sobre o tema, aqui e alhures, ilustrando os seus atuais contornos na jurisprudência pátria. 3. NATUREZA DA RESPONSABILIDADE CIVIL DO TERCEIRO ClIMPLlCE. REQUISITOS PARA A CONFIGURAÇÃO DO DEVER DE REPARAR. O PROBLEMA DA CLÁUSULA PENAL INTERPRETAÇÃO DO ART. 608 DO CÓDIGO CIVIL PRECEDENTES JUDICIAIS Admitida a responsabilidade civil do terceiro cúmplice, surge acalorado debate doutrinário acerca de sua natureza - se contratual ou extracontratual- lO O, embora majoritaria- 100 Ao propósito da distinção entre responsabilidade contratual e extracontratual, confira-se a crftica de A CONFERÊNCIA DE RECONHECIMENTO DE TEXTO (OCR) NÃO FOI REALIZADA. PESQUISA REALIZADA PELO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. É PROIBIDA A REPRODUÇÃO OU A TRANSMISSÃO, CONFORME LEI DE DIREITOS AUTORAIS. RTDC • VOL. 30 • ABR/JUN 2007 mente defenda-se a responsabilidade extracontratual. Tal conclusão dependerá, a evidência, do fundamento que se adote para embasar dita responsabilização. Para os adeptos da aludida teoria da oponibilidade dos contratos, de origem francesa, a responsabilidade do terceiro cúmplice é extracontratual. Como se disse, a oponibilidade decorre do reconhecimento de que o contrato é um fato social e, como tal, existe em face de terceiros, que devem, por isso mesmo, respeitá-lo. Tal dever de respeito não representaria exceção ao princípio da relatividade dos contratos, pois que não se confundiria com os direitos e deveres especfficos decorrentes do negócio (efeitos internos do contrato) - os quais permaneceriam circunscritos aos contratantes - , mas, antes, se imporia em razão da existência do contrato em sociedade. Assim, o fato de o contrato vincular diretamente apenas os contratantes não significa que o direito de crédito dele proveniente não seja oponfvel a 1 1 terceiros. 0 Ou, como afirmou Savatier, a obrigação vincula somente o devedor, no sentido de que os terceiros não são obrigados a qualquer ato positivo de execução; entretanto, se eles não estão pessoalmente obrigados, também não estão autorizados a causar delitualmente prejufzos ao credor. 102 Deste modo, se o terceiro viola o direito de crédito alheio, celebrando com o devedor contrato incompatível com a obrigação por este anteriormente assumida, não o fará na qualidade de devedor, pois não assumiu obrigação contratual frente ao credor, não podendo, portanto, ser responsabilizado contratualmente. Daí buscar-se o fundamento da responsabilidade do terceiro cúmplice na oponibilidade dos contratos, de natureza aquiliana. Assim, a responsabilidade delitual do terceiro será invocada para completar a responsabilidade contratual do devedor, com vistas a evitar que haja um vácuo por onde o ilícito possa impunemente passar. 103 Gustavo TEPEDINO acerca da dicotomia, in A responsabilidade civil por acidentes de consumo na ótica civil-constitucional. In: Temas de direito civil, dI., p. 268. 101 A respeito do significado do princfpio da relatividade, na concepção francesa da teoria da oponibi- lidade dos contratos, v. WEIL, Alex et TERRt:, François. Droit civil: les obligations. 12. ed. Paris: Dalloz, 1975, p. 579-580. 102 SAVATIER, M. RENt. Le prétendu principe de I'effêt relatif des contrats. In: Revue Trimestrielle de Droit Civil. Paris: Dalloz-Sirey, 1934, p. 541. 103 SAVATIER, M. René. Le prétendu principe de I'effêt relatif des contrats. In: Revue Trimestrielle de Droit Civil, 1934, p. 541-542. Em defesa da responsabilidade extracontratual do terceiro, v. CALASTRENG, Simone. La relativité des conventions: étude de I'article 1165 du Code Civil, cit., p. 334; LALOU, Henri. A CONFERÊNCIA DE RECONHECIMENTO DE TEXTO (OCR) NÃO FOI REALIZADA. PESQUISA REALIZADA PELO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. É PROIBIDA A REPRODUÇÃO OU A TRANSMISSÃO, CONFORME LEI DE DIREITOS AUTORAIS. RTOC • VOl. 30 • ABR/JUN 2007 Da mesma forma, os que sustentam a eficácia externa ou reflexa das obrigações defendem a natureza extracontratual da responsabilidade do terceiro cúmplice. Na mesma linha de raciocfnio, afirmam que apenas o devedor está adstrito ao dever de prestar, de cuja violação decorre a responsabilidade contratual, não já o terceiro, que, ao não observar um dever geral de respeito ao direito de crédito alheio, proveniente da eficácia externa das obrigações, incorre em responsabilidade aquiliana. Em outras palavras, a violação de um dever geral de abstenção que irradia do direito de crédito enquanto direito subjetivo importa em responsabilidade extracontratual do terceiro. Como esclarece E. Santos Júnior: "A responsabilidade de terceiro, sendo subjectiva, é, só pode ser, delítual ou aquílíana. Uma asserção em que somos hoje praticamente acompanhados por todos quantos defendem a responsabilidade civil de terceiro por lesão do crédito. De facto, a responsabilidade de terceiros não é nem pode ser uma responsabilidade contratual, porque o terceiro não está adstrito a qualquer dever de prestar, que apenas incumbe ao devedor, o sujeito passivo da relação obrigacional, apenas este podendo, pois, incorrer em responsabilidade contratual. A responsabilidade de terceiro é responsabilidade delitual ou aquiliana, por isso que resulta da violação de um dever geral de abstenção, que irradia do direito de crédito mesmo, enquanto direito subjectivo (ainda que esse dever geral de respeito haja de concretizar-se na esfera jurfdica do terceiro de que se trate, nem por isso se estabelece qualquer relação entre o terceiro e o credor). 104" Por outro lado, minoritariamente, alguns autores se filiam à responsabilidade contratual do terceiro cúmplice. Neste sentido, Demogue afirma que o terceiro, ao ajudar o devedor a descumprir o contrato quando dele tem conhecimento, adere a este contrato e, por esta razão, deve ser responsabilizado contratualmente. 105 H. Mazeaud, por sua vez, sustenta que a responsabilidade do terceiro e do devedor seriam extracontratuais. A responsabilidade delitual do terceiro cúmplice mudaria a natureza da responsabilidade do autor principal do dano que se tornaria também delitual. Tal enten- Tráité pratique de la responsabilité cMle. 6. ed. par Pierre Azard. Paris, 1962, p. 449-451); e, WEIL, Alex et TERRt, François. Droit civil: les obligations, cit., p. 582. 104 SANTOS JÚNIOR, E. Da responsabilidade civil de terceiro por lesão do direito de crédito, cit., p. 501. 105 DEMOGUE, René. Traité des oblígations en general, 11. Effets des oblígations, cit., p. 599-600. A CONFERÊNCIA DE RECONHECIMENTO DE TEXTO (OCR) NÃO FOI REALIZADA. PESQUISA REALIZADA PELO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. É PROIBIDA A REPRODUÇÃO OU A TRANSMISSÃO, CONFORME LEI DE DIREITOS AUTORAIS. RTDC • VOL. 30 • ABRIJUN 2.007 dimento estaria de acordo com os princípios de direito penal e permitiria a responsabilidade solidária entre o devedor e o terceiro pois que esta só poderia existir na hipótese de culpa extracontratual. 106 De outra parte, esclareça-se que ao se sustentar a responsabilidade do terceiro cúmplice com base no abuso de direito, está-se a afirmar que, embora o terceiro pratique ato lícito ao celebrar com o devedor contrato incompatrvel com obrigação preexistente, tal conduta gera prejulzos ao credor que devem ser ressarcidos. Assim, com vistas a reparar os danos provenientes da violação do direito de crédito invoca-se a figura do abuso de direito que não se enquadra na classificação, própria para os atos ilicitos, de responsabilidade contratual ou extracontratual. Na verdade, como já se assentou, a responsabilidade do terceiro cúmplice resulta da violação do dever legal de respeito às situações jurídicas preexistentes das quais tem conhecimento imposto pela cláusula geral de boa-fé objetiva informada pelo princípio constitucional de solidariedade social. não já de deveres contratuais. Ou seja: a fonte de seu dever de reparar é a lei e não o contrato. Ora, a infração a este dever legal, como a de qualquer outro, pressupõe culpa e importa na prática de ato ilícito extracontratual pelo terceiro, 107 albergada pela cláusula geral de responsabilidade civil subjetiva prevista no caput do art. 927 do Código Civil. 108 Assim, ao lado da pretensão de reparação dirigida em face do devedor, fundada no ilícito contratual, o credor prejudicado será titular de outra pretensão contra o terceiro que contratou com o devedor em afronta ao seu direito de crédito, baseada no ilicito extracontratual. Portanto, de um mesrno fato, qual seja, a celebração de contrato incornpatível corn a obrigação preexistente, advirá dupla responsabilidade, a títulos distintos: a do devedor 106 MAZEAUD, H. Responsabilite civile délictuelle et responsabilité contractuelle. In: Revue Trimestrielle de Droit Civil. Paris: Dalloz, 1929, p. 609-610. 107 Com efeito, José Aguiar DIAS esclarece que a responsabilidade fundada na culpa contratual e extracontratual se difere na "natureza do direito violado. Na primeira, é dentro do contrato cuja existência precisa ser demonstrada, que se deve 'buscar, encontrar e precisar o direito violado pelo devedor'. Na culpa extracontratual, essa indagação se dirige ao direito positivo. [ ... ] Culpa, em sentido amplo, existe em todo ato ilfcito que lese o direito alheio, e a culpa se classifica em contratual ou extracontratual, conforme a fonte de que promana este direito" (Da responsabilidade civil, 11. ed. rev. e atual. por Rui Berford Dias. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 160). 108 "Art. 927. Aquele que, por ato ilrcito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo" . A CONFERÊNCIA DE RECONHECIMENTO DE TEXTO (OCR) NÃO FOI REALIZADA. PESQUISA REALIZADA PELO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. É PROIBIDA A REPRODUÇÃO OU A TRANSMISSÃO, CONFORME LEI DE DIREITOS AUTORAIS. RTDC • VDt. 30 • ABR/JUN 2007 (contratual), por não adimplir a prestação, e a do terceiro (extracontratual), por cooperar ou induzir o devedor ao inadimplemento. Sendo assim, devedor e terceiro serão ambos responsáveis pela lesão do crédito, dar decorrendo obrigação subjetivamente complexa de reparar 1 os preJurzos causados ao credor. 09 Dito diversamente, o devedor será autor e o terceiro co-autor da lesão do direito de crédito alheio,110 respondendo solidariamente pelos danos provocados ao credor, a teor do que dispõe o parágrafo único do art. 942 do Código Civil, in verbis: "São solidariamente responsáveis com os autores os co-autores e as pessoas designadas no art. 932". No que tange aos requisitos necessáriOS à configuração do dever de reparar do terceiro cúmplice, para além dos requisitos do ilfcito em geral, exige-se, em primeiro lugar, que o terceiro conheça o direito de crédito alheio, pois só então o dever geral de respeito às situações jurrdicas preexistentes se concretizará em sua esfera jurfdica, exigindo-se que se abstenha de nele interferir. 111 Nesta direçao, E. Santos Júnior afirma que por conhecimento do crédito deve-se entender o conhecimento dele na sua existência e configuraçao essencial. Vale dizer: li: 11:"0 109 Tal é a constatação de E. SANTOS JÚNIOR: "Há, pois, dois responsáveis perante o credor, a tftulos diferentes, mas ambos responsáveis: responsáveis, um, é certo, por não realizar a prestação, o outro por instigar ou auxiliar o devedor a não cumprir, normalmente celebrando com ele um contrato incompatfvel participe no mesmo acto lesivo; responsáveis, pela mesma lesão, a lesão do crédito. Estamos, pois, seguramente perante um concurso subjectivo e real (não aparente) de imputações de responsabilidade, perante uma complexidade subjectiva, que necessariamente cabe ser resolvida, pois o credor não pode ser duplamente ressarcido pelo com a satisfação do crédito anterior, mas, também assim, finalmente, mesmo dano, não lhe sendo possfvel exigir reparação a um dos responsáveis, se o outro houver reparado integralmente o dano, nada havendo então que indemnizar. O regime de tal obrigação subjectivamente complexa ou é o de parciariedade ou é o de solidariedade" (Da responsabilidade civil de terceiro por lesão do direito de crédito. cit., p. 555-556). Por outro lado, Luis DIEZ-PICAZO sustenta inexistir responsabilidade solidária entre o terceiro e o devedor, devendo-se, na verdade, considerar o ato de violação como um ato unitário, submetido a um regime também unitário de (Fundamentos dei derecho civil patrimonial: las relaciones obligatorias. cit., p. 606). conjunta do direito de crédito responsabilidade 110 Apesar da denominação terceiro cúmplice que remontaria, no direito penal, à figura do partfcipe que auxilia materialmente ou moralmente o autor do crime, o terceiro que celebra com o devedor contrato incompatfvel com situação jurídica preexistente deve ser considerado autor do ilreito civil. 111 SANTOS JÚNIOR, E. Da responsabilidade civil de terceiro por lesão do direito de crédito. eit., p. 485. Para René DEMOGUE bastaria que o terceiro pudesse saber da existência do direito de crédito alheio, não se lhe exigindo o conhecimento efetivo (Traité des obligations en general, 11. cit., p. 602) A CONFERÊNCIA DE RECONHECIMENTO DE TEXTO (OCR) NÃO FOI REALIZADA. Effets des obligations, PESQUISA REALIZADA PELO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. É PROIBIDA A REPRODUÇÃO OU A TRANSMISSÃO, CONFORME LEI DE DIREITOS AUTORAIS. RTOC • VOL. 30 • ABRIJUN 2007 não basta que o terceiro saiba quem é o credor do devedor, mas conheça minimamente o regulamento contratual até por força do principio da atipicidade dos créditos. Assim exemplifica que: "Se Afonso sabe que Bento é credor de Carlos, isso em nada limita a liberdade de Afonso contratar com Carlos, não há ai um verdadeiro conhecimento, para o efeito da efectivação da oponibilidade do crédito a Afonso, enquanto terceiro. Apenas se Afonso souber que o direito de crédito de Bento em relação a Carlos consiste, p. ex., no direito de exigir a Carlos que lhe venda a coisa x, que este lhe prometeu vender, é que uma limitação concreta existirá na esfera de Afonso: se se propunha a adquirir a Carlos aquela coisa, deverá, então, abster-se de o fazer, porque conhece o crédito de Bento - conhece-o na sua existência e configuração essencial __ e deve, o in concreto, abster-se de interferir com ele .112" Deste modo, preserva-se a distinção estrutural entre os direitos reais e os direitos de crédito, uma vez que o contrato não produzirá efeitos erga omnes, mas, ao contrário, restringirá seus efeitos às partes contratantes, já que o dever legal de respeito somente será exiglvel de terceiros nas hipóteses destes conhecerem o direito de crédito derivado do contrato ll3 üra, não seria razoável exigir de terceiros que conhecessem todos os contratos em vigor no mercado, o que significaria impor-lhes um ônus demasiadamente pesado, além de representar entrave ao desenvolvimento da vida econômica. Note-se que o conhecimento pelo terceiro do direito de crédito alheio se trata de uma questão de fato cujo ônus de provar incumbe ao credor. Além disso, o terceiro deve praticar um ato comissivo, isto é, auxiliar o devedor ou induzi-lo ao inadimplemento, celebrando com ele contrato incompatlvel com obrigação previamente assumida, não bastando que nada faça para impedir o devedor de violar o direito de crédito. 114 112 SANTOS JÚNIOR, E. Da responsabilidade civil de terceiro por lesão do direito de crédito, cit., p. 505, nota 1.729. 113 Nesta direção, v. CALASTRENG, Simone. La relativité des conventions: étude de I'article 1165 du Code Civil, cit., p. 332. 114 DEMOGUE, René. Traité des obligations en general, 11. Effets des obligations, cit., p. 601-602. A CONFERÊNCIA DE RECONHECIMENTO DE TEXTO (OCR) NÃO FOI REALIZADA. PESQUISA REALIZADA PELO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. É PROIBIDA A REPRODUÇÃO OU A TRANSMISSÃO, CONFORME LEI DE DIREITOS AUTORAIS. RTDC • VOL. 30 • ABRIJUN 2007 Por outro lado, a doutrina discute acerca da necessidade do elemento intencional do 115 agente, vale dizer, se haveria necessidade de o terceiro agir com dolo. A este respeito, E. Santos Júnior afirma que se o terceiro conhece o direito de crédito alheio, e, portanto, encontra-se, in concreto, adstrito ao dever de abster-se de com ele interferir, ao infringir este dever, estará agindo, necessariamente, com dolo, isto é, com a intenção ou consciência de lesar ° crédito alheio (como fim direto ou eventual de sua conduta).116 Entretanto, tal entendimento não colhe por duas ordens de razões. Em primeiro lugar, porque impõe à vítima prova diabólica no sentido de demonstrar a intenção de prejudicar do agente, o que equivaleria, na prátka, à impunidade do terceiro cúmplice e a conseqüente irreparabilidade do dano em inúmeras situações. Assim, estar-se-ia indo de encontro à mudança de foco da responsabilidade civil ocorrida no século XX, o qual se deslocou do agente causador do dano à necessidade de reparação mais ampla possível dos prejuízos sofridos pela vítima. De mais a mais, adotar esta posição significaria se distanciar da tendência contemporânea de objetivação da culpa que, cada vez mais, se afasta do conceito subjetivo de previsibilidade do resultado danoso e caminha na direção da idéia de violação a parâmetros l17 objetivos (standards) de conduta Deste modo, não se exige que o terceiro cúmplice aja com dolo, ou seja, com a intenção de prejudicar o credor, bastando apenas que conheça o crédito e a, despeito disso, celebre 118 com o devedor contrato incompatível com a obrigação por este previamente assumida. 115 Sobre esta problemática no direito italiano, cf. TEDESCHI, Guido. La tutela aquilíana dei creditare contro i terzi: con speciale riguardo ai diritto inglese. In: STUDI senesi in memoria di Ottorino Vannini. Milano: Giuffre, 1957, p. 302-304. 116 SANTOS JÚNIOR, E. Da responsabilidade civil de terceiro por lesão do direito de crédito, cit., p. 505. Francesco Donato BUSNELLI, por sua vez, sustenta a necessidade de o terceiro agir de má-fé para que seja responsabilizado (La lesione dei credito da parte di terzi. Milano: Dott. A. Giuffre editore, 1964, p. 257-258). Na mesma direção, M. René SAVATIER afirma que o terceiro que, mesmo tendo ciência do contrato celebra com o devedor negócio incompatlvel com o preexistente, age de má-fé, sem a necessidade da intenção de prejudicar para que se configure a responsabilidade do terceiro (Le prétendu principe de I'effét relatif des contrats, cit., p. 26). v., ainda, Pietro TRIMARCHI sustentando a necessidade da intenção de prejudicar do terceiro para sua responsabilização (lstituzioni di diritto priva to. Milano: Giuffre Editore, 1973, p. 98). 117 MORAES, Maria Celina Bodin de. Danos à pessoa humana: uma leitura civil-constitucional dos danos morais. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 209-217. 118 v., no sentido do texto, CARDOSO, Patricia. A posição do terceiro no contrato: uma abordagem não dogmática, cit., p. 220. A CONFERÊNCIA DE RECONHECIMENTO DE TEXTO (OCR) NÃO FOI REALIZADA. PESQUISA REALIZADA PELO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. É PROIBIDA A REPRODUÇÃO OU A TRANSMISSÃO, CONFORME LEI DE DIREITOS AUTORAIS. RTOC • VOlo 30 • ABRIJUN 2007 No que se refere à problemática da cláusula penal, discute-se se a responsabilização do terceiro cúmplice estaria atrelada à cláusula penal compensatória porventura pactuada entre credor e devedor. Em outras palavras, indaga-se se a responsabilidade do terceiro cúmplice está limitada ao quantum previsto na cláusula penal constante de contrato do qual não é parte. Com efeito, a cláusula penal corresponde ao dever específico assumido pelo devedor em caso de inadimplemento e que, por força do princípio da relatividade, a ele se restringe, não alcançando terceiros, os quais não anuíram na formação do vínculo contratual. Assim, em termos técnicos, não seria possível estender ao terceiro cúmplice a cláusula penal que, restrita às partes contratantes, obrigaria apenas o devedor. Estaria, portanto, o magistrado livre para fixar a indenização pela qual o terceiro iria responder, ao passo que o devedor teria sua responsabilidade limitada à cláusula penal. Tal solução, na hipótese em que os prejuízos se afigurassem superiores ao montante previsto na cláusula penal, representaria, a evidência, a imposição ao terceiro de responsabilidade mais gravosa do que a do próprio devedor, que se obrigou perante o credor, assumindo deveres contratuais específicos que justificam o estabelecimento de liame muito mais intenso com o credor. Isso porque o devedor responderia solidariamente com o terceiro pelo valor da cláusula penal (a qual contém o limite indenizatório a que se obrigou), e os prejuízos . 'd I . excedentes seriam ressarcI os pe o terceiro. 119 Para que se eVite 'esta . situação injusta, o intérprete deverá, diante do caso concreto, no momento da quantificação do danei pelo qual o terceiro cúmplice irá responder, adotar como parâ~etro os deveres contratuais assumidos pelo devedor. Dito diversamente, o juiz deverá analisar o regulamento contratual do qual se origina o crédito lesionado, investigando a responsabilidade do devedor, e, desta forma, proceder ao confronto entre esta e a que se pretende imputar ao terceiro. Assim, não será razoável admitir que o terceiro responda por valor superior ao limite estabelecido pela cláusula penal, que deverá consistir em parâmetro para sua responsabilização. Devedor e terceiro serão solidariamente responsáveis até o limite do valor comum pelo qual ambos irão responder. Note-se que a cláusula penal compensatória consiste na pré-fixação das perdas e danos sofridos pelo credor na hipótese de inadimplemento absoluto do devedor, o qual acarreta a perda de utilidade na manutenção do vínculo contratual. Assim, caso os prejuízos se mostrem 119 Esta é a solução defendida por SANTOS JÚNIOR, E. Da responsabilidade civil de terceiro por lesão do direito de crédito, dt., p. 560-562. A CONFERÊNCIA DE RECONHECIMENTO DE TEXTO (OCR) NÃO FOI REALIZADA. (81) PESQUISA REALIZADA PELO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. É PROIBIDA A REPRODUÇÃO OU A TRANSMISSÃO, CONFORME LEI DE DIREITOS AUTORAIS. RTDC • VOL. 30 • ABRJJUN 2007 superiores ao valor estipulado na cláusula penal, é vedado ao credor exigir indenizaçao suplementar, a menos que o contrato a preveja expressamente (Código Civil, art. 416, parágrafo único). Na presença de previsáo contratual, caberá ao credor provar o prejuízo excedente, valendo a cláusula penal como mínimo indenizatório. Nesta hipótese, o terceiro cúmplice poderá responder solidariamente com o devedor por valor inferior à cláusula penal, igual à cláusula penal, ou, até mesmo, pelos prejuízos excedentes, dependendo de sua participaçao, no caso concreto, na causaçao dos danos. O devedor, ao seu turno, responderá sempre pelo montante da cláusula penal mais os prejuízos excedentes comprovados pelo credor. Por outro lado, se os prejuízos sofridos pelo credor com o inadimplemento se revelarem inferiores ao valor pré-fixado na cláusula penal, o problema nao se coloca, na medida em que o devedor responderá pela cláusula penal, ao passo que o terceiro cúmplice será responsabilizado até o valor máximo dos prejuízos efetivamente sofridos. O prazo prescricional para que o credor exerça sua pretensão em face do devedor e do terceiro cúmplice é de três anos, nos termos do art. 206, §3°, V, do Código Civil, 120 a contar do momento da efetivação do dano. O Código C ivil brasileiro positivou, em seu art. 608,121 hipótese específica de atuação do terceiro cúmplice que induz o devedor a inadimplir o contrato de prestação de serviços celebrado com o credor-locador para com ele firmar negócio semelhante, incompatrvel, por isso mesmo, com a obrigação previamente assumida pelo devedor. Confira-se o teor do preceito legal: "Art. 608. Aquele que aliciar pessoas obrigadas em contrato escrito a prestar serviço a outrem pagará a este a importância que ao prestador de serviço, pelo ajuste desfeito, houvesse de caber durante dois anos." Como se vê, ao lado dos requisitos necessários à configuração da responsabilidade civil em geral e, em específico, do terceiro cúmplice, exige-se que o contrato de prestação de 120 "Art. 206. Prescreve: [".] § 3D • Em 3 (três) anos [".j V - a pretensão de reparação civil". 121 Tal preceito, embora tenha reduzido a indenização a ser paga ao locador de serviços, ampliou alcance do disposto no art. 1.235 do Código Civil de 1916, que se limitava à locação de serviços Qu,,~u,aJ," in verbis: "Art.1 .235, Aquele que aliciar pessoas obrigadas a outrem por locação de serviços "nrwo'.'r' haja ou não Instrumento deste contrato, pagará em dobro ao locatário prejudicado a importância, ao locador, pelo ajuste desfeito, houvesse de caber durante 4 (quatro) anos" . A CONFERÊNCIA DE RECONHECIMENTO DE TEXTO (OCR) NÃO FOI REALIZADA. PESQUISA REALIZADA PELO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. É PROIBIDA A REPRODUÇÃO OU A TRANSMISSÃO, CONFORME LEI DE DIREITOS AUTORAIS. RTDC • VOL. 30 • ABRIJUN 2007 serviços entre o locador (credor) e o locatário de serviços (devedor) seja escrito, de modo a constituir prova incontroversa do prévio vinculo contratual. 122 Além disso, o dispositivo determina que o terceiro cúmplice indenize o credor no valor que este último pagaria ao prestador de serviços, nos termos contratuais, pelo prazo de dois anos, tratando-se, portanto, de pré-fixação das perdas e danos. Entretanto, caso o credor demonstre que da lesão contratual provocada pelo terceiro cúmplice adveio prejuízo superior ao estabelecido em lei, poderá requerer a majoração deste montante. 123 Evidentemente que se tal hipótese não estivesse prevista em lei o terceiro seria, da mesma forma, responsabilizado, mediante a aplicação da cláusula geral de responsabilidade subjetiva prevista no caput do art. 927 do Código Civil. Hessalte-se que o dever geral de respeito às situações jurídicas anteriormente constituídas decorrente da cláusula geral de boa-fé objetiva constitui a ratio deste dispositivo, consagrando, mais uma vez, sua aplicação extracontratual. Além disso, como já referido, tal dever geral de respeito assumirá os seus contornos específicos diante das peculiaridades do caso concreto, que auxiliarão na determinação da responsabilidade civil do terceiro cúmplice. Assim, nesta hipótese do art. 608 do Código Civil, dever-se-á verificar, por exemplo, se do contrato anterior consta cláusula de exclusividade, se a prestação contratada é infungível, qual é o grau de especialização do locatário dos serviços, etc., e se o terceiro conhecia minimamente estas circunstâncias. Se o credor provar que o terceiro tinha ciência destes fatores e, ainda assim, contratou com o devedor, sem dúvida restará configurada a responsabilidade civil do terceiro cúmplice. Por outro lado, se não houver cláusula de exclusividade ou se o prestador de serviços contrata prestação fungível e mantém diversas contratações semelhantes simultaneamente, atendendo eficazmente a todos os seus credores, a celebração de contrato com terceiro não caracterizará o aliciamento da mão-de-obra apto a ensejar a responsabilidade civil do terceiro cúmplice .124 A temática da responsabilidade civil do terceiro cúmplice tem sido objeto de recorrente análise pela jurisprudência estrangeira. Na França, as aplicações mais freqüentes da respon- 122 TEPEDINO, Gustavo et alii. Código civil interpretado conforme a Constituição da República, v. 2, cit., p.339-340. 123 Neste sentido, TEPEDINO, Gustavo et alii. Código civil interpretado conforme a Constituição da República, v. 2, cit., p. 339-340. 124 Nesta direção, v. LOPEZ, Teresa Ancona. Comentários ao Código Civil. São Paulo: Editora Saraiva, 2003, v. 7, p. 237-240. A CONFERÊNCIA DE RECONHECIMENTO DE TEXTO (OCR) NÃO FOI REALIZADA. PESQUISA REALIZADA PELO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. É PROIBIDA A REPRODUÇÃO OU A TRANSMISSÃO, CONFORME LEI DE DIREITOS AUTORAIS. RTOC • VOl. 30 • ABRIJUN 2007 sabilidade civil do terceiro que, ciente do crédito alheio, se associa ao devedor na violação do contrato, têm ocorrido nos contratos de trabalho ou de prestação de serviços, em que o terceiro incita o empregado ou o operário a romper o contrato anteriormente firmado mediante o oferecimento de maiores salários, o se denominou de débauche de salarié; nas hipóteses de contratação de atores vinculados por cláusula de exclusividade à realização de determinado espetáculo (engagement théâtraD; nos casos de violação de restrições aos direitos do comprador pelo terceiro sub-adquirente, como, por exemplo, a infração à cláusula que fixa preço mlnimo de revenda (marchés commerciaux); e, ainda, a violação pelo terceiro de um pacto de preferência ou uma promessa de venda 125 Assim, de acordo com a jurisprudência francesa, toda pessoa que, ciente do contrato previamente existente, auxilia o devedor no descumprimento de suas obrigações contratuais, incorre em responsabilidade civil. 126 Em Portugal, embora a doutrina tenha desenvolvido amplamente o tema, a jurisprudência, segundo afirma E. Santos Júnior, é muito escassa e oscilante neste assunto, ora admitindo a responsabilidade civil do terceiro cúmplice, com base na eficácia externa das obrigações, ora rejeitando esta possibilidade sob os fundamentos da doutrina clássica. O autor traz à baila alguns precedentes, dentre os quais se destaca o caso em que os sócios de uma companhia celebraram acordo pelo qual se obrigaram a não vender ou, de qualquer modo, alienar as ações de que eram titulares sem dar preferência aos demais SÓCIOS. Estipularam, ainda, cláusula penal correspondente à metade do valor nominal da totalidade das ações de que o sócio faltoso fosse titular, a ser pago aos demais sócios. Na espécie, um dos sócios vendeu a terceiro um lote de suas ações sem obedecer ao direito de preferência estipulado na convenção. Restou demonstrado que o terceiro conhecia os termos do acordo e sabia que havia sido descumprido pelo sócio vendedor. Assim, o Supremo Tribunal de Justiça entendeu que o terceiro participou na violação do pacto de preferência, colaborando com o sócio vendedor 125 Sobre a matéria, veja-se Henri LALOU, que passa em revista Inumeras precedentes nas cortes (Tr'áité pratique de la responsabilité eivile, cit., p. Droit civil: les obligations, cit., p. 582. francesas que responsabilizaram o terceira cumplice 449-451). V tb. WEIL, Alex et TERRt, Françols. 126 V, neste sentido, os seguintes precedentes: Com. 11 oct. 1971: D. 1972. 120; 13 mars 1979: D. 1980. 1, note Serra; Com. 23 avr. 1985: BulI. Civ. IV, n. r 24 (terceiro cúmplice da violação de uma cláusula de não concorrência); Civ. 2e , 13 avr. 1972: D. 1972.440 (contrato de edição tendo por efeito privar o editor anterior de seu direito de preferência sobre a obra considerada); Com. 4 mai 1993. BulI. Civ. IV, n. 164 (terceiro cúmplice de violação de uma garantia de evicção). A CONFERÊNCIA DE RECONHECIMENTO DE TEXTO (OCR) NÃO FOI REALIZADA. PESQUISA REALIZADA PELO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. É PROIBIDA A REPRODUÇÃO OU A TRANSMISSÃO, CONFORME LEI DE DIREITOS AUTORAIS. RTDC • VOL. 30 • ABR/JUN 2007 no menosprezo do direito de preferência contratado, sendo condenado a reconhecer o direito de preferência dos autores e a entregar-lhes as ações mediante o pagamento do preço pelo qual o sócio réu lhe vendera. O devedor, por sua vez, foi condenado ao pagamento da cláusula penal. Embora o tribunal tenha reconhecido a eficácia externa das obrigações e a responsabilidade do terceiro cúmplice, não condenou o terceiro interferente em qualquer indenização .,' pecunlana. 127 Na Itália, por sua vez, a tutela aquiliana do crédito passou a ser admitida pela jurisprudência a partir do /eading case Meroni, na década de 70, que embora não trate especificamente da atuação do terceiro cúmplice por meio da celebração de contrato incompatível com a obrigação previamente assumida pelo devedor, versa sobre figura análoga: a da interferência ou ação de terceiro sobre a vida do próprio devedor, em lesão aos direitos do credor. Tal precedente mudou a orientação da jurisprudência italiana ao admitir a extensão dos efeitos obrigacionais a terceiros que não figuravam como parte no contrato, com base na responsabilidade aquiliana estabelecida pelo art. 2.043 do Código Civil italiano. No caso, o jogador de futebol Luigi Meroni, do Torino Cálcio, foi morto num acidente de avião, em 15 de outubro de 1967, iniciando-se, então, processo criminal contra Attilio Romero por homicfdio culposo. A Sociedade Torino Cálcio ingressou com uma ação contra Attilio Romero perante o Tribunal de Turim requerendo, caso este fosse condenado no juízo criminal, reparação pelos danos sofridos em decorrência da morte do seu jogador Meroni. O Tribunal de Cassação, em acórdão de 26 de janeiro de 1971, admitiu, em tese, a lesão do direito de crédito por terceiros e, na espécie, reconheceu a possibilidade de o dano causado pela morte do jogador à sociedade Torino Calcio ser direto e imediato, desde que a perda do jogador fosse irreparável e definitiva, isto é, restasse demonstrado não ser possível substituir o jogador por outro equivalente em condições iguais ou menos onerosas. Não obstante o juízo de reenvio tenha rejeitado a pretensão da sociedade Torino Cálcio ao aplicar o critério definido pelo Tribunal de Cassação, este precedente consagrou, na jurisprudência italiana, a possibilidade de responsabilização do terceiro pela lesão ao direito de crédito alheio. 128 127 Para o aprofundamento da matéria, ver SANTOS JÚNIOR, E. Da responsabilidade civil de terceiro por lesão do direito de crédito, cit., p. 424-436. 128 Corte di Cassazione, sezioni unite, sentenza 26 gennaio 1971 n. 174; PRESo Stella Richter, EST. Ridola, P. M. Tavolaro (concl. parz. diff.); S.p.a. Torino calcio (Avv. Sequi, Grande Stevens, Manassero, Nicolo) Romero (Avv. Contaldi, Zola, Zenari). A CONFERÊNCIA DE RECONHECIMENTO DE TEXTO (OCR) NÃO FOI REALIZADA. c. CD> PESQUISA REALIZADA PELO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. É PROIBIDA A REPRODUÇÃO OU A TRANSMISSÃO, CONFORME LEI DE DIREITOS AUTORAIS. RTDC • VDL. 30 • ABRIJUN 2007 Por outro lado, no direito anglo-saxão, a lesão contratual provocada pelo terceiro cúmplice é há muito discutida e desenvolvida pelos tribunais, sendo, em concepção mais restrita, originalmente denominada tort of inducing breach of contract, e hoje conhecida como tortof interference with contractual relations. O primeiro precedente judicial na matéria consistiu no leading case Lumley v. Gye. No caso, Joahnna Wagner, cantora de ópera, celebrou contrato com o empresário teatral Benjamin Lumley, mediante o qual se obrigou a cantar em seu teatro Her Majesty's Theatre of London, pelo período de três meses, em regime de exclusividade. Entretanto, o empresário rival de Lumley, Frederick Gye, proprietário do Royal Italian Opera, conhecendo este acordo, aliciou Wagner oferecendo-lhe maior quantia para que fosse cantar em seu teatro, deixando de cantar no teatro de Lumley, em violação à cláusula de exclusividade. Diante disso, Lumley obteve uma injuction que proibia Wagner de cantar no teatro de Gye. Contudo, Wagner, ainda assim, não quis cantar no teatro de Lumley, o qual, então, ingressou com uma ação de perdas e danos em face de Gye, sustentando que este teria, maliciosamente, induzido Wagner a descumprir o contrato e, posteriormente, a recusar-se a cumpri-lo, a despeito da injuction. Lumley ganhou a demanda e Gye foi condenado a indenizá-lo. 129 Posteriormente, após crescente evolução jurisprudencial na matéria, surgiu o célebre caso Pennzoil v. Texaco, na década de 80. De forma sintética, em 2 de janeiro de 1984, a Pennzoil, com vistas a adquirir reservas de petróleo, celebrou com os principais acionistas da Getty Oil um Memorando de Entendimento o qual dispunha que a Pennzoil iria adquirir 43% das ações da Getty Oil, pelo preço de US$ 110,00 cada, e Gordon P. Getty ficaria com 57%. O acordo foi anunciado ao público dois dias depois por meio de uma nota à imprensa, embora as partes continuassem as negociações. Em 5 de janeiro, representantes dos dois principais acionistas da Getty Oil, Gordon P. Getty e J. Paul Getty Museum, iniciaram negociações secretas com a Texaco para que esta adquirisse a companhia Getty Oil mediante o pagamento de US$ 128,00 por ação. No dia seguinte, foi publicada nota na imprensa anunciando que a Texaco teria assinado um acordo com os acionistas da Getty Oil para a compra da companhia. Assim, em 8 de fevereiro de 1984, a Pennzoil ingressou com uma ação contra a Texaco perante a Harris County Oistrict Court, em Houston, Texas, requerendo indenização compensatória de 7,53 bilhões de dólares, punitive damages e juros, com base no tort of induction breach of contract, isto é, alegando que a Texaco, maliciosamente, teria induzido o devedor a romper 129 Lumley v. Gye. Queen's Beach. 1853. 2 E. & B. 216; 118 E. R. 749; 22 L.J.Q.B. 463. A CONFERÊNCIA DE RECONHECIMENTO DE TEXTO (OCR) NÃO FOI REALIZADA. PESQUISA REALIZADA PELO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. É PROIBIDA A REPRODUÇÃO OU A TRANSMISSÃO, CONFORME LEI DE DIREITOS AUTORAIS. RTDC • VOl. 30 • ABRIJUN 2007 o contrato de venda de ações que seria celebrado com a Pennzoil. A Corte julgou procedente o pedido, condenando a Texaco em 7,53 bilhões de dólares a titulo de indenização compensatória, 3 bilhões de dólares pelos punitive damages e 600 milhões de dólares de juros. Ao final, as partes chegaram a um acordo pelo qual a Texaco pagaria a Pennzoil a quantia de 3 bilhões de dólares. 130 No Brasil, a doutrina dedicou poucas linhas à temática da responsabilidade civil do terceiro cúmplice, e, os tribunais, por via reflexa, não se pronunciaram sobre a matéria até o presente momento, embora tenham enfrentado dois famosos casos, de repercussão nacional, que, em tese, configurariam hipótese de lesão contratual pelo terceiro cúmplice. No primeiro deles, o conhecido cantor Zeca Pagodinho foi contratado, em setembro de 2003, pela companhia Schincariol, para ser "garoto-propaganda" da campanha publicitária de lançamento de sua nova marca de cerveja, a Nova Schin, levada a cabo pela empresa Fisher América Comunicação Total Ltda. Acordou-se que o cantor se obrigaria a participar de duas campanhas da referida cerveja, tendo o contrato duração até setembro de 2004. No instrumento contratual figuraram como partes, de um lado, Zeca Pagodinho e, de outro, Fisher América e AII-E Esportes e Entretenimento Ltda. Pouco tempo depois, quando a campanha de lançamento ainda estava sendo veiculada, o cantor foi contratado pela agência publicitária Africa São Paulo Publicidade Ltda., representada pelo publicitário Nizan Mansur de Carvalho Guanaes Gomes, a pedido da Ambev, para estrear na publicidade da cerveja concorrente Brahma. Assim, em março de 2004, fez uma estréia surpresa em comercial da Brahma no qual insinuava que esta seria a sua marca preferida. l3l Em seguida, a empresa publicitária Fischer América e AII-E Esportes e Entretenimento Ltda. ingressaram com uma ação perante a justiça do Estado de São Paulo em face da Africa São Paulo Publicidade Ltda. e de Nizan Mansur. Em primeiro grau, preliminarmente, entendeu-se que Nizan Mansur era parte ilegftima para figurar no pólo passivo da demanda por ter praticado atos apenas em nome da Africa. No mérito, considerou-se que a Ré Africa teria se utilizado do recurso da propaganda comparativa, admitido pelo mercado publicitário, mas de forma exagerada e depreciativa, contrariando o disposto no Código Brasileiro de Auto-Regulamentação da Publicidade que, 130 Pennzoil Company v 7exaco, Inc., 107 s.et. 1519, 1522-1524 (1987). 131 No comerciai da Brahma, o cantor afirmava: "Fui provar outro sabor, eu sei, mas não largo meu amor, voltei" . A CONFERÊNCIA DE RECONHECIMENTO DE TEXTO (OCR) NÃO FOI REALIZADA. PESQUISA REALIZADA PELO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. É PROIBIDA A REPRODUÇÃO OU A TRANSMISSÃO, CONFORME LEI DE DIREITOS AUTORAIS. RTDC • VOl. 30 • ABR/JUN 2007 2 em seu art. 32, autoriza o recurso desde que respeitados os limites por ele fixadosl3 Além disso, teria violado a alínea "f" do artigo referido, pois a propaganda comparativa caracterizou concorrência desleal, denegrimento à imagem do produto ou à marca de outra empresa, ao se utilizar de personagem central da campanha da Schincariol, e transmitir a idéia de que o consumo do produto divulgado pela Schincariol foi apenas passageiro, de modo a impedir a veiculação de propaganda da Schincariol. Invocou-se, ainda, o artigo 209 da Lei de Propriedade Industrial que admite a reparação civil para os "atos de concorrência desleal não previstos nesta Lei, tendentes a prejudicar a reputação ou os negócios alheios". Assim, entendeu-se que "houve a prática de uma conduta ilícita ao contratar o personagem central da campanha divulgada pela autora, rompendo o contrato celebrado, além de ter feito comparações de caráter subjetivo com a finalidade de denegrir a imagem do produto divulgado pela autora" .133 O juízo de primeiro grau, portanto, condenou a Ré África em danos materiais, em favor da Fischer América, em valor a ser apurado em liquidação de sentença, correspondente às quantias pagas pela Schincariol à Fischer América em decorrência da veiculação do primeiro comercial, considerados devidos em razão da interrupção de sua primeira campanha e da impossibilidade de veicular a segunda campanha contratualmente prevista; em danos morais, no valor de I~$ 500.000,00 (quinhentos mil reais), em favor da Fischer América, e de R$ 100.000,00 (cem mil reais) para AII-E Esportes pela divulgação dos nomes das autoras no mercado publicitário ligados ao incidente, com grande repercussão. 132 "Ar!. 32. Tendo em vista as modernas tendências mundiais -- e atendidas as normas pertinentes do Código da Propriedade Industrial (Lei n° 5.772, de 21 de dezembro de 1971) - a publiCidade comparativa será aceita, contanto que respeite os seguintes princlpios e limites: a) seu objetivo maior seja o esclarecimento, se não mesmo a defesa do consumidor; b) tenha por principio básico a objetividade na comparação, posto que dados subjetivos, de fundo psicológico ou emocional n[lo constituem uma base válida de comparação perante o Consumidor; c) a comparação alegada ou realizada seja paóslvel de comprovação; d) em se tratando de bens de consumo e comparação seja feita com modelos fabricados no mesmo ano, sendo condenável o confronto entre produtos de épocas difelentes, a menos que se trate de referência para demonstrar evolução, o que, nesse caso, deve ser caracterizado; e) não se estabeleça confusão entre produtos e marcas concorrentes; t) não se caracterize concorrência desleal, denegrimento à imagem do produto ou à marca de outra empresa; g) não se utilize injustificadamente a imagem corporativa ou o prestfgio de terceiros; h) quando se fizer urna comparação entre produtos cujo preço não é de igual nfvel, tal circunstancia deve ser claramente indicada pelo anúncio". 133 Proc. n. 583.00.2004.039608-6, 9' Vara Cfvel do Fórum Central Clvel João Mendes Júnior - SP, julg. 13.5.2005. A CONFERÊNCIA DE RECONHECIMENTO DE TEXTO (OCR) NÃO FOI REALIZADA. PESQUISA REALIZADA PELO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. É PROIBIDA A REPRODUÇÃO OU A TRANSMISSÃO, CONFORME LEI DE DIREITOS AUTORAIS. RTDC • VDL. 30 • ABRIJUN 2007 Embora a juíza não tenha cogitado da teoria do terceiro cúmplice para justificar a condenação, afirmou que "a ré estava ciente da existência de um contrato vinculando o cantor Zeca Pagodinho e ainda assim optou por contratá-lo, motivo pelo qual o valor nele estabelecido deve ser utilizado como parâmetro para a indenização pelos danos morais". Ou seja, o juízo de primeiro grau condenou o terceiro pela prática de ilícito civil, invocando um dos requisitos para a responsabilização do terceiro cúmplice, qual seja, o conhecimento do vínculo contratual anterior, e adotando como parâmetro para a indenização dos danos sofridos pelas autoras o valor contratualmente estabelecido com a Schincariol pela atuação do cantor. Outro célebre caso também submetido à justiça do Estado de São Paulo se refere à violação de cláusula de exclusividade pactuada entre determinada distribuidora de petróleo e seus postos revendedores provocada por terceiros distribuidores que interferem nesta relação contratual comercializando seus produtos com os postos revendedores publicamente identificados como postos de serviços desta distribuidora de petróleo especffica. 134 A distri- buidora prejudicada ingressou com ação objetivando impedir que terceiros distribuidores vendessem, fornecessem ou realizassem qualquer tipo de comercialização de produtos combustíveis, derivados ou não de petróleo, para empresas que ostentassem sua marca, em violação ao seu direito de propriedade industrial e a configurar prática de concorrência desleal. O Tribunal de Justiça de São Paulo proferiu decisão assim ementada: "Propriedade industrial. Marca e concorrência desleal. Distribuidora de combustfveis que coloca seu produto no mercado consumidor valendo-se da estrutura mercadológica e da marca alheia. Violação do direito caracterizado. Indenização cabível. Apuração em liquidação da sentença por arbitramento. Caracteriza-se violação de marca e concorrência desleal o ato de distribuidora de combustfvel de colocar no mercado consumidor o seu produto utilizando-se de estrutura de mercado e da marca de outra, pois além de poupar investimentos na construção de uma rede de escoamento de seu produto ao consumo final, que reflete em um custo menor de produção, confunde e engana o consumidor, que acredita estar adquirindo um produto de uma marca, 134 Este caso foi objeto de estudo especffico de AZEVEDO, Antônio Junqueira de. Princfpios do novo direito contratual e desregulamentação do mercado. Direito de exclusividade nas relações contratuais de fornecimento. função social do contrato e responsabilidade aquiliana do terceiro que contribui para o inadimplemento contratual, cit. A CONFERÊNCIA DE RECONHECIMENTO DE TEXTO (OCR) NÃO FOI REALIZADA. PESQUISA REALIZADA PELO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. É PROIBIDA A REPRODUÇÃO OU A TRANSMISSÃO, CONFORME LEI DE DIREITOS AUTORAIS. RTOC • VOl. 30 • ABR/JUN 2007 quando adquire um produto de marca não identificada. Essa atuação em nada se ajusta ao princípio da livre concorrência prevista no art. 170, IV, da Constituição da República, que não compreende uma liberdade desvinculada da ética, sem respeito ao consumIdor. Caracterizada a violação, dela decorre os prejuízos da autora, que deixou de vender à sua rede a quantidade que a este foi vendida pela ré, impondo-se a composição dos prejuízos, segundo o critério estabelecido no art. 210, I e 11, da Lei 9.279/96, a ser apurado em liquidação por arbitramento. o Tribunal 135n entendeu que a distribuidora que interfere na relação contratual alheia da qual tem conhecimento comercializando combustíveis com postos revendedores vinculados a distribuidor específico por cláusula de exclusividade comete ato ilícito, devendo, por isso mesmo, reparar os prejulzos causados ao credor. Os fundamentos da decisão se restringiram à violação da marca da autora e à prática de ato de concorrência desleal, além de se consignar que a conduta censurada violava a expectativa do consumidor de estar adquirindo produto de determinada marca, não se invocando, portanto, a doutrina do terceiro cúmplice. Assim, o Tribunal condenou as Rés a ressarcirem às autoras os prejulzos causados, adotando como critério para os lucros cessantes os beneficios que o prejudicado teria auferido se a violação não tivesse ocorrido e os beneficios que foram auferidos pelo autor da violação do direito. 136 Como se vê, os casos acima referidos, submetidos aos tribunais brasileiros, envolvem a atuação do terceiro cúmplice, que interfere na relação contratual alheia lesando o direito de 135 TJSP. Ap. Cfv. 130981.4/4 - Araraquara, ReI. Des. I~uiter Oliva, julg. 8.2.2000. 136 Confira-se interessante passagem da decisão: "Esse modo empresarial de agir não revela uma concorrência marcada pela lealdade. Pelo contrário, a deslealdade é manifesta. Com efeito, incide na censura ética a busca de um progresso à custa do esforço e do empenho alheio [ ... J Há, inegavelmente, uma violação à marca da autora, e um ato de concorrência desleal. Essa é uma conduta illcita, porque a ré conscientemente age de modo a colocar no mercado consumidor, economizando custos, um produto seu e mais barato, ciente que armazenado em recipiente que contém marca legItima da autora, sendo esta a responsável, perante o consumidor, pela qualidade desse produto [ ... J A ré fornecendo combustfvels às empresas vinculadas às bandeiras 'Ipiranga' e 'Atlantic' redUZIU as vendas da autora, o que é bastante para revelar a perda económica, ou os lucros cessantes. E, esses lucros, no caso concreto, hão de ser determinados pelo critério mais favorável ao prejudicado, dentre os seguintes: I - os benefIcios que o prejudicado teria auferido se a violação não tivesse ocorrido; 11- os benefIcIos que foram auferidos pelo autor da violação do direito (art. 210, da Lei n. 9.279/96)" (TJSP. Ap. Clv. 130981.4/4 Des. Ruiter Oliva, julg. 8.2.2000). A CONFERÊNCIA DE RECONHECIMENTO DE TEXTO (OCR) NÃO FOI REALIZADA. Araraquara, HeI. PESQUISA REALIZADA PELO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. É PROIBIDA A REPRODUÇÃO OU A TRANSMISSÃO, CONFORME LEI DE DIREITOS AUTORAIS. RTDC • VOl. 30 • ABR/JUN 2007 crédito de outrem. Embora os tribunais tenham admitido a prática de ato ilícito pelo terceiro, não se manifestaram a respeito da doutnna do terceiro cúmplice, limitando-se a invocar outros fundamentos para lastrear a decisão. Assim, a despeito da interferência illcita de terceiros nas relações contratuais em ao direito de crédito alheio violação revelar-se freqüente no exercício da atividade econômica, o tema, no Brasil, ainda carece de grande desenvolvimento teórico e prático com vistas a garantir a efetividade do instituto. PAULA GRECO BANDEIRA Mestranda em Direito Civil -- UERJ. Advogada. , '. ,I A CONFERÊNCIA DE RECONHECIMENTO DE TEXTO (OCR) NÃO FOI REALIZADA.