Valorização do local: a meta dos grupos midiáticos é o lucro, não a cidadania Eula Dantas Taveira Cabral Fazer parte da sociedade, auxiliando-a e buscando seus direitos e deveres são bandeiras da sociedade civil, porém, será que os grupos midiáticos têm a mesma meta ou preocupação? Com a globalização1, os representantes dos países tentaram impor um idioma e moeda comuns, além da cultura “única”, universal. Porém, os acordos impostos acabaram causando espanto e reação nas populações locais. A preocupação, então, voltou-se para o local. Pois, saber que um acontecimento no exterior pode influenciar o dia-a-dia de quem está longe, levou as pessoas a se preocuparem mais com o lugar no qual estavam inseridas. Inclusive, a cultura, que vinha se transformando. Com a divulgação na mídia e a busca de inserção no mercado, passou a ser vista como uma forma de manutenção das raízes. No caso dos meios de comunicação, imaginava-se que a mídia se voltaria mais para as questões internacionais, porém, como se verificou que as pessoas passaram a valorizar mais o local, os investimentos se direcionaram para o que o público se interessava. Vejamos o caso do Brasil, um país com uma população de 184.529.0722, conforme dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, e uma área territorial de 8.511.965 km2. Seu território divide-se em cinco grandes regiões com realidades distintas e culturas bem diversificadas: Norte, com uma cultura amazônica, misturando desenvolvimento industrial, costumes indígenas e preservação do meio ambiente; Centro-Oeste, com uma cultura de cerrado e pantaneira, levando em consideração, ainda, o Distrito Federal com Brasília, o centro de poder político; Nordeste, com culturas distintas do sertão e do litoral, mistura de um povo sofrido, que folcloriza suas desgraças para divertir visitantes; Sudeste e Sul, com culturas diversificadas influenciadas pelos imigrantes, investimentos industriais e um clima mais frio. Assim, com uma diversidade cultural marcante, em cada canto do país são desenvolvidas estratégias para manutenção de seus costumes, em meio a um emaranhado de realidades. Ao mesmo tempo em que o governo propõe alternativas econômicas e políticas ao povo, turistas vêm ao encontro desse modo distinto, seduzidos por suas diversificações e particularidades. A estratégia dos grupos midiáticos se voltou para atender às necessidades locais. Incorporaram, inclusive, formatos e linguagens dos veículos de comunicação comunitários, tornando-se parceiros das comunidades e da população em geral, que passou a questionar desde o buraco da rua até o aumento das contas, legitimando as iniciativas diante de sua capacidade de assumir a reivindicação por melhores políticas públicas. 1 Fenômeno que surgiu no século XIX, mas que se consolidou no século XX, graças às novas tecnologias e a circulação de produtos no mercado internacional, influenciando a economia e a política dos países. 2 Disponível em <www.ibge.gov.br/home/disseminacao/online/popclock/popclock.php>. Em 1998, por exemplo, de acordo com a revista Meio e Mensagem nº829, a Rede Globo passou a investir nas afiliadas do interior de São Paulo e Minas Gerais, aumentando o espaço para a programação local. Investiram na infra-estrutura dos departamentos de jornalismo e comercial para que as emissoras ficassem mais locais. Tudo começou em abril de 1995. As primeiras mudanças puderam ser percebidas no espaço local do jornal SP Um em Bauru, São José dos Campos, São José do Rio Preto e Sorocaba que era gerado da capital. Neste ano, a Globo mexeu também em sua programação, criando programas que atingem as pessoas das mais diversas regiões como o Globo Comunitário. Além disso, os grupos de mídia regionais foram se fortalecendo, ganhando mais credibilidade da população. A regionalização passou, então, a ocupar um lugar de destaque na mídia globalizada. Por exemplo, o Anuário de Mídia 98/99 - Norte/Nordeste/CentroOeste (p.11) constatou que as regiões brasileiras “estão se desenvolvendo economicamente, evoluindo no perfil de compras, investindo na mídia e atraindo diversos setores da produção com oportunidades de negócio”. Assim, os grandes empresários da mídia descobriram que o grande filão é o grupo regional, investindo no local. Os que já tinham suas redes criadas e o público definido, investiram, também, em TV por assinatura, como fez a Rede Brasil Sul (RBS) no dia 15 de maio de 1995 com o lançamento da TVCOM, em Porto Alegre, considerada por Nelson Hoineff (1996, p.98) a primeira experiência no Brasil de uma TV comunitária paga. No caso do Rio de Janeiro, além dos veículos comunitários de comunicação e de grupos regionais, os conglomerados nacionais de mídia organizaram sua programação, dando lugar à regionalização. A Rede Globo, por exemplo, exibe na cidade do Rio de Janeiro um jornal local, em três horários, às 6h30, 12h e 18h, difundindo notícias da cidade e da Baixada, discutindo e buscando “soluções” para problemas enfrentados pelos moradores (que telefonam ou enviam emails propondo pautas), além dos eventos culturais. Os concorrentes diretos – Bandeirantes, Record e Rede TV, também seguem a mesma linha, porém, além do jornal, abrem espaço para programas de entretenimento, em busca do cidadão fluminense. Mesmo com tantas mudanças, não se deve ignorar que há uma ligação entre os grupos nacionais, regionais e locais, formando oligopólios no país. Algo proibido na Constituição Brasileira (1988) e no Código Brasileiro de Telecomunicações (1962). Realidade essa que, inclusive, é analisada por CAPARELLI e LIMA (2004), que verificaram que o domínio da radiodifusão brasileira, por exemplo, pertence a três grupos nacionais (Rede Globo, Bandeirantes e SBT) e a cinco regionais (RBS, na região Sul; Organizações Jaime Câmara (OJC), no Centro-Oeste; Rede Amazônica de Rádio e Televisão (RART), na Região Norte; Zahran, no Estado do Mato Grosso; e Verdes Mares, no Nordeste). A Rede Globo, por exemplo, com afiliadas em todo o país, retransmite sua programação para 99,84% dos 5.043 municípios brasileiros. Uma programação que abre mão, no máximo, de 20% para programas locais e regionais, pois, como justificam, os custos da programação são “altos”, tendo, ainda, como desafio oferecer conteúdo interessante com qualidade técnica e profissional, voltada para a comunidade. Diante disso, é utópico imaginar que os grupos midiáticos estão tentando suprir as necessidades da população com a programação local. A apropriação dos formatos e linguagens dos veículos comunitários se deve à busca de se conquistar um público que não tem mais tanto interesse em programas genéricos e gerais. Os conteúdos dos veículos de comunicação não têm como meta a cidadania, eles só entram em pauta porque a tendência à valorização do local hoje dá lucro. Assim, cabe à academia e à sociedade estimular veículos midiáticos por parte da comunidade e não tapar os olhos para as estratégias dos conglomerados que tiram de cena a produção e os assuntos que realmente interessam a todos os cidadãos. 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