S.
R.
PROCURADORIA-GERAL DA REPÚBLICA
CONSELHO SUPERIOR DO MINISTÉRIO PÚBLICO
Ingressam Vªs Exªs no Ministério Público num momento em que preocupações e expectativas
se misturam.
Não obstante o equilíbrio que o Conselho Superior do Ministério Público tem imprimido à
gestão dos quadros, a situação do Ministério Público agravou-se.
Com a colocação de Vªs Exªs ficarão ainda por preencher algumas dezenas de comarcas.
Nenhuma gestão resiste à erosão do tempo quando a realidade obriga a substituir objectivos
por compromissos.
O crescimento das solicitações processuais associou-se à rigidez das respostas para produzir,
nomeadamente no domínio penal, dificuldades e bloqueios.
Os problemas não são recentes.
Publicado o Código de Processo Penal em 1987 e definido pelos órgãos de soberania um
ordenamento em que se colocavam justificadas esperanças, aguardava-se que fossem
proporcionados ao Ministério Público os instrumentos que se reconheceu estarem implícitos
no novo modelo.
O Código representava a superação da figura do juiz de instrução investigador. Mas, como
então profusamente se referiu, só poderia evitar-se a policialização da investigação se o
Ministério Público fosse dotado de meios que assegurassem a direcção efectiva do inquérito.
Não se tratava de uma política criminal rebelde à ideia democrática ou ao espírito do tempo,
tão ligada se mostrava a recomendações ou a princípios recorrentemente afirmados no
âmbito da Organização das Nações Unidas e do Conselho da Europa ou de sociedades
científicas tão insuspeitas quanto a Associação Internacional de Direito Criminal ou a
Fundação Penal e Penitenciária.
Eu próprio me senti encorajado para, na data da entrada em vigor do Código, em uma das
duas ou três conferências de imprensa que realizei no exercício do cargo, defender a validade
do modelo, apoiado em serviços e meios que, como me havia sido garantido, seriam
brevemente adjudicados.
O futuro se encarregaria de demonstrar que é temerário onerar bens incertos.
Os Departamentos de Investigação Criminal foram criados de forma arrastada e
invariavelmente por impulsos de auto-organização, tornando-se naturais as quebras de
racionalidade e os incidentes de percurso.
Dispondo, hoje, de centenas de magistrados e funcionários, continua a faltar-lhes
enquadramento administrativo e uma coerente estruturação. Pior que isso. Dez anos
passados, o Ministério Público vê-se obrigado a responder, nos processos, a arguições de
incompetência destes departamentos por "inexistência legal", o que, sendo juridicamente
improcedente, é singular no plano da sociologia das organizações e desprestigiante no do
respeito que a justiça deve a si própria.
Entretanto, o quadro de magistrados do Ministério Público foi sendo gradualmente
submergido pela evolução ocorrida no volume de processos, pontuada por um crescimento
exponencial em algumas áreas geográficas, especialmente metropolitanas.
O ordenamento judicial, os quadros de magistrados e os princípios de organização estão,
hoje, substancialmente desajustados.
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01-03-2011
PROCURADORIA-GERAL DA REPÚBLICA
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Evoco o passado porque ele se converterá inexoravelmente em pequena história, se tiver
conseguido preservar o essencial e abrir horizontes para o futuro.
O que creio sinceramente ter acontecido.
A experiência confirmou a validade das soluções e fortaleceu a nossa identidade institucional.
Em muitos casos, de que a Procuradoria-Geral da República, com a sua história de mais de
cento e sessenta anos, é exemplo, as instituições judiciárias portuguesas apresentam-se
como verdadeiramente percursoras do movimento europeu.
Alego em favor do passado, como gostaria que fosse entendido, porque me dá razão o facto,
nem sempre reconhecido, de, em vinte anos de democracia, termos sabido responder
satisfatoriamente a sucessivos choques, de que destaco o aumento do volume de processos,
o movimento reformador, o surto de terrorismo, a emergência da nova criminalidade e a
mediatização da justiça.
Contrariamente ao que sucedeu em alguns países em que se verificaram idênticos
fenómenos, a independência da justiça não tem sido posta em causa, a criminalidade foi
contida em níveis toleráveis e a opinião pública reconhece geralmente que é efectivo o
princípio de separação de poderes que define uma democracia bem equilibrada.
No momento em que a Assembleia da República debate propostas tão importantes como são
o Código de Processo Penal e o Estatuto do Ministério Público, estamos seguros de que as
soluções se conterão nos limites da ciência política cuja plasticidade se adequa às exigências
do interesse público e da ciência jurídica sem a qual a acção da justiça se deslegitima.
Para Vªs Exªs, Senhoras Magistradas e Senhores Magistrados, será estimulante saber que se
vão abrir perspectivas para um trabalho mais fecundo e profissionalmente menos
desgastante.
Quaisquer que sejam as soluções encontradas - como magistrados, cumpre-nos respeitar e
fazer respeitar as leis da República e preocuparmo-nos mais com as responsabilidades que
com os poderes - elas não irão concerteza desviar-se de uma ideia e de um contexto: a
melhor harmonização dos direitos, liberdades e garantias e a articulação com os grandes
princípios que orientam as tendências de reforma na União Europeia.
Sem termos de revisitar a ilha da Utopia pela mão de Rafael - o português torna-viagem - ,
não é ocioso que nos interroguemos sobre o valor e a consistência das nossas coisas, agora
que, nos países da União Europeia, se defende o sistema de justiça criminal português como
"terceira via" e o "Corpus Juris" que poderá vir a influenciar o processo penal europeu se diz
inspirado no nosso modelo.
No dia em que, pela primeira vez, passam os umbrais da casa comum, é-me grato transmitirlhes uma mensagem:
Que o vosso trabalho, o nosso trabalho, faça das leis que nos outorgarem um instrumento de
liberdade e de serviço!
Cunha Rodrigues
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intervenção do Conselheiro Procurador