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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
Luiz Antonio Sampaio Gouveia
Rejeição da medida provisória, conflito entre poderes e vácuo legislativo
MESTRADO EM DIREITO
SÃO PAULO
2010
1
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
Luiz Antonio Sampaio Gouveia
Rejeição da medida provisória, conflito entre poderes e vácuo legislativo
MESTRADO EM DIREITO
Dissertação
apresentada
à
Banca
Examinadora da Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo, como exigência
parcial para obtenção do título de
MESTRE em Direito, sob a orientação do
Professor Doutor Vidal Serrano Nunes
Junior.
SÃO PAULO
2010
2
Banca Examinadora
_____________________________________
_____________________________________
_____________________________________
3
AGRADECIMENTOS
À Nossa Senhora Conceição Aparecida, padroeira do Brasil, minha
madrinha.
Ao meu Professor Gofredo Teles, que rogo perdoar-me no recôndito de
nossas almas. De quem guardo a verdade capital de minha vida: O Direito começa
no coração dos homens.
À Dra. Eliana Mara Brossi, minha mulher, que motiva meus sonhos, com a
força do seu amor.
Para Inaldo, Tamires, Dona Sofia e, especialmente, Daniela, pela
compreensão e tolerância, substancialmente, pela ajuda.
A gentilíssima Maria Edith Camargo Ramos Salgretti, que me ajudou na
materialização e formatação deste trabalho, minha prima, no ancestral comum,
Fernão Camargo.
Ao Professor Luiz Alberto David Araujo, que muito me motivou.
Ao meu orientador, Professor Vidal Serrano Nunes Junior, pelo trato lhano e
orientação culta.
Ao Professor André Ramos Tavares, de quem provecto, poderia ser pai, mas
de quem quero descender no empenho pela Justiça Constitucional.
À Professora Maria Garcia pelo estímulo e exemplo de vida.
4
RESUMO
A medida provisória é ato do Executivo com força de lei, por dispositivo
constitucional. Como ordinariamente este Poder não tem competência legislativa e
por exprimir às vezes abuso disfuncional do Presidente da República quando invade
a competência do Legislativo, confronta estes Poderes. Em 120 dias de sua edição,
se o Congresso Nacional não a apreciar, convertendo-a em lei ou se a rejeitar, ela
perderá eficácia com efeitos ex tunc. As relações jurídicas consumadas sob sua
égide regulamentar-se-ão por decreto do Legislativo, editado em até 60 dias desses
eventos. Haverá vácuo legislativo de fato, até que o decreto legislativo seja editado.
Faltante esse, ela convalidar-se-á para disciplina das relações jurídicas que ensejou,
causando indagações sobre a constitucionalidade deste fenômeno. Para esta
pesquisa, foi necessário levantamento bibliográfico sobre o tema que, para além de
inúmeros livros, pautou-se por artigos e periódicos, arquivos de internet e
monografias, constantes na bibliografia do trabalho. Após definir sua natureza
jurídica e estudar histórico de suas origens, com incursões pelo Direito
Constitucional comparado, afirmando-se sua condição constitucional, analisa-se o
confronto de Poder motivado por ela. Propõe-se solução pelo controle concentrado
de constitucionalidade dos requisitos de habilitação das medidas provisórias.
Conclui-se impossível esse vácuo de direito e afirmando-se a inconstitucionalidade
da convalidação das medidas provisórias à falta desse decreto legislativo, pretendese que estas relações não mais dependam dele, devendo ser solucionadas pelo
Poder Judiciário.
Palavras-chaves: Inconstitucionalidade. Decreto Legislativo. Emenda Constitucional
nº 32. Conflito entre os Poderes. Vácuo Legislativo. Insegurança Jurídica. Direito
adquirido. Histórico da medida provisória.
5
ABSTRACT
The interim measure is an act of the Executive with force of law, by
constitutional provision. Since ordinarily this legislative power has no jurisdiction to
express and sometimes expresses dysfunctional abuse of the (Brazilian) President
when it invades the jurisdiction of the Legislature, it confronts these powers. Within
120 days of its issue, if Congress does not appreciate it converting it into law, or
rejects it, it loses its effectiveness with ex tunc effects. The legal relationship
consummated under its support will be regulated by decree of the Legislature, issued
within 60 days of these events. There will be legislative vacuum in fact, until the
legislative decree is issued. Missing this, it will validate to the discipline of the legal
relations
it
raised,
causing
questions
about
the
constitutionality
of
this
phenomenon. For this research, it was necessary literature on the subject that, in
addition to numerous books, was marked by articles and journals, internet files and
papers listed in the bibliography list of this work. After defining its juridical nature and
studying its historical origins, with forays into the comparative Constitutional Law,
claiming its constitutional condition, the clash of Power motivated by it is analyzed. A
solution is proposed by concentrated control of constitutionality of the qualification
requirements of provisional measures. It is impossible that void in law and claiming
the unconstitutionality of co validation of provisional measures due to the lack of
legislative decree, it is intended that these relations no longer depend on it and
should be resolved by the judiciary.
Keywords: Unconstitutionality. Legislative decree. Constitutional Amendment 32.
Conflict between the Powers. Legislative vacuum. Juridical Uncertainty. Vested right.
Interim measure history.
6
LISTA DE QUADROS
Quadro 1 - Medidas Provisórias anteriores à Emenda Constitucional nº 32, de
2001 ....................................................................................................189
Quadro 2 - Medidas Provisórias posteriores à Emenda Constitucional nº 32, de
2001 ....................................................................................................190
7
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ........................................................................................................ 11
1
ENFOQUE DE IDENTIDADE JURÍDICA ................................................... 13
1.1
Apresentação ............................................................................................ 13
1.2
Conceito .................................................................................................... 14
1.2.1
Um instrumento na evolução do princípio da separação do Poder ..... 14
1.2.2
Compreensão da medida provisória no contexto do princípio da
separação do Poder ................................................................................. 17
1.2.3
Um ato discricionário do Poder Executivo ............................................. 21
1.2.4
Controle judicial........................................................................................ 22
1.2.5
Institutos
e
espécies
normativas
assemelhadas
e
diferenças
específicas ................................................................................................ 24
1.2.5.1 Medida provisória e projeto de iniciativa do Presidente da República e seu
pedido de urgência para tramitação de projetos de lei no Congresso
Nacional...................................................................................................... 27
1.2.5.2 Medida provisória e lei delegada ................................................................ 28
1.2.5.3 Medida provisória e ato normativo de administração.................................. 32
1.2.6
Natureza jurídica ....................................................................................... 38
2
CONDIÇÃO DE VALIDADE ....................................................................... 45
2.1
O Pressuposto Elementar de Edição em Postura Doutrinária: a
irrupção de um estado de premência requerendo disciplina legal
instantânea ................................................................................................ 45
2.2
Requisitos Constitucionais Formais. A urgência e a relevância .......... 55
2.3
Requisitos Constitucionais Materiais ..................................................... 58
2.3.1
A
limitação
material
do
campo
das
medidas
provisórias
em
demarcação constitucional implícita e explícita .................................... 58
2.3.1.1 Panorama anterior à Emenda Constitucional nº 32, de 11 de setembro de
2001............................................................................................................ 58
2.3.1.2 Limitações materiais implícitas ................................................................... 59
2.3.1.3 Limitações materiais explícitas ................................................................... 60
2.3.1.4 Panorama posterior à Emenda Constitucional nº 32, de 11 de setembro de
2001............................................................................................................ 60
8
3
LINHAS CONSTITUCIONAIS E GERAIS DO PROCESSO LEGISLATIVO
DE APROVAÇÃO DA MEDIDA PROVISÓRIA .......................................... 62
3.1
Da Sede Constitucional do Processo Legislativo .................................. 62
3.2
Uma Questão de Legitimidade: do processo legislativo
Representativo .......................................................................................... 64
3.3
Dos Procedimentos do Processo Legislativo ........................................ 65
3.4
O Sincretismo do Processo Legislativo na Constituição Federal de
1988............................................................................................................ 67
3.5
A Medida Provisória enquanto Objeto de um Processo Peculiar
de Produção .............................................................................................. 68
3.6
Dispositivos de Disciplina do Processo de Conversão em Lei da Medida
Provisória .................................................................................................. 69
3.7
Dispositivos Constitucionais de Disciplina do Processo de Conversão
da Medida Provisória em Lei ................................................................... 70
3.8
A Disciplina do Processo Legislativo de Conversão em Lei da Medida
Provisória nos Termos da Resolução nº 1, de 8 de Maio de 2002 ........ 74
3.8.1
Procedimento de deflagração ................................................................. 74
3.8.2
Procedimento vestibular de preparação. Pareceres da Comissão Mista
do
Congresso
Nacional
de
admissibilidade
constitucional,
de
adequação financeira e orçamentária e de mérito................................. 74
3.8.3
Procedimento de deliberação .................................................................. 77
3.8.4
Procedimento de conclusão .................................................................... 80
4
PROCESSO HISTÓRICO DE CRIAÇÃO E DESENVOLVIMENTO DA
MEDIDA PROVISÓRIA .............................................................................. 82
4.1
Diretrizes da Narrativa .............................................................................. 82
4.2
A História da Organização do Poder....................................................... 82
4.3
Institutos Precursores da Medida Provisória ......................................... 83
4.4
Determinantes Históricas e Sociais para o Surgimento da Medida
Provisória .................................................................................................. 85
4.5
O Momento Histórico de Criação dos Instrumentos Legislativos do
Governo como Originados na Atividade Parlamentar ........................... 88
4.5.1
No contexto italiano do Estatuto Albertino ............................................ 89
4.5.2
No âmbito do Parlamento inglês ............................................................. 90
9
4.6
Referenciais Históricos da Medida Provisória em Outras Ordens
Constitucionais Contemporâneas........................................................... 91
4.7
A Medida Provisória e sua Matriz Histórica: o artigo 77 da Constituição
da República Italiana de 1948 .................................................................. 96
5
HISTÓRIA DA LEGISLATURA BRASILEIRA PELO PODER
EXECUTIVO ...............................................................................................103
5.1
A Medida Provisória na Constituição do Império ..................................103
5.2
O Decreto nas Rupturas Republicanas da Normalidade
Constitucional ...........................................................................................104
5.3
O Decreto-Lei na Carta de 37 ...................................................................106
5.4
O Decreto-Lei na Ditadura Militar de 1964 ..............................................107
5.5
O Decreto-Lei das Cartas de 1967 e 1969 ...............................................108
5.6
A Medida Provisória e Emenda Constitucional nº 32, de 11 de Setembro
de 2001 ......................................................................................................111
6
MEDIDA
PROVISÓRIA
UM
INSTRUMENTO
UNIVERSAL
DE
LEGISLAÇÃO DEMOCRÁTICA ................................................................121
7
MEDIDA PROVISÓRIA, UM INSTITUTO JURÍDICO DETURPADO A
PERFAZER CONFRONTO ENTRE OS PODERES...................................125
7.1
O Núcleo da Teoria de Montesquieu .......................................................127
7.2
A Flexibilidade do Sistema de Separação do Poder ..............................130
7.3
Novas Combinações para as Funções em que se Distribuem os
Encargos do Poder ...................................................................................131
7.4
O Que É e Qual a Razão de Ser para a Divisão do Poder .....................135
7.5
Sistema de Governo .................................................................................139
7.6
Parlamentarismo.......................................................................................145
7.7
Presidencialismo ......................................................................................148
7.8
Conceito de Conflito entre Poderes ........................................................152
7.9
O Fulcro do Conflito entre Poderes Ocasionado pela Medida Provisória
no Brasil ....................................................................................................155
7.10
O Controle de Constitucionalidade como Instrumento de Conciliação
do Conflito entre os Poderes, Resultante da Medida Provisória ..........161
7.11
A Cláusula Pétrea do Artigo 60, § 4º, inciso IV, da Constituição da
República Federativa do Brasil: a separação dos Poderes ..................171
10
8
CONSEQUÊNCIAS DA PERDA DE EFICÁCIA DA MEDIDA
PROVISÓRIA .............................................................................................178
8.1
Medida Provisória e Vácuo de Legislação .............................................183
8.2
Sobre o Vácuo de Legislação em um Sistema Jurídico ........................185
8.3
Da Disciplina das Relações Jurídicas Originárias das Medidas
Provisórias Faltas de Eficácia .................................................................188
8.4
Arremate ....................................................................................................194
CONCLUSÃO .........................................................................................................198
REFERÊNCIAS .......................................................................................................202
11
INTRODUÇÃO
Atualmente, a velocidade dos fatos no cenário social é superior em qualquer
circunstância à capacidade de agir dos que os devem disciplinar e em que eles se
consumam, gerando consequências as mais diversas e que se desdobram em
novos
fenômenos
carentes
de
regramento
normativo
em
sucessivo
desencadeamento de novas e inusitadas situações constantemente e em moto
contínuo.
Portanto, a medida provisória desafia os governos que se vêem limitados em
suas iniciativas caso a solução necessária desses problemas não encontre
instrumento apto de legislação que possa por sua eficácia estabelecer o efetivo
controle desses eventos e prevenir efeitos danosos acautelando-se contra prováveis
e inevitáveis prejuízos para toda coletividade que deles possam decorrer.
A interdependência dos sistemas sociais e econômicos exige que os
governos sejam dotados de instrumentos instantâneos e eficientes de legítima e
imediata defesa da ordem pública. Tomada essa em contexto abrangente de toda
ordem social e econômica, em escala mundial. Nessa, o imediatismo das
comunicações, a concatenação automática e instantânea das reações possíveis e
humanas em face de um só acontecimento, envolve todo o universo planetário. Em
fluxos incessantes de moedas e de capitais e em frenética dinâmica desencadeada
por repentinos e inesperados movimentos de mercados e de seqüelas de todo
gênero de desastres ecológicos ou conflagrações políticas que degeneradas em
confrontos militares expressos em sutis movimentos de guerrilhas com boicotes
terroristas, que comprometem todo um sistema mundial de atividades.
Basta que um ser humano aperte o botão. Que toque o dedo na tela de um
minúsculo aparelho eletrônico e pronto: ele se verá no centro de uma catástrofe em
qualquer ponto do universo. Sua reação a centenas e milhares de quilômetros do
epicentro do desastre, provocará ações no território do Estado em que ele vive
consequentemente e ante as quais, se os seus governos não dispuserem de
reagentes normativos imediatos para repor no leito da ordem as manifestações disso
resultantes, certamente o desgoverno se alastrará. Deixará o Estado sem cumprir
suas funções constitucionais, desamparando, assim, toda coletividade, que dele
12
espera, legal e constitucionalmente, amplo amparo, em regular estado de vigência
das liberdades, civis, públicas, sociais e coletivas, que não podem por isto cessar
simplesmente em prol da ordem em sua plena acepção.
Contudo, impossível pensar em qualquer instrumento de disciplina normativa
que possibilite aos governos ordenar as vicissitudes desses acontecimentos
inesperados e imprevisíveis. É de suma relevância que, em atenção aos reclamados
éticos e democráticos do constitucionalismo e em respeito aos essenciais e
constitucionalmente consagrados direitos fundamentais e dentro do sistema de
divisão de Poder, que maximiza a autenticidade da representação política, o
instrumento apto a tutelar tudo isso, possa corresponder aos desígnios da
sociedade. Muito mais: que ele se destine e seja aparelhado dentro de parâmetros
de consenso e de processo lídimos de produção consentida e assim constitucional
vigente da norma ordenadora e reordenante do sistema.
Nesse sentido e com tais preocupações e cuidados, é que a medida
provisória em um lento processo de evolução e urdidura histórica, jurídica e social
emana do contexto político, perfazendo-se instituto jurídico. O qual, além de apto e
autêntico, mostrou-se indispensável, dentro de uma ordem constitucional que se
pauta e inspira-se, ao menos, por teoria, no humanismo das declarações universais
de direitos do homem e do cidadão.
Preocupando-se em saber e avaliar a ética desse instituto constitucional - a
medida provisória - seu estudo foi multifacetado neste trabalho em inúmeros
aspectos de sua avaliação, desde suas remotas origens até seus processos de
fabricação, a fim de avaliar, em senso jurídico, a medida de sua correspondência
com tais valores e em face de tais necessidades de governança, bem como em
busca de um ideal de governabilidade constitucional e dentro destes objetivos a
introdução a este trabalho deve ser presidida pela fantasia de quem se vê em face
de um caleidoscópio de pensamentos em que afinal harmonizam-se a compreensão
e a liceidade constitucional da medida provisória em que pesem cuidados que se
deva ter para eliminar as rebarbas de inconstitucionalidade que em pontos
específicos de seu acontecer ainda a possam comprometer dentro de um sistema
político que deve ser necessariamente lídima expressão de uma Constituição, para
além de humana, contemporânea e justa.
13
1 ENFOQUE DE IDENTIDADE JURÍDICA
1.1 Apresentação
A medida provisória instituto jurídico disciplinado pela Constituição da
República Federativa do Brasil, é atribuição da competência privativa do Presidente
da República (artigo 84, inciso XXVI), compreendida em seu processo legislativo
constitucional (artigo 59, inciso V).
Consiste na faculdade de edição por ele de atos normativos, com força
temporária de lei, para disciplina de situações políticas, sociais e econômicas, em
casos de relevância e de urgência (artigo 62, caput, primeira parte), que exijam
pronta ação deste agente público, substituindo-se ao Poder Legislativo em situações
em que seja impossível a imediata e eficaz ação deste Poder, a quem, pela
Constituição, compete fazer a lei para regulá-los em prol do interesse público, de
forma ordinária.
Deve ser imediatamente submetida pela Presidência da República ao
Congresso Nacional, após sua edição (artigo 62, caput, última parte), para sua
discussão e conversão em lei, caso seja por ele aprovada.
Vigerá por 60 dias, da data de publicação de sua edição e caso o Congresso
Nacional não a aprecie neste prazo, poderá ser prorrogada por mais uma vez e
assim por mais outros 60 dias.
Perde eficácia, se rejeitada ou não for apreciada pelo Congresso Nacional,
nos seus primeiros 60 dias de vigência, não acontecendo sua prorrogação e em 120
dias da publicação de sua edição, se ela acontecer (artigo 62, §§ 3º e 7º).
Excepcionalmente estes atos normativos podem viger mesmo depois de
rejeitados ou não apreciados pelo Congresso Nacional, nestes prazos definidos pela
Constituição.
Em primeira hipótese, se o decreto legislativo, que regulamente as relações
jurídicas decorrentes de sua vigência (artigo 62, § 11) não for promulgado, pelo
Congresso Nacional, em até 60 dias, depois de suas rejeições ou não apreciações
(artigo 62, § 3º, in fine), por ele.
14
Em segunda, se for aprovado, também, pelo Congresso Nacional, projeto de
lei, que altere o seu texto original. Quando, então, vigerá até a conversão em lei
desse projeto (artigo 62, § 12), que o tiver alterado.
Por conseguinte – apesar destas duas hipóteses de vigência excepcional pode-se apresentar a medida provisória como um ato estatal normativo primário
porque fundada diretamente na Constituição e facultada ao Presidente da República
para legislar pessoalmente em casos de relevância e urgência, porquanto assim
autorizado a agir por dispositivo constitucional expresso, juridicamente dotada de
efeitos transitórios e precários, para viger com força de lei e eficácia temporária, por
até cento e vinte dias da publicação de sua edição e desde que, neste período,
depois de transcorrido sessenta dias desta publicação, ela seja prorrogada de novo
e mais uma vez, por igual período, de sessenta dias, somente continuando a valer e
ser eficaz como editada, se o Congresso Nacional, neste interregno, aprovar sua
conversão em lei definitivamente.
1.2 Conceito
1.2.1 Um instrumento na evolução do princípio da separação do Poder
Para José Afonso da Silva:
São, como se nota, [as medidas provisórias] medidas de lei (têm força de
lei) sujeitas a uma condição resolutiva, ou seja, sujeitas a perder sua
qualificação legal no prazo de 120 dias (art. 62, § 3º). Vale dizer, dentro
desse prazo perdem sua condição de medidas provisórias por uma das três
situações previstas no § 3º do art. 62: sua conversão em lei naquele prazo;
ou sua rejeição ou não se verificando nenhuma delas, a perda de sua
1
eficácia.
Para Celso Antonio Bandeira de Mello:
Medidas provisórias, como resultam das alterações introduzidas no art. 62 e
parágrafos, da Constituição, pela Emenda Constitucional 32, de 11.9.2001,
são providências (como próprio nome diz, provisórias) que o Presidente da
República poderá expedir, com ressalvas de certas matérias nas quais não
são admitidas, em casos de relevância e urgência, e que terão “força de lei”,
cuja eficácia, entretanto, será eliminada desde o início se o Congresso
Nacional, a quem serão imediatamente submetidas, não as converter em
1
SILVA, José Afonso da. Comentário contextual à Constituição. São Paulo: Malheiros, 2007. p.
451.
15
lei dentro do prazo – que não correrá durante o recesso parlamentar – de
2
120 dias contados a partir de sua publicação.
Mas não se pode esquecer que o elemento fundamental da conceituação de
medida provisória é o fato de ser ela em seu nascedouro um ato normativo primário,
cujo fundamento de validade posto diretamente na Constituição, exprime a
excepcionalidade da competência legislativa, que esta confere ao Presidente da
República, legitimando-o, para expedir atos com força de lei, em caráter precário e
concorrente com o Poder Legislativo.
Se não estivesse posta a competência do Presidente da República em legislar
por medida provisória, em sede constitucional, esta situação seria uma usurpação
por ele de funções do Poder Legislativo, o que por não ser funcional em termos
constitucionais, não seria juridicamente possível.
Imperioso por isto parece ser realçar esta peculiaridade da medida provisória,
a sua fundamentação direta na Constituição, que muitas conceituações dela não
enfocam, muito embora sejam elas suficientes, como as já referidas neste trabalho,
para a compreensão do instituto dadas as suas condições de eficácia, que a
conceituação de medida provisória construída por ele engloba, sem olvidar de
considerar a permissão constitucional para que o Presidente da República legisle
por medida provisória, que ele incorpora e os conceitos dela por ele citados, não.
Logo somente a sede da competência para edição da medida provisória
situada na Constituição, induz compreender de que forma o ato de um Poder, como
é o Poder Executivo, desprovido da atribuição constitucional para legislar, pode
expedir um mandado com força de lei, seja dizer, como se lei ele fosse, embora não
o seja, por ser dotado dos mesmos atributos de obrigatoriedade indistinta para todos
os cidadãos do Estado que a editou, contudo sem que tenha origem na iniciativa do
Poder apto para o exercício desta função de legislar, que é o Poder Legislativo.
Sem dúvida, desta exceção que a Constituição respalda que é o ato de uma
legislação por via extraordinária, por um Poder a quem dota de capacidade
extraordinária para legislar, é que resulta a marca indelével da medida provisória e
que está em ser um ato de Governo marcado pela excepcionalidade, que, por ser
2
MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 26ª ed. rev. ampl. e atual.
São Paulo: Malheiros, 2009. cap. II, p. 26.
16
assim, não pode ser abusivamente empregado, como é, somente podendo ser
usado nas hipóteses especialíssimas que a ensejam extraordinariamente para
situações de Governo que não sejam comuns, como autorizado pela Constituição.
Com isto, a autorização constitucional para o Poder Executivo legislar pela
medida provisória é a conditio sine qua non para a sua compreensão e, pois, para
conceituá-la, pelo menos a partir de um contexto das constituições centradas e
sustentadas na separação do Poder, como preleciona Alexandre Mariotti:
Cumpre sublinhar que, a menos que se prescinda inteiramente da
separação dos poderes como princípio constitucional, a produção pelo
Poder Executivo de atos normativos equiparados à lei de origem
parlamentar sempre será exceção, nunca regra. Em que pese a respeitável
opinião de autores como Loewestein e Bonavides, que o reputam
irremediavelmente ultrapassado, o princípio ainda é aceito pela
generalidade dos textos constitucionais contemporâneos. Nesse sentido,
escreve Biscaretti di Ruffia:
Hodiernamente, pode-se afirmar que, em todos os modernos Estados de
democracia clássica, a teoria da divisão dos poderes foi acolhida em
linhas genéricas.
Assim sendo, a legislação proveniente do Executivo sempre deverá apoiarse num título específico e determinado: conforme leciona Canotilho, “o
princípio da separação exige, a título principal, a correspondência entre o
órgão e a função e só admite exceções quando não for sacrificado o seu
núcleo essencial”. Esse título, ademais, deve ser positivo, não bastando a
3
simples omissão legislativa.
Concluindo reiteradamente:
A resistência à atividade legislativa do Poder Executivo normalmente
resultou na sua existência de fato, independente de autorização
constitucional. Pouco a pouco as Constituições passaram a admitir, em
determinadas circunstâncias, a produção de normas primárias pelo
Executivo. Preservada a separação de poderes, a legislação executiva
4
sempre será exceção, devendo decorrer de um título específico.
3
MARIOTTI, Alexandre. Medidas provisórias. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 25.
Ibid., p. 98.
4
17
1.2.2 Compreensão da medida provisória no contexto do princípio da
separação do Poder
Neste patamar as leis seriam abstratas e gerais, jamais particularizadas a
casos ou a situações específicas e sempre fabricadas pelo Poder Legislativo.
Entretanto, o constituinte de 1988 descentraliza a atividade legislativa em
atenção ao Estado Social, como Clèmerson Merlin Clève explica5:
A descentralização legislativa, este fenômeno que, no contexto do Estado
Social, vem-se desenvolvendo de uma maneira impressionante, consiste na
possibilidade de criação de atos normativos, sob forma de lei ou não, por
outros órgãos que não propriamente o Legislativo (neste passo
compreendido enquanto Plenário). Ou seja, consiste no exercício de uma
função legislativa definida quer seja do ponto de vista formal (forma de lei)
ou material (regulação heterônoma de interesses particulares – regra de
direito – ou regulação genérica e abstrata – norma geral).
Essa descentralização legislativa pode ser decorrente de delegação
legislativa ou de atribuição legislativa outorgada pelo Constituinte. Por outro
lado, a descentralização pode ser (i) interna, quando operada no próprio
seio do Legislativo, transferindo tarefas do Plenário para outros órgãos
internos, como as Comissões (ii), ou externa, quando se identifica com a
transferência (autorizada pelo Constituinte ou pelo Legislador) de tarefas do
Legislativo para órgãos situados na esfera funcional dos demais Poderes ou
diretamente para a sociedade.
Exemplo de descentralização é aquela prevista no art. 58, § 2º, da CF,
segundo a qual às Comissões cabe discutir e votar projeto de lei que
dispensar na forma do regimento, a competência do Plenário. Este
mecanismo procura racionalizar o Legislativo, favorecendo sua adaptação
às circunstâncias produzidas pela sociedade técnica e pelo Estado Social.
Especialização (preparo técnico) e celeridade são os objetivos perseguidos
pelo Legislativo descentralizado, de modo a não frustrar as expectativas
normativas sempre crescentes da sociedade contemporânea.
Ao lado desse procedimento descentralizado, outros procedimentos
centralizados, mas acelerados, foram sendo, cada vez mais, adotados pelos
Parlamentos, com o claro intuito de adaptar o mecanismo de deliberação
colegiada, típico dos Parlamentos, à exigência de eficácia e celeridade
imposta pelo mundo contemporâneo.
Desta maneira nem mesmo se admite mais rígida separação de funções para
o Poder, cujo escopo é a realização plena do bem comum, portanto, das políticas
públicas e das metas e objetivos do Estado e cujos diferentes ramos de Poder têm
cada um deles atualmente incumbências que outrora eram prerrogativas de ação
exclusivas, separadamente, de um e de outro deles, de sorte que ao Poder
Judiciário, hoje, incumbe editar seus regimentos com força de lei, por exemplo, e ao
5
CLÈVE, Clèmerson Merlin. Atividade legislativa do Poder Executivo no Estado contemporâneo
e na Constituição de 1988. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993. p. 78-79.
18
Poder Legislativo decidir administrativamente, em situações de seu peculiar
interesse, não sendo o Poder Executivo, assim, o único que assume, pelas
circunstâncias do momento, funções de caráter legislativo.
Com o Estado Social, aumentaram as funções exercidas pelo Poder
Público. O Executivo passa a controlar quase que a totalidade das novas
funções recentemente conquistadas pelo Estado. Não é por outra razão que
“reconhece-se, hoje, como fato incontroverso que o Poder Executivo
cresceu em vários sentidos, e, com isso, assumiu uma força política e
jurídica preponderante em relação aos outros poderes”. Nesse tipo de
Estado, duas variáveis simultâneas se manifestam. Em primeiro lugar, a
função legislativa atua como jamais atuou. O número de leis aumenta
consideravelmente. Por outro lado, o Estado passa a atuar cada vez mais
por meio de outros mecanismos jurídicos que não a lei. O Estado Social é
igualmente um Estado Administrativo. O Executivo maneja o dinheiro,
executa serviços, constrói obras públicas, controla o câmbio e a emissão de
moeda, oferece títulos públicos para arrecadar fundos ou para controlar a
economia, fiscaliza as instituições bancárias, financeiras, de seguros, os
fundos de pensão, oferece créditos subsidiados a esta ou àquela atividade
econômica, cria empresas estatais, nacionaliza empreendimentos ou
privatiza atividades do Estado, vigia o mercado acionário, promove
campanhas de vacinação compulsória ou de prevenção de doenças
epidêmicas. Ou seja, o Estado age, hoje, mais por meio da administração
(atos administrativos e contratos administrativos) do que propriamente por
meio da lei, embora esta seja, hoje, mais utilizada que antes, tendo, por
6
isso, sofrido um processo de relativa banalização.
Assim, a complexidade das relações sociais postas em face de um plexo
diversificado de problemas, aguçou a vocação pública do próprio legislador, por
exemplo, e de outro bordo, também, como fizera com o Executivo, que transformara
em excepcional fautor da lei, para atendimento de insólitas necessidades que
atualmente o atarantam, alargou-lhe a competência enquanto poder.
Este aguçamento levou-o a tratar de particularidades, que antes não eram
objeto de sua atenção. Passou de uma ação produtora de uma legislação abstrata e
geral, para uma ação que se perfaz em uma legislação particularizada e concreta.
Veio mesmo ele, Poder Legislativo, disciplinar casos e situações específicas
em minúcias e como a administrá-las estivesse e como se fosse ele o próprio Poder
Executivo, a quem incumbe a administração das coisas públicas.7
6
CLÈVE, Clèmerson Merlin. Atividade legislativa do Poder Executivo no Estado contemporâneo
e na Constituição de 1988. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993. p. 29-30.
7
A primeira posição é logo a de Forstshoff, acompanhada por Menger e Ballerstedt, para quem a
característica essencial das leis de medida era serem leis de escopo (Zweckgesetze), orientadas
para uma finalidade concreta. As leis de medida são disciplinas de acção, havendo
correspondência objetiva entre o escopo e os meios de acção, contidos na própria lei. Sob o ponto
de vista da garantia dos cidadãos e da estrutura do poder político, as leis-medida representariam
uma invasão da autonomia do poder executivo, violando o princípio da separação dos poderes.
19
Haveria na hipótese, das leis produzidas nestas circunstâncias, uma incursão
do Legislativo na seara do Executivo, por via de leis que se denominam leis medidas
porque elas corporificariam ações para resolução de problemas específicos em
tempo adequado à solução deles e, pois, com proveito e utilidade para todos.
Isto porque a lei não seria a ação, mas, sim, um preceito, uma orientação, um
programa para a ação, que o Legislativo direciona aos particulares e ao Executivo
também e para eles ajam, em sua conformidade.
Porque é a estes sujeitos – os particulares e o Executivo - que cabe
particularizar em casos específicos a premissa geral que a lei previu, concretizandoa e realizando o mandamento de seu texto em situações próprias em que os fatos
possam ser subsumidos ao mandado legal, no contexto social.
De onde viria o atributo de abstração que a lei ostenta, o qual uma vez
perdido, pode desnaturá-la em sua substância enquanto espécie normativa geral e
abstrata8, para deixar de ser lei, no momento em que ela particulariza o objeto da
legislação ou a finalidade geral e abrangente de seu escopo para dispor sobre
situações particularizadas e específicas, que intente resolver.
Assim como a medida provisória é uma intervenção do Poder Executivo na
seara do Poder Legislativo, as leis medidas9 seriam incursões do Poder Legislativo
no campo de atuação do Poder Executivo, como é a inevitável evolução do Poder
Público que pretenda ser conseqüente.10
Daqui derivaria o perigo de uma maior desprotecção dos particulares dada a maior dificuldade do
controlo da lei que dos atos administrativos (CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito Constitucional e
Teoria da Constituição. Coimbra: Almedina, 2003. p. 718).
8
A lei é, pois, geral quanto a sua origem e quanto ao seu objeto e estatui abstractamente para os
assuntos da comunidade (Ibid., p. 714).
9
Mas as leis-medida (Massnahmengesetze, leggi-provvedimento) estão ligadas à complexidade
cada vez maior da vida hodierna e à sua aceleração, ao alargamento das tarefas do Estado e à
diversidade de veículos de comunicação entre a sociedade e o poder. São leis de intervenções em
situações concretas para precisos efeitos e que traduzem, pois, em medidas ou providências
dirigidas à resolução destes ou daqueles problemas em tempo útil; ou, numa fórmula conhecida, leis
em que actio dir-se-ia suplantar a ractio ou constitutio (MIRANDA, Jorge. Manual de Direito
Constitucional. Coimbra: Coimbra, 2004. Tomo V, p. 136).
10
A distinção de Schmitt é posteriormente aproveitada por Forshoff que, partindo da constatação das
indesmentíveis transformações sociais políticas ocorridas depois da 1ª Guerra Mundial, considera
inevitável a adopção por parte do legislador, de medidas legais destinadas a resolver problemas
concretos, econômicos e sociais. Não se trata já do legislador extraordinário de Schmitt, mas do
legislador ordinário forçado a emanar leis, cujo escopo não é o de criarem uma ordem geral, justa e
racional, mas o de realizarem elas mesmas uma utilidade concreta. Estas leis nascidas de situações
de necessidades, estão numa relação lógica com estas necessidades; há uma conexão evidente
20
Vê-se, por consequência, que o senso de medida é o de ação particularizada.
Não de uma prescrição geral, como é a lei.
Mas de uma ação que é uma providência.
De algo que se destina a solucionar um problema específico e a fazer sua
solução.
Imediatamente e sem delongas, porque necessária a solução dele sob pena
de prejuízo latente, de reparação difícil ou impossível, para toda a coletividade, do
dano que ele lhe possa causar, se houver demora ou perigo no agir do administrador
que o legislador quer ser e o Presidente da República é.
Neste sentido medida equivale a ação.11
Logo, se ação é o que denomina a atividade do Poder Executivo, onde se lê
medida provisória com força de lei, leia-se, ação provisória do Poder Executivo com
força de lei e até porque ela é inspirada no Direito Italiano, em que provvedimenti
provvisori con forza di legge se pode traduzir como provisão provisória com força de
lei, em senso de que na provisão esteja uma preventiva ação contra um risco ou
contra um desastre que somente a ação concomitante e política, com respaldo
jurídico na força de lei, do Presidente da República a par e passo com seu florescer
e desenvolvimento, é que os pode evitar e com sua solução encaminhada para o
bem comum.
entre escopo e meio de realizar desse escopo (CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito Constitucional e
Teoria da Constituição. Coimbra: Almedina, 2003. p. 718).
11
A distinção entre lei e medida surge com C. Schmitt quando este autor, ao analisar o poder do
presidente do Reich para decretar ordenanças com valor de lei, nos termos do art. 48, nº 2, da
Constituição de Weimar, enunciou a tese de que as disposições do legislador extraordinário
(Presidente do Reich) ratione necessitatis eram medidas substancialmente diferentes das leis do
Estado legislativo parlamentar. Ao permitir-se a um órgão executivo a emanação de medidas com
forma e valor de lei, operante inclusivamente no campo dos direitos fundamentais (liberdade e
propriedade), então teríamos actos simultaneamente legislativos e executivos, simultaneamente lei
e execução de leis. Estes actos foram designados por Schmitt com o nome de medidas (Ibid., p.
717).
21
1.2.3 Um ato discricionário do Poder Executivo
De outro bordo, pode-se conceituar a medida provisória como espécie
normativa insólita e excepcional, não porquanto sobre ela já se tenha dito, neste
trabalho, mas porque sua edição é também um ato discricionário do Executivo
autorizado pela Constituição a legislar, sustentado em conceitos jurídicos abertos e
indeterminados12, por conta de ser a medida provisória destinada à disciplina de
situações ditas relevantes e urgentes.
A verificação destes pressupostos é de acendrada subjetividade e, portanto,
incerta, na medida em que é de difícil consenso objetivo a configuração de fato da
relevância e da urgência, no contexto social, para ter-se azo para editar a medida
provisória.
Cabe, assim, ao Presidente da República detectar o momento de sua ação
legislativa por via deste instrumento normativo, investindo-se por determinação
constitucional de atributo peculiar à função de outro Poder.
Sujeita-se, porém, o Presidente da República à emenda deste Poder, o Poder
Legislativo, com quem o Executivo concorre ao legislar pela medida provisória, no
que toca à oportunidade e ao mérito deste seu ato legislativo excepcional e ao
controle de constitucionalidade do Poder Judiciário, no que tange, no mais das
vezes, ao último.
12
Segundo os dicionaristas: (Cândido de Figueiredo, 1940; Plácido e Silva, 1967, v. 4):
Relevante/Relevância: Que releva, saliente, importante. Aquilo que importa; aquilo que é preciso,
relevans.
De relevar, do latim relevante (reerguer), entende-se que o que é apreciável, tem fundamento, é
legítimo, é razoável, em virtude do que se mostra admissível, evidente, insuperável.
Assim, matéria relevante, seja de fato ou de direito, é a que se apresenta em toda exuberância, em
toda evidência, para ser acatada ou apreciada como justificativa do pedido, da pretensão, ou da
proteção ao direito.
Urgência: Do latim urgentia, de urgere (urgir, estar iminente), exprime a qualidade do que é
urgente, isto é, premente, é imperioso, é de necessidade imediata, não deve ser protelado, sob
pena de provocar, ou ocasionar um dano, ou um prejuízo.
Assim, a urgência assinala o estado das coisas que se devam fazer imediatamente, por imperiosa
necessidade, e para que se evitem males, ou perdas, conseqüentes de maiores delongas ou
protelações.
Juridicamente, a justificativa da urgência provém, invariavelmente, não somente da necessidade da
feitura das coisas, como do receio, ou do temor, de que qualquer demora ou tardança, possa trazer
prejuízos.
Assim, relevância pode ser filologicamente decodificada como insuperável, e urgência, como
inadiável (FIGUEIREDO, Marcelo. A medida provisória na Constituição. São Paulo: Atlas, 1991.
p. 24).
22
1.2.4 Controle judicial
Em uma visão conservadora, a questão dos critérios para aferição dos
requisitos de relevância e urgência das medidas provisórias, estaria circunscrita à
competência do Poder, em suas funções executivas e legislativas.
O Poder Judiciário não poderia converter-se em instância política revisora, da
ocorrência dos requisitos formais de relevância e urgência das medidas provisórias,
para avaliar a conveniência e a oportunidade de suas edições, pelo Executivo e de
suas convolações em lei pelo Poder Legislativo.
Não lhe caberia assumir funções estranhas às suas incumbências e ditar ao
Legislativo e ao Executivo o que entenda como relevante e urgente, quando este
juízo quanto à ocorrência destes pressupostos que ensejam a medida provisória
seria prerrogativa destes dois outros ramos do Poder, no âmbito de suas
competências políticas exclusivas e assim abonar ou não em última e inexistente
instância a conveniência e oportunidade de uma medida provisória, pela constatação
ou não do acontecimento dos requisitos subjetivos necessários a dar causa a sua
edição.
Não seria da competência do Poder Judiciário ditar ao Poder Executivo o
momento para a prática de atos relativos a seu programa de ação ou ao Legislativo
quando à hora em que ele deve legislar, sob pena de concentrar poderes, em si e
em detrimento destes seus dois outros ramos do Poder, usurpando-lhes
competências e tolhendo-lhes a independência e a funcionalidade constitucionais
para sobrepor-se com relação a eles em afronta ao princípio constitucional de
separação do Poder.
Como noticia Gustavo Rene Nicolau13, o Supremo Tribunal Federal tem
entendido que a conferência da configuração dos pressupostos formais das medidas
provisórias, a relevância e a urgência, para ensejar-lhes a edição, há de ser feita
discricionariamente pelo Poder Executivo, como decidido na ADIN nº 2.150/2002 e
13
NICOLAU, Gustavo Rene. Medidas provisórias: o executivo que legisla: evolução histórica do
constitucionalismo brasileiro. São Paulo: Atlas, 2009. p. 119-121.
23
1.667 e que a intervenção deste Tribunal na análise destes pressupostos é
excepcional, como ocorrido na ADIN nº 1.910/2004.14
Neste ponto, é que se reafirma o caráter em ser a legislatura do Poder
Executivo pela medida provisória, concorrência em termos com o Poder Legislativo,
porque a mesma discrição que tem este último para legislar, tem o Poder Executivo
para agir nas matérias em que legislar não lhe está vedado pela Constituição,
notadamente quanto à identificação dos pressupostos formais que permitem seja
desencadeada sua ação legislativa, muito embora de forma precária com eficácia
por tempo determinado, pela medida provisória, cuja oportunidade de edição é da
alçada exclusiva dele, enquanto Poder Executivo, único legislador competente para
expedi-la.
Em que pese a medida provisória para consumar o seu trajeto até a
convolação em lei depender da coleta do sufrágio do Poder Legislativo, em seu
roteiro no processo que consuma o ato complexo que a leva de ato normativo com
força de lei a lei efetivamente, quando a tanto for convolada pelo Poder Legislativo,
que é o outro Poder, além do Poder Executivo, que pode barrar a medida provisória
por falta dos seus pressupostos subjetivos de edição, a relevância e a urgência, nos
termos da Constituição.
14
Antes disso, já se dissera: “Posto isso, compete ao Presidente da República, no primeiro momento
aferir a presença dos pressupostos em cada caso concreto. A verdadeira dificuldade todavia,
continua sendo eleger quem tem a palavra final sobre a existência ou não de relevância e urgência
em cada caso. Na vigência das Constituições de 1967 e 1969, conforme visto, o Supremo Tribunal
Federal considerou que o Presidente da República exercia juízo discricionário sobre a presença dos
pressupostos constitucionais do decreto-lei, juízo este que se sujeitava apenas ao controle político
do Congresso Nacional, não se cogitando de controle jurisdicional.
No que respeita às medidas provisórias, entretanto, o Tribunal afastou-se declaradamente dessa
jurisprudência em julgamento no qual „admitiu que os pressupostos de relevância e urgência não
eram de todo imunes ao controle jurisdicional‟, que fica limitado, contudo, „à verificação, em cada
caso, da existência de abuso manifesto‟. Assim, embora tenha mantido para a edição da medida
provisória o entendimento firmado a propósito do decreto-lei de que a verificação dos pressupostos
autorizadores é matéria de juízo político discricionário, o Supremo Tribunal Federal teria
acrescentado que o abuso dessa discricionariedade é passível de apreciação judicial.
Se considerada a jurisprudência formada em torno do decreto-lei, entretanto, é plausível a
afirmação de que esse posicionamento é menos uma novidade do que uma adaptação ao novo
regime constitucional de decisões anteriores. Se é certo que, inicialmente, o pronunciamento da
impossibilidade de controle jurisdicional da verificação dos pressupostos é monolítica, o mesmo não
acontece, em momento posterior, no julgamento do Recurso Extraordinário n. 75.395-SP: no
acórdão que o registra, o mesmo Min. Aliomar Baleeiro, que havia conduzido a tomada de posição
original do Supremo Tribunal Federal, assevera que a revisão judicial dos pressupostos „poderá
ocorrer excepcionalmente se o discrionarismo praticado já no campo do absurdo, tocar ao arbítrio‟.
Isso porque „urgência‟ e „interesse público relevante‟ „são aspectos políticos entregues ao
discricionismo (não ao arbítrio) do Congresso e do Presidente da República‟” (MARIOTTI,
Alexandre. Medidas provisórias. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 72-73).
24
Entretanto, tenha-se presente a lição de Humberto Bergmann Ávila de que a
medida provisória deve ser entendida nos termos da Constituição de 1988. 15
Concluindo-se, então, com o magistério de José Celso de Mello Filho:
O Chefe do Executivo da União concretiza na emanação das medidas
provisórias, um direito potestativo, cujo exercício – presentes razões de
urgência e relevância – só a ele compete decidir. Sem prejuízo, obviamente,
de igual competência do Poder Legislativo, a ser exercida a posteriori e,
quando tal se impuser, dos próprios tribunais e juízes.
Esse poder cautelar geral – constitucionalmente deferido ao Presidente da
República – reveste-se de natureza política e de caráter discricionário, É
ele, o Chefe de Estado, o árbitro inicial da conveniência, necessidade e
oportunidade de seu exercício.
Essa circunstância, contudo, não subtrai ao Judiciário o poder de apreciar e
valorar, até, se for o caso os requisitos constitucionais de edição das
medidas provisórias. A mera possibilidade de avaliação arbitrária daqueles
pressupostos, pelo Chefe do Poder Executivo, constitui razão bastante para
16
justificar o controle jurisdicional.
Cabe, porém, em conclusão registrar oportuna ponderação:
A respeito do tema, encontra-se na legislação italiana regra, presente na Lei
n. 87, de 1953, que de acordo com seu art. 28 proíbe ao julgador
constitucional entrar no âmbito de apreciação discricionária correspondente
ao Poder Legislativo. Trata-se, como observou Usera, da pretensão do
Poder Legislativo de se ver livre de todo e qualquer controle (extrajurídico)
exercido por meio da interpretação.
Não se pode compreender como seja possível ao Legislativo criar uma
regra que retirasse qualquer poder de controle da esfera judicial. Equivaleria
a paralisar o Judiciário ou, ao menos, pretender transformar os juízes em
meros autômatos. Pelo controle judicial, o magistrado entra no âmago da
discrição legislativa, para verificar se ela foi bem exercida nos termos
constitucionais a que deve respeito. O que não pode ocorrer é o controle ir
ao ponto de substituir a opção política manifestada pelo legislador pela
17
opção política individual do julgador.
1.2.5 Institutos e espécies normativas assemelhadas e diferenças específicas
Não se confundirá a natureza jurídica da medida provisória com a de outros
instrumentos constitucionais relativos ao processo legislativo. Simplesmente por
15
ÁVILA, Humberto Bergmann. Medida provisória na Constituição de 1988. Porto Alegre: Sérgio
Antonio Fabris, 1997. p. 42
16
MELLO FILHO, José Celso. Considerações sobre as medidas provisórias. Revista da
Procuradoria Geral do Estado de São Paulo, São Paulo, n. 33, p. 203-225, jun. 1990.
17
BASTOS, Celso Ribeiro. Hermenêutica e interpretação constitucional. São Paulo: Celso Bastos,
2002.
25
estar inserida na Constituição entre as espécies normativas produtíveis pelo
processo legislativo constitucional.
Porque a medida provisória estar ínsita entre os instrumentos que resultam
produto do processo legislativo é uma característica extrínseca e acessória dela e
ela não pode ser definida por este seu acessório.
Mas, sim, pela sua substância, que exprime o seu cariz intrínseco e como o
constituinte a crismara ao configurá-la nos termos em que constituiu o seu
arcabouço vertebral pelo artigo 62 da Constituição de 5 de Outubro de 1988, um ato
excepcional do Poder Executivo com eficácia de lei.
Confira-se com José Afonso da Silva:
Assim, é ponderável concluir que as medidas provisórias são atos de
governo provenientes do exercício de funções co-legislativas do Poder
Executivo. Mas isso não basta, porque, se têm força de lei, e valem como
tal, é porque tem natureza de lei, mas lei apenas em sentido material. Sua
conversão em lei é que importa dupla transformação: uma, a de um ato de
governo (executivo) em um ato legislativo; outra, de uma lei em sentido
18
material em uma lei em sentido formal.
De outro bordo, ela não pode ser confundida com atos do Presidente da
República que integrem o processo legislativo, como são, por exemplo, o projeto
legislativo de iniciativa do Presidente da República e o pedido de urgência em sua
tramitação, que este pode endereçar ao Congresso Nacional nos termos da
Constituição.
Especialmente a medida provisória não pode ser confundida com as leis
delegadas.
Muito menos ser conceituada como ato administrativo.
É que somente a medida provisória é um ato normativo primário que tem
origem na sede de outro ramo do Poder, que não o Poder Legislativo, no cerne do
Poder Executivo, enquanto tal, em ato que exprime a outorga recebida via umbilical
do constituinte pelo Presidente da República para editar a medida provisória.
18
SILVA, José Afonso da. Comentário contextual à Constituição. São Paulo: Malheiros, 2007. p.
451.
26
Assim, a medida provisória tem vida independente do processo legislativo.
Pode desencadeá-lo ou não.
Na primeira hipótese, se passar no Congresso Nacional por seu juízo
preliminar de conferência de verificação de seus pressupostos subjetivos de
relevância e urgência, a medida provisória dará causa à instauração do processo
legislativo.
Na segunda, reprovada nesse Parlamento por faltarem-lhe estes requisitos de
relevância e urgência, será ela inexistente, perdendo, assim, a eficácia e não dará
motivo para que se inicie o processo legislativo de sua convolação em lei.
Existe medida provisória sem que se instaure o processo legislativo porque
ela existe a partir da manifestação de vontade do Presidente da República. Sem que
sobre ela se manifeste o Poder Legislativo prévia ou conjuntamente com ele, para
ser eficaz.
Quando ela chega ao Parlamento para se inserir no leito de seu processo
legislativo de formação e conformação em lei, a medida provisória a ele já chegou
plena de vida, de eficácia e assim de efetividade jurídica e de consequência social.
Mesmo que seja enquanto dotada de uma existência e vigor precários e
provisórios.
Mesmo que o Poder Legislativo a possa abortar em seu caminho para a
transmutação em lei por ele, rejeitando-a.
Mesmo que ele a vivifique, por sua conversão de medida provisória, lei
material existente antes de chegar ao Congresso Nacional, em lei formal em que ela
deva subsistir, para sobreviver, após ser por ele aprovada.
A medida provisória quando editada é mandado dotado de eficácia legal.
Embora édito presidencial, a medida provisória criou deveres e extinguiu
situações, modificando-as, constituiu e alterou direito, suprimindo obrigações,
quando simplesmente editada, inovando, desta maneira, a ordem jurídica e mesmo
antes de ser objeto de processo legislativo no Congresso Nacional para sua
27
conversão em lei, com isto atuando no contexto social dos fatos como se lei fosse,
desde que editada e publicada.19
Porque sua eficácia com força de lei tem por ato inaugural a atuação do
Presidente da República que a editou e concomitantemente com a publicação no
Diário Oficial do texto da medida provisória.
1.2.5.1
Medida provisória e projeto de iniciativa do Presidente da República e seu
pedido de urgência para tramitação de projetos de lei no Congresso
Nacional
Ao contrário, as iniciativas do Chefe do Poder Executivo e que estão aptas a
dar causa e motivo à instauração do processo legislativo no âmbito do Poder
Legislativo ou a nele influir – insista-se o projeto legislativo de iniciativa do
Presidente da República, o pedido de urgência em sua tramitação, que este pode
endereçar ao Congresso Nacional nos termos da Constituição – são simples atos no
contexto do processo legislativo, que não guardam condições de independência ou
autonomia com relação a ele.
A iniciativa do Presidente da República em apresentar propostas de leis ao
Congresso Nacional, não se confunde com sua competência para editar medidas
provisórias.
Muito menos o fato de que possa ele pedir urgência na tramitação de projetos
de leis, enquanto apresentar projetos de sua iniciativa pode ser confundido com seu
poder de editar medidas provisórias com força de lei.
Isto porque nem em uma e nem em outra atividade, o projeto adquire a força
de lei, em consequência da proposta de lei que o Presidente da República enviar ao
Congresso Nacional ou do pedido de urgência feito a ele pelo Presidente da
República para tramitação urgente de certo projeto de lei em sua sede.
19
Embora de maneira precária, apenas suspendendo a vigência da legislação que revogou, nestes
termos, cuja efetiva revogação fica na dependência da convolação da Medida Provisória em lei.
28
Como, entretanto, a medida provisória ganha ao ser por este Presidente
editada.
Usando o Presidente da República de sua faculdade de editar medidas
provisórias, sem em nada depender de outro ramo de Poder, para que elas tenham
força de lei, antes que elas adentrem o trâmite do processo legislativo, desde sua
edição e até a conclusão deste, que consume ou não a conversão da medida
provisória em lei, o dispositivo da medida provisória terá eficácia como se lei fosse.
Equívoco, pois, será dizer que a edição da medida provisória é um
procedimento do processo legislativo.
1.2.5.2 Medida provisória e lei delegada
Também leis delegadas são distintas da medida provisória.
Muito embora sejam as leis delegadas mandamentos normativos, postos pelo
Poder Executivo, como ela é.
É que a começar, leis delegadas são leis e não são medidas precárias como
a medida provisória é.20
20
As medidas provisórias configuram no direito constitucional positivo brasileiro, uma categoria
especial de atos normativos do Poder Executivo, que se revestem de força, eficácia e valor de lei.
Refletem na concreção de sua existência, uma significativa tendência que se registra no plano do
direito constitucional comparado, e no da nossa própria existência constitucional, no sentido de
outorgar – inobstante em bases de excepcionalidade absoluta – competência normativa ao
Executivo (ORIGONE. L’estensione della competenza legislativa del Governo nello Stato
Moderno, Roma, 1935; VIESTI, Il Decreto-Legge, Napoli, 1967; CHELI, L’ampliamento dei poteri
normativi dell’Esecutivo nei principali ordenamenti occidentali, in Rivista Trimestrale di Diritto
Pubblico, 1959, p. 463).
Como a função legislativa pertence, ordinariamente, ao Congresso Nacional, que a exerce por
direito próprio, com observância da estrita tipicidade constitucional que define a natureza das
atividades estatais, torna-se imperioso assinalar – e advertir – que a utilização das medidas
provisórias, por constituir exceção derrogatória do postulado de divisão funcional do poder, não tem
caráter autônomo, pois subordina-se, em seu processo de conversão legislativa e definitiva
incorporação do direito positivo interno, à vontade emanada do Congresso Nacional. Por isso
mesmo, a doutrina italiana, ao discutir o tema decreto-lei – cujo modelo normativo parece haver
influenciado fortemente o constituinte brasileiro na positivação da medida provisória – acentua que,
nesse domínio, appare chiaro che il Governo legifera a titolo meramente vicário e sussidiario
(VIESTI, Giuseppe. Il Decreto-Legge. Napoli: Casa Editrice Jovene, 1967. p. 58). MELLO FILHO,
José Celso de. Considerações sobre as medidas provisórias. Revista da Procuradoria Geral do
Estado de São Paulo, São Paulo, n. 33, p. 203-225, jun. 1990.
29
Quando o Poder Executivo que recebeu a delegação para fazê-las do Poder
Legislativo as consuma, elas enquanto leis delegadas por ele feitas já são leis e não
precisam de mais nada para ter obrigatoriedade geral e definitiva.
Em que pese haver a figura excepcional da lei delegada feita pelo Poder
Executivo que necessite ratificação, dependendo da modalidade da delegação que
lhe foi concedida, pelo Poder Legislativo.
A propósito, na arquitetura da distribuição tripartite de Poderes, agir ou
praticar atos, atuando para administrar e cumprir as leis, é função precípua do Poder
Executivo, que é a roda propulsora da Administração do Estado. Em verdade, quem
põe a mão na massa.
Cabe ao Legislativo precipuamente fazer leis e ao Poder Executivo,
administrar.
A feitura de leis pelo Executivo é uma usurpação de funções por ele daquelas
que são prerrogativas do Legislativo.
Nem mesmo a delegação do Legislativo para fazer leis ao Executivo seria
jurídica.21
21
De delegação de plenos poderes é exemplo a lei de 2 de agosto de 1848 [adiante referida e em
vigor por força do Estatuto Albertino, Constituição do Reino da Itália, até a Constituição da
República Italiana de 1º de janeiro de 1948] justificada, em seu preâmbulo, pela „necessidade
suprema de se prover instantâneamente à defesa do Estado por meios mais rápidos e eficazes‟; e
os constitucionalistas italianos lembram que em sessão de 20 de março de 1848, da câmara dos
deputados, o ministro Ratazzi, à vista das dificuldades opostas à aprovação de certo projeto de
delegação de funções legislativas ao governo, em matéria de disciplina da liberdade, declarava que
‘a frontte dello Statuto, stà ogni legge superiore ad ogni statuto, stà la legge della necessità’
(ORREI, Ernesto. Il Dirtitto Constituzionale e lo Stato Giuridico. Roma: Athenaeum, 1927. p.
377, nota 2).
Delegações dessa natureza foram outorgadas ao governo em 1859, 1898, 1909, 1920, versando
umas sôbre matérias precisamente determinadas (como, por exemplo, para a revisão de alguns
códigos, ou ainda para a consolidação – testo único – de certas leis, com as alterações
necessárias à sua coordenação) e outras contendo poderes genéricamente indicados (tudo isto,
além dos plenos poderes concedidos durante a guerra de 1914-1918). Foi durante e logo após essa
guerra que o uso dos decretos-leis assumiu maiores proporções, mas as câmaras em dado
momento os ratificaram, convertendo-os em uma só lei („lei coletiva‟), sem reexame de suas
disposições.
Na doutrina, não eram raras, a êsse tempo, as opiniões contrárias às delegações legislativas.
MEUCCI, entre outros publicistas, dizia não se lhes poder aplicar o princípio qui per alium facit per
se ipsum facere videtur e sim este outro: delegatus delegare non potest, querendo significar,
sem dúvida, que o parlamento exerce um poder delegado pelo povo e, porisso, não pode por sua
vez delegá-lo, tanto mais quanto, acrescentava o mesmo autor, ‘la postestá legislativa appartiene
a l’imperium’ Instituzioni di Diritto Amministrativo, 1909. p. 53. RÁO, Vicente. As delegações
legislativas no parlamentarismo e no presidencialismo. São Paulo: Max Limonad, 1966. v. 1, p.
140.
30
Isto porque não se transfere o que não se tem e o Legislativo já teria recebido
do constituinte a delegação para fazer leis, a qual, não tendo origem no que lhe seria
próprio, mas, sim, próprio do constituinte, pode ser transferida a ninguém.
Este é o entendimento do direito constitucional clássico.22
Temperando este entendimento as leis delegadas são comandos que
emanam do Poder Legislativo, mesmo que decorrentes de delegação dele ao Poder
Executivo para produzi-las, em seu nome, pela figura jurídica da delegação, que é
uma transferência excepcional de competência de um ramo de Poder do Estado
para outro.
22
Existem em cada Estado três tipos de poder: o poder legislativo, o poder executivo das coisas que
dependem do direito das gentes e o poder executivo daquelas que dependem do direito civil.
Com o primeiro o príncipe ou o magistrado cria leis por um tempo ou para sempre e corrige ou
anula aquelas que foram feitas. Com o segundo, ele faz a paz ou a guerra, envia ou recebe
embaixadas, instaura a segurança, previne invasões. Com o terceiro, ele castiga os crimes, ou julga
as querelas entre os particulares. Chamaremos a este último poder de julgar e ao outro
simplesmente poder executivo do Estado.
A liberdade política, em um cidadão, é esta tranqüilidade de espírito que provém da opinião que
cada um tem sobre a sua segurança; e para que se tenha esta liberdade é preciso que o governo
seja tal que um cidadão não possa temer outro cidadão.
Quando, na mesma pessoa ou no mesmo corpo de magistratura, o poder legislativo está reunido ao
poder executivo, não existe liberdade; porque se pode temer que o mesmo monarca ou o mesmo
senado crie leis tirânicas para executá-las tiranicamente.
Tampouco existe liberdade se o poder de julgar não for separado do poder legislativo e do
executivo. Se estivesse unido ao poder legislativo, o poder sobre a vida e a liberdade dos cidadãos
seria arbitrário, pois o juiz seria legislador. Se estivesse unido ao poder executivo, o juiz poderia ter
a força de um opressor.
Tudo estaria perdido se o mesmo homem, ou o mesmo corpo dos principais, ou dos nobres, ou do
povo exercesse os três poderes: o de fazer as leis, o de executar as resoluções públicas e o de
julgar os crimes ou as querelas entre os particulares.
Na maioria dos reinos da Europa, o governo é moderado, porque o príncipe, que possui os dois
primeiros poderes, deixa a seus súditos o exercício do terceiro. Entre os turcos, onde estes três
poderes estão reunidos na pessoa do sultão, reina um horrível despotismo.
Nas repúblicas da Itália, onde estes três poderes estão reunidos, se encontra menos liberdade do
que em nossas monarquias. Assim, o governo precisa, para se manter, de meios tão violentos
quanto o governo dos turcos; prova disto são os inquisitores do Estado e o tronco onde qualquer
delator pode, a qualquer momento, lançar um bilhete, com sua acusação.
Vejam qual pode ser a situação de um cidadão nestas repúblicas. O mesmo corpo de magistratura
possui, como executor das leis, todo o poder que se atribuiu como legislador. Pode arrasar o Estado
com suas vontades gerais e, como também possui o poder de julgar, pode destruir cada cidadão
com suas vontades particulares.
Ali todo o poder é um só e, ainda que não tenha a pompa exterior que revela um príncipe despótico,
ele faz-se sentir a todo instante.
Assim, os príncipes que quiseram tornar-se despóticos sempre começaram por reunir em sua
pessoa todas as magistraturas; e vários reis da Europa reuniam todos os grandes cargos de seu
Estado (MONTESQUIEU. O espírito das leis. Tradução de Cristina Murachco. São Paulo: Martins
Fontes, 2005. p. 167).
31
Dá-se, nesta transferência de competência, entre estes dois ramos do Poder,
da competência legislativa, o mandato que faz o Poder Executivo, o próprio Poder
Legislativo, extraordinariamente.
Desta maneira, na lei delegada, o Parlamento confere ao Governo, ou o
Poder Legislativo confere ao Poder Executivo, após autorização de seus membros,
representantes do povo, que os elegeu para fazer leis, a competência constitucional
para fazê-las.
Como se fosse o Poder Executivo, delegado, quem as estivesse fazendo, por
ele, o Poder Legislativo, que é quem delega a competência para que o Poder
estranho à atividade normativa faça a espécie normativa que é a lei.
Há nesta espécie normativa, da lei delegada, um mandato do Poder
Legislativo para o Poder Executivo.
Com isto, a outorga de um mandante, o Poder Legislativo, para um
mandatário, que é o Poder Executivo.
Consistente na transferência do outorgante, para o outorgado, de uma
prerrogativa constitucional e que somente pelo outorgante é detida, por atribuição
constitucional, que é a de fazer leis, que o outorgado não tem e porque suas
incumbências constitucionais são outras.
Com isto, o poder conferido pelo Poder Legislativo ao Poder Executivo para
fazer leis delegadas é um poder peculiar e exclusivamente dele. Uma prerrogativa
constitucional para legislar. Mas que ele transferiu ao segundo, sem dela se
despojar, em via extraordinária e em forma temporária, dentro de certas condições.
Para finalidades específicas. Porém, não necessariamente emergenciais, como são
aquelas que ensejam a medida provisória.
Daí a atribuição que o Poder Executivo tem para fazer leis delegadas é
derivada do Poder Legislativo.
Não originária do constituinte.
Mas a atribuição do Poder Executivo para editar medidas provisórias e para
disciplinar as situações emergenciais, é atribuição que lhe confere diretamente o
32
constituinte, por força expressa e clara da norma constitucional. Diferente daquela
que ele recebeu diretamente do Poder Legislativo para fazer as leis delegadas,
indiretamente do Poder Constituinte, portanto.
Por consequência e não se perca, porém, de vista, que lei delegada é lei, mas
que medida provisória não é lei delegada.
1.2.5.3 Medida provisória e ato normativo de administração
Muito menos a medida provisória pode ser confundida com os atos
normativos de caráter administrativo. Mesmo quando eles forem atos do Poder
Executivo que emitem ordens coercitivas e gerais, com atributos da lei.
André Ramos Tavares, em tópico de obra em que indaga a natureza
legislativa ou administrativa da medida provisória,23 depois de destacar a opinião de
Alexandre Mariotti, para quem a medida provisória apresenta natureza legislativa,
refere-se a Clèmerson Cléve que a qualifica “hipótese de automática delegação
legislativa (ocorrentes os pressupostos de habilitação)”.
Cita Joel de Menezes Niebuhr, para quem a medida provisória “é ato político
e normativo, com força de lei” e mencionando Marco Aurélio Grego, que qualifica a
medida provisória como ato administrativo, por sua natureza essencial de ato de
Governo, conceitua-a por atribuir-lhe natureza legislativa, concluindo:
Não pode restar dúvida de que as medidas provisórias caracterizam-se pela
natureza legislativa que lhes acompanha desde o momento de sua edição
até o seu termo final, vale dizer durante sua vigência. Embora sendo
medidas excepcionais, essa característica não deve entorpecer a
verificação de sua natureza acentuadamente legislativa, embora
proveniente do Poder Executivo. Poder-se-ia considerar uma legislação
extraordinária, expressão utilizada por VITTORIO DI CIOLO, para
24
diferenciá-la da legislação ordinária, advinda do parlamento.
Assim, para bem conceituar-se a medida provisória, cumpre ainda diferenciála de atos normativos de administração.25
23
TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 1.124.
Ibid.
25
Carmen Lúcia Antunes Rocha situa a medida provisória como ato administrativo e refutando a
natureza legislativa da medida provisória, atribui a Gilmar Mendes entender que ela seria um ato
misto, de natureza legislativa e administrativa. Confira-se, é importante distinguir.
24
33
A Administração, enquanto cumpre as finalidades constitucionais de Poder
Público, identificada com o Poder Executivo age e atua no mundo dos fatos, assim
praticando atos administrativos da mais diversa natureza, para concretizá-los.
Desde meros atos de gestão exclusivamente para administrar o patrimônio e
os interesses comezinhos e imediatos do Estado, praticando atos de direito privado,
até o aperfeiçoamento de atos que não sendo lei, incorporam acidentalmente
Primeiramente: “Tal como se tem no texto constitucional brasileiro, a medida provisória pode ser
considerada um ato administrativo normativo, dotado de rigor e eficácia de lei, e que é expedido
pelo titular do Poder Executivo. Contra as abalizadas opiniões que se põem contrariamente,
consideramos que se a medida provisória fosse lei, ou espécie de legislação delegada, conforme
entendem alguns juristas, parece certo que teria sido demasiada, quiçá despicienda a dicção
constitucional que enfatiza, no art. 62 supra transcrito, a sua eficácia com força de lei. Sendo lei,
esta condição de sua eficácia e qualidade de seus efeitos seriam inerentes à sua caracterização.
Lei haverá de ter a força que lhe é inerente por certo; apenas o ato administrativo normativo, porque
não qualificado com aquele vigor e despojado das características próprias da lei, é que precisa ter
expressas tais condições para que lhe fiquem reconhecidas pelo direito positivo, tal como se dá no
texto em foco (ROCHA, Cármen Lúcia Antunes. Medidas provisórias e princípio da separação de
poderes. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva. (Coord.). Direito Contemporâneo. Estudos em
homenagem a Oscar Dias Corrêa. São Paulo/Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2001, p. 55).
Depois: Autores há que consideram ser a medida provisória uma lei, conquanto não assim rotulada
constitucionalmente. Segundo essa corrente, a medida provisória seria considerada lei em sentido
material, uma vez que está prevista no art. 59, da Constituição da República, que cuida exatamente
do processo legislativo, além de inovar a ordem jurídica, o que, em nosso ordenamento, não pode
ocorrer se não por espécie legislativa. O sistema jurídico brasileiro não conta com a figura do
regulamento autônomo, pelo qual se poderia criar no sistema normativo por meio de atos emanados
do poder regulamentar de autoridades do Poder Executivo. Como tanto não é permitido,
constitucionalmente, no Brasil, afirma-se que o que se tem, então, com a medida provisória, é,
basicamente, a permissão jurídica excepcional de uma „legislação especial‟ pelo Presidente da
República, por uma delegação constitucional que dota aquela autoridade de competência
verdadeiramente legislativa. Neste sentido, cf., por exemplo, Ives Gandra da Silva Martins, que
leciona ser „a medida provisória (...) ato legislativo delegado – como delegada é a lei com este nome
– não tendo dupla natureza, mas apenas a natureza legislativa (...) (a medida provisória) não é um
ato administrativo, pois, no momento em que o Presidente da República a edita o faz na condição
não de chefe da Administração Pública, mas de legislador delegado constitucionalmente, razão pela
qual a natureza jurídica de sua ação é legislativa, e não administrativa‟ (MARTINS, Ives Gandra da
Silva. Modificação de medida provisória na conversão em lei - Necessidade de remessa para
sanção e veto em face de alteração - Outros aspectos. Opinião legal. Revista do Tribunal
Regional Federal 1ª Região, Brasília, v. 11, n. 2, p. 15-25, abr./jun.1999. Disponível em:
<http://bdjur.stj.gov.br/xmlui/bitstream/handle/2011/21906/modificacao_medida_provisoria_conversa
o.pdf?sequence=1>. Acesso em: 17 jul. 2009).
Diversamente daquela posição, há quem sustente ter a medida provisória – „caráter dúplice‟,
legislativo e administrativo, tal como o faz Gilmar Ferreira Mendes, segundo o qual „dentre as
peculiaridades que caracterizam o instituto da medida provisória, destaca-se o seu „caráter dúplice‟,
uma vez que constitui, ao mesmo tempo, proposição legislativa e ato administrativo dotado de força
normativa. O caráter dúplice da medida provisória tem sido reconhecido pela jurisprudência do
Supremo Tribunal Federal. De fato, em precedentes que evidenciam aquela característica, o STF
tem admitido a concessão de medida liminar com o propósito de suspender a eficácia de medida
provisória, na condição de ato dotado de força normativa, ressalvando, porém, a sua validade como
proposição legislativa suscetível de ser convertida ou não em lei” (O controle de constitucionalidade
de medida provisória. Revista Virtual da Presidência da República, Brasília, v. 1, n. 2, jun. 1999).
ROCHA, Cármen Lúcia Antunes. Medidas provisórias e princípio da separação de poderes. In:
MARTINS, Ives Gandra da Silva. (Coord.). Direito Contemporâneo. Estudos em homenagem a
Oscar Dias Corrêa. São Paulo/Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2001. p. 55.
34
atributos da lei, sem deixar, em substância, de serem atos administrativos, ainda que
não sejam também medidas provisórias.
São atos que se praticam para prover alguma necessidade pública, portanto,
em atenção a algum problema de administração, que colimam solucionar.
O Poder Executivo, por seu Chefe, que é a máxima autoridade da
Administração detém competência para a expedição de decretos e de regulamentos
para fiel execução das leis que sanciona, promulga e faz publicar. Para estatuir
regimentos para disciplinar seus subordinados administrativos.
Ministros de Estado podem expedir instruções normativas com a finalidade de
atender à execução de leis, decretos e resoluções. Outras autoridades do Poder
Executivo podem expedir resoluções e seus órgãos colegiados para obediência da
Administração e jurisdicionados, manifestam-se por deliberações.
Mas estes atos são derivados e acessórios dos atos com que o Executivo
aprimora no âmbito de suas competências ordinárias o processo legislativo, que
resultou na produção da lei pelo Poder Legislativo.
São atos normativos da Administração. Leis que podem ser em sentido
material e por isto que denominados atos normativos de administração. 26 Com os
atributos de generalidade e de abstração que têm as leis e decorrentes de atribuição
constitucional, aos agentes públicos que os editaram, para a regulamentação delas.
Contudo são distintos da medida provisória, em que pese serem eles atos
normativos advindos do Poder Executivo. Da mesma forma que ela é.
É que eles somente têm existência enquanto existentes os atos que
regulamentam e disciplinam e que são as leis em face das quais são mandamentos
acessórios e complementares para interpretá-las e orientar suas aplicações,
26
Atos administrativos normativos são aqueles que contêm um comando geral do executivo,
visando à correta aplicação da lei. O objetivo imediato de tais atos é explicitar a norma legal a ser
observada pela Administração e pelos administrados. Esses atos expressam em minúcia o
mandamento abstrato da lei, e o fazem com a mesma normatividade da regra legislativa, embora
sejam manifestações tipicamente administrativas. A essa categoria pertencem os decretos
regulamentares e os regimentos, bem como as resoluções, deliberações e portarias de
conteúdo geral (MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo brasileiro. São Paulo: Malheiros,
2008. p. 181).
35
direcionando seus destinatários a como e quando cumpri-las e para expungir de
dúvidas possíveis contradições de seus mandados.27
Ao
contrário,
a
medida
provisória
tem
existência
autônoma
independentemente da existência de qualquer outro diploma legal, que não seja a
Constituição, isto é que é o importante para caracterizá-la bem.
27
Para Celso Antonio Bandeira de Mello, o regulamento só pode conter disposições previamente
comportadas pela lei regulamentada, como opina em “Regulamento e princípio da legalidade”, em
Revista de Direito Público, v. 96, 1990, informando, ademais, páginas 45-46: 8. Cabe, agora,
perante este quadro, examinar os limites do chamado „poder regulamentar‟, isto é, das
competências administrativas, conferidas ao Executivo para outorgar precisões maiores ao que
conste de lei, a fim de cumprir a tarefa de concretização progressiva do direito.
Disse, Pontes de Miranda, ao tempo da Carta de 1969, mas em face de dispositivos iguais aos ora
vigentes: „Se o regulamento cria direitos, deveres, pretensões, obrigações, ações ou exceções que
a lei apagou, é inconstitucional. Tampouco pode ele limitar, modificar, ampliar direitos, deveres,
pretensões, obrigações ou exceções. Não pode facultar o que na lei se proíbe, nem lhe procurar
exceções à proibição, salvo se estão implícitas. Nem ordenar o que a lei não ordena‟
(Comentários à Constituição de 1967, com a Emenda 1/69. São Paulo: Revista dos Tribunais,
1970. Tomo III, p. 316, grifos nossos).
E disse ainda: „Sempre que no regulamento se insere o que se afasta, para mais ou para menos, da
lei, é nulo, por ser contrária à lei, a regra jurídica que se tentou embutir no sistema‟ (Ibid., p. 316,
317, grifo do autor).
São suas também estas oportunas considerações: „o poder regulamentar é o que se exerce sem
criação de regras jurídicas que alterem as leis existentes e sem alteração da própria lei
regulamentada‟ (Ibid., p. 312).
E mais: „Onde se estabelecem, alteram ou extinguem direitos, não há regulamentos – há abuso do
poder regulamentar, invasão da competência do Poder Legislativo. O regulamento não é mais do
que auxiliar das leis, auxiliar que sói pretender, não raro, o lugar delas, mas sem que possa, com tal
desenvoltura justificar-se e lograr que o elevem à categoria de lei. Quanto menos se regulamentar
melhor‟ (Ibid., p. 314).
Cirne Lima, sob o império da Constituição de 1946, cujas disposições em matéria de regulamento
não diferem das hodiernas, ensinara:
No presente, porém, a significação do regulamento é apagadíssima...
Inoperante contra legem ou sequer praeter legem, o regulamento administrativo endereçado,
como vimos, à generalidade dos cidadãos, nenhuma importância como direito material possui.
Avulta nele, certamente, o cometimento técnico. Cumpre-lhe resolver o problema da execução da lei
– problema técnico-jurídico, por excelência (Princípios de Direito Administrativo. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 1982. p. 40).
Seabra Fagundes, de seu turno, lecionou a propósito do regulamento em nosso Direito:
Prende-se em essência ao texto legal. O seu objetivo é tão-somente facilitar, pela especificação do
processo executório e pelo desdobramento minucioso do conteúdo sintético da lei, a execução
da vontade do Estado expressa em ato legislativo. Tanto que o seu âmbito será maior ou menor,
conforme menos ou mais minudente seja a lei à qual se prenda.
É certo que, como lei, reveste o aspecto de norma geral, abstrata e obrigatória. Mas não acarreta, e
aqui dela se distancia, modificação à ordem jurídica vigente.
Não lhe cabe alterar situação jurídica anterior, mas, apenas, pormenorizar as condições de
modificação originária de outro ato (a lei). Se o fizer exorbitará, significando uma invasão pelo
Poder Executivo da competência legislativa do Congresso (O controle dos atos administrativos
pelo Poder Judiciário. Forense, 1979. p. 24, nota de rodapé 2, grifos nossos).
Geraldo Ataliba, em artigo notável sobre o “Decreto regulamentar no sistema brasileiro”, bordou o
seguinte sintético, mas precioso, comento sobre a finalidade do regulamento entre nós: Sua função
é facilitar a execução da lei, especificá-la de modo praticável e, sobretudo, acomodar o aparelho
administrativo para bem observá-la (Decreto regulamentar no sistema brasileiro. Revista de Direito
Administrativo, Rio de Janeiro, v. 97, p. 23, 1969).
36
É verdade, de outro bordo, que existem decretos que o Poder Executivo pode
editar antecipando-se à lei.
Contudo, eles não guardam relação de semelhança estrita com a medida
provisória. Porque esta está limitada pela reserva legal apenas relativamente,
podendo entrar no âmbito reservado à lei, em casos específicos, que aqueles atos
normativos administrativos não podem.28
Por isto enquanto ato do Poder Executivo, a medida provisória não pode ser
um ato administrativo. Seja porque advém ela como instituto criado pelo constituinte
diretamente. Seja porque como já se disse, ela é uma ação dele e dependente
apenas da Constituição, que se exerce exclusivamente em seus termos para ter
validade. Seja ainda por não sofrer as mesmas limitações para normatização de
fatos e de condutas que o ato administrativo sofre, podendo dispor sobre assuntos
sujeitos a reserva legal, muito embora sobre aqueles que a Constituição faculta
disciplinar. Finalmente, por ser um ato do qual emana um dispositivo com força de
lei.
28
Como se verifica este trabalho não admite o regulamento autônomo. Entretanto, cabe registrar,
como fez Alexandre Mariotti. Medidas provisórias. São Paulo: Saraiva, 1999. P. 33, nota 89 – que
aponta ser predominante a doutrina em que se sustenta esta opinião, o que segue: “Cumpre que se
registrem, entretanto, as posições dissidentes de Hely Lopes Meirelles (Direito Administrativo
brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1991. p. 107-108) e, mais recentemente, de Eros
Roberto Grau (O Direito Posto e o Direito Pressuposto. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 167-190).
Para este autor coexistem, no direito positivo brasileiro, três tipos de regulamento: os de execução,
os autorizados e os autônomos. Os primeiros decorrem de atribuição explícita do exercício de
função normativa ao Executivo (art. 84, IV, da Constituição de 1988) – não dependendo, portanto,
de previsão da lei – e estão sujeitos ao entendimento dominante; os segundos são emanados a
partir de atribuição explícita do exercício de função normativa pela Constituição (v.g., art. 153, § 1º)
ou da lei („o Poder Executivo regulará a forma e o processo para aplicação do disposto no...‟); os
terceiros, por fim, derivam de atribuição implícita do exercício de função normativa ao Executivo,
definida no texto constitucional ou decorrente de sua estrutura. A sua emanação é indispensável à
efetiva atuação do Executivo em relação a determinadas matérias, definidas como de sua
competência”.
Veja-se que Hely Lopes Meirelles, (Direito Administrativo brasileiro. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 1991. p. 182-183), admite o decreto autônomo, arrematando: “E na ADC 12 o STF
entendeu que a Resolução 07/2005 sobre „nepotismo‟ é ato normativo autônomo, fundado apenas
nos princípios da Carta Magna, concluindo: Advirta-se, todavia, que os decretos autônomos ou
independentes não substituem definitivamente a lei: suprem, apenas, a sua ausência, naquilo que
pode ser provido por ato do Executivo, até que a lei disponha a respeito. Promulgada a lei, fica
superado o decreto.
Sem dúvida, não é este o tema deste estudo, porém, vale a abordagem, pela reflexão que propicia
ante a possível embora velada conclusão de que a medida provisória, mesmo sob esta ótica, não
pode ser considerada um ato normativo administrativo.
37
Se o ato administrativo está subordinado à lei e apenas indiretamente por via
reflexa à Constituição, a medida provisória somente se viabiliza se plasmada nos
termos e forma da Constituição exclusivamente.
A espécie, pois, da medida provisória é a de ato normativo não administrativo,
mas legislativo excepcional por especialíssima outorga constitucional ao Poder
Executivo para legislar, por meio da atuação discricionária e facultativa do
Presidente da República.
Em situações nas quais haja necessidade de resposta imediata do Estado
para os seus problemas e os da coletividade, cuja solução não esteja ao alcance do
Poder Legislativo, imediatamente.29
Quando ele estiver em recesso ou a velocidade de seu processo não
corresponda à dos problemas.30
29
O pluralismo policrático do Estado federal moderno conduz à falência do Estado Legislativo e à
crise do Parlamento enquanto órgão capaz de decidir. „A volta em direção ao Estado econômico e
assistencial significava para o Estado legislativo tradicional o momento crítico, que deveria, mas não
poderia levar nova força e energia política aos tribunais‟. A este propósito Schmitt em seu artigo
„Visão geral comparativa sobre a recente evolução do problema das autorizações legislativas:
Delegações legislativas‟, 1936 (Vergleichender Überblick über die neueste Entwicklung des
Problems der gesetzgeberischen Ermächtigungen; ‘Legislative Delegationen’), observa que o
surgimento das delegações legislativas, decretos-leis e regulamentos estatais sobre áreas
tradicionalmente afetas ao Poder Legislativo representa uma resposta do Estado Moderno à
necessidade de decisões rápidas e simplificadas. Ademais, as delegações legislativas representam
o triunfo de uma nova concepção de Lei e Constituição sobre a visão liberal apoiada na tradicional
teoria da tripartição dos poderes.
Vale notar que, para Schmitt, constitui uma crença mais liberal do que democrática aquela segundo
a qual o parlamento seria o locus privilegiado onde o egoísmo dos partidos se transformaria numa
vontade política estatal acima dos egoísmos e dos partidos, a partir de uma espécie de „astúcia das
idéias‟ ou „astúcia da instituição‟. O verdadeiro perigo do provisório Estado das coalizões partidárias
se encontra exatamente na mesma direção. O sistema pluralista com os seus contínuos acordos
através dos quais transforma o Estado numa rede de compromissos, mediante os quais os partidos
revezam e dividem os encargos e vantagens permanece sobre a eterna ameaça de crise e
indecisão (MACEDO JÚNIOR, Ronaldo Porto. Carl Schmitt e a fundamentação do Direito. São
Paulo: Max Limonad, 2001. p. 64).
30
Mas, cuidando-se mais do Poder Executivo do que da reforma dos processos legislativos das
câmaras, tem-se sustentado ser necessário que o Govêrno possua e mantenha em atividade um
sistema adequado de meios e instrumentos de disciplina equacionado com a especialização e a
complexidade crescente dos problemas sociais e particularmente dos problemas econômicos
contemporâneos. E mais se tem dito e vem dizendo que êsses meios e instrumentos devem possuir
flexibilidade bastante para prevenir ou remediar tempestivamente as crises ocorrentes, o que jamais
se conseguiria obter se a ação do Estado devesse depender só e sempre das influências e das
delongas dos processos legislativos tradicionais, ou seja, das assembléias constituídas por
centenas de membros em sua maior parte desprovidos de conhecimentos especializados e atentos,
as mais das vezes, aos interesses das fôrças que os elegem mais do que às necessidades reais da
nação nem sempre atendíveis por soluções do agrado de grupos ou clientelas eleitorais.
Preciso se faz, acrescenta-se, habilitar o Executivo a exercer as suas ingentes tarefas delegandolhe, sob certos limites, o exercício de funções legislativas e permitindo-lhe intervir com maior
intensidade no processo parlamentar de elaboração das leis, sem prejuízo da independência do
38
De sorte a não ser assim adequada, oportuna e conveniente a disciplina que
ele lhes haja de dar pela lei.
Compreende-se a medida provisória como ato do Poder Executivo, mas não
enquanto simples decreto, como modo de o Presidente da República praticar atos
administrativos ordinária e generalizadamente, contudo como meio especial de ele
dispor com força de lei, para todos os seus jurisdicionados em via restrita, atuando
no mundo dos fatos com poderes para solucionar situações excepcionais, em prol
do bem comum, autorizado pela Constituição em hipóteses determinadas por ela e
ad referendum político do Congresso Nacional, que a confirmará quando ratificar a
disposição editada pelo Poder Executivo por sua conversão em lei ou a destituirá de
vigor quando a rejeitar, em que pese e sem embargo, possa ainda a medida
provisória perder vigor por decurso de prazo de validade, quando não for votada por
esse Parlamento, dentro do interstício de sua validade constitucional.
1.2.6 Natureza jurídica
Enquanto ato normativo primário, originário de autoridade pública com
atribuição constitucional para editá-la, em sentido material, a medida provisória
poderia ser considerada lei.31
Poder Legislativo e sem ferir a competência política que pertence essencialmente às câmaras de
representação popular (RÁO, Vicente. As delegações legislativas no parlamentarismo e no
presidencialismo. São Paulo: Max Limonad, 1966. v. 1, p. 17-18).
31
Este, pois – permito-me repeti-lo – o primeiro aspecto a salientar: medida provisória é lei especial,
dotada de vigência provisória imediata.
Daí, por ser assim, é que as hipóteses de medidas provisórias hão de ser, todas elas,
ponderadamente sopesadas.
Uma das limitações à sua adoção – e aqui o segundo aspecto que me permito enfrentar – é o
seguinte: tratando-se de lei que tem vigência imediata, porém provisória, não podem ser
implementadas através dela soluções que produzam efeitos que não possam ser arredados (Fábio
Comparato). Os seus efeitos devem necessariamente poder ser desfeitos, observado o disposto no
parágrafo único do referido art. 62. Insisto: trata-se de lei, a medida provisória, dotada de vigência
provisória.
Aqui naturalmente se reclama esforço de construção doutrinária, que se espera não recusem os
estudiosos do Direito, voltado ao delineamento conceitual mais preciso do que comportem e não
comportem as noções de “efeitos que possam” e “efeitos que não possam ser arredados”. GRAU,
Eros Roberto. Medidas provisórias na Constituição de 1988. Revista dos Tribunais, São Paulo,
ano 79, v. 658, p. 241-243, ago. 1990.
39
Afinal é norma veiculadora de um mandamento geral que atua inovando a
ordem jurídica, criando, modificando ou extinguindo direito, em todo o território do
Estado que a edita e para todos os seus jurisdicionados, revogando a ordem legal
que com ela conflita, de acordo com parâmetros constitucionais, enquanto válida.
Na própria generalidade do ato, independentemente da autoridade de que ela
seja proveniente, desde que haja fundamento legal para o Poder Público ou a
Administração Pública obrigar o seu cumprimento por todos, que a eles se
submetam, como mandado dotado de sanção, já nisto estará o caráter de lei em
senso material que qualifica a medida provisória.32
Lei sempre foi algo relacionado à criação ou revelação de direito. Diz respeito
à norma, prescrição e regra. Enuncia o que se deve ou não fazer e como, sob
sanção. Como a medida provisória faz.
Entretanto – na visão do constitucionalismo – o ato normativo com estes
atributos de abstração, de permanência, de generalidade e com força obrigatória,
somente será considerado lei, se ele for consequência da atividade do Parlamento
ou do Poder Legislativo.
Logo a medida provisória efetivamente não é lei.
É exceção ao princípio de que ao Legislativo incumbe editar atos que
obriguem. A medida provisória não é lei, é ato que tem „força de lei‟. Por que não é
lei? Lei é ato nascido no Poder Legislativo que se submete a um regime jurídico
predeterminado na Constituição, capaz de inovar originariamente a ordem jurídica,
ou seja, criar direitos e deveres. Notem a primeira afirmação: „É ato nascido no
Poder Legislativo‟, capaz de criar direitos e obrigações. A medida provisória também
cria direitos e obrigações, também obriga, porque o constituinte permitiu exceção ao
princípio doutrinário segundo o qual legislar incumbe ao Legislativo. Não é lei,
porque não nasce no Legislativo. Tem força de lei, embora emane de uma única
32
Na doutrina brasileira, que é que neste momento interessa, a distinção se processa a partir da
noção de generalidade. Se o ato normativo é genérico, não importa de onde provenha, então, a
doutrina vai identificá-lo como lei material. Se, ao contrário, o ato legislativo contiver preceitos
concretos, então a doutrina vai chamá-lo de lei formal. A lei material, no caso, tanto pode emanar
dos órgãos dotados de competência legislativa, como da Administração Pública. Quanto à lei
formal, emanará sempre, dos órgãos dotados, pela Constituinte de atribuição legiferante (CLÉVE,
Clèmerson Merlin. A fiscalização abstrata de constitucionalidade no Direito brasileiro. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 1995. p. 136).
40
pessoa, é unipessoal, não é fruto de representação popular, estabelecida no art. 1º,
parágrafo único (todo poder emana do povo). Medida provisória não é lei. 33
Porque a vigência precária dela acontece no espaço de tempo compreendido
entre a sua edição pelo Poder Executivo e o ato do Poder Legislativo que a converta
ou não em lei e, neste transitar de um ramo do Poder a outro, para esta finalidade,
ela vale, é eficaz e existe efetivamente e sem que este seu estado de existência
nada deva à ação do Congresso Nacional, que somente tem interferência de fato na
consistência e validade de seu mandado, quando define se ela está ou não
convertida em lei.
Insta com isto dissertar sobre seus atributos. Para definir-lhe a espécie
normativa precisa de caracterização jurídica, já que ela está incluída no gênero dos
atos normativos primários, indubitavelmente. 34
Há na medida provisória propósito cautelar almejado pela autoridade, que a
edita, visando evitar que um risco potencial de dano, latente em uma situação de
fato, se converta em prejuízo efetivo em determinado contexto que se verifica dentro
do território de um Estado ou que nele possa ter consequências danosas.
Colima-se com ela conjurar evento potencialmente prejudicial acontecido de
forma inesperada, rápida e imprevista. Mas que se não for administrado e assim
cuidado e disciplinado imediatamente pela pronta ação executiva do Poder Público e
por meio de sua providência concreta dotada dos atributos legais de obrigatoriedade
para todos, pode resultar em prejuízo de difícil reparação ou irreversível para suas
instituições, políticas, patrimônios, interesses, valores e população.
33
TEMER, Michel. Elementos de Direito Constitucional. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 153.
Imediatamente abaixo da Constituição, situam-se os atos do Poder estatal e de força hierárquica
infra-constitucional. Gerais e abstratos, ou concretos e individuais, vão haurir sua força e validade
diretamente da Constituição. São atos, não há negar que „inovam primariamente a ordem jurídica‟,
situando-se no plano da função legislativa. Não importa o órgão que os produza, pois, a
Constituição, primeira norma do sistema, outorga competência de tal nível e força, quer ao Órgão
Legislativo (Constituição Federal, artigo 46, incisos II, III, IV), quer ao Órgão Executivo (Constituição
Federal, artigo 46, incisos IV, V e artigos 81, incisos V, VIII e XXII), quer, finalmente, ao Órgão
Judiciário (Constituição Federal, artigo 115, inciso III). A força própria do ato praticado no exercício
de tal função foi posta em relevo, com mestria, por Oswaldo Aranha Bandeira de Mello (48), quando
referindo-se ao valor formal da lei, diz que „sua força jurídica consiste no caráter de inovar, de
maneira absoluta, a ordem jurídica, derrogando a anterior, dentro da estrutura Constitucional
vigente‟. Nível hierárquico vertical de plano infra-constitucional e força própria inovadora da ordem
jurídica, eis as características dos atos emanados no exercício da função legislativa, na sistemática
ora adotada (BASTOS, Celso Ribeiro. Atos normativos do órgão Executivo. JUSTITIA, v. 48, n. 134,
p. 32-52, abr./jun. 1986).
34
41
Há nela, em suma, uma ação em legítima defesa da ordem cultural,
financeira, tributária, econômica, social, política e, pois, da ordem pública e também
do Estado quando posto em estado de necessidade. Em circunstância que dele se
exija agir e reagir em senso executivo e prontamente contra ameaças de lesão e de
prejuízo a seus pressupostos, fundamentos e contextos e cuja medida a
desencadear e executar para que prevaleça o interesse público e coletivo seja da
alçada de seu Poder implementar para conseguir a ordenação do Estado na
consecução de seu fim de criação de utilidade pública.
Importa, todavia, para que o Poder Executivo possa agir, legislando de forma
extraordinária em seu lugar, por meio da medida provisória, que o Poder Legislativo
se mostre impotente para conjurar estes riscos, nestas situações ameaçadoras,
apresentando-se sem condições de desconstituí-las como órgão a tanto competente
e se ache limitado em sua ação para responder de maneira imediata, suficiente,
conveniente e oportuna a estes desafios e legislar prontamente no sentido de
harmonizar suas disciplinas e regramentos com e em prol do interesse público.
Então, nesta situação, a medida provisória poderá ser editada pelo Chefe do
Poder Executivo e vigerá até que o Poder Legislativo tenha condição de posicionarse em face do problema e em modo legal e de forma oportuna, razoável e
proporcional e como não poderia fazer de imediato quando o problema surgiu e
como pôde o Poder Executivo fazer desde logo, sustando o risco iminente destas
ameaças e colocando-o sob controle estatal imediato, eficaz e efetivo, de forma a
evitar suas ocorrências ameaçadoras à ordem pública e enquanto o Poder
Legislativo se mostrava impossibilitado em assim fazer e agir, direcionando a
disciplina dos fatos para o leito de suas coerências e compatibilidades com os
parâmetros e princípios constitucionais vigentes.
Aduza-se, pois, que enquanto ato de execução de providência do Poder, a
medida provisória é uma prescrição, um remédio contra certo mal súbito, o
tratamento da circunstância que concorre em potência para a afecção repentina do
corpo social ou político do Estado, que esta situação prenuncia.
É o bálsamo que impede as seqüelas desse mal por via de um remédio
transitório e precário, mas que somente se define como adequado e definitivo para o
mal que pretende debelar pelo sacramento da atuação normativa excepcional do
42
Poder Executivo quando o Poder Legislativo consagra com a lei o programa
normativo para disciplina jurídica do problema que a medida provisória apenas
improvisou ao instaurar-se e que ela, a lei visa definitivamente solucionar.
Para estas finalidades, está, pois, o legislador extraordinário que edita a
medida provisória, por atribuição constitucional, investido originariamente de
poderes pelo constituinte para editá-las, enquanto normas com força de lei.
Neste sentido, atos normativos, que não são leis. 35
Porque este legislador extraordinário expede ordens coercitivas tanto quanto
as leis igualmente veiculam embora não tenha atribuição do constituinte para
produzir leis, enquanto Poder Executivo, de forma ordinária, salvo nestas
circunstâncias peculiares e extraordinárias de relevância e urgência, em que a
Constituição lhe atribui uma prerrogativa expressa e especial, de legislar, entretanto
não como se Poder Legislativo fosse, mas como Poder Executivo que é.
Neste ponto é que está o atributo principal da medida provisória, em face da
Constituição da República Federativa do Brasil, a qualidade de ela ser uma outorga
35
Convém desde logo acentuar que as medidas provisórias são profundamente diferentes das leis – e
não apenas pelo órgão que as emana. Nem mesmo se pode dizer que a Constituição foi
tecnicamente precisa ao dizer que têm „força de lei‟. A compostura que a própria Lei Magna lhe
conferiu desmente a assertiva ou exige que seja recebida cun grano salis.
A primeira diferença entre umas e outras reside em que as medidas provisórias correspondem a
uma forma excepcional de regular certos assuntos, ao passo que as leis são a via normal de
discipliná-los.
A segunda diferença está em que as medidas provisórias são, por definição efêmeras, enquanto
as leis, além de perdurarem normalmente por tempo indeterminado, quando temporárias têm seu
prazo por elas mesmo fixado, ao contrário das medidas provisórias, cuja duração máxima já está
preestabelecida na Constituição: 120 dias.
A terceira diferença consiste em que as medidas provisórias são precárias, isto é, podem ser
infirmadas pelo Congresso a qualquer momento dentro do prazo em que deve apreciá-las, em
contraste com a lei, cuja persistência só depende do próprio órgão que a emanou (Congresso).
A quarta diferença resulta de que a medida provisória não confirmada, isto é, não transformada em
lei, perde sua eficácia desde o início; esta diversamente, ao ser revogada, apenas cessa seus
efeitos “ex nunc”.
Por tudo isto se vê que a força jurídica de ambas não é a mesma.
Finalmente, a quinta e importantíssima diferença procede de que a medida provisória, para ser
expedida, depende da ocorrência de certos pressupostos, especificamente os de “relevância e
urgência”, enquanto, no caso da lei, a relevância da matéria, não é condição para que seja
produzida; antes, passa a ser de direito relevante tudo o que a lei houver estabelecido. Demais
disso, inexiste o requisito de urgência.
Em virtude do exposto, seria erro gravíssimo analisá-las como se fossem leis “expedidas pelo
Executivo” e, em conseqüência, atribuir-lhes regime jurídico ou possibilidades normatizadoras
equivalentes às das leis (MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo..
São Paulo: Malheiros Editores, 2009. p. 130-131).
43
constitucional do constituinte diretamente para o Presidente da República, sem
intermediários, para outorgar-lhe excepcionalmente função legislativa extraordinária.
Certamente, enquanto é o Presidente da República quem deve agir nesta
simbiose de administrador e legislador que a Constituição lhe faculta ser
extraordinariamente.
Para que ele possa cumprir sua missão constitucional de fautor da utilidade
pública, gerando-a e dando-lhe ensejo de acontecer por via da medida provisória.
Como um diploma normativo que vale no plano do ordenamento jurídico, com força
de lei, porém, pela unção de quem não é sujeito do processo legislativo, no caso, o
Presidente da República.
Diz, então, a Constituição, que a medida provisória somente será lei, por sua
conversão nesta espécie de ato normativo e quando ela for aprovada pelo Poder
Legislativo, passando de uma ordem normativa do Poder Executivo, plasmada em
seu plano de executar, para uma ordem normativa do Poder Legislativo, em sua
missão de legislar e que, assim, então, convertida, se erigirá em lei, se for por ele
aprovada, em regular processo legislativo.
Na conceituação de medida provisória está, assim, em realce, seu caráter de
legislação excepcional, seja pela qualidade do agente público que a edita, o
Presidente da República, que não detém poderes ordinários para legislar,
constitucionalmente, o que compete comumente ao Poder Legislativo, seja pela
natureza da prerrogativa de ação que a Constituição atribui a esta autoridade, em ter
a discrição para decidir quando legislar por esta via.
De logo se vê, que a dimensão dos poderes conferidos pela Constituição ao
Presidente da República para legislar pela medida provisória, é um poder
extremado, não apenas excepcional, cujos limites somente podem ser postos a
partir de acurado estudo da natureza jurídica própria do instituto, como aqui se
pretende.
Mas destaque-se que embora em situação de necessidade de disciplina
legislativa, possa valer-se o Presidente da República da medida provisória, para
ensejá-la, não será propriamente em situação de perigo para as instituições do
Estado, que ela poderá ser instrumento de legislação por ele, porque a medida
44
provisória não é um mandado para restabelecimento da ordem pública em situações
em que ela se faz necessária de ser preservada ou restaurada por medidas
excepcionais, como são as que disciplinam e sustentam os estados de emergência e
de sítio.36
O pressuposto básico para legislar-se por medida provisória é a premência da
disciplina legislativa que dela careça o Governo para ordenar uma situação no
contexto dos fatos que dela devem ser objeto, dentro da normalidade constitucional,
desde, pois, que a ação do Poder Legislativo não seja possível na hipótese ou que o
processo legislativo não seja necessariamente rápido, nas mesmas circunstâncias
para debelar o risco que a medida provisória possa conter em preservação da ordem
pública.
Na identificação deste pressuposto, está o limite para a discrição do
Presidente da República em definir o momento oportuno para legislar por medida
provisória.
36
A aderência do direito italiano, tantas vezes enfatizada em relação ao instituto, e particularmente
visível nesse passo, obriga a advertir: é preciso ter cuidado com a doutrina peninsular, que, em boa
parte, equipara situação excepcional – urgência dentro da normalidade – a situação de exceção –
risco à sobrevivência do Estado e das instituições constitucionais. Trata-se de um problema peculiar
à ordem constitucional italiana, inexistente em face da Constituição de 1988: diante das regras
atinentes ao estado de defesa e ao estado de sítio (arts. 136 a 141), não resta qualquer dúvida que
as medidas provisórias não se dirigem ao disciplinamento de situações de exceção. Assim, o
„estado de necessidade‟, que por vezes se invoca como ensejador de sua edição, deve ser
entendido numa acepção branda, de necessidade dentro da normalidade (MARIOTTI, Alexandre.
Medidas provisórias. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 71).
45
2 CONDIÇÃO DE VALIDADE
2.1
O Pressuposto Elementar de Edição em Postura Doutrinária: a irrupção
de um estado de premência requerendo disciplina legal instantânea
Circunstâncias factuais específicas e históricas peculiares na gestão da coisa
pública pelos Governos, durante séculos, impuseram como forma de disciplina para
certos fenômenos, o desenvolvimento paulatino de instrumentos normativos que, em
contínuo aperfeiçoamento, no sentido de se adequar aos parâmetros de um
constitucionalismo democrático, vem estar consolidado na medida provisória.
Neste evoluir, ainda não consumado, este trabalho procurará mostrar este
processo de gestação do instituto, nos capítulos subseqüentes, em que se concluirá
que a matriz da medida provisória está em atos normativos dos Governos, enquanto
Poder Executivo, sujeitos, sem prejuízo de vigor, até então, ao crivo dos
Parlamentos, que os podem ratificar ou não, convolando-os em lei, se assim os
aprovarem ou tolhendo-lhes eficácia, se lhes negarem aprovação, como regra geral,
se verifica no curso da história.
No contexto italiano a este instituto com estas características denominou-se
decreto-lei, como noticiou Vicente Ráo:
A denominação “decretos-leis” sempre foi usada na Itália, não no sentido
genérico de legislação governamental, nem no sentido de legislação
delegada, mas apenas para designar os atos normativos, com força de lei,
expedidos pelo governo sem prévia autorização parlamentar, sujeitos,
porém, a serem retificados ou convertidos em lei pelas câmaras.
São os decretos-leis, pois, atos governamentais e excepcionais, de
conteúdo legal, que só adquirem eficácia definitiva quando os órgãos
legislativos normais os convertem em leis. Seus pressupostos são mais
rigorosos do que reclamados para as leis delegadas, pois a constituição só
e unicamente admite sua prática em casos extraordinários de necessidade
37
e urgência.
Para o Brasil, foi ele importado com contornos bem próximos destas
características e com esta nomenclatura, pioneiramente, pelo constituinte de 1967 e
1969, sob o nome de decreto-lei. Depois, pelo constituinte de 1988, batizado por
medida provisória.
37
RÁO, Vicente. As delegações legislativas no parlamentarismo e no presidencialismo. São
Paulo: Max Limonad, 1966. v. 1, p. 180.
46
Em breves pinceladas, tanto o decreto-lei disciplinado pelos constituintes
brasileiros de 1967 e de 1969, como a medida provisória do constituinte de 1988,
são atos governamentais e excepcionais, de conteúdo legal, que só adquirem
eficácia definitiva quando os órgãos legislativos normais os convertem em leis. Seus
pressupostos são mais rigorosos do que reclamados para as leis delegadas, pois a
constituição só e unicamente admite sua prática em casos extraordinários de
necessidade e urgência, como aqueles outros atos enfocados por Vicente Ráo.
Importa,
pois,
para
se
entender
a
medida
da
legitimidade
da
instrumentalização do instituto, medida provisória, correlacioná-lo com estes
similares, para determiná-la, fato que embora contribua para aclarar o seu conceito,
permite sua melhor compreensão, por analisar sua razão jurídica de existir a partir
do pressuposto doutrinário entendido como fundamental para sua edição.
Os clássicos da filosofia – os lógicos e Aristóteles, sobretudo – enunciaram
que definitio fit per genus proximum et diferenciam specificam, no sentido de
que os objetos se definem, pela comparação entre eles e a fim de se estabelecer,
comparando-os, as relações que os situem entre os objetos que forem do mesmo
gênero, porém, distinguindo-os por suas diferenças específicas.
Atualmente, evitando-se definir as coisas por este rigor ultrapassado, haja
vista a complexidade do mundo, mais se prefere que cientificamente os objetos do
conhecimento sejam conceituados de que definidos, contudo, as conceituações,
pouco se afastam destes parâmetros para que uns sejam diferenciados dos outros,
a partir do gênero próximo e da diferença específica.
A busca, por conseguinte, do porque e para que existir a medida provisória,
requer relacioná-la com institutos de seu mesmo gênero, como são os decretos-leis
dos constituintes brasileiros de 1967 e de 1969 e para, estabelecendo, entre eles
semelhanças e diferenças específicas, identificar a particular razão de ser e
natureza própria, de cada um deles pela correlação entre seus elementos
constitutivos e funções, de sorte a distingui-los, comparando-os entre si, a partir de
tais termos de comparação.38
38
Assim, cumpre que se estabeleça, de início, o sentido do princípio da separação de poderes em
relação à função legislativa, aspecto da teoria do Estado de Direito que é diretamente posto em
questão pela atividade do Poder Executivo como legislador. Feito isso, devem ser assinaladas as
47
Está este tópico ditado por esta preocupação, portanto, sem embargo de que
refletir sobre o seu tema, seja assunto, também, de conceituação da medida
provisória, objeto de tópico a parte, do qual este, se não absolutamente
independente,
por
sua
importância,
quanto
ao
estudo
do
instituto,
é
necessariamente distinto, pela importância em situar em que ponto a medida
provisória se legitima.
Insta, então, buscar um parâmetro de comparação entre o decreto-lei, como
delineado nas Constituições brasileiras de 1967 e de 1969, com a medida provisória,
como contida na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, para bem
conceituá-la, não obstante ambos sejam institutos distintos.39
consequências que a transição do Estado de Direito do modelo liberal adotado no século XIX para o
modelo social que caracteriza o século XX produz na compreensão e operatividade da configuração
original do princípio, no que se refere à função legislativa.
Em seqüência, cumpre sejam referidas algumas das principais modalidades de atividade legislativa
do Poder Executivo no direito comparado e mesmo no Brasil. O objetivo será duplo: primeiro,
demonstrar concretamente a já acenada generalização do fenômeno no atual estágio do Estado de
Direito, e, segundo, apresentar modelos de legislação pelo Poder Executivo de corte diverso do
figurino das medidas provisórias.
O decreto-legge italiano deverá receber atenção especial, não só em razão de ter sido o inspirador
do constituinte de 1988, como também – e este aspecto talvez seja o mais importante – por suscitar
dificuldades jurídicas e políticas bastante semelhantes, inclusive no que tange ao „abuso‟ de que
são objeto as medidas provisórias.
Colhidos os subsídios do direito comparado, tratar-se-á de referir os antecedentes das medidas
provisórias na história constitucional do Brasil, em especial os decretos-lei previstos na Constituição
de 1967 e na Emenda Constitucional n. 1, de 1969 (MARIOTTI, Alexandre. Medidas provisórias.
São Paulo: Saraiva, 1999. p. 5).
39
Confira-se, contudo:
Desde que introduzidas no direito brasileiro pela Constituição Federal de 1988, as medidas
provisórias têm sido objeto de atenção doutrinária. Substitutas declaradas do mal-afamado decretolei da ordem constitucional pretérita, vinham elas credenciadas pela aderência ao modelo do
decreto-legge da Constituição italiana de 1947, reconhecidamente democrática e fiel aos princípios
do Estado de Direito. Tratar-se-ia de um instrumento jurídico apto a permitir que o Poder Executivo,
em situações extraordinárias, editasse atos normativos com força de lei, sem ensejar o atropelo da
competência legislativa, reservada com absoluta prioridade ao Congresso Nacional. Tudo
perfeitamente compatível com uma Constituição que visava encerrar definitivamente um regime
instaurado pela força das armas e que primou pela reação desigual entre um Poder Executivo sem
legitimidade democrática e um Poder Legislativo reduzido à impotência.
Não demorou muito, entretanto, para que as medidas provisórias tomassem o lugar do decreto-lei
como objeto de uma quase-unânime reprovação, reprovação esta que não se restringe aos debates
doutrinários e parlamentares. Isso porque sua utilização pelo Poder Executivo nunca se limitou às
situações extraordinárias para que foram concebidas, do que resultou a sua transformação, de fato,
em modo ordinário de legislar. Não parece nenhuma ousadia dizer que as medidas provisórias
padecem, na prática, do mesmo vício que granjeou ao decreto-lei a sua notória má-reputação. Aliás,
já não é incomum o juízo de que aquelas tenham representado um retrocesso em relação a este,
expresso na afirmação de que „a substituição do decreto-lei pela medida provisória é a emenda pior
que o soneto... (MARIOTTI, Alexandre. Medidas provisórias. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 1).
Muito embora deva-se distinguir o decreto-lei das Constituições brasileiras de 1967 e de 1969, da
medida provisória de 1988, é inevitável a conclusão acima na prática e por conta do quanto se
deturpa o instituto por seu uso costumeiro, em verdade, um abuso, em que pese intrinsecamente,
tenham esses considerados decretos-leis, a mesma matriz originária da medida provisória, como se
48
Conquanto se não idênticos, certamente, apresentam pontos de identidade
que os assemelham entre si e que estão postos em serem atos normativos, dotados
de eficácia legal, leis em senso material, imediatamente e assim quando editados
pelo Poder Executivo, no momento político e social, em que a ordem ou o interesse
público, por estado de indiscutível necessidade, somente poderiam achar-se
salvaguardados pela pronta ação deste ramo do Poder, único então com aptidão no
contexto da normalidade constitucional (nunca em situação, por hipótese de estado
de sítio ou de emergência) para, de maneira eficaz, assegurar os interesses do
Estado e, pois, de sua comunidade social, por via de um edito que seja acatado por
todos, assim, legislando no lugar do Poder Legislativo, em caráter excepcional e em
condições especialíssimas.
Este denominador comum entre os dois instrumentos normativos, o decretolei, sob ótica do Direito Brasileiro e a medida provisória, nesse mesmo contexto, está
em que os dois têm como pressuposto de edição a irrupção de um estado de coisas
repentino e inesperado que exija pronta e inadiável regulação legal e sob pena de
em não sendo assim disciplinado, na hora, em que irrompido, converter-se em dano
insuportável para a coisa pública.
Dispunha, então, a Constituição do Brasil, de 27 de janeiro de 1967:
Art. 58. O Presidente da República, em casos de urgência ou de interesse
público relevante, e desde que não resulte aumento de despesa, poderá
expedir decretos com força de lei sobre as seguintes matérias
I – segurança nacional:
II – finanças públicas.
Parágrafo único. Publicado o texto, que terá vigência imediata, o Congresso
Nacional o aprovará ou rejeitará, dentro de sessenta dias, não podendo
emendá-lo; se, nesse prazo, não houver deliberação, o texto será tido como
aprovado.
sustenta, o decreto-legge de origem italiana, de onde sendo eles institutos com origens comuns,
prestam-se a serem comparados.
49
Em seguida, a Emenda Constitucional nº 1, de 17 de outubro de 1969,
Constituição brasileira de 1969:
Art. 55. O Presidente da República, em casos de urgência ou de interesse
público relevante, e desde que não haja aumento de despesa, poderá
expedir decretos-leis sobre as seguintes matérias:
I – segurança nacional;
II – finanças públicas, inclusive normas tributárias; e
III – criação de cargos públicos e fixação de vencimentos.
§ 1º - Publicado o texto, que terá vigência imediata, o decreto-lei será
submetido pelo Presidente da República ao Congresso Nacional, que o
aprovará ou rejeitará, dentro de sessenta dias a contar do seu recebimento,
não podendo emendá-lo, se, nesse prazo, não houver deliberação, aplicarse-á o disposto no § 3º do art. 51.
§ 2º - A rejeição do decreto-lei não implicará a nulidade dos atos praticados
durante a sua vigência.
Atualmente, o artigo 62, da Constituição da República Federativa do Brasil:
Art. 62. Em caso de relevância e urgência, o Presidente da República
poderá adotar medidas provisórias, com força de lei, devendo submetê-las
de imediato ao Congresso Nacional.
§ 1º - É vedada a edição de medidas provisórias sobre matéria:
I – relativa a:
a) nacionalidade, cidadania, direitos políticos, partidos políticos e direito
eleitoral;
b) direito penal, processual penal e processual civil;
c) organização do Poder Judiciário e do Ministério Público, a carreira e a
garantia de seus membros;
d) planos plurianuais, diretrizes orçamentárias, orçamento e créditos
adicionais e suplementares, ressalvado o previsto no art. 167, § 3º;
II – que vise a detenção ou seqüestro de bens, de poupança popular ou
qualquer outro ativo financeiro;
III – reservada a lei complementar;
IV – já disciplinada em projeto de lei aprovado pelo Congresso Nacional e
pendente de sanção ou veto do Presidente da República.
§ 2º - Medida provisória que implique instituição ou majoração de
impostos, exceto os previstos nos arts. 153, I, II, IV, V e 154, II, só produzirá
efeitos no exercício financeiro seguinte se houver sido convertida em lei até
o último dia daquele em que foi editada.
§ 3º - As medidas provisórias, ressalvado o disposto nos § § 11 e 12
perderão eficácia, desde a edição, se não forem convertidas em lei no prazo
de sessenta dias, prorrogável, nos termos do § 7º, uma vez por igual
período, devendo o Congresso Nacional disciplinar, por decreto legislativo,
as relações jurídicas delas decorrentes.
§ 4º - O prazo a que se refere o § 3º contar-se-á da publicação da medida
provisória, suspendendo-se durante os períodos de recesso do Congresso
Nacional.
50
§ 5º - A deliberação de cada uma das Casas do Congresso Nacional
sobre o mérito das medidas provisórias dependerá de juízo prévio sobre o
atendimento de seus pressupostos constitucionais.
§ 6º - Se a medida provisória não for apreciada em até quarenta e cinco
dias contados de sua publicação, entrará em regime de urgência,
subseqüentemente, em cada uma das Casas do Congresso Nacional,
ficando sobrestadas, até que se ultime a votação, todas as demais
deliberações legislativas da Casa em que estiver tramitando.
§ 7º - Prorrogar-se-á uma única vez por igual período a vigência de
medida provisória que, no prazo de sessenta dias, contado de sua
publicação, não tiver a sua votação encerrada nas duas Casas do
Congresso Nacional.
§ 8º - As medidas provisórias terão sua votação iniciada na Câmara dos
Deputados.
§ 9º - Caberá à comissão mista de Deputados e Senadores examinar as
medidas provisórias e sobre elas emitir parecer, antes de serem apreciadas,
em sessão separada, pelo plenário de cada uma das Casas do Congresso
Nacional.
§ 10 - É vedada a reedição, na mesma sessão legislativa, de medida
provisória que tenha sido rejeitada ou que tenha perdido sua eficácia por
decurso de prazo.
§ 11 - Não editado o decreto legislativo a que se refere o § 3º até sessenta
dias após a rejeição ou perda de eficácia de medida provisória, as relações
jurídicas constituídas e decorrentes de atos praticados durante sua vigência
conservar-se-ão por ela regidas.
§ 12 - Aprovado projeto de lei de conversão alterando o texto original da
medida provisória, esta manter-se-á integralmente em vigor até que seja
sancionado ou vetado o projeto.
Assim, já se pode antever expressiva diferença entre o decreto-lei e a medida
provisória, como objeto da Constituição de 1988, quanto ao campo material em que
se situam os temas passíveis da disciplina por eles.
Neste cenário, a comparação que se pode fazer, entre o decreto-lei e a
medida provisória, permite a conclusão de que estes campos, não são os mesmos,
para o decreto-lei assim situado nas constituições brasileiras de 1967 e 1969 e a
medida provisória da vigente Constituição do Brasil.
Na medida em que a de 1967 sintetiza o campo material do decreto-lei em
questões genéricas e de difícil determinação como a segurança nacional e as
finanças públicas e a de 1969, pelo acréscimo a estes dois temas, da possibilidade
do legislador deste diploma legal editar normas tributárias e criar cargos públicos,
fixando-lhe seus respectivos vencimentos. Enquanto o constituinte de 1988 procurou
se afastar da síntese que nestas hipóteses de matérias passíveis de disciplina pelo
decreto-lei, fora a pauta do constituinte da ditadura militar.
51
Desta maneira, o constituinte de 1988 cuidou para que não fosse motivo para
o abuso da faculdade do Poder Executivo legislar, pelo menos nos termos em que
hoje se apresenta o artigo 62 da Constituição da República Federativa do Brasil, a
genérica definição do campo material das medidas provisórias e especificou a seu
ver todas as matérias sobre as quais elas não podem dispor.
Optou por relacionar de forma analítica e exata no corpo da Constituição, o rol
próprio de matérias para sua disciplina e até mesmo para evitar que a síntese do
período anterior e como fizeram as anteriores constituições, pudesse mal situar o
campo material da medida provisória, como se dera outrora com o do decreto-lei, em
que ele ficara posto em questões tão genéricas como as da segurança nacional e
finanças públicas.40
De outro bordo, expungiu-se da Constituição vigente, a aprovação do decretolei, por decurso de prazo, o que pelas Constituições de 1967 e 1969 era possível,
somente se admitindo, atualmente, a aprovação da medida provisória por expressa
manifestação congressual, de acordo com a Constituição de 1988.
Ainda, diferentemente das Constituições anteriores, de 1967 e de 1969, em
que o direito criado pelo decreto-lei vigia para as relações surgidas em sua vigência,
quando este fosse recusado pelo Congresso Nacional, pela Constituição atual, o
decreto legislativo é quem disporá sobre elas, sem embargo da continuidade da
vigência da medida provisória rejeitada, nos termos dos seus §§ 11 e 12, de seu
artigo 62.
Como se verifica, muitos pontos de comparação diferenciam os decretos-lei
em questão das medidas provisórias e entre eles, destaca-se o fato de que nem
mesmo ao Congresso Nacional competia emendá-los, podendo apenas aprová-los
ou rejeitá-los, na íntegra, sob pena de não o fazendo em certo tempo, dar-se a
aprovação dos decretos-lei por decurso de prazo.
Mas nenhum destes pontos tanto os distingue, quanto o de que às
Constituições de 1967 e de 1969, falta o respaldo de legitimidade que sustenta a
nova Constituição de 1988, em que a medida provisória é um instituto de direito
40
Generalidade que permitiu que se disciplinasse por decreto-lei, até mesmo a matéria das locações,
a qual sabidamente nem pode ser assunto de segurança nacional ou de finanças públicas, em
qualquer enfoque razoável.
52
democrático, ao contrário do decreto-lei nas comentadas constituições anteriores,
que nelas era um instrumento da arbitrariedade da ditadura militar.41
No entanto, tomando-se o artigo 58, da Constituição de 1967, bem como o
artigo 55, da Constituição de 1969 e o artigo 62, da atual Constituição, justapostos,
em tese, estes três dispositivos por seus caputs, em que pesem todas as diferenças
entre estes institutos comparados, como já foram abordadas, verifica-se um ponto
de similitude entre eles.
Ponto que está na urgência que justifica em todos os casos, o uso do decretolei e da medida provisória, para disciplina legislativa de determinadas e certas
situações, não obstante, as Constituições de 67 e 69, ainda previssem o decreto-lei,
para casos de interesse público relevante – é o que decorre de suas literalidades –
ainda que nestes casos não houvesse urgência, ponto em que ele se diferenciava
da medida provisória.
Assim o decreto-lei para ser editado depende da ocorrência de casos de
urgência ou de interesse público relevante, em ambas as hipóteses de seu
acontecer e a medida provisória, de situação de relevância e urgência, para ser
oportuno o uso desta via legislativa pelo Presidente da República.
De acordo com estes termos de comparação, estabelecido um denominador
comum entre o decreto-lei e a medida provisória, a partir do contexto que justifica
sua utilidade social e função jurídica, posta em serem o decreto-lei e a medida
provisória soluções legislativas de urgência para a disciplina de determinados
assuntos, a criatividade riquíssima de Geraldo Ataliba bem situou o contexto de seu
vicejar, que, em verdade, é o pressuposto factual precípuo para ambos serem
instrumentalizados como diplomas normativos pelo Presidente da República haja
41
Após essas considerações comparativas, não resta senão a seguinte conclusão: a medida
provisória possui regime jurídico distinto do decreto-lei previsto, nas constituições anteriores, bem
como está incerta em sistema constitucional diverso do correspectivo italiano.
Qualquer proposição doutrinária descritivo-explicativa que não leve em consideração essas
distinções quanto ao regime jurídico, não possui referibilidade, ou a possui em âmbito restrito. A
descrição da medida provisória deve ser feita de acordo com o sistema constitucional vigente. Não
fazê-lo, é, ou permanecer no passado, atribuindo à nova Constituição o significado então atribuído à
velha, ou importar conceitos estrangeiros, repudiando o sistema constitucional brasileiro.
Faz-se, pois, relevante e urgente a análise do regime jurídico da medida provisória, com
fundamento nos princípios e regras de competência, instituídos pela CF (ÁVILA, Humberto
Bergmann. Medida provisória na Constituição de 1988. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris,
1997. p. 42).
53
vista a identidade, assim, causal entre o decreto-lei da ditadura militar e a medida
provisória, muito embora sejam eles institutos que se devam distinguir, em atenção a
rigor jurídico científico, por suas características extrínsecas.
Nestas circunstâncias e em tese pode se entender o decreto-lei, como se
medida provisória fosse e vice-versa, a medida provisória, como sendo decreto-lei,
porque não se está tratando dos dois institutos por suas discrepâncias, mas, sim,
por suas características de identidade, em que ambos são atos normativos do
Presidente da República, com força de lei, sujeitos à ratificação do Congresso
Nacional, depois de editados pelo primeiro, para disciplina de situações inesperadas
e carentes de urgente solução, para preservação e salvaguarda do interesse
público, em situação em que o Congresso não poderia em tempo disciplinar o
assunto.
Confira-se, portanto, o que sobre isto disse o saudoso Geraldo Ataliba:
Para que se realize a hipótese de cabimento do decreto-lei [leia-se
assim medida provisória] e que, portanto, se verifique o pressuposto de
competência presidencial para expedi-lo, é necessário que surja uma
situação imprevisível, configurando uma emergência exigente de
providência normativa imediata. Vale dizer: que irrompa subitamente
42
um estado de premência requerendo disciplina instantânea.
É, pois, nesta situação de irromper um estado de premência requerendo
disciplina instantânea, que há azo para a edição da medida provisória pelo Poder
Executivo, enquanto esta é um caminho legislativo extraordinário:
O pressuposto da extraordinariedade indica, por antítese, que os decretosleis não devem constituir atos de administração ordinária; a necessidade
significa a indeclinabilidade das medidas visadas para a realização de um
programa governamental de atendimento de interesses públicos que essas
medidas reclamem com urgência; e urgência é esta que se não confunde
com a do art. 72 [da Constituição italiana de 1948], relativa ao processo
simplificado que as câmaras podem adotar em certos casos, mas se
43
aproxima, mais do conceito de premência.
Veja-se que a citação de Vicente Ráo pode ser considerada uma antevisão da
medida provisória, enquanto se refere ao decreto-lei, que diz ser um ato de governo
com força de lei, sujeito à validação pelo Poder Legislativo, para ser lei, sem dúvida,
42
ATALIBA, Geraldo. O decreto-lei na Constituição de 1967. São Paulo: Revista dos Tribunais,
1967. p. 31.
43
RÁO, Vicente. As delegações legislativas no parlamentarismo e no presidencialismo. São
Paulo: Max Limonad, 1966. v. 1, p. 183.
54
entretanto, sobretudo, quando coloca o decreto-lei como continente de medidas, em
que prenuncia a nomenclatura que dada ao instituto pelo constituinte brasileiro de
1988, consagrou-o entre nós, como medida provisória.
Da indeclinabilidade das medidas visadas para a realização de um programa
governamental de atendimento de interesses públicos que essas medidas reclamem
com urgência e da premência em editá-las, de forma que se não editadas elas pelo
Poder Executivo e à evidente impossibilidade em fazê-lo com o mesmo imediatismo
e ação governamental, o Poder Legislativo, seja de ocorrer dano para estes
interesses, é que resulta a situação que autoriza o primeiro a concorrer com o
segundo, em verdade, substituindo-o de maneira excepcional e em forma precária,
por imposição do império das circunstâncias, nos termos da Constituição, para editar
então a medida provisória que irá solucionar a questão preventivamente até a
definitiva ação do Congresso Nacional, por sua conversão ou não em lei.
Esta natureza cautelar da medida provisória, a sua função em evitar o
perecimento do interesse público, ou a sustação do processo social que o possa
comprometer, é que explica e justifica a ação do Governo por sua via, quando não
houver outra forma ou jeito para a preservação e ressalva deles que não seja pela
ação legislativa do Poder Executivo.
Porque esta ação anômala deste Poder considerando as funções do Poder
como atribuídas aos entes que o integram nos termos do constitucionalismo,
somente se justifica e se explica por um fato extraordinário, que requeira a solução
pela legislação excepcional do Poder Executivo, imediatamente.
Daí o cerceio que as Constituições em geral e a brasileira especialmente
impõem também à livre ação do Poder Executivo neste campo, pela exigência de
requisitos formais e materiais, para a legislatura por medida provisória, como
veremos a seguir.
55
2.2 Requisitos Constitucionais Formais. A urgência e a relevância
Entretanto o atributo de incerteza que marca a medida provisória é relativo.44
Em primeiro lugar, porque pelo direito constitucional comparado se pode
mitigar esta imprecisão conceitual.
Enquanto urgente é aquilo que a velocidade do processo legislativo não é
suficiente a resolver em prol do interesse coletivo e público, por via da lei. Que assim
somente pode ser solucionado pela pronta ação do Governo, sem entraves
burocráticos e processuais, no processo de tomada de decisão, que, no Poder
Executivo é imediato e, no Poder Legislativo, notoriamente moroso, quanto a sua
conclusão e efetividade.
Ao passo que relevante é aquilo que tem relevo, que se destaca no mundo
dos fatos, pondo-se em posição superior e prioritária dentro de uma escala de
valores a serem preservados e defendidos e de soluções a serem preferencialmente
deliberadas e concretizadas como de importância máxima para a realização deste
interesse público e coletivo, transcendentemente com relação ao comum do quanto
deva ser considerado e feito para provê-lo e atendê-lo.
Em segundo lugar, porque as constituições já indicam em seus parâmetros a
noção do que seja o passível de ser legislado pela medida provisória, ainda que
muitas vezes de forma implícita.
Consignam, pois, o que seja necessário e, pois, relevante, como, também, o
que seja urgente.
Quando, por exemplo, delimitam o campo material das medidas provisórias,
como fez a Constituição da República Federativa do Brasil.
Confira-se que esta Constituição ao dispor sobre o campo material da medida
provisória, proíbe que ela seja editada em assuntos pertinentes a planos plurianuais,
diretrizes orçamentárias, orçamento e créditos adicionais e suplementares.
44
De outra parte, saliento também que se impõe ao Presidente da República, na ordem constitucional
vigente, a motivação da relevância e da urgência da medida, o que, evidentemente importa em
que, em cada caso, relevância e urgência deixem de ser indeterminadas (GRAU, Eros Roberto.
Medidas provisórias na Constituição de 1988. Revista dos Tribunais, São Paulo, ano 79, v. 658, p.
241-243, ago. 1990).
56
Salvo, como é textual, na Lei Magna, para atender nos termos do seu artigo
62, despesas imprevisíveis e urgentes, como as decorrentes de guerra, comoção
interna ou calamidade pública, situação em que poderá ser aberto crédito
extraordinário em atenção ao disposto no artigo 167, § 3° da Constituição da
República Federativa do Brasil.
Sem dúvida que será de urgência a legislação que dispuser sobre como
atender as despesas que decorram de tais eventos. Como igualmente a solução
destes assuntos será muito importante e por consequência relevante para a atenção
devida ao interesse coletivo e público.45
45
Veja-se que a Constituição, neste raciocínio, ao definir o objeto material da medida provisória,
afasta ainda desta modalidade legislativa excepcional, impostos que não são de instituição urgente porque não afetos à operacionalidade habitual e comezinha do aparato administrativo imediato do
Estado para dotá-lo de receitas para seus empenhos ordinários – e que assim podem ser legislados
com planejamento antecipadamente, sujeitando-se ao princípio da anualidade dos tributos por
consequência e para dotar as finanças públicas de receitas orçamentárias regulares, cuja
arrecadação, assim, tem menor importância e relevância para o atendimento das necessidades
públicas e coletivas do que aqueles que necessitam ser arrecadados tão logo quanto instituídos,
haja vista que estes últimos se destinam a atender necessidades extraordinárias e inesperadas da
máquina e da política estatal, precipuamente.
Apenas permite sejam instituídos por medida provisória impostos que digam respeito à urgente
disciplina fiscal e financeira do Estado, quase propriamente para sua administração imediata, com
efeito duplo, para dotação de receitas orçamentárias, objetivando o atendimento de suas
necessidades imprevistas e emergenciais, e também para o fim de ativar políticas de administração
de seus próprios negócios e interesses não apenas fiscais, mas desenvolvimentistas e de incentivo
e salvaguarda a negócios relacionados com objetivos de justiça social, como por exemplo, à
distribuição de renda e à regularidade dos mercados que administra e coordena e à segurança
econômica em geral.
Dentre outros para assegurar a higidez da moeda e das contas públicas imediatas que não podem
esperar muito tempo para serem preservadas ante os riscos de uma economia globalizada e de
efeitos instantâneos ou deletérios na política interna, que precisam assim ser profligados
imediatamente por via de uma política tributária de condução das atividades sociais para o bem
comum.
Como, por exemplo, são os impostos de importação de produtos estrangeiros, os de exportação,
para o exterior de produtos nacionais ou nacionalizados, os de produtos industrializados, os de
operações de crédito, câmbio e seguro, ou os relativos a títulos ou valores mobiliários, estes que
são tributos regulatórios com vocação eminente para acertar assuntos mesmo de política financeira
antes de orçamentária propriamente dita e que não tem natureza similar a de outros impostos que,
sem dúvida, destinam-se exclusivamente a dotar o Estado de receitas orçamentárias para o
funcionamento regular de sua máquina administrativa, como é o caso do imposto de renda e
proventos de qualquer natureza e sobre a propriedade territorial rural, não obstante este último
também colime consecução de metas governamentais na área da política fundiária e agrária,
especificamente.
Confira-se, neste sentido: Predominante, no imposto de importação, é sua função extrafiscal. Ele é
muito mais importante como instrumento de proteção da indústria nacional do que como
instrumento de arrecadação de recursos financeiros para o tesouro público. Se não existisse o
imposto de importação, a maioria dos produtos industrializados no Brasil não teria condições de
competir no mercado com seus similares produzidos em países economicamente mais
desenvolvidos, onde o custo industrial é reduzido graças aos processos de racionalização da
produção e ao desenvolvimento tecnológico de um modo geral. Além disto, vários países subsidiam
as exportações de produtos industrializados, de sorte que os seus preços ficam consideravelmente
reduzidos. Assim, o imposto de importação funciona como valioso instrumento de política
57
Neste ponto, expressivo critério para delimitar o que seja urgente e, pois, do
trato do legislador excepcional da medida provisória, está no prazo de cem dias –
sem interrupção durante o recesso do Congresso Nacional – que a Constituição, em
seu art. 64, determina para os trâmites de urgência na aprovação dos projetos de
iniciativa do Presidente da República, quando este os requerer ao Poder Legislativo.
Se uma disciplina legal para um fato não puder aguardar os cem dias assim
delimitados, será ela objeto de legislação pela medida provisória, porque de sua
falta, haverá risco de ocorrer lesão ou efetiva lesão para a coletividade ou para o
interesse público, cujos danos ou ameaças de danos delas resultantes, serão de
difícil ou impossível reparação para esta entidade ou para este interesse, caso os
primeiros, os riscos de prejuízo ou eles efetivamente não forem mitigados ou
imediatamente evitados de acontecer por esta legislação da medida provisória,
estando nesta mitigação ou na própria eliminação deste prejuízo a relevância de seu
enfoque.
Como se verifica a discricionariedade do agente público que edita a medida
provisória não é absoluta. Está pautada pelo princípio da proporcionalidade e da
razoabilidade que deve presidir a ação do Estado. Encontra parâmetros de analogia
bem objetivos que impedem serem as medidas provisórias abusivas porque
delimitáveis os requisitos subjetivos e formais de relevância e urgência necessários
às medidas provisórias.46
econômica (MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. São Paulo: Malheiros, 2009.
p. 305).
46
De logo, uma advertência tão sovada, quanto reiteradamente esquecida: os requisitos assinalados
pelo legislador constituinte são para valer. Exige-se a simultaneidade de ambos, sem o que
inexistirá clima jurídico para a produção da medida. Trata-se do conectivo conjuntor,
expressamente representado pelo „e‟. A estrutura lógica da frase normativa não comporta
interpretação sintática de outra ordem, reclamado que as duas proposições conjuntas se verifiquem
no mundo dos fatos sociais, para que a iniciativa possa ser desencadeada. Agora, se os vocábulos
urgência e relevância são portadores de conteúdo de significação de latitude ampla, sujeito a
critérios axiológicos cambiantes, que lhes dão timbre subjetivo de grande instabilidade, isto é
problema cuja solução demandará esforço constitutivo da comunidade jurídica, especialmente do
Poder Judiciário. Aquilo que devemos evitar, como singela homenagem a nossas instituições, é que
tais requisitos sejam empregados acriteriosamente, sem vetor de coerência de modo abusivo e
extravagante, como acontecera com o decreto-lei. São símbolos jurídicos que padecem de anemia
semântica, com sentidos difusos, mas há uma significação de base, um minimum que nos habilita
a desenhar o quadro possível de suas acepções (SANTOS, Brasilino Pereira dos. As medidas
provisórias no Direito Comparado e no Brasil. São Paulo: LTr, 1994. p. 494, reproduzindo
CARVALHO, Paulo de Barros. Medidas provisórias. Revista de Direito Público, Brasília, ano 24, n.
97, jan.-mar. 1991).
58
Além disto, integram os requisitos formais das medidas provisórias, sua
edição pelo Presidente da República, sua publicidade e sua imediata sujeição ao
Congresso Nacional tão logo editada e publicada.
2.3 Requisitos Constitucionais Materiais
Limita-se a medida provisória a matérias (artigo 62, § 1º) que não tratem de
nacionalidade, de cidadania, de direitos políticos, de partidos políticos e de direitos
eleitorais (artigo 62, § 1º, I, a), de direito penal, de direito processual penal e de
direito processual civil (artigo 62, § 1º, I, b), de organização do Poder Judiciário e do
Ministério Público, da carreira e garantia de seus membros (artigo 62, § 1º, I, c), de
planos plurianuais, de diretrizes orçamentárias, de orçamento e de créditos
adicionais e suplementares, exceção feita (artigo 167, § 3º) à abertura de crédito
extraordinário para atender despesas imprevisíveis e urgentes, como as decorrentes
de guerra, comoção interna ou calamidade pública e que pode ser aberto por
medida provisória, (artigo 62, § 1º, I, d), que não visem à detenção ou seqüestro de
bens, de poupança popular ou de qualquer outro ativo financeiro (artigo 62, § 1º, II),
que não sejam reservadas à lei complementar (artigo 62, § 1º, III) ou que já não
tenha sido disciplinada em projeto de lei aprovado pelo Congresso Nacional e
pendente de sanção ou veto do Presidente da República.
2.3.1
A limitação material do campo das medidas provisórias em
demarcação constitucional implícita e explícita
2.3.1.1
Panorama anterior à Emenda Constitucional nº 32, de 11 de setembro de
2001
Já se chegou a dizer anteriormente à Emenda Constitucional nº 32, de 11 de
setembro de 2002, que as medidas provisórias poderiam incursionar tematicamente
em qualquer área sujeita ao domínio normativo da lei, desde que presentes os
59
pressupostos formais de edição delas, como lembra Alexandre Mariotti, citando
Saulo Ramos.47
Não obstante, a jurisprudência e a doutrina e mesmo o plexo de emendas
constitucionais anteriores a esta Emenda nº 32, trataram de limitações materiais
implícitas e explícitas à edição de medidas provisórias pelo Poder Executivo. 48
2.3.1.2 Limitações materiais implícitas
As limitações implícitas são decorrentes das interpretações sistemáticas da
Constituição.
Como as que resultavam do entendimento de que se o constituinte proibia a
delegação de determinadas matérias ao Executivo para que este editasse leis
delegadas, não se poderia aceitar que tivesse a faculdade de editá-las por medida
provisória, porque a matéria que não poderia ser objeto da lei delegada era espaço
fechado de competência para legislação pelo Poder Legislativo, que, assim, não a
poderia delegar a outro ramo do Poder.
Ou as que concluíam pela impossibilidade de legislar-se por medida
provisória, a matéria da lei complementar, por se ter em conta que a exigência de
quorum qualificado para aprovação do projeto de lei complementar, na medida em
que, para se aprovar a medida provisória se carece de quorum de maioria simples,
viria este requisito para a aprovação da medida provisória em lei, com o mesmo
quorum da medida provisória, inviabilizar a sua operacionalidade e finalmente, por
dificultar sua aprovação congressual.
Ainda se dizia da impossibilidade da instituição ou do aumento de tributos por
via de medidas provisórias, eis que eles somente poderiam decorrer de lei, por força
de dispositivo constitucional expresso, nos termos do artigo 150, inciso I, da
Constituição.
47
MARIOTTI, Alexandre. Medidas provisórias. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 81.
NICOLAU, Gustavo Rene. Medidas provisórias: o executivo que legisla: evolução histórica do
constitucionalismo brasileiro. São Paulo: Atlas, 2009. p. 122-129.
48
60
A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, por sua vez, neste ponto,
pacificou o entendimento de que a medida provisória poderia criar tributo por ter
força de lei, respeitado o princípio da anterioridade e considerado para tanto a data
da primeira edição da medida provisória.
Chegou mesmo a admitir a medida provisória em matéria penal, a despeito do
princípio da legalidade dos delitos e das penas, desde que em benefício do réu.
2.3.1.3 Limitações materiais explícitas
Já as limitações materiais explícitas foram aquelas que resultaram, como se
disse, da aprovação de emendas constitucionais, limitando o campo material da
competência do legislador da medida provisória. Tais como, a Emenda de Revisão
nº 1, de 1994 e as Emendas Constitucionais números 5, 6, 7, 8 e 9 de 1995.
Conforme Gustavo Rene Nicolau49, estas emendas impediam regulamentação
das matérias constitucionais que tratavam por via de medidas provisórias.
2.3.1.4
Panorama posterior à Emenda Constitucional nº 32, de 11 de setembro de
2001
André Ramos Tavares aponta que as limitações impostas à legislação por
medida provisória, nos termos desta emenda, não é numerus clausus50 e Luiz David
Araújo e Vidal Serrano comentam:
Assim, antes da Emenda n. 32 havia um consenso em se estender os
conteúdos proibidos à lei delegada (art. 68, § 1º) para a medida provisória.
A Emenda n. 32, no entanto, trouxe vedação específica no art. 62, § 1º. Tais
vedações, no entanto, não contemplam a expressão „direitos individuais‟, o
que faz com que tenhamos perdido com a alteração constitucional. Dos
direitos individuais, apenas alguns (os constantes dos conteúdos do direito
penal, direito processual penal e direito processual civil e o seqüestro de
bens) estão a salvo da medida provisória. (...). Manifestamos nossa posição
49
NICOLAU, Gustavo Rene. Medidas provisórias: o executivo que legisla: evolução histórica do
constitucionalismo brasileiro. São Paulo: Atlas, 2009. p. 128.
50
TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional. 5ª ed. rev. atual. São Paulo: Saraiva,
2007. p. 1132, sustentando-se em Joel de Menezes Niebuhr. O novo regime constitucional da
medida provisória. p.109.
61
de que os direitos individuais não podem ser objeto de medida provisória,
apesar de não estar expressa a vedação no § 1º do art. 62. Trata-se de
interpretação sistemática e conforme a Constituição, que leva à proteção de
indelegabilidade de funções. Cláusula pétrea, assegurada no § 4º do art. 60
e no art. 2º da Constituição Federal. O núcleo proibido anunciado no art. 62,
§ 1º, é um mínimo, que deve ser entendido com o § 1º do art. 68, que
51
continua a refletir sua influência sobre a medida provisória.
Todo cuidado, pois, deve inspirar a verificação do âmbito material de
competência do legislador da medida provisória, para conferir a validade da medida
provisória.
Esta não pode se transformar em instrumento de conflito entre o Poder
Legislativo e o Poder Executivo, devendo ainda estar pautada pelos parâmetros
constitucionais dos princípios fundamentais que ditam sua conformidade jurídica e
constitucionalidade propriamente dita e por consequência os limites materiais a que
ela está sujeita.
O leito da medida provisória deve ser sempre restrito, nunca esquecido o seu
caráter de excepcionalidade, que requer sua instrumentalização em permanente
consonância com o princípio fundamental e pétreo da separação dos Poderes e para
que o Poder Executivo embora agigantado em suas funções, passando de
administrador a legislador não se sobreponha ao Poder Legislativo, abalando a
harmonia que deve presidir a atuação do princípio em questão.
51
ARAUJO, Luiz Alberto David de; NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso de Direito Constitucional.
São Paulo: Saraiva, 2006. p. 137, 372.
62
3
LINHAS CONSTITUCIONAIS E GERAIS DO PROCESSO LEGISLATIVO DE
APROVAÇÃO DA MEDIDA PROVISÓRIA.
3.1 Da Sede Constitucional do Processo Legislativo
Na Constituição da República Federativa do Brasil, a medida provisória está
situada no artigo 62, como já se viu.
Na mesma subsecção da secção que disciplina o Processo Legislativo, no
capítulo do Poder Legislativo, no título que organiza os poderes da República, em
seus artigos 59 usque 69.
No âmbito do Estado Democrático de Direito, que é um padrão de Estado a
que se pretende filiar o Estado Brasileiro, a lei que é o critério impessoal, abstrato e
para obediência geral dos que estão sob jurisdição dele, está subordinada apenas à
Constituição.
Consubstancia instrumento de comando e continente de mandado que, como
referencial de política pública, impõe a quem lhe deve obediência, fazer ou deixar de
fazer alguma coisa, colimando a concretização social das metas e objetivos da
comunidade e do Estado e com poder de revogar as disposições em contrário.
No senso que lhe dá a Constituição dos Estados Unidos da América, do
Norte, os governos se fazem pelas leis e não pelos homens.
Assim, também, este é o escopo do constituinte brasileiro, instituir o governo
das leis.
Em conclusão, a lei sob esta ótica é o que governa os homens sob a
jurisdição de um Estado Democrático de Direito.52
52
A lei é entendida como a expressão por excelência do direito, e sua primazia é justificada por três
razões principais: primeira, é a mais importante manifestação do poder estatal, pois tanto os
governantes como os juízes lhe devem obediência; segunda, é o único meio legítimo de limitar os
direitos individuais, cuja preservação de acordo com o art. 2º da Declaração dos Direitos do Homem
e do Cidadão, é o objetivo de toda sociedade política; terceira, são os próprios cidadãos que, por
meio de seus representantes, estabelecem a lei, de forma que seu conteúdo justo está
antecipadamente garantido, pois ninguém é injusto consigo mesmo (MARIOTTI, Alexandre.
Medidas provisórias. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 12).
63
Neste sentido, ela deve condensar em seu mandamento a ética que exprimir
todo o conteúdo do arcabouço de direitos fundamentais que o sustenta e resultará o
processo de sua elaboração em sublime atividade de combinar princípios e regras
constitucionais, disciplinado verticalmente pela Constituição.
Com o intuito de aparelhar o Estado para realização de seus fins, o processo
legislativo direciona-se sob a pauta do princípio da legalidade, também, do
republicanismo principalmente e em consequência, da separação dos poderes e da
autenticidade de representação e do pluralismo político.
Assim o processo legislativo alinha estes princípios, que estão todos eles, em
síntese, postos no seu procedimento interativamente.
Sem exclusão dos demais, como os consagra a Lei Magna e que se
combinam mutuamente para a realização, por via da lei, dos escopos constituintes
de uma sociedade que encontra seu vértice na dignidade da pessoa humana,
colimando a construção de uma sociedade livre, justa e solidária. Para garantir o
desenvolvimento nacional, erradicando a pobreza e a marginalização e reduzindo as
desigualdades sociais e regionais e promovendo o bem de todos. Sem preconceitos
de origem, raça, sexo, cor, idade ou quaisquer outras formas de discriminação.
Por estes motivos é que o processo legislativo encontra sua disciplina na
Constituição, porque dele emana para o contexto dos fatos, o principal instrumento
para realização de seus propósitos precípuos: a lei.
Sendo assim, o processo fundamental para desencadear a dinâmica da
Constituição, é que o processo legislativo merece disciplina em sede constitucional,
como expõe Nelson de Souza Sampaio:
Repassando ao plano do direito interno, de logo notamos a supremacia do
processo legislativo sôbre as outras divisões do direito adjetivo, pois ele
prescreve a competência e a forma para a criação de normas de caráter
geral, inclusive, portanto, das normas dos outros processos. Existe ainda,
como lembra Kelsen, uma diferença de grau entre o processo legislativo
de um lado, e o processo jurisdicional e o administrativo do outro,
quanto à maior liberdade que o processo legislativo deixa para
determinação da matéria dos atos legislativos, ao passo que os outros
processos limitam mais o conteúdo dos atos jurisdicionais e
administrativos: “A constituição no sentido material determina por que
órgãos e através de que processos as normas devem ser criadas.
Comumente, ela deixa o conteúdo dessas normas indeterminado ou, pelo
menos, o determina sòmente de forma negativa. As normas gerais criadas
de acôrdo com a constituição, pela legislação ou pelo costume,
64
especialmente, as leis, determinam, porém, não só os órgãos judiciais e
administrativos e o processo judicial e administrativo mas também os
conteúdos das normas individuais, as decisões judiciais e os atos
53
administrativos que devem emanar dos órgãos aplicadores do direito”.
3.2 Uma Questão de Legitimidade: do processo legislativo representativo
Neste cenário, em que todo poder emana do povo, que o exerce por meio de
representantes eleitos ou diretamente nos termos da Constituição, o processo
legislativo deve ser o instrumento que promove o exercício do Poder Legislativo em
sua atividade fundamental de fautor da lei, no Estado Democrático de Direito.54
Objetiva fazer atuar a vontade da Constituição, em senso plural, de afirmação
das maiorias conjugadamente com a das minorias. Integrando-as no pluralismo
desta construção estatal.
53
SAMPAIO, Nelson de Sousa. O processo legislativo. São Paulo: Saraiva, 1968. p. 3.
Sendo a legislação uma das funções primordiais do Estado, podemos distinguir os tipos de
processo legislativo de acordo com as formas de organização política. Disso decorrem quatro tipos
de processo legislativo: a) o autocrático; b) o direto; c) o indireto ou representativo; d) o
semidireto. Não se trata de modelos de sucessão histórica irreversível, mas de tipos puros. Depois
do aparecimento dos governos representativos, podem reaparecer períodos – mais ou menos
longos – de legislação autocrática, e, dentro da mesma estrutura política, podem coexistir dois ou
mais tipos de processo legislativo. Teòricamente, é concebível a convivência de todos eles, embora
não ocorra exemplo histórico.
Se bem não nos interesse aqui o processo legislativo constituinte, podemos observar que as suas
variantes correspondem às mesmas do processo legislativo constituído. Do processo constituinte
autocrático brotam as constituições outorgadas. O processo constituinte direto daria nascimento
às constituições que chamaríamos „plebiscitárias‟, a exemplo das Constituições dos Cantões suíços
de Appenzell Rhodes Interior (1872), Glaris (1887), Uri (1888), Alto Unterwalden (1902), Appenzell
Rhodes Exterior (1908) e Baixo Unterwalden (1913), aprovadas pelas respectivas assembléias
populares ou Landsgemeinden. O processo constituinte representativo, hoje o mais comum,
verifica-se quando se elege uma assembléia constituinte para votação da lei magna. O processo
constituinte semidireto produziria as constituições que podemos apelidar de „referendadas‟,
porque a obra da assembléia constituinte se completaria com o referendum popular, como no caso
da Constituição francesa de 1946.
É desnecessário dizer que a classificação das espécies de processo legislativo, não envolve
nenhum prejulgamento em relação ao conteúdo da legislação resultante, que quanto ao ideal de
justiça quer quanto ao aspecto técnico. As leis oriundas de um processo autocrático não são
necessariamente injustas e mal elaboradas, do mesmo modo que nada nos assegura que as leis
provenientes de um processo representativo sejam sempre justas e sem falhas técnicas. A crítica
ao processo legislativo autocrático sòmente se pode estribar na questão da legitimidade política,
uma vez pressuposta a adesão ao sistema democrático (SAMPAIO, Nelson de Sousa. O processo
legislativo. São Paulo: Saraiva, 1968. p. 7).
54
65
O processo legislativo deve ser o caminho das aspirações populares até a
conformação da lei, como ato complexo de interação entre o Poder Legislativo e o
Poder Executivo, neste contexto.
Não obstante a Constituição possibilita até mesmo ao Poder Judiciário a
deflagração do processo legislativo, em situações especialíssimas.
Faculta, desta mesma forma, em hipóteses taxativas ao Executivo e à
iniciativa popular dar-lhe começo.
Mas o processo legislativo somente se consuma pela atuação dos Deputados
e Senadores. Isto porque a cidadania lhes outorgou poderes com o encargo de
representá-la, para fazer as leis, nos termos da Constituição.
São eles que o podem, com exclusividade, prosseguir, após iniciado e mesmo
que por pessoas estranhas ao Poder Legislativo. Finalmente são os que votam as
proposições nele iniciadas, transmudando-as em lei.
Assim o projeto que foi apresentado para que o Poder Legislativo o instruísse
em seu trâmite, aprimorando-o e o ajustando aos interesses discricionários de seus
membros como o condicionam e o influenciam em seu debate e votação, pode ser
emendado, para aprimoramento e até consumar-se em lei, assim modificado.
Todavia somente quando arrematado pelo Poder Executivo, é que o projeto
de lei complementa-se por via da sanção, da promulgação e da publicação e após
palmilhar o caminho da iniciativa de sua propositura até a lei, em seu curso no
Congresso Nacional.
3.3 Dos Procedimentos do Processo Legislativo
Está assim, na ideia de processo legislativo, o conjunto de fases em que ele
se incorpora em sua síntese e nos termos delineados pela Constituição, para
concretizá-la, realizando seus preceitos e valores.
66
Podem nele ser consideradas a fase introdutória em que está a iniciativa, a
fase constitutiva, em que estão a deliberação e a sanção e a fase complementar, na
qual se encontram a promulgação e a publicação.55
Estas fases concatenam-se entre si e ordenadamente para que transite o
projeto até sua mutação em lei, estando o cerne de sua construção em lei na etapa
propriamente legislativa de seu eixo, que enfeixa a iniciativa, emenda, discussão e
votação do projeto no âmbito da competência do Congresso Nacional.
Pela Constituição a feitura da lei que governará os homens, está posta sob
competência precípua e exclusiva do Congresso Nacional.
Mas em seu ato de consumação tangenciam-se dois ramos do Poder, o
Legislativo e o Executivo, em compasso de harmonia e de complementação, entre
eles, enquanto funções do Estado atuantes em íntima colaboração nesta criação.
Cabendo ao Poder Judiciário ser o oráculo da constitucionalidade e da própria
legalidade sistêmica e juridicidade dos diplomas legais inclusive das medidas
provisórias.56
55
Esta sistematização do processo legislativo é conforme o entendimento de Manoel Gonçalves
Ferreira Filho, em Curso de Direito Constitucional, obra citada na bibliografia deste trabalho,
página 189. Destaca-se, porém: Podemos reunir aqui o processo dos atos denominados „leis‟ em
geral, com exceção da lei orçamentária, que obedece a ritual próprio. O itinerário do projeto de lei
tem mais etapas do que o da proposta de emenda constitucional: iniciativa, discussão, votação,
sanção – etapa que, inexistindo, será substituída pela de veto – e promulgação, de acordo com
Nelson de Sousa Sampaio, em O processo legislativo, p. 71. Também: “Por „processo legislativo‟
entende-se o conjunto de atos (iniciativa, emenda, votação, sanção, veto) realizados pelos órgãos
legislativos visando à formação das leis constitucionais, complementares e ordinárias, resoluções e
decretos legislativos. O procedimento legislativo é o modo pelo qual os atos do processo legislativo
se realizam. Diz respeito ao andamento da matéria nas Casas legislativas. As regras básicas sobre
o processo legislativo aplicam-se a Estados e Município, como disserta sobre conceito e objeto do
processo legislativo (SILVA, José Afonso da. Comentário contextual à Constituição. São Paulo:
Malheiros, 2007. p. 437).
56
O processo legislativo consubstancia um procedimento. Nesse sentido, compreende uma
sucessão de fases encadeadas, tendentes à realização de um fim. No caso, à produção – criação,
modificação ou revogação – de normas de caráter legislativo. O processo legislativo, assim,
consubstancia um procedimento, sendo peculiar deste a contaminação dos atos subseqüentes
pela invalidade dos antecedentes. Assim, desnudado o vício, quando tenha sido tomado por urgente
matéria que como tal não se caracterizava, entendo deva ser acionado o Poder Judiciário, a fim de
que aprecie a questão. O vício assim declarado pelo Poder Judiciário, contamina todos os atos
subseqüentes do procedimento resultando ineficaz a sua pretendida convalidação, que se teria
consumado no momento em que o Congresso Nacional tenha acatado a medida provisória (GRAU,
Eros Roberto. Medidas provisórias na Constituição de 1988. Revista dos Tribunais, São Paulo,
ano 79, v. 658, p. 241-243, ago. 1990).
67
Mesmo dos assim a elaborar ou a serem elaborados e para assegurar a
legitimidade de seus procedimentos e a liceidade de seus processos propriamente
ditos, em ação que o faz controlador do processo legislativo.
Contudo, embora neste processo o Poder Judiciário seja agente acessório,
em verdade é ele quem desempenha o indispensável papel de controlador da
constitucionalidade das leis.
De sorte que o processo legislativo, em uma visão multifuncional dos agentes
que nele interagem, ajusta em colaboração todos os ramos do Poder, diretamente,
como, no caso do Poder Legislativo e do Executivo e indiretamente, considerando a
função que com relação a ele, pode exercer o Poder Judiciário, por seus atributos
constitucionais.
3.4 O Sincretismo do Processo Legislativo na Constituição Federal de 1988
Mas a organização do processo legislativo pela nossa Constituição é criticada
por englobar em um mesmo tópico sob esta nomenclatura de processo legislativo,
normas de todo o gênero, que nem mesmo podem ser lei em suas definições
jurídicas, assim, não podendo ser dele objeto.57
Com isto, a emenda constitucional estaria mal situada no artigo 59, da
Constituição de 5 de outubro de 1988, como norma a ser objeto do processo
legislativo, em conjunto com outros tipos de instrumentos normativos que nele estão
incluídos.
57
A Constituição de 5 de outubro contém uma seção, a VIII do Capítulo I (Tít. IV), intitulada „Do
processo legislativo‟, onde regula a elaboração de leis lato sensu. Na verdade, o título e a matéria
da seção não estão de pleno acordo, já que nessa seção está regida a elaboração de atos que não
são nem material nem formalmente leis.
De fato, compreende-se aí a elaboração de emendas constitucionais que são leis materialmente,
mas que formalmente destas devem ser distinguidas, por serem manifestação de um poder distinto,
que é o de revisão. Arrola-se, aí, também, a elaboração de resoluções que, se por sua tramitação
se assemelham a leis a ponto de se poder dizer que são leis, formalmente falando, não têm a
matéria de lei, por não editarem regras de direito gerais e impessoais. E o que se disse das
resoluções aplica-se, mutatis mutandis, aos decretos legislativos.
Na verdade todas as exegeses propostas para a expressão „processo legislativo‟, no art. 59 da
Constituição, não são plenamente satisfatórias. Faltou ao constituinte, segundo tudo indica, uma
visão clara da sistemática dos atos normativos. Forçoso é reconhecer, porém, que essa
sistematização não é simples (FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de Direito
Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 183).
68
É que a emenda constitucional é expressão do poder constituinte, em sua via
derivada, de natureza, em muito diversa da lei. Esta última, sim, que seria o objeto
principal e precípuo do processo legislativo e que assim sendo, teria lugar próprio
nele, como dizem estas críticas.
Igualmente, não caberiam no processo legislativo os decretos legislativos e as
resoluções e em particular as medidas provisórias.
Os primeiros, os decretos legislativos enquanto regulam matéria da
competência exclusiva do Poder Legislativo, não podem eles ser considerados leis.
Embora no âmbito do Congresso Nacional, perpassem as mesmas fases da
lei, para suas consumações e conformações, não acontecem suas promulgações
pelo concurso do Poder Executivo que é o que caracteriza a peculiaridade do rito de
produção da lei, contudo, sim, são eles promulgados pela presidência do Senado.
As segundas são resoluções que pelo próprio nome se enunciam, como
matérias de interesse interno do Congresso Nacional, as quais, assim sendo, não
criam nem modificam direitos e obrigações para todos os jurisdicionados do Estado.
As medidas provisórias cujo processo de conformação é o objeto deste tópico
em estudo, não encontram mesmo razão para figurar como insertas sob o processo
legislativo, no plano do artigo 59 da Constituição.
3.5
A Medida Provisória enquanto Objeto de um Processo Peculiar de
Produção
É absolutamente impróprio inseri-las sob suas condicionantes e mecanismos
porque elas têm existência própria como decreto do Poder Executivo. Assim é este
quem lhes molda a face, dotando-as por suas edições da força de lei. Porque a
medida provisória chega ao Parlamento com vigor ainda que precário ou transitório,
mas já concreto pelo seu simples ato de criação pelo Poder Executivo.58
58
A elaboração de leis delegadas e de medidas provisórias não comporta atos de iniciativa, nem
votação, nem sanção, nem veto, nem promulgação. Trata-se de mera edição, que se realiza pela
publicação autenticada. Por isso não é cabível falar-se em processo legislativo a respeito delas,
69
Ainda que dependente de sua conversão em lei, pelo Congresso Nacional,
mas indiscutivelmente já valendo e existindo, a medida provisória é plasmada e se
torna existente pela exclusiva ação do Poder Executivo.
Não pode estar posicionada como espécie normativa sujeita ao processo
legislativo.59
Dir-se-ia então que o processo legislativo por ser ele o instrumento de uma
ação direcionada do Poder Legislativo para conformar a lei, que a seus parâmetros
deveria estar submetido o processo de conversão em lei da medida provisória. Aí,
sim em trâmite sujeito exclusivamente ao roteiro do processo legislativo. Nunca,
porém, a medida provisória que não depende do Poder Legislativo para existir, até
chegar a seu plenário.
Dir-se-ia mais, que o decreto em que ela está consubstanciada, deveria ter
disciplinada sua estruturação em campo próprio da competência do Presidente da
República e que nisto estaria a sua disciplina correta.
Mas o fato é que a medida provisória deve ser estudada quanto à sua
produção, dentro deste tópico do processo legislativo constitucional e com a sujeição
dos procedimentos necessários à sua conversão em lei ao processo legislativo,
porque este roteiro para a conversão de um decreto em lei é da competência
exclusiva do Poder Legislativo.
3.6
Dispositivos de Disciplina do Processo de Conversão em Lei da Medida
Provisória
Nestes termos, em seu caminho para ser convertida em lei, a medida
provisória será conduzida até esta situação de seu aperfeiçoamento e conversão em
lei, pelo processo legislativo, sujeitando-se:
mas de simples procedimento elaborativo (SILVA, José Afonso da. Curso de Direito
Constitucional Positivo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. p. 528).
59
As medidas provisórias não constavam da enumeração do art. 59, como objeto do processo
legislativo, e não tinham mesmo que constar, porque sua formação não se dá por processo
legislativo. São simplesmente editadas pelo Presidente da República. A redação final da
Constituição não as trazia nessa enumeração. Um gênio qualquer, de mau gosto e ignorante e
abusado, introduziu-as aí, indevidamente, entre a aprovação do texto formal (portanto depois do dia
22.9.88) e a promulgação-publicação da Constituição no dia 5.10.1988 (Ibid., p. 524).
70
– a dispositivos constitucionais fundamentalmente;
– a instrução, rito e aprovação, principalmente de acordo com os termos da
Resolução nº 1, de 8 de maio de 2002, do Congresso Nacional;
– subsidiariamente ao Regimento Interno do Congresso Nacional, Ato da
Mesa do Congresso Nacional nº 63, de 22 de dezembro de 2006, que se
refere ao Regimento Interno editado em 11 de agosto de 1970;
– ainda subsidiariamente aos regimentos internos da Câmara dos Deputados
e do Senado Federal, e
– aos critérios de conformação gerais, da Lei Complementar nº 107, de 26 de
abril de 2001, como ela alterou a Lei Complementar nº 95, de 26 de
fevereiro de 1998.
Desta maneira, como o processo legislativo está sujeito a disposições
constitucionais e também regimentais do Congresso Nacional e o processo de
conformação das leis responde a um rito e a exigências de construção de normas
legalmente previstos, o processo dito para conversão em lei da medida provisória
será abordado neste tópico sob estes enfoques.
3.7
Dispositivos Constitucionais de Disciplina do Processo de Conversão da
Medida Provisória em Lei
Começando pelas disposições da Constituição que se aplicam ao processo
legislativo, portanto, à conversão da medida provisória em lei – muito embora muitas
delas já tenham sido abordadas neste trabalho - aponte-se que o Presidente da
República ao editar a medida provisória deve submetê-la imediatamente ao
Congresso Nacional (artigo 62, caput, última parte).
As deliberações do Congresso Nacional – nesta matéria – por cada uma de
suas casas, da Câmara dos Deputados e do Senado, separadamente e de suas
Comissões, serão tomadas pela maioria de votos presentes na sessão de votação.
Desde que a ela compareça a maioria absoluta de seus membros, de 51%
dos 513 atuais deputados e dos 81 senadores, que compõem o Congresso
Nacional, nos termos dos artigos 45 usque 47 da Constituição da República
71
Federativa do Brasil, considerada a Lei Complementar nº 78 de 30 de dezembro de
1993. Como já se apontou o Congresso Nacional tem discrição política para atuar na
conversão da medida provisória em lei e o campo material de sua atuação é
ilimitado, para mudá-la, emendá-la ou alterá-la, dentro da matéria de que trata a
medida provisória.
Sem as restrições que o próprio Poder Executivo sofrera em sua edição, eis
que a competência para o legislador excepcional editar medidas provisórias está
restrito às hipóteses rigorosas embora não exaustivas do artigo 62, § 1º, da
Constituição da República Federativa do Brasil.
Não está o exercício do Poder Legislativo sujeito a pressupostos taxativos
para funcionar neste caso, embora, no caso das medidas provisórias, caiba-lhe em
termos prejudiciais do próprio prosseguimento do processo de sua conversão em lei,
decidir e votar preliminarmente sobre a ocorrência ou não dos pressupostos
subjetivos de relevância e urgência das medidas provisórias que as justifiquem
(artigo 62, § 5º).
Havendo convocação extraordinária do Congresso Nacional a conversão em
lei das medidas provisórias em vigor na data, será matéria a ser incluída em sua
pauta extraordinária de votação (artigo 57, § 8º). Por sua natureza de decreto com
força de lei e para vigência temporária, em que se consubstancia uma decisão
normativa excepcional e de urgência, que não pode ter protelada sem fundamento
legal sua conversão em lei.
O projeto de conversão da medida provisória em lei começa na Câmara dos
Deputados (artigo 62, § 8º) e se ele for nela aprovado, será revisto pelo Senado
Federal, que o arquivará, se o rejeitar em sessão única de votação (artigo 65, caput).
Caso emendado pelo Senado, volta à Câmara, para revisão em um só turno
de votação (artigo 65, § único). A Casa que concluir a votação da conversão da
medida provisória em lei enviará o projeto desta conversão à sanção do Presidente
da República (artigo 66, caput).
Sobre os pressupostos subjetivos de relevância e urgência da medida
provisória e ainda sobre o mérito da medida provisória, antes de ela ser votada em
sessão separada pelo plenário de cada uma das Casas do Congresso Nacional,
72
deve ela ser apreciada por Comissão Mista de Deputados e Senadores, que opinará
quanto a seus pressupostos de relevância e urgência e mérito, mediante votação de
seus membros (artigo 62, § 9º). Esta Comissão permanecerá instalada até a
conclusão do processo legislativo de conversão da medida provisória em lei.
Proíbe-se seja reeditada medida provisória que perdeu eficácia por decurso
de prazo ou que tenha sido rejeitada na mesma sessão legislativa, em que estes
fatos tenham ocorrido (artigo 62, § 10).
A medida provisória conservará vigor até que seja sancionada ou vetada a
emenda parlamentar ocorrente em seu processo de conversão em lei aprovado pelo
Congresso Nacional (artigo 62, § 12).
A medida provisória cujo processo de conversão em lei não for apreciado em
45 dias de sua publicação em quaisquer das Casas do Congresso Nacional, entrará
em regime de votação urgente, em cada uma das Casas do Congresso Nacional,
subseqüentemente, ficando sobrestadas até que se ultime a votação de todas as
demais deliberações legislativas da Casa em que estiver tramitando (artigo 62, §
6º).60
60
O Presidente da Câmara dos Deputados do Congresso Nacional, Deputado Michel Temer, assim se
manifestou sobre o trancamento de pauta de que trata o artigo 62, § 6º, da Constituição: Muito bem.
Então, registrado que há uma exceção, vamos ao art. 62 e lá verificamos o seguinte: que a medida
provisória, se não examinada no prazo de 45 dais, sobresta todas as deliberações legislativas na
Casa em que estiver tramitando a medida provisória. Aí surge uma pergunta: de que deliberação
legislativa está tratando o texto constitucional? E eu aqui faço mais uma consideração genérica. A
interpretação mais prestante na ordem jurídica do texto constitucional é a interpretação sistêmica.
Quer dizer, eu só consigo desvendar os segredos de um dispositivo constitucional se eu encaixá-lo
no sistema. É o sistema que me permite a interpretação correta do texto. A interpretação literal –
para usar um vocábulo mais forte – é a mais pedestre das interpretações.
Então, se eu ficar na interpretação literal, todas as deliberações legislativas, eu digo: nenhuma
delas pode ser objeto de apreciação, mas não é isso o que diz o texto. Eu pergunto e a pergunta é
importante: uma medida provisória pode versar sobre a matéria de lei complementar? Não pode. Há
uma vedação expressa no texto constitucional. A medida provisória pode modificar a Constituição?
Não pode. Só a emenda constitucional pode fazê-lo. A medida provisória pode tratar de uma
matéria referente a decreto legislativo, como, por exemplo, declarar guerra ou fazer paz, que é
objeto de decreto legislativo? Não pode. A medida provisória pode editar uma resolução sobre o
Regimento Interno da Câmara ou do Senado? Não pode. Isto é matéria de decreto legislativo e de
resolução.
Aliás, aqui faço um parêntese: imaginem V. Exas. o que significa o trancamento da pauta. Se hoje
estourasse um conflito entre Brasil e um outro país e o Presidente mandasse uma mensagem para
declarar a guerra, nós não poderíamos expedir o decreto legislativo, porque a pauta está trancada
até maio. Então, nós mandaríamos avisar: Só a partir do dia 15 ou 20 de maio vamos poder
apreciar esse decreto legislativo.
Então, em face dessas circunstâncias, a interpretação que se dá a essa expressão todas as
deliberações legislativas são todas as deliberações legislativas ordinárias. Apenas as leis
ordinárias é que não podem trancar a pauta. Ademais disso, mesmo no tocante às leis ordinárias,
algumas delas estão excepcionadas. O art. 62, no inciso I, ao tratar das leis ordinárias que não
73
Caso não seja aprovada a conversão em lei da medida provisória, ao
Congresso Nacional caberá disciplinar por decreto legislativo as relações jurídicas
dela decorrentes (artigo 62, § 3º, in fine).
O processo de conversão da medida provisória suspende-se em períodos de
recesso do Congresso Nacional (artigo 62, § 4º).
Insta finalizar que o Congresso Nacional ao invés de rejeitar ou aprovar a
medida provisória cujo processo de conversão em lei faça cursar, pode
simplesmente se omitir em sua apreciação, no período de vigência da medida
provisória, que é de 120 dias, como está visto.
Acontecerá assim sua rejeição por decurso de prazo.
Podendo ser entendida tal circunstância como perda de eficácia da medida
provisória.61
podem ser objeto de medida provisória, estabelece as leis ordinárias sobre nacionalidade e
cidadania e outros tantos temas que estão sendo elencados no art. 62, inciso I. Então, nessas
matérias também, eu digo, não há trancamento da pauta.
Contra isto, foi impetrado o Mandado Segurança 27.931-1, no Supremo Tribunal Federal, que teve
indeferida medida cautelar requerida em seu bojo, por decisão de seu relator, o Ministro Celso de
Mello, que deliberou:
„É por isso que o exame das razões expostas pelo Senhor Presidente da Câmara dos Deputados,
na decisão em causa, leva-me a ter por descaracterizada, ao menos em juízo de sumária
cognição, a plausibilidade jurídica da pretensão mandamental deduzida nesta sede processual.
A deliberação emanada do Senhor Presidente da Câmara dos Deputados, parece representar um
sinal muito expressivo de reação institucional do Parlamento, a uma situação de fato que se vem
perpetuando no tempo e que culmina por frustrar o exercício, pelas Casas do Congresso
Nacional, da função típica que lhes é inerente, qual seja, a função de legislar.
A construção jurídica formulada pelo Senhor Presidente da Câmara dos Deputados, além de
propiciar o regular desenvolvimento dos trabalhos legislativos no Congresso Nacional, parece
demonstrar reverência ao texto constitucional, pois – reconhecendo a subsistência do bloqueio
da pauta daquela Casa legislativa quanto às proposições normativas que veiculem matéria
passível de regulação por medidas provisórias (não compreendidas, unicamente, aquelas
abrangidas pela cláusula de pré-exclusão inscrita no art. 62, § 1º, da Constituição, na redação
dada pela EC nº 32/2001) – preserva, íntegro, o poder ordinário de legislar atribuído ao
Parlamento.
Mais do que isso, a decisão em causa teria a virtude de devolver à Câmara dos Deputados, o
poder de agenda, que representa prerrogativa institucional das mais relevantes, capaz de
permitir, a essa Casa do Parlamento brasileiro, o poder de selecionar e de apreciar, de modo
inteiramente autônomo, as matérias que considere revestidas de importância política, social,
cultural, econômica e jurídica para a vida do País, o que ensejará – na visão e na perspectiva do
Poder Legislativo (e não nas do Presidente da República) – a formulação e a concretização, pela
instância parlamentar, de uma pauta temática própria, sem prejuízo da observância do bloqueio
procedimental a que se refere o § 6º do art. 62 da Constituição, considerada, quanto a esta
obstrução ritual, a interpretação que lhe deu o Senhor Presidente da Câmara dos Deputados.
Sendo assim, em face das razões expostas, e sem prejuízo de ulterior reexame da controvérsia
em questão, indefiro o pedido de medida cautelar.
61
José Afonso da Silva obtempera que não há, todavia margem para perda de eficácia de medida
provisória, por não apreciação e expõe: Em certo sentido, há uma incoerência entre o disposto nos
74
3.8
A Disciplina do Processo Legislativo de Conversão em Lei da Medida
Provisória nos Termos da Resolução nº 1, de 8 de Maio de 2002
3.8.1 Procedimento de deflagração
No mesmo dia da publicação da medida provisória no Diário Oficial da União,
a Presidência da República enviará o seu texto ao Congresso Nacional, por via de
mensagem em que deverá constar a exposição de motivos para o ato e na qual as
razões que sustentarem as situações de relevância e urgência que houverem
justificado o decreto62 devem estar expostas (§ 1º do artigo 2º da Resolução nº 1, de
8 de maio de 2002).
3.8.2 Procedimento vestibular de preparação. Pareceres da Comissão Mista
do Congresso Nacional de admissibilidade constitucional, de adequação
financeira e orçamentária e de mérito
Prosseguindo, como segue, sempre se referindo a esta Resolução no que
tange ao processo de conversão da medida provisória em lei, o Presidente da Mesa
do Congresso Nacional, que é o Presidente do Senado Federal, ao receber o texto
da medida provisória, fará publicar e distribuir no Parlamento, cópias da medida
provisória, dentro do prazo de 48 horas, da publicação da medida provisória no
Diário Oficial da União (artigo 2º, caput).
§§ 3º e 6º do art. 62, introduzidos pela Emenda Constitucional 32/2001, porque o primeiro admite
perda de eficácia de medidas provisórias que não forem apreciadas no prazo de 120 dias (60 dias
mais prorrogação por igual período), enquanto o segundo preordena mecanismos que impõem ao
Congresso Nacional sua apreciação, quando declara que, se a medida provisória não for apreciada
em até 45 dias contados de sua publicação, entrará em regime de urgência, subseqüente, em cada
uma das Casas do Congresso Nacional, ficando sobrestadas até que se ultime a votação, todas as
deliberações legislativas da Casa em que estiver tramitando. Por esse regime, todas as medidas
provisórias terão que ser votadas, sendo, por isso, aprovadas ou rejeitadas, sem margem para a
perda de eficácia por não apreciação, como prevê o § 3º. Apesar disso, o § 10 do art. 62 (Emenda
32/2001) insiste em falar em medidas provisórias que tenham perdido eficácia por decurso de prazo
(Comentário contextual à Constituição. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 452).
62
A Resolução nº 1, de 8 de maio de 2002, não dispõe nem pode dispor sobre isto, porque
regulamentar a atividade do Presidente da República não é algo que se insira na competência do
Congresso Nacional, principalmente, por via deste instrumento normativo. Todavia por questão de
disciplina de exposição porque o Presidente da República não edita a medida provisória que não
seja colimando a sua conversão em lei, a edição da medida provisória está sendo aqui considerada
como o momento inaugural do processo de sua conversão em lei.
75
Nomeará, em igual tempo, compondo-a por 13 Deputados e 13 Senadores
(artigo 2º, §§ 2º e 3º), escolhidos dentre parlamentares de ambas as Casas do
Congresso Nacional, Comissão Mista de Deputados Federais e Senadores, para
analisar e emitir parecer sobre a medida provisória (artigo 2º, caput, in fine).
Esta Comissão – cujo encargo já foi referido nos parágrafos anteriores deste
tópico – terá também a incumbência de apresentar o projeto de decreto legislativo
que disciplinará as relações jurídicas decorrentes da vigência da medida provisória,
caso ela não seja convertida em lei (artigo 11, caput) ou ocorra no curso do
processo legislativo de sua conversão em lei, supressão ou alteração em parte de
seu texto original (artigo 11, caput combinado com o artigo 5º, § 4º, inciso II).
Qualquer Deputado ou Senador poderá oferecer projeto de decreto legislativo nestas
hipóteses, perante sua Casa respectiva, se a Comissão Mista ou o relator nela e
para tanto designado, não o fizer no prazo de quinze dias contados da perda da
vigência da medida provisória ou da parte dela alterada (artigo 11, § 1º).
Doze deputados e doze senadores serão indicados pelas lideranças
partidárias, ao Presidente do Congresso Nacional (artigo 2º, §§ 2º e 4º), no prazo de
12 horas de publicação da medida provisória, no Diário Oficial da União, para serem
por ele nomeados para integrar esta Comissão e caso não haja esta indicação pelos
líderes, no prazo consignado, este Presidente nomeará seus integrantes, fazendo a
escolha recair sucessivamente nos líderes ou nos vice-líderes das bancadas
parlamentares omissas quanto a esta indicação de seus membros para compor a
Comissão (artigo 2º, § 5º).
A décima terceira vaga nesta Comissão será composta por representantes
das bancadas minoritárias de cada Casa do Congresso Nacional, cuja participação
diretamente proporcional no todo de seus membros não for suficiente a exprimir o
percentual necessário a lhes permitir ocupar 1 vaga nesta Comissão (artigo 2º, § 3º).
Esta Comissão designada deverá estar instalada em até 24 horas desta
designação, devendo eleger, neste mesmo prazo, seu presidente e vice-presidente,
artigo 3º, escolhendo o presidente, relator e revisor, para os trabalhos de análise e
votação da medida provisória, artigo 3º, in fine, os quais devem ser de casas
distintas, de maneira a que sendo o presidente do Senado, o vice, seja da Câmara
(artigo 3º, § 2º) e o relator, da Câmara, o revisor seja do Senado (artigo 3º, § 3º).
76
Se o relator da Comissão for do Senado e o revisor, da Câmara, o primeiro
será relator do projeto na Câmara e o segundo, no Senado e vice-versa (artigo 3º, §
4º).
Os trabalhos da Comissão serão instalados com a presença de um terço de
seus membros e suas deliberações serão tomadas por maioria simples, presente a
maioria absoluta dos membros de cada uma das Casas (artigo 4º, § 6º).
A Comissão receberá todas as propostas de emenda que guardem relação
com o tema63 e que lhe forem encaminhadas pela Secretaria Geral da Mesa do
Senado Federal, a quem os interessados as devem encaminhar diretamente, até o
sexto dia da publicação da medida provisória (artigo 4º, caput).
O autor de projeto de lei que tramitar tratando do mesmo objeto da medida
provisória, poderá solicitar que ele tramite em conjunto com a medida provisória, sob
forma de emenda, artigo 4º, § 2º, que resultará prejudicada enquanto projeto de lei,
se a medida provisória for convertida em lei sem levá-la em consideração ou
absorvendo-o (artigo 4º § 3º). Mas se ela for declarada inconstitucional esse projeto
retomará seu curso normal (artigo 4º, § 3º, in fine).
Em itens separados a Comissão debaterá e votará a constitucionalidade ou
não da medida provisória, a verificação ou não de seus pressupostos subjetivos de
relevância e urgência e o mérito dela necessariamente e deverá apresentar relatório
ele, ainda que opine contrariamente à aprovação da medida por sua desatenção aos
requisitos formais, dentre os quais estarão sua adequação financeira e orçamentária
e a conferência sobre se a Presidência da República enviou ou não em tempo e
modo oportunos o texto da medida provisória ao Congresso Nacional, atendendo os
requisitos constitucionais e regimentais em comento (artigos 5º, caput e 2º, § 1º).
Deverá elaborar parecer sobre estas suas deliberações, igualmente, em itens
separados (artigo 5º, caput).
Como conclusão dos trabalhos da Comissão e pelo debate e voto de seus
integrantes, serão possíveis a aprovação integral da medida provisória, sua rejeição
integral, sua aprovação ou rejeição parcial, a alteração da medida provisória, tudo
63
O artigo 4º, § 4º, da Resolução nº 1/2002, veda a apresentação de emendas que versem sobre
matéria estranha ao tema da medida provisória.
77
como concluir a Comissão e constar do relatório. Da mesma forma, a Comissão
deliberará pela aprovação ou rejeição da emenda a ela apresentada (artigo 5º, § 4º).
Se opinar pela não conversão da medida provisória em lei ou pela supressão
ou alteração de partes de seus textos, deverá a Comissão formular o projeto de
decreto legislativo, para disciplina das relações jurídicas que decorram da vigência
provisória da medida provisória cuja aprovação foi por ela indeferida, em parte ou
integralmente (artigo 5º, § 4º, inciso II, já referido).
A conclusão de seus trabalhos deve-se dar em 14 dias da publicação da
medida provisória, ocasião em que a Comissão deverá emitir parecer único,
manifestando-se
sobre
a
matéria,
em
tópicos
separados,
quanto
à
constitucionalidade, pressupostos de relevância e urgência, de mérito, de
adequação orçamentária e financeira e sobre se a medida provisória veio da
Presidência da República com a respectiva Mensagem e exposição de motivos
(artigo 5º).
Seja qual for o resultado das atividades da Comissão ou mesmo que no prazo
supra, ela tenha restado inativa e não estejam concluídos os seus trabalhos, estes,
no estado em que se encontrarem, com o texto da medida provisória, serão
encaminhados compulsoriamente à Câmara dos Deputados, independentemente, da
deliberação desta, a partir do 14º dia de publicação da medida provisória (artigos 5º,
caput e 6º, § 1º).
3.8.3 Procedimento de deliberação
Depois de publicar em avulsos e no Diário da Câmara dos Deputados o
parecer da Comissão Mista, dispensado o interstício da publicação, a Câmara dos
Deputados terá mais 14 dias, improrrogáveis, para debate e votação da medida
provisória, considerando, se ele existir, o parecer da Comissão referida, tudo isto em
até 28 dias da publicação da edição da medida provisória (artigo 6º, caput).
Aqui cabe acrescentar que são improrrogáveis os prazos para que cada
entidade envolvida com o processo legislativo – a Comissão Mista, a Câmara dos
78
Deputados e o Senado – conclua suas atividades no curso do processo legislativo
de conversão da medida provisória em lei.
Desta maneira, o fato de uma delas não concluí-lo nos prazos que lhes foram
facultados para tanto, fará com que a outra inicie seus trâmites para aprovação da
conversão da medida provisória em lei, tão logo transcorrido o seu interstício
temporal e mesmo que ainda não concluído o processo de votação de conversão em
lei da medida provisória, na entidade anterior.
Deve a Câmara dar-lhe início em 14 dias da publicação da edição da medida
provisória e o Senado, em 28 dias, dessa mesma data, portanto, em 42 dias (artigo
7º), esta última Casa deve encerrar o processo de conversão em lei da medida
provisória.
É que a Comissão Mista de Deputados e Senadores tem 14 dias, para
analisá-la e votá-la, cada um deles, também, contados da publicação da edição da
medida provisória; que a Câmara, mais 14 dias para tanto e que o Senado, mais
outros 14 dias; e na medida em que são contados todos estes dias do mesmo termo
inicial, a data da publicação da edição da medida provisória, no Diário Oficial da
União, o período de 45 dias é o adequado, de acordo com a Resolução em questão,
para encerrar-se no Congresso Nacional, o tempo de duração do processo
legislativo de conversão da medida provisória em lei, porque se a medida provisória
voltar para a Câmara dos Deputados em decorrência de sua modificação pelo
Senado Federal, esta terá mais 3 dias para deliberar sobre as alterações da medida
provisória originárias do Senado (artigo 7º, § 4º).64
Levando-se em conta, que em 45 dias, se não for votada a medida provisória
pelo Congresso Nacional, esta travará a pauta de suas Casas, tendo preferência
para votação, sobre outras deliberações legislativas e entrando em regime de
urgência subseqüentemente, em cada uma das Casas do Congresso Nacional
(artigo 9º, caput).
Caso a medida provisória não seja votada em 60 dias da publicação de sua
edição, dar-se-á a prorrogação do prazo de vigência da medida provisória por Ato do
64
Se a medida provisória for rejeitada na Câmara dos Deputados, ela não irá para votação no Senado
Federal.
79
Presidente da Mesa do Congresso Nacional, publicado no Diário Oficial da União
(artigo 9º, § 1º), sem restauração dos prazos já vencidos para as diversas etapas do
processo de conversão em lei da medida provisória (artigo 9º, § 2º), anteriormente.
Na Câmara – como também no Senado, em que o tempo previsto para sua
votação será de mais 14 dias, como visto - vencidos os primeiros 14 dias conferidos
à Câmara para votá-lo e concluí-lo, em sua sede, o processo legislativo de
conversão da medida provisória em lei, será votado, pela ordem, de maneira
prejudicial do mérito, primeiramente, para aferição das preliminares formais da
medida provisória, dissentes quanto a seus requisitos de constitucionalidade e em
específico da verificação de ocorrência de seus pressupostos de edição, de urgência
e relevância, como, igualmente, em seguida, será deliberado sobre sua adequação
financeira e orçamentária (artigo 8º). Apenas se superadas todas estas fases, em
que a medida provisória deve obter aprovação nos termos destes quesitos, aí, sim,
será votado o seu mérito (artigo 8º, caput, in fine).
O projeto de conversão da medida provisória em lei não será conhecido e
nem será votado pelo plenário da Câmara dos Deputados e do Senado Federal,
devendo, assim, ser arquivado, se ausentes estes pressupostos do mérito referidos
necessários para a configuração da medida provisória, nos termos do parágrafo
único do artigo 8º da Resolução nº 1/2002 e de acordo com a Constituição da
República Federativa do Brasil
Se superada a questão prejudicial, este processo legislativo terá seguimento,
para votação dele quanto ao mérito.
Esta votação atenderá apenas subsidiariamente, pela ordem, os regimentos
do Congresso Nacional e, em particular, os da Câmara e do Senado, cada um deles
de per si (artigo 7º, § 7º).
Assim é relevante ser dito que em linhas gerais, a Resolução nº 1, de 2002,
disciplina, em especial, todas as fases e procedimentos deste processo e em
atenção à celeridade necessária para o assunto dessa legislação de urgência e
excepcional, que ela aborda, para dar corpo ao processo de conversão em lei da
medida provisória.
80
Regulamenta esta questão, com tratamento adequado e suficiente a abranger
as hipóteses factuais mais prováveis de ocorrer em seu curso e conclusão.
A Casa que inicia a votação, no caso, a Câmara dos Deputados, em se
tratando da medida provisória, somente remete para a Casa revisora, que é o
Senado, o projeto que aprovar.
Do Senado, ele somente retorna para a Câmara dos Deputados se for
alterado. Por emenda ou supressões ou alterações ocorridas em seu plenário, com
relação ao seu texto e como esta o aprovara, para nova votação e encerramento,
com ela, do processo legislativo para conversão em lei da medida provisória.
Se aprovado o projeto, nela, finalmente, conclui-se a votação dele e o projeto
segue para a sanção do Presidente da República.
3.8.4 Procedimento de conclusão
Caberá à Câmara dos Deputados ou ao Senado, onde houver sido encerrada
a votação do projeto pela aprovação dele, por seu Presidente, este encargo de
remetê-lo para sanção do Presidente da República (artigo 13).
Todavia, o Presidente da Casa em que a medida provisória não tenha sido
convertida em lei, exprimindo a deliberação do Congresso Nacional, pela negativa
de sua aprovação, seja por suas prejudiciais do mérito aqui consideradas, seja pelo
mérito, propriamente dito, comunicará imediatamente esta decisão ao Presidente da
República e fará publicar concomitantemente no Diário Oficial da União, a rejeição
total ou parcial pelo Congresso Nacional da conversão em lei da medida provisória.
Da mesma forma em que assim igualmente procederá quando expirar o prazo de
prorrogação da medida provisória, sem que haja deliberação sobre pelo Congresso
Nacional (artigo 13, § único).
Assim estará morta ou alterada a medida provisória, rejeitada ou desfigurada,
como for, quanto a sua edição original.
Sobrará ao Congresso Nacional editar o decreto legislativo que disciplinará as
relações jurídicas conseqüentes da vigência e eficácia da medida provisória, no todo
81
ou em parte, com as ressalvas dos parágrafos 11 e 12 do artigo 62, da Constituição
da República Federativa do Brasil, porque até aí, ela foi eficaz.
82
4
PROCESSO HISTÓRICO DE CRIAÇÃO E DESENVOLVIMENTO DA
MEDIDA PROVISÓRIA
4.1
Diretrizes da Narrativa
A perspectiva do estudo da medida provisória, a fim de enfocar a sua
evolução histórica, daí tirando subsídios para sua compreensão e instrumentalização
jurídica adequadas, deve levar em conta as influências avaliadas, em sentido vertical
e horizontal, que a conformaram na Constituição de 1988.
Neste primeiro sentido, as históricas, do passado para a contemporaneidade
e no segundo deles, as circunstanciais, de plano a plano, pela interação de outros
sistemas constitucionais europeus com o sistema constitucional brasileiro.
4.2
A História da Organização do Poder
Nos grupos humanos primitivos a decisão expressa na vontade do chefe tribal
era lei. Desde então da tribo para o Estado, o Poder que não se dividia e era
concentrado em uma só pessoa ou em poucas pessoas que o exerciam sobre todos,
em todas as suas funções, foi se descentralizando até culminar em sua distribuição
para desempenhar os múltiplos empenhos que ele deve exercitar para atender os
fins sociais, políticos e jurídicos do ente estatal.
Já Aristóteles propugnara a distribuição do Poder entre órgãos especializados
para o seu exercício, aventando houvesse no Estado entes com destinação
específica para desempenhar as atribuições do Poder. Como a de deliberar sobre
negócios,
enquanto
órgão
diferenciado
daquele
destinado
a
exercer
as
magistraturas (aqui não em senso de judicatura, mas, sim, de administração) ou do
que se destinasse a exercer a justiça, por exemplo.
Embora já os visse distintos, porém, harmônicos.65
65
Desde há muito, mais precisamente desde Aristóteles, reconhece-se que a atividade estatal é
suscetível, em razão das diferenças que apresenta, de ser dividida num certo número de categorias,
agrupando, cada qual, aqueles atos do Estado que apresentam, entre si, traços de uniformidade.
Aristóteles já fixava em três essas categorias.
83
Mas é com Charles Louis Secondat, o Barão de Montesquieu, que se
consubstancia a teoria da divisão do Poder em suas funções de legislar, fazer justiça
e administrar. Por via de três órgãos especializados, Legislativo, Judiciário e
Executivo, que devem ser independentes, contudo, harmônicos. Para atuação
equilibrada e mutuamente limitadora,66 como a aprimorou o constitucionalismo norteamericano.67
De sorte que a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789,
erige esta criação jurídica em requisito fundamental do Estado Constitucional,
juntamente com a garantia dos direitos fundamentais, em seu artigo 16.
4.3
Institutos Precursores da Medida Provisória
Assim, em sua conotação primeira o decreto é um ato de decisão de um líder
ou de grupo restrito que edita comandos nos contextos em que exerce a
Vale, entretanto, notar, que qualquer que seja a forma ou o conteúdo dos atos do Estado, eles são
sempre fruto de um mesmo poder. Daí ser incorreto afirmar-se a tripartição de poderes estatais, a
tomar esta expressão ao pé da letra. É que o poder é sempre um só, qualquer que seja a forma por
ele assumida. Todas as manifestações de vontade emanadas em nome do Estado reportam-se
sempre a um querer único que é próprio das organizações políticas estatais” (BASTOS, Celso
Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2000. p. 341).
66
Estas são, em apertada síntese, as características fundamentais das funções legislativas, executiva
e judiciária. O mérito essencial da teoria de Montesquieu não reside contudo na identificação
abstrata dessas formas de atuar do Estado. Isto, como vimos, já fora feito, se bem que mais
toscamente, na Antiguidade, por Aristóteles. Montesquieu, entretanto, foi aquele que, por primeiro,
de forma translúcida, afirmou que a tais funções devem corresponder órgãos distintos e
autônomos. Em outras palavras, para Montesquieu à divisão funcional deve corresponder uma
divisão orgânica. Os órgãos que dispõem de forma genérica e abstrata, que legislam, enfim, não
podem, segundo ele, ser os mesmos que executam, assim como nenhum destes pode ser
encarregado de decidir as controvérsias. Há de existir um órgão (usualmente denominado poder)
incumbido do desempenho de cada uma dessas funções, da mesma forma que entre eles não
poderá ocorrer qualquer vínculo de subordinação. Um não deve receber ordens do outro, mas
cingir-se ao exercício da função que lhe empresta o nome (Ibid., p. 343).
67
Houve, porém, precursores outros de Montesquieu na disciplina da organização das funções do
Poder. Carl Schimtt aponta que foi Bolingbroke (The Crafstman), o autor da doutrina constitucional
do equilíbrio de poderes, empregando pioneirísticamente definições como freios recíprocos,
controles recíprocos, retenções e reservas recíprocas. Marcelo Caetano destaca a contribuição de
Locke na matéria, para limitar o poder e o arbítrio do Estado, dirigindo-o para a garantia dos direitos
individuais. Mas Carré de Malberg assevera que não obstante tenha sido Locke o primeiro a
ressaltar a conveniência de uma separação de poderes, não logrou ele oferecer sobre isto uma
teoria com a necessária clareza. De outro bordo, no entender de Paulo Bonavides, a teoria de
pesos e contrapesos – criação do constitucionalismo norte-americano - é uma correção fundamental
na prática constitucional, ao princípio da separação dos poderes estatais. Resumo do autor deste
estudo em face de FIGUEIREDO FILHO, Jayme Poggi de. O decreto-lei na Constituição
brasileira. Dissertação (Mestrado em Direito) – Programa de Pós-Graduação em Direito,
Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1984.
84
governança, sem respaldo em outorga constitucional, sustentado na efetividade de
suas ordens e graças a um aparato de força, em senso físico, suficiente a fazê-los
respeitados e cumpridos, de fato.
É nestas circunstâncias comando jurídico que exprime ordem geral para
irrestrita obediência de todos para quem é dirigido.68
Ato de instituição de direitos. De criação, extinção e modificação de seus
contornos e conteúdos. Por quem se impõe pela coerção à coletividade. Dela
presumindo-se representante e apto a por ela decidir sem mandato formal.
Se nos primórdios da organização social e política dos grupos humanos o
chefe do aglomerado decreta o direito e se nos estados revolucionários, o direito é
decretado por quem prepondera pela força que se institucionaliza na sociedade, com
a constitucionalização do direito, a dicção do direito faz-se pela lei.
Esta é ato complexo. Elabora-a o Poder Legislativo com o concurso do Poder
Executivo que é quem a dota de condições de cumprimento e obediência social,
68
Ensina o Professor Juan Gascón Hernández que é esta a modalidade mais antiga de decretos-leis.
A que constitui sua manifestação originária: uma invasão do Executivo no campo do Legislativo, que
nasceu como puro fato. Só muito tempo depois é que logrou obter consagração jurídica, com os
institutos da autorização legislativa e do decreto de urgência, E é principalmente a estes decretosleis a que se refere Gascón Y Marin, quando afirma que constituem, de fato, fonte do direito
administrativo, posto que as outras figuras do decreto-lei não são fontes de fato, mas de direito.
Fontes do direito administrativo em muitíssimos países e singularmente na Espanha, conforme o
artigo 13 da Lei das Cortes, de 9 de março de 1946 e, anteriormente, conforme os artigos 61 e 80
da Constituição Republicana de 1931.
Na Espanha, Garcia Oviedo os define como normas que são formalmente leis, desde o primeiro
momento, devido à própria suspensão das funções legislativas do Parlamento e sua transferência
ao Poder Executivo.
Para ele, a diferença entre estes decretos-leis, que, segundo ele, são os únicos decretos-leis, e os
decretos de necessidade, está em que os de necessidade não são formalmente leis, até que o
Parlamento os ratifique.
Em seguida, Juan Gascón Hernandez expõe sua opinião, no sentido de que os decretos de
urgência têm também valor de lei formal, com a reserva da condição resolutória, a que estão
submetidos. Para os autores citados, o primordial é o aspecto formal. E, por isso, entendem que o
decreto possui, desde um primeiro instante, valor de lei formal. Mas talvez seja mais certo afirmar
que o fundamental é o aspecto de conteúdo, pois decreto-lei é aquela norma que versa sobre
matéria reservada à competência da lei formal. E este caráter intrínseco ou material é que
determina que tenha a mesma força que a lei formal, proveniente do órgão legislativo normal. A
diferença entre esta espécie de decreto-lei, de que agora nos ocupamos, e das demais figuras
examinadas, está, especialmente, em suas diferentes origens e finalidade. São decretos nascidos
em conseqüência de uma Revolução ou de um Golpe de Estado, em um momento em que
propriamente não existe a distinção de Poderes e competências, porque todos estão em mãos do
Governo. Nesses momentos, o Executivo dada a sua significação matriz e residual, emana
normas sobre matérias que, em regime normal, são objeto de lei. Todo Estado em seu
nascimento e em seu ocaso é só o Governo. O Governo a que, tradicionalmente, se tem
chamado Executivo é a raiz primeira de qualquer forma de Estado (SANTOS, Brasilino Pereira
dos. As medidas provisórias no Direito Comparado e no Brasil. São Paulo: LTr, 1994. p. 148).
85
pela sanção e promulgação. É ela conseqüente de um processo legislativo
constitucional.
Neste estágio, o decreto é a expressão do direito isoladamente por um Poder
do Estado.
Regra geral é o instrumento que realiza e aperfeiçoa com conotação jurídica a
ação concreta de um ramo isolado do Poder em face de situações particulares. Do
Executivo para regulamentar a lei e para acudir necessidades públicas específicas.
Do Judiciário para dizer o direito pela jurisdição dos casos concretos. Do Legislativo
ao atuar quando produz o decreto legislativo, sem necessidade do complemento do
Poder Executivo, pela sanção e pela promulgação.
Mas sempre com sustentação na lei, nos termos em que os órgãos que
concretizam suas funções são investidos de competências com base última na
Constituição.
Nestes regimes a lei é obra do Poder Legislativo em que está a fase
constitutiva do processo de feitura de leis, embora o seu arremate esteja na sanção,
em que se dá o ponto de encontro entre os ramos do Poder nele interferentes, para
dotá-la de obrigatoriedade, que a promulgação atesta e a publicação noticia para
que ela tenha vigor.
4.4 Determinantes Históricas e Sociais para o Surgimento da Medida Provisória
Contudo, situações especialíssimas de fato fogem à disciplina pela lei
derivada da atividade do Poder Legislativo porque elas consumam consequências
sociais antes que ele tenha tempo para regulá-las em consonância com o interesse
coletivo, por via de seu próprio processo legislativo.
Pois foi para subordinar a marcha de fatos que propendiam para prejuízos
insanáveis para a coletividade e com curso superior à velocidade de instauração,
desenvolvimento e conclusão dos processos parlamentares, que, assim, se
mostravam incapazes de submetê-los aos arquétipos legais de sujeição dos fatos a
suas políticas e necessidades públicas, que os Governos passaram a ter por
86
delegação dos Parlamentos poderes legislativos excepcionais e para fazer leis, em
seu lugar.
Entretanto estas delegações estão condicionadas a pressupostos limitados e
destinadas a propósitos específicos de ação e muitas vezes elas não são suficientes
por seus limites e objetivos a permitir ao Executivo acudir com elas situações
emergenciais e previamente imprevisíveis como são previsíveis as situações que
lhes dão lugar as quais assim não são necessariamente emergenciais.
De sorte que para remediar estas necessidades públicas cuja satisfação
depende da imediata providência do Executivo, foi que o constituinte – nos Estados
de constituição escrita e que consagram a divisão do Poder – dotou este ramo do
Poder de atribuição para legislar excepcionalmente, em situações específicas, para
dar efetividade à solução de problemas colimada por seus decretos, mas sem
ofensa à primazia do Legislativo para fazer leis, porquanto como se vira a divisão do
Poder era da essência do regime constitucional.
Como o decreto é a forma peculiar de legislação pelo Poder Executivo e na
medida em que é ao Legislativo que cabe precipuamente legislar, criou-se a figura
do decreto-lei, que exprime atos legislativos do Poder Executivo, inicialmente,
enquanto decretos, mas sempre sujeitos à posterior aprovação do Poder Legislativo
para consumar suas conversões definitivas em lei e com isto ganhar eficácia
permanente.
É que os ramos em que se desdobra o Poder por serem independentes, não
são divorciados e assim não haveria infração ao princípio de sua distribuição na
medida em que o Poder Executivo e o Poder Legislativo estariam agindo em
equilíbrio e com harmonia, consumando um processo peculiar de legislação, único
possível para solução legislativa de problemas emergenciais que intentam disciplinar
por meio de atuação integrada, entre eles, em, que, pela construção do decreto-lei,
não se ofenderia o cerne do constitucionalismo que está na separação do Poder.
Certo que a origem deste tipo legislativo está na delegação de competência
para legislar que o Legislativo delega ao Executivo. Mas importa consignar que a
despeito desta filiação, ele é uma variante autônoma dessa delegação, com que se
87
aprimorou um instituto peculiar ao sistema inglês à arquitetura do constitucionalismo
continental europeu.
O decreto-lei sempre foi no enfoque dessa doutrina – embora com algumas
variações – um ato do Poder que consubstanciado em lei em sentido material, tem
vigor como se lei formal fosse, sendo, de outro bordo, primeiramente, um ato
unilateral do Poder Executivo que para se converter em lei, é dependente de
aprovação do Poder Legislativo.
Construindo o instituto do decreto-lei – fiel ao modelo constitucional do artigo
16 da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789 e assim a
Montesquieu – preocupou-se o jurista europeu continental em dar legitimação
constitucional à lei material emanada do Executivo, por fato e situação
extraordinária, até que o Legislativo, o órgão ordinariamente investido por ele em
funções legislativas pudesse atuar, dotando o constitucionalmente precário decreto
do Executivo da constitucionalidade definitiva, que está na lei material e formalmente
considerada.
Disto o nome decreto-lei, que é a nomenclatura com que surge a medida
provisória nos sistemas constitucionais europeus, nos moldes estudados neste
trabalho, os quais inspiraram o constituinte brasileiro, que foi quem batizou medida
provisória o que em outros sistemas constitucionais é decreto-lei.69
69
O eminente Vicente Ráo analisou a figura do decreto-lei no ordenamento constitucional italiano,
tecendo considerações de grande relevância sobre este instituto:
„(...) A denominação „decretos-lei‟ sempre foi usada, na Itália, não no sentido genérico de legislação
governamental, nem no sentido de legislação delegada, mas apenas para designar os atos
normativos, com força de lei, expedidos pelo governo sem prévia autorização parlamentar, sujeitos,
porém, a serem ratificados ou convertidos em leis pelas câmaras.
São os decretos-leis, pois, atos governamentais e excepcionais de conteúdo legal, que só adquirem
eficácia definitiva quando os órgãos legislativos normais os convertem em leis. Seus pressupostos
são mais rigorosos dos reclamados para as leis delegadas, pois a Constituição só e unicamente
admite sua prática em casos extraordinários de necessidade e urgência‟ (As delegações
legislativas no parlamentarismo e no presidencialismo. São Paulo: Max Limonad, 1966. v. 1, p.
1800).
.....................................................................................................................................................
„O pressuposto da extraordinariedade indica, por antítese que os decretos-leis não devem constituir
atos de administração ordinária; a necessidade significa a indeclinabilidade das medidas visadas
para a realização de um programa governamental de atendimento de interesses público que essas
medidas reclamem com urgência; e urgência é esta que não se confunde com a do art. 72; relativa
ao processo simplificado que as câmaras podem adotar em certos casos, mas se aproxima, mais,
do conceito de premência.
O governo deve apresentar à câmara o decreto-lei mesmo no dia em que o emitir, ou aos
respectivos presidentes se as câmaras não estiverem em sessão. Neste último caso, três hipóteses
podem ocorrer: – ou as câmaras se abrem e passam, sem mais, ao exame desse ato
88
Esta combinação de conceitos, de decreto com lei, para dar em decreto-lei,
bem explicita o significado do instituto, pois que funde o conceito de decreto com o
de lei.
Evidencia que a sua substância é uma interação entre ramos do Poder, do
Executivo, que em acepção instrumental jurídica age pelo decreto, com o
Legislativo, que, neste mesmo sentido, atua pela lei.
Sendo os dois órgãos que com o Poder Judiciário formam os três ramos do
Poder antevistos por Montesquieu.
4.5
O Momento Histórico de Criação dos Instrumentos Legislativos do
Governo como Originados na Atividade Parlamentar
Não obstante as origens remotas da medida provisórias estão em duas
ordens constitucionais em que a rigor não se adotara o sistema tripartite do Poder.
Especificamente no instituto da delegação legislativa do Parlamento para o Governo,
da qual, todavia, o decreto-lei é um derivado autônomo.
governamental, ou estão em férias e são especialmente convocadas, ou se acham dissolvidas e,
mesmo neste caso, procede-se a sua convocação imediata, sempre que se reunirem dentro do
prazo de cinco dias (cit. art. 77 e V, Carrullo: loc. cit., p. 253).
Bem se advertiu, durante os trabalhos da constituinte que „a intervenção e a convocação especial
das câmaras são um freio bastante sensível para os governos, os quais, assim sendo, quando
expedirem um decreto-lei, saberão que devem apresentar-se ao parlamento a fim de enfrentar o
juízo de responsabilidade implícito no ato de conversão e que nada impede que se torne explícito se
o decreto-lei não for justificado, ou se for inspirado por critérios antiliberais ou antidemocráticos. (...).
Trata-se, na verdade, de um freio formidável, mas não único, pois se os decretos-leis não forem
convertidos em lei dentro de sessenta dias contados de sua apresentação às câmaras, perderão
sua eficácia, o que revela seu caráter provisório‟ (Ibid.).
São realmente provisórios os efeitos dos decretos-leis, são, isto é, condicionados à verificação do
evento de sua conversão em lei. A não verificação desse evento importará, por si,a perda ex tunc
da eficácia de tais atos, ou seja, a perda de sua eficácia desde o início...‟ (p. 183-184)”. RAMOS,
José Saulo Pereira. Parecer SR-92. Advocacia Geral da União, 1989. Disponível em:
<http://www.agu.gov.br/sistema/site/páginasinternas/normasinternas/atodetalhado.aspx?idato=7938
>. Acesso em: 16 jul. 2009.
89
4.5.1 No contexto italiano do Estatuto Albertino
No Estatuto Albertino – que é primeira constituição da unificação italiana no
Século XIX – em que o Rei era o próprio Poder Executivo e concomitante e
coletivamente o Poder Legislativo juntamente com as duas Câmaras, a do Senado e
a dos deputados.70
Nesse
sistema
constitucional desenvolveu-se
hipótese
de
delegação
legislativa inicialmente.
Esta Constituição foi outorgada pelo Rei Carlos Alberto de Sabóia, à
Sardenha,
denominando-se
Statuto
Fondamentale
del
Regno
d´Italia
ou
simplesmente Statuto Albertino, de 4 de março de 1848, e, posteriormente, foi a
Constituição adotada pelo Reino da Itália, com vigor até 1 de janeiro de 1948,
quando, então, a Itália se tornou República.
Entretanto, a sua natureza de constituição flexível, mutável por via de lei
ordinária, possibilitou funcionasse um parlamentarismo, que fez o exercício do Poder
Executivo passar das mãos do Rei para a dos ministros, que assim constituíam o
Governo, enquanto paulatinamente o monarca cedia sua parcela no Poder
Legislativo às Câmaras.
Este Governo recebeu inúmeras delegações de competências para legislar
das Câmaras e entre as quais esteve a de 2 de agosto de 1848, que se justificou
pela necessidade de prover-se a defesa instantânea do Estado, por meios rápidos e
eficazes.
Deste modo, a partir do desenvolvimento destas delegações notadamente na
Itália, em que de delegação legislativa, o instituto derivou para uma atuação do
Governo, a ser depois referendada nas Câmaras, para ser eficaz, enquanto lei, é
que surge o decreto-lei.
Assim, na Itália, em 1926, foi que se fixou em lei a fundamentação das
ordinanze di necessitá, por motivo di assoluta ed urgente necessità, sujeitas à
70
FIGUEIREDO FILHO, Jayme Poggi de. O decreto-lei na Constituição brasileira. Dissertação
(Mestrado em Direito) – Programa de Pós-Graduação em Direito. Universidade Federal do Rio de
Janeiro, Rio de Janeiro, 1984. p. 39.
90
aprovação do Parlamento depois de editadas pelo Governo, em fundamento próximo
daquele que deu sustentação jurídica à medida provisória, como prevista na
Constituição da República Federativa do Brasil de 5 de Outubro de 1988.
4.5.2 No âmbito do Parlamento inglês
Também, se encontra a origem da medida provisória no sistema
constitucional inglês em que as instituições da Coroa, do Rei e do Parlamento,
verticalizam o Direito Público da Inglaterra e em que o Parlamento é órgão não
apenas legislativo como também constituinte.
Pode mudar e modificar ao seu talante a lei constitucional do Reino, sem
formalidades especiais que não seja a simples maioria parlamentar.
O Parlamento inglês, desde priscas eras, permite ao Gabinete legislar, com
plena autonomia e sem necessidade de sua ratificação, em situações anormais e
graves, em casos de beligerância - visto como o inimigo não marca o compasso de
sua marcha pelos processos democráticos - ou em situações de necessidade de
produção de leis para imediata solução de graves problemas econômicos.
Foi o que ocorreu com o Defense of Realm Act, durante a guerra de 19141918, o Emergency Power Act, na de 1939-1945 e com o Supplies and Services
(Transacional-Power Act), do pós-guerra em 1945, no tocante a medidas urgentes
que o Gabinete teve de tomar, com isto, legislando e para buscar soluções para
problemas, que não podiam esperar o trâmite complexo do processo legislativo
parlamentar, sem o risco de desastrosas consequências sociais.
Estas leis denominam-se statury orders in council71 e foram elas que
inspiraram o constituinte a criar a figura do decreto-lei, adaptando este instituto ao
71
“São as segundas, isto é, as statury orders in council as que, mais peculiarmente, se
caracterizam como atos excepcionais de legislação delegada, em razão da plenitude de poderes
legislativos exercidos pelo Gabinete por força de autorização do parlamento. Entre os mais atos
dessa natureza se destacam os de Defesa do Reino (Defense of the Realm Act) relativo à guerra
de 1914-1918, o de concessão de poderes de emergência (Emergency Power Act) referente à
guerra de 1939-1945, e, mesmo o Supplies and Services (Transactional-Power Act), de 1945,
que dizia respeito, principalmente a medidas de caráter econômico e social. É sempre facultado ao
parlamento, porém, debater e analisar as medidas tomadas por via de statury orders in council e,
91
molde de suas constituições escritas, rígidas e centradas na divisão do Poder, na
linha de Montesquieu, para lhe dar legitimação constitucional.72
Na medida em que o Parlamento inglês é órgão legislativo e constituinte,
também, há nestas leis antes uma outorga constitucional de poderes próprios para o
Gabinete legislar excepcionalmente em situações peculiares, que propriamente uma
delegação de competências do Legislativo para o Executivo fazer leis.73
4.6
Referenciais Históricos da Medida Provisória em Outras Ordens
Constitucionais Contemporâneas
Não obstante, antes ou depois deste fato, em outras constituições européias,
o instituto jurídico, que na última delas ganhou o nome específico de decreto-lei, já
tivesse lugar.
Previsto expressamente para solução de problema emergente e cuja
consumação não poderia ser protelada pelo Poder Público, por via do Poder
Executivo e sob pena de realizar-se o prejuízo prenunciado pelo atributo do
de fato, sucedeu que certos preceitos do Ato de Defesa foram emendados pelo Gabinete em
conseqüência de críticas feitas na Câmara dos Comuns.
Nos plenos poderes concedidos ao Gabinete, assim tem entendido a doutrina, por dependerem de
ato do parlamento e por estarem sujeitos a sua crítica, uma conciliação existe entre os princípios
democráticos e as necessidades práticas que, em casos excepcionais, exigem soluções urgentes”
(RÁO, Vicente. As delegações legislativas no parlamentarismo e no presidencialismo. São
Paulo: Max Limonad, 1966. p. 70).
72
Em situações anormais e graves, como as provocadas pela guerra („visto como o inimigo não marca
o compasso de sua marcha pelos processos democráticos‟), o Gabinete inglês obtém do
parlamento plenos poderes para legislar por statury orders in council, ou seja, segundo linguagem
usada em outros países, por meio de decretos-lei (Ibid., p. 70).
73
O parlamento inglês, dizia Tocqueville, é ao mesmo tempo um corpo legislativo e constituinte. E
Dicey, (cap. II) desenvolvendo êsse conceito, dêle extraía as seguintes conclusões: – „(1ª) - lei não
há que o parlamento não possa alterar e as leis fundamentais, chamadas constitucionais, podem,
segundo a constituição, ser modificadas pelo mesmo corpo e do mesmo modo que as outras leis,
isto é, agindo o parlamento de conformidade com seu caráter legislativo ordinário; (2ª) - nenhuma
diferença clara e acentuada existe entre as leis que não são fundamentais ou constitucionais e as
que possuem êste caráter; (3ª) - não há, no Império Britânico, pessoa ou corpo de pessoas,
executivo, legislativo, ou judiciário, que possa declarar nulo um ato votado pelo parlamento britânico
sob o pretexto de ser contrário à constituição, ou por outro motivo qualquer, desde que, bem
entendido, não se trate de ato revogado pelo próprio parlamento‟.
E mais ocorre que o ato acaso reputado inválido no momento em que foi praticado, é suscetível de
ser „legalizado‟ pelo parlamento mediante a aprovação de um bill of indemnity, por via do qual
também se costuma cancelar a responsabilidade de quem o praticou. Dêsse processo de
„legalização da ilegalidade‟ já se disse que constitui a „prova decisiva da soberania do parlamento‟
(Ibid., p. 44-45).
92
periculum in mora, que denunciava nele a necessidade emergente de sua solução e
para evitar o dano que estava assim antevisto como possível em sua configuração.
Com isto podem ser verificados em outras constituições, de outras culturas
jurídicas, institutos assemelhados às medidas provisórias, que contêm elementos
que as possam ter originado, desde o direito inglês, até outras constituições do pósguerra.
A Constituição de Weimar, de 11 de agosto de 1919, em seu artigo 48,
facultava ao Presidente do Reich fazer com que um Estado cumprisse a
Constituição ou a lei, inclusive, pelo uso das forças armadas, em caso de grave
ameaça à segurança e à ordem públicas.
Autorizava-o
nestas
circunstâncias
a
decretar
medidas
urgentes
e
necessárias ao restabelecimento delas.
Nesta hipótese, esta autoridade, sem autorização do Parlamento, decretandoas, poderia até mesmo suspender a eficácia de direitos fundamentais.
Imediatamente ele deveria informar o Parlamento, destas medidas que
houvesse decretado, para aprovação de suas edições.
O Parlamento poderia cassar estas medidas, assim, ditas emergenciais. Ou
aprová-las, ratificando-as.
Embora este artigo 48 da Constituição de Weimar, tivesse por finalidade
conter distúrbios ameaçadores à segurança e à ordem pública, foi ele utilizado
muitas vezes para a solução de crises econômicas.74
A Constituição francesa, de 4 de outubro de 1958, modificada por leis
constitucionais de 1960, 1962, 1963, 1974 e 1976, em seu artigo 16, admite medidas
a serem tomadas pelo Presidente da República, quando as instituições da
República, a independência do país, a integridade de seu território ou o cumprimento
74
O artigo 48 da Constituição de Weimar estabelecia que se a ordem e a segurança pública do Reich
alemão estivessem ameaçadas por distúrbios, o presidente poderia tomar as medidas necessárias
para solucionar a crise, podendo inclusive intervir com o apoio das forças armadas e suspender
temporariamente alguns direitos fundamentais previstos em outros artigos da Constituição. Tal
artigo foi utilizado muitas vezes para defender a República de Weimar, não contra distúrbios
políticos, mas contra desastres econômicos (MACEDO JÚNIOR, Ronaldo Porto. Carl Schmitt e a
fundamentação do Direito. São Paulo: Max Limonad, 2001. p. 61).
93
de seus compromissos internacionais são ameaçados de maneira grave e imediata
e o funcionamento dos poderes constitucionais é interrompido.
O Presidente da República, nestas circunstâncias, toma as medidas imediatas
e urgentes exigidas – denominadas ordonnances - sem consulta ao Parlamento para
a solução da crise e após consultar oficialmente o Primeiro Ministro, os presidentes
das Assembléias e o Conselho Constitucional.
Também a Constituição Espanhola de 27 de dezembro de 1978, em seu
artigo 86, referindo-se a Decretos-leyes, como a italiana de 1948, em seu artigo 77,
a provvedimenti provvisori com forza di legge, destina estas disposiciones
legislativas provisionales à solução de casos de extraordinária e urgente
necessidade, pelo Governo, sem prévia aprovação parlamentar.
Exige posterior ratificação delas pelo Parlamento para serem válidas e
eficazes, em prazo certo.
Há notícias de medidas provisórias cuja substância consiste em disposições
de Governo com força de lei, para posterior ratificação ou recusa pelo Parlamento,
em casos de emergência, em muitas constituições do hemisfério ocidental, variando
acidentalmente aspectos de seu processo legislativo ou até mesmo a dispensa da
apreciação delas pelo Parlamento.75
Além das já noticiadas, destacam-se a Constituição alemã de 1949, por seu
artigo 81, que se refere ao decreto de estado de necessidade legislativa e o decretolei, na Constituição Portuguesa de 1976, como também semelhante instituto tem uso
na República Argentina, por via dos decretos de necessidade e urgência que são
75
Acolheu-se, assim, instituto que habilita o Governo a legislar por atribuição própria, sem prévio
consentimento do Parlamento, cuja intervenção fiscalizadora se faz posteriormente, a exemplo do
que ocorre, em virtude da necessidade inarredável de ação legislativa rápida, vivenciada nos
tempos hodiernos, com vários modelos hauridos no constitucionalismo contemporâneo, a saber: os
arts. 77 da Constituição italiana de 1947 (decreto-legge), 81 da Constituição alemã de 1949
(estado de necessidade legislativa), 16 e 34 da Constituição da França de 1958 (poderes
extraordinários do Presidente de República e o regulamento autônomo), 44 da Constituição da
Grécia de 1975 (adoção de atos legislativos em circunstâncias excepcionais de necessidade
extremamente urgente e imprevista), 198 da Constituição de Portugal de 1976 (decreto-lei), 86 da
Constituição hispânica de 1978 (decreto-ley), 99, inciso 3, da Constituição da Nação Argentina de
1853, com a reforma de 1995 (decretos de necesidad y urgência) e, mais recentemente, os arts.
101 da Constituição da Croácia (decretos com força de lei), 144.4 da Constituição da Romênia de
1991 (ordenanças de urgência), 109 da Constituição da Estônia (decretos presidenciais) e 85 da
Lituânia (decreto-lei) ambas de 1992 (NOBRE JÚNIOR, Edilson Pereira. O Supremo Tribunal
Federal e a disciplina da eficácia das Medidas Provisórias. LEX Jurisprudência do Supremo
Tribunal Federal, São Paulo, n. 278, p. 5-17, out./dez. 2001).
94
instrumentos de legislação pelo Presidente da República em situações de perigo
sujeito ao juízo do Poder Legislativo para convalidação ou responsabilização dele,
na hipótese de sua rejeição pelo Parlamento.
Analisando este processo, é que se identifica como o direito constitucional
continental europeu elaborou o instituto do decreto-lei e o conciliou com a doutrina
de Montesquieu. Na medida em que subordinou a função legislativa extraordinária
do Poder Executivo à ratificação do Poder Legislativo.
Com isto preservou a tripartição do Poder, que é da essência do
constitucionalismo à vista do artigo 16 da Declaração Universal dos Direitos do
Homem e do Cidadão de 1789.76
76
Mas, já dissemos, poderosos fatôres de ordem política, social e econômica de há muito
provocaram, em certos sistemas, o uso das delegações legislativas e, em conseqüência, senão a
quebra quando menos a atenuação do acenado princípio, atenuação que, declaradamente e com
maior intensidade ocorre nos sistemas parlamentaristas, mas também nos sistemas
presidencialistas se verifica, não sob a forma ostensiva de delegação, mas sob aparências outras
que, no entender de certos autores, não importam alteração da antiga doutrina. Daí a conveniência
de se estudar a matéria, segundo as peculiaridades de um sistema e outro, passando-se, em
seguida, ao exame dos sucessivos ensaios doutrinários que procuram justificar as diversas formas
de delegação das funções legislativas.
Não expusemos, acima, a doutrina tradicional da separação e harmonia dos Poderes apenas a
título de ilustração, ou de referência histórica, senão e principalmente para acentuar, desde logo, o
perigo a que ficam sujeitas as liberdades fundamentais quando as funções de legislar, executar e
impor o respeito das leis se concentram no mesmo órgão, ou na mesma corporação política.
Êsse princípio constitui, a par da maior segurança dos direitos humanos, o alicerce do Estado de
Direito e, pois, da verdadeira democracia e sua violação pura e simples é sempre causa de
conseqüências penosas, máxime nos países onde, por falta de maturidade política, o Poder
Executivo constantemente tende, em detrimento dos demais Poderes, a agigantar as suas
atribuições.
CASTRO NUNES, admitindo e justificando a delegação de funções legislativas em têrmos
suscetíveis de reparos por sua amplitude, assim, entretanto, se referia ao princípio da separação e
harmonia dos Poderes: „na verdade, é êsse grande postulado da razão política ou êsse princípio
fundamental da mecânica do Estado que se acha em causa no dissídio aberto acêrca da
indelegabilidade das funções repartidas, mero consectário da separação, tão certo é que poderes
separados são poderes que se hão de mover em órbitas próprias, constitucionalmente demarcadas
e inconfundíveis‟. „Outra decorrência do mesmo teor político é a proibição que se impõe ao cidadão
de ser investido de funções pertinentes a poderes diversos, ainda que comportando as exceções
previstas na constituição‟. „São duas proibições oriundas da regra mestra que é a separação,
reafirmações ou particularizações da co-existência do Legislativo, Executivo e Judiciário no plano
estatal, sem atritos nem usurpações, senão independentes e harmônicos entre si‟. „A parte do §2º
que se insere no art. 36 da Constituição (de 1946) enunciando a vedação imposta a cada um
daqueles poderes de renunciar, por delegação a outro, às atribuições que lhe são próprias, está,
pois, na dependência do entendimento que possa comportar a regra basilar da separação em si
mesma‟. „Devo dizer que, apesar de minhas idéias conhecidas acêrca da orgânica do Estado, cujo
reajustamento às transformações profundas da vida na idade contemporânea estará exigindo, sob
vários aspectos, o abandono de certos padrões clássicos, que envelheceram e já não
correspondem aos ensejos e necessidades práticas do presente, sou dos que não fazem côro com
os críticos negativistas do velho dogma liberal, esquecidos de que sem êle não seria possível
conceber, sequer, o Estado na teoria constitucional ou no plano das garantias políticas ou
judiciárias‟. „O que é preciso, entretanto, é não perder de vista o sentido filosófico do princípio, que
95
Marco Aurélio Sampaio, em A medida provisória no presidencialismo
brasileiro, São Paulo, Malheiros, 2007, páginas 43 usque 94 informa que, nos
Estados Unidos da América do Norte, como a Constituição Americana em seu artigo
I, dispunha que todos os poderes legislativos aqui previstos serão investidos em um
Congresso dos Estados Unidos, que consistirá de um Senado e uma Casa de
Representantes, criou-se a doutrina da não-delegação.
Contudo, noticia que embora a Constituição norte-americana não preveja, a
prática de Governo deu ensejo a um decreto presidencial dotado com força de lei, o
qual teria efeito vinculante, com esta força de lei reconhecida pela Suprema Corte.
Pondera que este ato legislativo seria instituto análogo à medida provisória.
Destaca que, no caso dar-se-ia segundo o entendimento do direito
constitucional daquele país, uma delegação tácita às vezes ratificada posteriormente
pelo Congresso, mas, quase sempre, ficando esta ratificação ao cargo da Suprema
Corte quando a tanto provocada.
Os fundamentos desta atuação do Presidente da República encontrariam eco
no entendimento de Locke, de que, em estado de necessidade e em situação de
grave perigo para o Estado, poderia o Executivo agir até contra a lei. Também, em
passagem de O FEDERALISTA, na qual Hamilton, sob título 23, afirma a
necessidade de um governo nacional enérgico e ativo, pronto para agir sem limites
é, na realidade, o ponto de partida de qualquer construção política que se pretenda realizar sem sair
daquelas coordenadas, mas comportando maior plasticidade, no interesse superior do bem público‟
(Conferência realizada na Fundação Getúlio Vargas, Rev. Forense, v. 137, pág. 5 e sgts).
Quer entre os juristas, quer entre os cultores das ciências políticas, não encontrou nem poderia ter
encontrado apoio a tentativa de se substituir o princípio da separação de Poderes pelas regras,
simples e áridas, da divisão e racionalização do trabalho, caracterizadas tão-só por seu tecnicismo,
sem sentido filosófico, ou político. Certos autores modernos, não abandonando o antigo princípio da
separação e harmonia dos Poderes, antes, justificando-o politicamente, procuram desdobrá-lo nos
conceitos de independência orgânica de cada Poder e de especialização de suas funções,
ligando um conceito e outro ao de colaboração (como faz, por exemplo, ROGER BONNARD em
sua Précis de Droit Public, 7ª edição, 1946); mas não chegam, sem mais, a transformar aquêle
princípio político fundamental em regra meramente mecânica de produção industrial da atividade do
Estado.
MAURICE DUVERGER (Institutions Polítiques em Droit Constitutionnel, 1960, pág. 186 e sgts.)
diz que a colaboração dos Poderes se caracteriza por três idéias fundamentais: 1º)- em sua base,
pressupõe uma distinção das funções do Estado, confiadas a órgãos distintos; 2º)- mas, êsses
órgãos não são rigorosamente especializados em suas funções, pois neles há domínios comuns de
ação; 3º)- enfim, longe de serem rigorosamente isolados, os órgãos do Estado dispõem de meios
recíprocos de ação. E textualmente acrescenta: „distinção de poderes colaboração funcional e
dependência orgânica, são três fórmulas que definem bem a colaboração dos poderes, opondo-a,
ao mesmo tempo, à sua confusão e à sua separação‟ (RÁO, Vicente. As delegações legislativas
no parlamentarismo e no presidencialismo. São Paulo: Max Limonad, 1966. v. 1, p. 32-36).
96
em prol da segurança do Estado e finalmente, em dispositivo da Constituição norteamericana, que diz que o Presidente deve agir para que as leis sejam fielmente
executadas.
Não obstante, a qualidade da obra de Marco Aurélio Sampaio, não se pode
concordar com a analogia que ele faz entre esta atuação do Presidente norteamericano e a medida provisória, porque lá não há previsão constitucional para o
emprego deste instrumento normativo muito menos dispositivo formal sobre seu
processo legislativo e nem ainda a ordem emanada desta autoridade está sujeita à
cláusula de reserva de eficácia, qual seja a necessária aprovação da medida
provisória, em certo prazo, para que ela possa viger, pelo Congresso Nacional,
preservados assim os princípios constitucionais de representação parlamentar e da
separação dos poderes, este último cláusula pétrea da Constituição de 1988, nos
termos do § 4º, inciso III, de seu artigo 60.
Não obstante, fica a notícia de que em condições de urgência e em que seja
premente a solução do problema, sob pena de prejuízo ao Estado e à sociedade, o
Poder Executivo pode legislar decretos com força de lei, sujeito, na maior parte das
vezes à sindicância da Suprema Corte, nos Estados Unidos da América do Norte.
4.7
A Medida Provisória e sua Matriz Histórica: o artigo 77 da Constituição
da República Italiana de 1948
Esta evolução e interação de institutos jurídicos que interagiram no processo
histórico para constituir a medida provisória sob ótica de constitucionalidade, em
âmbito de distribuição das funções do Poder, entre o Legislativo, o Executivo e o
Judiciário, enquanto ela é vértice de um constitucionalismo democrático, está
espelhada na Constituição italiana de 1 de janeiro de 1948, em seu artigo 77.
Na Itália desde 1859, houve decretos do executivo editados com cláusula de
apresentação às Câmaras para conversão em lei e após a Primeira Guerra Mundial
de 1914 até 1918, as câmaras converteram em uma só lei coletiva todos os
inúmeros decretos-leis editados no período da conflagração, nestes termos.
97
Finalmente, no período fascista, ratificou-se a situação de fato na qual o
Poder Executivo passara do Rei para os ministros, nos termos da lei nº 2.263, de 24
de dezembro de 1925.
Neste regime, sucedeu-lhe a lei nº 100, de 31 de janeiro de 1926, que
dispunha sobre a faculdade do poder executivo de promulgar normas jurídicas.
Dentre suas disposições cumpre destacar para os fins deste trabalho, a que
permitia ao Poder Executivo emitir normas com força de lei, após prévia deliberação
do Conselho de Ministros por via de delegação das câmaras e dentro de seus limites
e em casos extraordinários, haja vista situações de urgente e absoluta necessidade
a justificar essa legislatura atípica.77
Eis neste ponto a linguagem do artigo 77 da Constituição da República
italiana de 1948, que bem se relaciona com estes fenômenos narrados.
Em certo sentido, refletindo na expressão de seu texto a postura do
constitucionalismo democrático quanto à disciplina da legislação pelo Poder
Executivo para casos de necessidade e urgência.78
77
Por isso, sobreveio a Lei nº 100 de 31 de janeiro de 1926, cujo artigo 3º habilitava expressamente o
Governo a baixar normas com força de lei, quando ocorressem casos extraordinários de
necessidade e urgência. A subsistência desses requisitos era subtraída a qualquer controle, a não
ser aquele controle político do Parlamento.
Realmente o „caput‟ do art. 3º da Lei nº 100, de 1926, dispunha:
„Art. 3º. Con decreto Reale, previa deliberazione del Consiglio dei Ministri, possono emanarsi norme
aventi forza di legge: 1º) quando il Governo sia a ciò delegado da una legge ed entro i limiti della
delegazione; 2º) Nei casi starordinari, nei quali raggioni di urgente ed assoluta necessità lo
richiedano. Il giudizio sulla necessità e sull´urgenza non è soggetto ad altro controllo che a quello
político del Parlamento‟ (SANTOS, Brasilino Pereira dos. As medidas provisórias no Direito
Comparado e no Brasil. São Paulo: LTr, 1994. p. 203).
78
A origem histórica a que se prendem as raízes do decreto-lei se articula com o direito político
italiano. A doutrina e a prática italiana, confirmadas pela jurisprudência, consolidavam tal forma de
legislação, mesmo antes da Grande Guerra, reconhecendo a validez dos decretos de urgência,
resultantes de absoluta necessidade. O fascismo elevou, na sua sistemática de hipertrofia do Poder
Executivo, tal tendência ao seu extremo limite.
Na Itália, em 1926, fixou-se em lei a fundamentação das ordinanze di necessità, por motivo di
assoluta ed urgente necessità, submetida à aprovação do Parlamento, órgão legislativo fluente no
vazio na ditadura italiana, chamada de democracia autoritária por Giovanni Gentile. Os abusos
cometidos foram imensos, de resto acentuados pela índole autoritária do regime. Mediante nova lei,
de 19-1-1939, a Cammera dei Fasci e delle Corporazioni restringiu sua elaboração aos casos de
„necessità per cause di guerra o per urgente misure di carattere finanziario o tributario‟, sujeitos
contudo à ratificação pela Câmara, embora válidos até recusa formal e expressa da mesma.
A nova Constituição italiana de 27-12-1947 admite o decreto-lei, mas, cautelosamente, em caso
straordinari de necessità e d´urgenza, deve ser imediatamente sujeito à apreciação da Câmara
logo depois de publicado, convocando-se a mesma especialmente para apreciá-lo dentro do prazo
de cinco dias. O art. 77 da Lei Magna da Itália disciplina a matéria: se a Câmara rejeitar o texto ou
não o aprovar dentro de sessenta dias a contar de sua publicação, perderá o decreto-lei a sua
eficácia. Os tratadistas italianos estudam a matéria dos decreti legge, entre outros Balladore
98
Como segue,
Art. 77. O Governo não pode, sem delegação das Câmaras, promulgar
decretos que tenham valor de lei ordinária.
Quando, em casos extraordinários de necessidade e urgência, o Governo,
por sua responsabilidade, tomar providências provisórias com força de lei,
deverá, no mesmo dia, submetê-las, para efeito de conversão, às Câmaras
que, mesmo dissolvidas, serão imediatamente convocadas a se reunir no
prazo de cinco dias.
Os decretos perdem eficácia desde o início, se não forem convertidos em lei
no prazo de sessenta dias a partir de sua publicação.
As Câmaras podem, todavia, regular com lei as relações jurídicas surgidas
79
com base nos decretos não convertidos.
Fica claro de sua compreensão que é às Câmaras (Poder Legislativo) que
cabe legislar, não ao Governo (Poder Executivo).
Este somente pode fazer leis se receber delegação de quem é o titular desta
competência legislativa, no caso, as Câmaras ou o Poder Legislativo.
Nos limites em que consigna o artigo 76 da Constituição italiana:
Art. 76. O exercício da função legislativa não pode ser delegado ao governo,
senão com determinação de princípios e critérios diretivos, e somente por
80
tempo limitado e para assuntos definidos.
Entretanto, permite-se ao Poder Executivo, o Governo, expedir decretos, que
são
instrumentos
normativos
ordinários
de
sua
ação,
conceitual
e
constitucionalmente diversos da lei, para decretar e com isto agir enquanto Poder
Executivo por via de atos que os governados devem obedecer como se eles fossem
lei, embora sejam decretos.
Pallieri no seu Direito constitucional. Pinto Ferreira. Decreto-lei (Enciclopédia Saraiva do Direito.
São Paulo: Saraiva, 1977, p. 1).
79
Art. 77. Il Governo non può, senza delegazzione delle Camere, emanare decreti che abbiano valore
di legge ordinaria.
Quando, in casi straordinari di necessità e d´urgenza, il Governo adotta, sotto la sua responsabilità,
provvedimenti provvisori com forza di legge, deve il giorno stesso presentarli per la conversione alle
Camare che, anche se sciolle, sono appositamente convocate e si riuniscino entro cinque giorni.
Il decretti perdono efficacia si dall´inizio, se non sono convertiti in legge entro sessanta giorni dalla
loro pubblicazione.
Le Camere possono tuttavia regolare con legge i rapporti giuridici sorti sulla base dei decreti non
convertiti.
80
Art. 76. L´esercizio della funzione legislativa non può essere delegato al Governo se non con
determinazione di principi e criterio direttivi e soltando per tempo limitato e per oggetti definiti.
99
Desde que casos extraordinários de necessidade e urgência cobrem esta
ação do Poder Executivo para solução de riscos postos contra as políticas públicas e
necessidades da coletividade e do Estado, que a ele incumbe atender.
Como é dicção constante do artigo 77 desta Constituição:
Art. 77. O Governo não pode, sem delegação das Câmaras, promulgar
decretos que tenham valor de lei ordinária.
Quando, em casos extraordinários de necessidade e urgência, o Governo,
por sua responsabilidade, tomar providências provisórias com força de lei,
deverá, no mesmo dia, submetê-las, para efeito de conversão, às Câmaras
que, mesmo dissolvidas, serão imediatamente convocadas a se reunir no
81
prazo de cinco dias.
Subentende-se então que a Constituição italiana consagra o princípio da
distribuição do Poder, de acordo com a teoria de Montesquieu.
Por ela, somente a delegação de competência legislativa do Poder Legislativo
para o Executivo é que propicia a lei feita pelo último.
Fora disto o Executivo não faz lei. Sem delegação o Executivo não legisla.
Porque a competência que o constituinte atribuiu para legislar, outorgou-a ao Poder
Legislativo.
Logo, não se confunde a incumbência de legislar com aquela de expedir
decretos com força de lei, nos casos discriminados e tem-se com isto uma outorga
do
constituinte
ao
Poder
Executivo,
verificada
nesta
última
situação 82,
excepcionalmente.
81
Art. 77. Il Governo non può, senza delegazzione delle Camere, emanare decreti che abbiano valore
di legge ordinaria.Quando, in casi straordinari di necessità e d´urgenza, il Governo adotta, sotto la
sua responsabilità, provvedimenti provvisori com forza di legge, deve il giorno stesso presentarli per
la conversione alle Camare che, anche se sciolle, sono appositamente convocate e si riuniscino
entro cinque giorni.
82
A Constituição italiana de 1947, em vigor até hoje, prevê no art. 77 a possibilidade de o governo
expedir „provimentos provisórios com força de lei‟, expressão que foi literalmente copiada pelo
Constituinte de 1988. A Constituição italiana propositalmente não se utilizou do termo norma para
designar tais espécies. Biscaretti di Ruffia sustenta que „não se quis deliberadamente tratar de
normas, expressão tecnicamente mais exata, mas que exigiria aplicação mais duradoura no
tempo‟. Apesar de o constituinte italiano não os ter denominado como normas, não há como negar
que os decretos-leis têm sua eficácia idêntica à de uma lei ordinária. Giuseppe de Vergottini
esclarece que a „aparente diferença entre valor e força de lei não parece apresentar para os fins
práticos uma particular relevância‟. De fato, fazendo referência à força de lei, a „Constituição
sublinhou que os atos normativos do governo têm a capacidade de incidir no sistema das fontes de
maneira igual àquela própria da lei‟ (NICOLAU, Gustavo Rene. Medidas provisórias: o executivo
que legisla: evolução histórica do constitucionalismo brasileiro. São Paulo: Atlas, 2009.p.38-39).
100
Pretende-se desta forma, que o Executivo possa agir obrigando os
governados a submeterem-se a seus decretos como se eles fossem leis, em
hipóteses determináveis
por ele
nesta
posição
de
legislador precário
e
extraordinário.
Neste cenário o Executivo age sob sua responsabilidade, para definir os
casos em que deva atuar com força de lei, em face de circunstâncias específicas
que a Constituição rotula genericamente como casos extraordinários de necessidade
e urgência.
O decreto do Executivo deve ser por ele levado ao Legislativo para sua
sujeição ao processo de aprovação legislativa, a fim de que ele seja convertido ou
não em lei.
Sua eficácia permanente depende de sua conversão porque somente a lei
pode obrigar de forma geral e abstrata precipuamente.
Mesmo na Itália, berço por assim dizer do parente mais próximo da medida
provisória, problemas como a reedição de decretos-lei, em sucessivas e abusadas
iniciativas do Governo, causaram preocupações e em que pese ausentes na
Constituição
explícitas
medidas
que
as
pudessem
tolher,
para
evitar
a
desmoralização do instituto.
Houve na Assembléia Constituinte italiana, dificuldades e acirrados debates
para consignar na Carta Italiana o instituto que tinha, aliás, origem no regime
monárquico superado em 1947 e aprimoramento no fascismo que se queria superar.
Decidiu-se afinal pela adoção do instituto, considerando-se a vulnerabilidade
em que ficaria a nova república, sem um instrumento para legislação em casos de
necessidade e urgência, tendo se em conta ainda que menos mal seria, ter-se o
decreto-lei para tais finalidades, que não o ter em mãos o Estado para usá-lo
quando necessário. Ainda para reduzir o abuso com que o fascismo usara do
decreto-lei, colocou-se na Constituição a disposição segundo a qual o decreto-lei
perderia eficácia, se não fosse convertido em lei, em sessenta dias de sua
publicação e julgou-se que os abusos peculiares à sua utilização pelo Estado,
101
seriam atenuados pela Corte Constitucional, órgão então criado pela nova
Constituição.83
Tanto não aconteceu.
A própria Corte Constitucional, então, apontando a inconstitucionalidade da
reedição de decretos-leis, exortou o Poder Legislativo a produzir as reformas
necessárias para evitar esvaziamento, como disse a sentença nº 302/1988 (rel.
Baldassare), dos preceitos contidos no artigo 77 da Constituição.84
Por isto, veio à baila a Lei Italiana nº 400, de 23 de agosto de 1988.
Esta lei, em seu artigo 15, número 1, exige que os decretos-lei em seu
preâmbulo consignem as razões de necessidade e urgência que os motivem e mais
proíbe e seu texto que por eles se veiculem: a) concessão de delegações
legislativas, b) disposição sobre matéria constitucional e eleitoral, aprovação de
orçamentos e prestação de contas orçamentárias; c) renovação dos atos e
disposições cuja conversão em lei tenha sido negada, ainda que por uma só das
Câmaras do Parlamento; d) repristinação de disposições que a Corte Constitucional
tenha declarado ilegítimas por vícios substanciais ou de competências; e) regulação
de relações jurídicas decorrentes de atos não convertidos em lei.
Mas foi na letra „c‟ do suprarreferido dispositivo que a Itália deu um grande
passo na regulação dos decretos-leis. Essa talvez seja a mais relevante
disposição a regulamentar tal espécie normativa. Foi a falta de uma frase
dessas na Constituição brasileira que deixou o país à mercê de seguidas
reedições de medidas provisórias não aperfeiçoadas pelo Legislativo. No
sistema italiano, o instituto da „rejeição tácita‟ vigora desde 1947, por força
do art. 77 da Constituição. Assim, um decreto-lei não apreciado pelo
Congresso no prazo de 60 dias perde sua eficácia e é considerado rejeitado
tacitamente. O que a alínea „c‟ do art. 15 da Lei nº 400 faz é vedar
expressamente que outro decreto-lei de igual teor seja republicado. Caso o
constituinte originário de 1988 tivesse adotado tal limitação, o expediente de
reedições de medidas provisórias nem sequer teria nascido no Brasil e
haveria um Poder Legislativo mais forte e atuante com um executivo mais
85
contido.
Há, porém, quem pense diferentemente:
83
FIGUEIREDO FILHO, Jayme Poggi de. O decreto-lei na Constituição brasileira. Dissertação
(Mestrado em Direito) – Programa de Pós-Graduação em Direito, Universidade Federal do Rio de
Janeiro, Rio de Janeiro, 1984. p. 57-58.
84
MARIOTTI, Alexandre. Medidas provisórias. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 45.
85
NICOLAU, Gustavo Rene. Medidas provisórias: o executivo que legisla: evolução histórica do
constitucionalismo brasileiro. São Paulo: Atlas, 2009. p. 47.
102
Assim, como no caso brasileiro da redação anterior do art. 62, da CF, o
texto italiano silenciou quanto à possibilidade de reedição de decreto-lei. A
Lei nº 400, de 23.8.1988, impôs uma série de limitações materiais e formais
ao uso do decreto-lei, exigindo, inclusive, fundamentação acerca da
necessidade e urgência, Para Paolo Biscaretti di Ruffia, muitas das dúvidas
suscitadas pela prática do decreto-lei anterior a tal legislação foram
extirpadas. Entretanto, silenciou ela quanto à possibilidade de reiteração, o
que acabou por vedado, ante decisão da Corte Constitucional italiana de
24.10.1996. Tal decisão teve o efeito limitador, na prática, da reiteração,
86
como almejado pela doutrina italiana.
No Brasil, a reedição de medida provisória, mais de uma vez, em 120 dias, é
inconstitucional, em decorrência de Emenda Constitucional nº 32, de 11 de setembro
de 2001.
86
SAMPAIO, Marco Aurélio. A medida provisória no presidencialismo brasileiro. São Paulo:
Malheiros, 2007. p. 41.
103
5 HISTÓRIA DA LEGISLATURA BRASILEIRA PELO PODER EXECUTIVO
5.1
A Medida Provisória na Constituição do Império 87
O termo medida provisória assim já se encontra referido na primeira
Constituição brasileira e conotado a situações de excepcionalidade, como um
instrumento à disposição do Governo, em situação de ameaça ao Estado, exposto a
perigo iminente por rebelião e por invasão inimiga, quando então, se não estivesse
reunido o Poder Legislativo, direitos e garantias individuais poderiam ser
temporariamente suspensos até a quando estivesse cessada a necessidade urgente
que a ensejara. Nesta situação a Assembléia do Império deveria ser informada das
medidas tomadas nestas circunstâncias e a autoridade que tomara as medidas
provisórias, poderia ser responsabilizada por excessos que por meio delas houvesse
praticado.
Art. 179. A inviolabilidade dos direitos civis e políticos dos cidadãos
brasileiros, que têm por base a liberdade, a segurança individual e a
propriedade, é garantida pela Constituição do Império pela maneira
seguinte:
(...).
§ 35. Nos casos de rebelião ou invasão de inimigos, pedindo a segurança
do Estado que se dispensem por tempo determinado algumas das
formalidades que garantem a liberdade individual, poder-se-á fazer por ato
especial do Poder Legislativo. Não se achando porém a esse tempo,
reunida a Assembléia e correndo a Pátria perigo iminente poderá o Governo
exercer esta providência como medida provisória, e indispensável,
87
A medida provisória está prevista no art. 62, da Constituição da República, segundo o qual se tem
que „em caso de relevância e urgência, o Presidente da República poderá adotar medidas
provisórias, com força de lei, devendo submetê-las de imediato ao Congresso Nacional, que,
estando em recesso, será convocado extraordinariamente para se reunir no prazo de cinco dias.
A expressão medida provisória fora uma vez antes utilizada no constitucionalismo pátrio, na Carta
Imperial, em cujo art. 179, inc. XXXV, se previa que, „nos casos de rebelião ou de invasão de
inimigos, pedindo a segurança do Estado, que se dispensem, por tempo determinado, algumas
formalidades que garantem a liberdade individual, poder-se-á fazê-lo por ato especial do Poder
Legislativo. Não se achando, porém, a esse tempo reunida a Assembléia, e correndo a Pátria
iminente perigo, poderá o governo exercer esta mesma providência, como medida provisória e
indispensável, suspendendo-a imediatamente, quando cesse a necessidade urgente que a
motivou...‟
Aquela medida provisória nada tinha a ver com o instituto que agora se acolhe no direito
constitucional brasileiro, por influência mais importante e sensível do direito italiano. Mas ali a figura
é acolhida por força do sistema parlamentarista abrigado e que permite uma delegação legislativa
sem descaracterização do princípio de controle do poder pelo poder. As funções executivas de
Governo e de Administração são desempenhadas pelo Gabinete, composto como é esse a partir da
maioria parlamentar havida no Poder Legislativo, de cuja confiança aquele órgão de governo
depende (ROCHA, Carmem Lúcia Antunes. Medidas provisórias e princípio da separação de
poderes. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva. (Coord.). Direito Contemporâneo. Estudos em
homenagem a Oscar Dias Corrêa. São Paulo/Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2001, p. 54).
104
suspendendo-a imediatamente que cesse a necessidade urgente, que a
motivou; devendo num e outro caso remeter à Assembléia, logo que reunida
que for, uma relação motivada das prisões e de outras medidas de
prevenção tomadas; e quaisquer autoridades que tiverem mandado
proceder a elas serão responsáveis pelos abusos que tiverem praticado a
esse respeito.
Pimenta Bueno afirmava que se poderiam adotá-las, somente em situação na
qual meios ordinários fossem comprovadamente ineficientes para a solução do
problema que elas se destinariam a solucionar.88
Contudo não se pode dizer que a medida provisória da Constituição de 1824,
fosse a medida provisória da atual Constituição brasileira, porque evidentemente
elas se destinam a consubstanciar medidas ocorrendo o não funcionamento da
Assembléia, em situações específicas de rebelião e invasão inimiga.
Para Brasilino Pereira dos Santos, esta medida provisória corresponderia hoje
ao estado de sítio.89
Entretanto no que tange aos pressupostos de edição tais medidas provisórias
guardam relação com as previstas e possíveis pelo artigo 62 da Constituição da
República Federativa do Brasil.
5.2
O Decreto nas Rupturas Republicanas da Normalidade Constitucional
Confira-se que o Governo Republicano do Marechal Deodoro da Fonseca,
que derrubou, no Brasil, a Monarquia por um golpe de força e até a promulgação da
Constituição de 24 de fevereiro de 1891, com a edição do Decreto nº 1, de 15 de
novembro de 1889, estabeleceu os atos constitutivos da República que então se
instalava.
Erigiu-a República Federativa, convolando em estados federados as antigas
províncias do Império apeado.
88
BUENO, apud SAMPAIO, Marco Aurélio. A medida provisória no presidencialismo brasileiro.
São Paulo. Malheiros, 2007, p. 116.
89
SANTOS, Brasilino Pereira. A medida provisória no presidencialismo brasileiro. São Paulo:
Malheiros, 2007. p. 216.
105
Destaque-se que seu artigo 4º dispunha que a Nação Brasileira, dali em
diante, seria regida pelo Governo Provisório da República e até que pelos meios
regulares fosse eleito o Congresso Constituinte do Brasil.
Como efetivamente viera este Congresso depois ser eleito, com poderes
constituintes para promulgar a Primeira Constituição Republicana do Brasil, em 24
de fevereiro de 1891.
Mais tarde, com a Revolução de Três de Outubro de 1930, Getúlio Vargas,
como Chefe Supremo da Revolução edita o Decreto 19.398, de 11 de novembro de
1930.
Com este decreto o Governo Provisório de 30 instituiu-se Poder. Enfeixou-se
de todas as funções de Executivo e de Legislativo.
Extinguiu a Federação.
Dissolveu o Congresso Nacional. As assembléias legislativas e até mesmo as
Câmaras Municipais. Subordinou o Poder Judiciário. Desconstituiu a Constituição
Federal e as estaduais. Suspendeu garantias individuais. Decretou a exclusão da
apreciação judicial de seus decretos e atos.
Em suma, tornou-se o vértice da juridicidade do ordenamento jurídico
brasileiro.
Não obstante, até a elaboração de uma nova constituição para o Brasil, por
uma Assembléia Nacional Constituinte, que previra e que finalmente foi instalada
para promulgar a Constituição brasileira de 16 de julho de 1934, sob sua égide.
Dizia, então, seu artigo 1º, caput, O Governo Provisório exercerá
discricionariamente, em toda sua plenitude, as funções e atribuições, não só do
Poder Executivo, como também do Poder Legislativo, até que, eleita a Assembléia
Constituinte, estabeleça esta a reorganização do país.
Sem dúvida o Decreto 19.398, de 11 de novembro de 1930, foi a fonte
primária do direito após a vitória da Revolução de Três de Outubro de 1930.
106
5.3
O Decreto-Lei na Carta de 37
Com a Constituição dos Estados Unidos do Brasil, de 10 de novembro de
1937, nos termos de seu artigo 12, o Parlamento poderia, sob condições e limites,
autorizar o Presidente da República, a expedir decretos-leis, de acordo com seu
artigo 13, ocorrendo o recesso parlamentar ou a dissolução da Câmara dos
Deputados e se o exigissem as necessidades do Estado em matérias de
competência legislativa da União exceto para modificações à Constituição,
legislação eleitoral, orçamento, impostos, instituição de monopólios, moeda,
empréstimos públicos, alienação e oneração de bens imóveis da União, dependendo
a expedição deles de parecer do Conselho da Economia Nacional, nas matérias de
sua competência consultiva.
Nessa Constituição, em seu artigo 180, previu-se que o Presidente da
República, excepcionalmente, poderia expedir decretos-leis sobre todas as matérias
de competência da União, enquanto não se reunisse o Parlamento e como este
nunca se reunira, durante sua vigência até 1946, de forma autoritária, o Presidente
da República expediu decretos-leis sobre todas as matérias de governo, nos termos
em que ela o permitira e sem os limites do artigo 13 supra referido.
Em verdade, nesta situação, a nomenclatura decreto-lei significava apenas
decreto. Mas não era o decreto-lei da doutrina européia que se aborda, era, apenas,
um sucedâneo da lei.90
Nossa Constituição de 18 de setembro de 1946, não permitia a legislação por
decretos-leis.91
90
O decreto-lei da Carta 37 foi sucedâneo universal e completo da lei (ATALIBA, Geraldo. O decretolei na Constituição de 1967. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1968. p. 16).
91
A atividade normativa do Presidente da República, seja na forma da legislação direta do decreto-lei
ou na via da delegação legislativa, foi suprimida pela Constituição Federal de 1946, ressalvada a
breve existência dessa segunda modalidade, enquanto perdurou a Emenda Constitucional número
4 de 2 de setembro de 1961, responsável pela instituição do regime parlamentar de governo. O
reaparecimento do decreto-lei deu-se na Constituição Federal de 24 de janeiro de 1967, sob a
denominação de decretos com força de lei, como ato da legislação direta do Presidente da
República (art.58), melhor identificado nas categorias constitutivas do processo legislativo, que
manteve sua denominação real (art. 49-V). A Constituição de 1969 integrou na legislação
governamental a delegação legislativa do Congresso Nacional ao Presidente da República, para
elaborar leis delegadas (art. 55). A atividade legislativa material do Presidente da República
exprimiu o reforçamento dos poderes do Chefe do Poder Executivo, que constituía manifesto
propósito da Constituição congressual de 1967, e essa atividade incorporou-se à Emenda número
1, de 17 de outubro de 1969, objeto de outorga, para compor a estrutura do regime político
107
O decreto em sua roupagem utilitária é por força destes contextos a dicção de
mandamentos por quem empalma o Poder e tem força para exercê-lo.
Não é comando emergente do Povo por via de sua representação autêntica
por representantes legitimamente constituídos nos termos de uma constituição.
5.4
O Decreto-Lei na Ditadura Militar de 1964
Ilustra mais este fato a ruptura da ordem constitucional da Constituição de
1946 pelo golpe de 31 de março de 1964.
Os instrumentos de sua consolidação jurídica estão, em princípio, nos atos
institucionais.
No Ato Institucional nº 1, de 9 de abril de 1964, no Ato Institucional nº 2, de 27
de outubro de 1965 e no Ato Institucional nº 4, de 7 de dezembro de 1966.
No primeiro deles diz-se que Art. 1º. São mantidas a Constituição de 1946 e
as Constituições estaduais e respectivas Emendas, com as modificações constantes
deste artigo.
No segundo, b) a Revolução investe-se, por isso, no exercício do Poder
Constituinte, legitimando-se por si mesma – em seu preâmbulo - e mais, Art. 31. A
decretação do recesso do Congresso Nacional, das Assembléias Legislativas e das
Câmaras de Vereadores pode ser objeto de ato complementar do Presidente da
República, em estado de sítio ou fora dele, complementando-se, Parágrafo único.
Decretado o recesso parlamentar, o Poder Executivo correspondente fica autorizado
a legislar mediante decretos-leis, em todas as matérias previstas na Constituição e
na lei orgânica.
O decreto é assim ato do grupo que toma o Poder por via de fato ou da
pessoa que por ele se manifesta. Em sua variante decreto-lei é algo que não
depende do Poder Legislativo para valer, na acepção com que o tratou a legislação
autoritário nele consagrado (arts. 52 e 55) (HORTA, Raul Machado. Medidas provisórias. Revista
de Informação Legislativa, Brasília: Senado Federal, ano 27, n. 107, p. 5-18, jul./set. 1990).
108
autoritária no Brasil, posteriormente, nos termos das Constituições de 1967 e de
1969.
Nestas circunstâncias decreta-se com preponderância sobre a Constituição. A
decretação ou o ato de decretar por uma autoridade investida de força é que decide
o recesso do Poder Legislativo. Que faz do decreto lei, substituindo-o em sua função
de legislar que é fazer a lei, sem qualquer concurso dele.
Mas é nas constituições brasileiras de 1967 e 1969, na figura dos decretosleis, que estão contornos de suas disciplinas que os aproximam das medidas
provisórias e que as podem posicionar como deles originadas em algumas de suas
características.92
5.5
O Decreto-Lei das Cartas de 1967 e 1969
Como se disse a ótica fundamental deste tópico há de considerar a divisão do
Poder por Montesquieu, em suas funções de legislar, governar e julgar,
respectivamente, pelos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário ou o papel
vertical que no sistema inglês tem o Parlamento como fautor de leis e o Gabinete,
enquanto órgão de administração, porque a medida provisória é uma função
legislativa
que
a
Constituição
confere
ao
Presidente
da
República,
excepcionalmente.
Será, porém, pela Constituição do Brasil de 24 de janeiro de 1967, que o
decreto-lei assume, entre nós, a condição de ato normativo de iniciativa do
Presidente da República por meio de outorga constitucional a esta autoridade,
permitindo-lhe expedir decretos com força de lei, para vigência imediata.
92
Infelizmente o legislador constituinte, vivendo a fantasia da recuperação plena da ordem
democrática, não teve a necessária prudência de substituí-lo [o decreto-lei], por outro instituto mais
afeiçoado às contingências e peculiaridades da vida brasileira. Assim é que, sem se consultar para
o ambiente geral de nossas instituições e para um certo componente autoritário que persiste em
todos os momentos de nossa vida republicana, importou-se da Itália os já referidos provvedimenti
provvisori, entre nós batizados de medidas provisórias (FIGUEIREDO, Fran. As medidas
provisórias no Sistema Jurídico-Constitucional brasileiro. Revista de Informação Legislativa,
Brasília: Senado Federal, ano 28, n. 110, p. 137-152, abr./jun. 1991. Neste mesmo sentido:
TAVARES, André. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 1.153. TEMER,
Michel. Elementos de Direito Constitucional. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 154).
109
Em matérias de segurança nacional e de finanças públicas e desde que
configuradas, de fato, hipóteses de urgência ou de interesse público relevante, que
os justifiquem, não resultando aumento de despesas de sua edição.
Depois, o Congresso Nacional poderia deliberar por rejeitá-los ou aprová-los
dentro de sessenta dias, de suas edições, sem emendas. Na primeira hipótese
expressamente. Na segunda, expressamente ou por via tácita, se, neste prazo não
houvesse deliberação sobre o seu texto.93
A Emenda Constitucional nº 1 de 17 de outubro de 1969, por seu artigo 55,
facultou ao Presidente da República, a expedição de decretos-leis, incluindo em sua
competência, além da matéria supra referida e que já constava do artigo 58, da
constituição que a antecedera, a criação de cargos públicos e a fixação dos seus
respectivos vencimentos.
Ele poderia editar o decreto-lei, para posterior sufrágio do Congresso
Nacional, como previra a Constituição de 1967.
Atente-se para o fato de que a Constituição brasileira de 1967 em seu artigo
58 já dispunha
Art. 58. O Presidente da República, em casos de urgência ou de interesse
público relevante (...) poderá expedir decretos com força de lei (...), tanto
quanto dispusera o artigo 77 da atual Constituição Italiana, que il Governo
adotta, sotto la sua responsabiltà, provvedimenti provvisori com forza di
legge e como dispõe a Constituição da República Federativa do Brasil, Art.
62. (...), o Presidente da República poderá adotar medidas provisórias,
com força de lei (...) (grifo nosso).
O denominador comum entre todos os institutos, decretos com força de lei
ou provvedimenti provvisori con forza di legge e medidas provisórias, com
força de lei, está claro no contexto das constituições analisadas.
Demonstra a relação visceral mais que isto, umbilical, por consequência, que
há entre eles, como disciplinados na Constituição italiana de 1948 e nas brasileiras
de 1967 e de 1969 e de 1988.
93
Porém, a Emenda Constitucional nº 1, de 1969, além destes 60 dias, conferia nestas situações ao
Congresso Nacional mais dez sessões a eles subseqüentes em regime de urgência para deliberar
nas formas supra previstas sobre o decreto-lei, por força da Emenda Constitucional nº 82, relativa a
esta Carta.
110
Até mesmo por uma questão de anterioridade cronológica, é irrefutável que a
matriz do constituinte brasileiro na criação da medida provisória é a Constituição
italiana de 1948 e que de passagem pela Constituição Brasileira de 1967, ampliada
por nossa Constituição de 1969, esta ideia se alojou na Constituição da República
Federativa do Brasil de 5 de outubro de 1988, sem rebuços, camufladamente.94
Não obstante o constituinte brasileiro de 1988 tenha extirpado da medida
provisória a aprovação do decreto-lei por decurso de prazo e a impossibilidade de
emendas em seu texto por iniciativa de parlamentares, no curso do processo
legislativo de sua aprovação porque o texto do diploma legal deveria ser aprovado
ou não na íntegra, como expressavam as constituições de 1967 e 1969.
Sem embargo de que tenha o constituinte de 1988, limitado o campo material
para sua ação e disciplina legislativa, o qual, a despeito da Constituição de 1967,
poderia abranger todo o sistema constitucional brasileiro, incluindo a Constituição.
Como dispunha o Ato Institucional nº 5, de 13 de dezembro de 1968, que
vigeu concorrentemente com a Constituição de 1967 e com a Emenda
Constitucional de 1969.
Como se verifica, a origem da medida provisória está em todo este plexo de
constituições e sistemas constitucionais enfocados.
94
As medidas provisórias estão previstas no art. 62 da Constituição.
É exceção ao princípio de que ao Legislativo incumbe atos que obriguem. A medida provisória não
é lei, é ato que tem „força de lei‟. Por que não é lei? Lei é ato nascido no Poder Legislativo que se
submete a um regime jurídico predeterminado na Constituição, capaz de inovar originariamente a
ordem jurídica, ou seja, criar direitos e deveres. Notem a primeira afirmação: „É ato nascido no
Poder Legislativo‟, capaz de criar direitos e obrigações. A medida provisória também cria direitos e
obrigações, também obriga, porque o constituinte permitiu exceção ao princípio doutrinário segundo
o qual legislara incumbe ao Legislativo. Não é lei, porque não nasce no Legislativo. Tem a força de
lei, embora emane de uma única pessoa, é unipessoal, não é fruto de representação popular,
estabelecida no art. 1º, parágrafo único (todo pode emana do povo). Medida provisória não é lei.
A Constituição italiana foi o modelo inspirador do constituinte brasileiro. Ocorre, entretanto, que
entre as medidas provisórias da Itália e do Brasil há grande diferença. Lá o sistema de governo é
parlamentar e a Constituição prescreve que o „Governo‟ (no caso, o Gabinete, por meio do PrimeiroMinistro) editará a medida provisória sob sua responsabilidade. O que é responsabilidade no
sistema parlamentar? É aquela de natureza política. Portanto, o que ocorre se a medida provisória
não for aprovada pelo Parlamento italiano? O Gabinete (Governo) cai. Mais ainda: a Constituição
italiana faculta ao Parlamento – se não aprovada a medida provisória – a regulamentação das
relações jurídicas dela decorrentes. Aqui obriga-se. A expressão é imperativa: „devendo‟ o
Congresso Nacional regulamentar as relações jurídicas dela decorrentes se a medida provisória não
for aprovada. Por outro lado, também não prevê a nossa Constituição, a responsabilidade política
do Presidente da República no caso de não aprovação da medida provisória.
Por isso, tenho salientado que a medida provisória pouco difere do decreto-lei previsto na
Constituição anterior (TEMER, Michel. Elementos de Direito Constitucional. São Paulo:
Malheiros, 2007. p. 145).
111
Enquanto todas elas, por estado de necessidade do Estado, permitem ao
Presidente da República ou ao Gabinete editar atos normativos com força de lei
provisória e para prover prontamente a solução de crises das mais diversas ordens,
em casos graves e em situações de prováveis riscos de dano iminente para a
coletividade e que exigem urgente solução normativa para que estes riscos não se
concretizem e ante os quais serão ineficazes porque morosos os trâmites do prévio
processo legislativo parlamentar, notoriamente lentos.
5.6
A Medida Provisória e Emenda Constitucional nº 32, de 11 de setembro
de 2001
Constrangia a consciência ética do país – antes da promulgação da Emenda
Constitucional nº 32, de 11 de setembro de 2001 - o abuso da Presidência da
República na edição de medidas provisórias.
Repudiava-se a burla que pela ação desta autoridade se fazia ao princípio da
separação do Poder. Consignado como cláusula pétrea na Constituição.
Criticava-se a ausência de limites constitucionais explícitos para a matéria
reservada à legislação por medida provisória. Não obstante estabelecesse a
Constituição limites à competência legislativa do Poder Executivo por via de lei
delegada. Ou a reserva de iniciativa legislativa outorgada exclusivamente por ela a
cada um dos outros ramos do Poder.
De fato, reeditando medidas provisórias sucessivamente, o Presidente da
República, na prática, legislava, por meios criticáveis, legislando sobre quase tudo.95
95
Embora não houvesse vedação expressa (como hoje há), a reedição de medida provisória já era
manifestamente incompatível com a índole deste instituto, o que poderia ser percebido por qualquer
pessoa que dispusesse de inteligência normal e rudimentos de Direito, em face das disposições do
art. 62 e seu parágrafo único, dispositivos estes que eram os reguladores da matéria. De acordo
com eles: „Em caso de relevância e urgência, o Presidente da República poderá adotar medidas
provisórias com força de lei, devendo submetê-las de imediato ao Congresso Nacional, que estando
em recesso será convocado extraordinariamente para se reunir no prazo de cinco dias. Parágrafo
único. As medidas provisórias perderão eficácia, desde a edição, se não forem convertidas em lei
no prazo de trinta dias, a partir de sua publicação, devendo o Congresso Nacional disciplinar as
relações jurídicas delas decorrentes‟. Deveras, era evidente – e da mais solar evidência – que
medidas provisórias não poderiam ser reiteradas ante os mesmos fatos e situações. Com
efeito, posto que a Constituição as denominou „provisórias‟ e as colocou, tão logo publicadas, ao
inteiro líbito do Congresso; posto que estabeleceu, ainda, um prazo máximo de trinta dias para
112
Assim, violava a Constituição e procedia de maneira imperial, para impor sua
vontade e mesmo que ela não fosse o desejo da Nação, em detrimento da livre
manifestação de seus representantes legislativos.
Bastava para tanto o expediente execrável da reedição das medidas
provisórias.
Menosprezava-se o Poder Legislativo, em que pese sua sobrecarga de
trabalho impedisse fossem as medidas provisórias convertidas em lei, no prazo de
trinta dias, definido pelo parágrafo único do artigo 62 da Constituição.96
Contando com o fato de que a medida provisória tem força de lei, a ausência
de limite para a reedição de medidas provisórias – que a Constituição não
estabelecia – era um salvo conduto concedido ao Presidente da República para
editar decretos com força de lei e até que o Congresso Nacional rejeitasse ou
convertesse em lei a medida provisória.
Como este não votava em tempo a conversão de medidas provisórias em lei,
nesta dupla via de descaso para com a cidadania, a Constituição perecia.
Nesta disfunção e em deturpação do mandado constitucional, a medida
provisória era usada como forma de legislação abundante e corriqueira pelo Poder
Executivo que assim usurpava o Congresso Nacional em sua prerrogativa
constitucional em fazer lei.97
que suas disposições adquirissem caráter permanente „se convertidas em lei’, ou para que
perdessem a eficácia desde o início se lhes faltasse este aval parlamentar, resultava cristalinamente
claro que a falta dele implicava repúdio à medida expedida. Aduza-se que graças às atrevidas e
disparatadas reedições o Presidente poderia manter vigorante para sempre (e foi o que fez)
medidas provisórias que o Congresso recusava converter em lei, bastando para tanto republicá-las
a cada trinta dias! Com isto houve completo desnaturamento não só do instituto, mas das funções
próprias do Executivo e do Legislativo, e a tripartição do poder – suposta base de nosso sistema –
perdeu qualquer significação efetiva (MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito
Administrativo. São Paulo: Malheiros, 2009).
96
Ora, o que se viu após Constituição – e de maneira radicalizada durante o governo Fernando
Henrique Cardoso – foi uma hipertrofia do Poder Executivo que detinha quase que o monopólio do
poder de legislar sobre matérias relevantes. A possibilidade de reeditar as medidas provisórias sem
limites, apesar de aceita pela interpretação vigente da Constituição, subvertia evidentemente a idéia
de separação dos Poderes e dava ao Legislativo quase que exclusivamente o papel de se
pronunciar em matérias constitucionais (ABRAMOVAY, Pedro. Controle mediador. Não se pode
dizer
que
Executivo
legisla
sem
o
Congresso.
Disponível
em:
<http://www.google.com.br/search?hl=ptBR&source=hp&q=controle+mediador+Pedro+Abramovay&meta=&rlz=1R2ADFA_ptBRBR339&aq=f&oq=>. Acesso em: 20 jul. 2009.).
97
Para Fábio Comparato, o Executivo, com as MPs, tolhia „a função essencial dos parlamentares, dos
parlamentares, enquanto representantes do povo‟ [que] „consiste justamente, em limitar os poderes
113
Distorcia-se a finalidade da medida provisória.
De instrumento de uma exceção à atividade legislativa, esta passou a ser
utilizada indevidamente como via para disciplina legal usual.
Como se lei fosse definitivamente.
Contudo urdida em desmoralizante rito de convalidação e por meio de
reedições frenéticas. As quais, em si, desmoralizavam o Poder Público,
vulgarizavam a atividade legislativa e desconstituíam a respeitabilidade do Direito.
Neste cenário, a redação do artigo 62 da Constituição Federal de 1988, antes
da Emenda Constitucional nº 32, de 11 de setembro de 2001, dispunha:
Art. 62. Em caso de relevância e urgência, o Presidente da República
poderá adotar medidas provisórias, com força de lei, devendo submetê-las
de imediato ao Congresso Nacional, que, estando em recesso, será
convocado extraordinariamente para se reunir no prazo de cinco dias.
Parágrafo único. As medidas provisórias perderão eficácia, desde a edição,
se não forem convertidas em lei no prazo de 30 dias, a partir de sua
publicação, devendo o Congresso Nacional disciplinar as relações jurídicas
delas decorrentes.
Assim, a Emenda Constitucional nº 32, de 11 de setembro de 2001, em
princípio, gestou-se para impor limites às sucessivas reedições de medidas
provisórias, pelo Presidente da República.
Mas trouxe também em seu bojo outras alterações constitucionais, que
atendiam reclamos da consciência ética nacional.98
de coação do governo e fiscalizar o seu exercício‟ (COMPARATO, 2001, apud ABRAMOVAY,
Pedro. Controle mediador. Não se pode dizer que Executivo legisla sem o Congresso. Disponível
em:
<http://www.google.com.br/search?hl=ptBR&source=hp&q=controle+mediador+Pedro+Abramovay&meta=&rlz=1R2ADFA_ptBRBR339&aq=f&oq=>. Acesso em: 20 jul. 2009).
98
A Emenda nº 32, de 2001, significou – em relação à redação original 1988 – avanço em alguns
aspectos, podendo-se aí incluir: a expressa previsão de matérias proibidas de serem vinculadas via
medida provisória; a eficaz garantia do princípio da anterioridade tributária (art. 150, III, b, da
Constituição), visto que a cobrança do imposto criado por medida provisória só pode ocorrer no ano
seguinte ao da sua conversão em lei. A Emenda criou ainda o juízo prévio de admissibilidade,
exigindo parecer da Casa Legislativa sobre os pressupostos constitucionais da medida provisória. O
maior avanço, entretanto, foi a expressa proibição de reedição (na mesma sessão legislativa) de
medidas rejeitadas expressa ou tacitamente.
A Emenda nº 32 também trouxe retrocesso em relação à redação original de 1988, dentre os quais
destacam-se: possibilidade de medida provisória regulamentar artigos alterados por emenda a partir
de 2001; possibilidade de a medida durar até 182 dias (o que – a despeito da impossibilidade de
reedições – configura um prazo seis vezes maior que o previsto originalmente pela Constituição
114
Para limitar o arbítrio do Presidente da República em legislar por via de
medidas provisórias.
Para obrigar, de outro bordo, o Congresso Nacional a se manifestar no prazo
de vigência da medida provisória, por sua conversão em lei.
Com este intuito restringiu o campo material de seu universo normativo a fim
de conter no âmbito da reserva legal matérias sujeitas à disciplina normativa,
transbordantes dos lindes que fixara para a normatização de situações por via da
medida provisória.99
Dispôs sobre hipóteses de vigor para medidas provisórias na área tributária,
acertando que somente poderiam superar o princípio da anualidade os impostos de
importação de produtos estrangeiros, de exportação, para o exterior, de produtos
nacionais ou nacionalizados, de produtos industrializados, operações de crédito,
câmbio e seguro, ou relativas a títulos ou a valores mobiliários.
Deixou os demais impostos de competência da União, o imposto de renda e
proventos de qualquer natureza e o de propriedade territorial rural, passíveis de
legislação por medida provisória, mas desde que sujeitos ao princípio da anualidade
tributária.
Traçou parâmetros para sua vigência e eficácia.
Estabeleceu 120 dias para a vigência temporária da medida provisória antes
da manifestação do Congresso Nacional, por sua conversão ou não em lei.
Federal) (NICOLAU, Gustavo Rene. Medidas provisórias: o executivo que legisla: evolução
histórica do constitucionalismo brasileiro. São Paulo: Atlas, 2009. p. 159).
99
Assim, antes da Emenda n. 32 havia um consenso em se estender os conteúdos proibidos à lei
delegada (art. 68, § 1º) para a medida provisória. A Emenda n. 32, no entanto, trouxe vedação
específica no art. 62, § 1º. Tais vedações, no entanto, não contemplam a expressão „direitos
individuais‟, o que faz com que tenhamos perdido com a alteração constitucional. Dos direitos
individuais, apenas alguns (os constantes dos conteúdos do direito penal, direito processual penal e
direito processual civil e o seqüestro de bens) estão a salvo da medida provisória. (...).
Manifestamos nossa posição de que o direitos individuais não podem ser objeto de medida
provisória, apesar de não estar expressa a vedação no § 1º do art. 62. Trata-se de interpretação
sistemática e conforme a Constituição, que leva à proteção de indelegabilidade de funções.
Cláusula pétrea, assegurada no § 4º do art. 60 e no art. 2º da Constituição Federal. O núcleo
proibido anunciado no art. 62, § 1º, é um mínimo, que deve ser entendido com o § 1º do art. 68, que
continua a refletir sua influência sobre a medida provisória (ARAÚJO, Luiz Alberto David de;
NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2006. p.
137, 372).
115
Mediante uma só prorrogação de sua validade, neste período, por outros
sessenta dias, além dos primeiros sessenta dias da data de publicação de sua
edição.
Estabeleceu dispositivos de tramitação para seu processo legislativo.
Atribuiu expressamente ao Congresso Nacional competência para sustar a
validade de medida provisória que não atendesse os requisitos formais de relevância
e urgência, antes de iniciar o seu processo de conversão em lei, quanto ao mérito da
medida provisória.
Inovou quanto à regulação de situações jurídicas afetadas por sua vigência
provisória.
Por sua edição, modificaram-se os artigos 48, 57, 61, 62, 64, 66, 84, 88 e 246
da Constituição Federal.
Nos termos de seu artigo 2º, todas as medidas provisórias editadas em data
anterior à sua publicação, continuaram em vigor até explícita revogação delas por
medida ulterior ou até deliberação definitiva do Congresso Nacional.
Assim, o referido artigo 48 trata das atribuições do Congresso Nacional, sem
que sua modificação tenha se referido à matéria das medidas provisórias.
A mudança do artigo 57, igualmente supra referido, no que tange a este
assunto, passou a determinar que, havendo medidas provisórias em vigor na data
da convocação extraordinária do Congresso Nacional, sejam elas automaticamente
incluídas em sua pauta de votação.
Também, por esta emenda constitucional, não se alteraram os artigos 61, 66
e 84, da Lei Magna, em matérias pertinentes ao regime das medidas provisórias
como por ela disciplinadas.
Somente os artigos 62, 64 e 246, da Constituição receberam nova redação
por força de sua promulgação, no tocante à disciplina constitucional das medidas
provisórias.
O primeiro deles, nos termos em que se está dele tratando neste trabalho.
116
Quanto aos dois outros, o artigo 64 e o artigo 246, na forma em que eles
serão abordados a seguir.
O artigo 64 passou a dispor que todas as demais deliberações legislativas das
Casas do Congresso Nacional, seriam sobrestadas em sua votação – com exceção
daquelas que tivessem prazo constitucional determinado até a ultimação de suas
votações – se estas, em até 45 dias, contados da publicação de suas edições, no
Diário Oficial da União, a Câmara dos Deputados e o Senado Federal não discutirem
e votarem os projetos de lei de iniciativa do Presidente da República, do Supremo
Tribunal Federal e dos Tribunais Superiores.
Determinou que, nesta hipótese, essa conversão seja votada em regime de
urgência, subseqüentemente, no Congresso Nacional, em cada uma de suas Casas.
O artigo 246 da Constituição passou a ter nova redação.
Vedou-se a adoção de medida provisória na regulamentação de artigo da
Constituição, cuja redação tenha sido alterada por meio de emenda promulgada
entre 1º de janeiro de 1995 e a data de sua edição.
A opinião pública assim recebeu bem a Emenda Constitucional nº 32, de 11
de setembro de 2001, em seus aspectos positivos, de sustar o abuso nas
sucessivas e habituais reedições de medidas provisórias pelo Presidente da
República e de colocar um termo para o Congresso Nacional se manifestar sobre a
validade delas e suas conversões ou não em lei.
De início, repudiou-se apenas o entulho autoritário que resultava do artigo 2º
da Emenda Constitucional.
É que por ele estavam validadas todas as medidas provisórias que não
fossem revogadas pelo Presidente da República ou recusadas como lei pelo
Congresso Nacional.
Aquele assim chamado entulho autoritário perpetua a validade de uma
legislação de exceção, já que ela é impossível de ser revista por obstáculos físicos e
temporais.
No passado, ela fora editada aos borbotões.
117
Com reiterada desconsideração, por outro lado, para com pressupostos
subjetivos da ação legislativa do editor da medida provisória, que está posta
restritamente como instrumental para solução de casos relevantes e urgentes.
Entretanto, como atualmente está evidente, perdeu-se em alguns aspectos
positivos da regulamentação constitucional da medida provisória, com a mudança da
Constituição conseqüente da Emenda Constitucional nº 32, de 11 de setembro de
2001.
Tome-se em consideração, na redação original do artigo 62 da Constituição,
que o recesso do Congresso Nacional, não interferia na celeridade do processo
legislativo de conversão da medida provisória em lei.
Se este se encontrasse em recesso, quando o Presidente da República
editasse a medida provisória, seria ele convocado imediatamente para se reunir em
5 dias para votar seu processo de conversão em lei.
Atualmente, o processo legislativo da medida provisória se suspende com o
recesso parlamentar.
Considerado, então, que o Congresso Nacional funciona de 2 de fevereiro até
17 de julho e de 1º de agosto até 22 de dezembro, anualmente, os períodos de
recesso somam 55 dias.
Vai de 18 de julho até 31 do mesmo mês, inclusive na primeira hipótese e, na
segunda, de 23 de dezembro até 31 de janeiro do ano subseqüente.
Assim uma medida provisória editada em 17 de julho, podendo ser votada em
até 120 dias, deverá ser objeto de deliberação até 16 de novembro.
Mas considerados os sábados, domingos, feriados e outros eventos que
podem justificar a suspensão dos trabalhos do Congresso Nacional, ela poderá ter o
seu trânsito prorrogado por muito tempo.
Até mesmo até o final do próximo recesso regular das atividades do
Congresso Nacional, a se dar em 2 de fevereiro do ano subseqüente àquele em que
a medida provisória foi editada.
118
Veja-se então o abuso que pode ser perpetrado pela politicalha sob o pálio do
dispositivo constitucional analisado.
Sem embargo, teríamos, na hipótese, uma medida provisória vigendo por
mais de 120 dias, que é o seu prazo constitucional de vigência.
Tudo isto não bastasse, veja-se que antes da Emenda Constitucional nº 32,
de 11 de setembro de 2001, pelo artigo 62 da Constituição, se a medida provisória
não fosse aprovada no tempo fixado pela Constituição, de 30 dias, em que
pesassem as prorrogações, por suas reedições, se ela resultasse rejeitada pelo
Congresso Nacional, cessaria sua vigência precária e temporária.
Ao
Congresso
Nacional
competiria
disciplinar
as
relações
jurídicas
decorrentes da vigência da medida provisória.
A Emenda Constitucional nº 32, de 11 de setembro de 2001, dilatou esta
hipótese da disciplina dos efeitos da medida provisória não convertida em lei.
Admitiu que ela pudesse continuar viger mesmo rejeitado o projeto de sua
conversão em lei pelo Congresso Nacional.
Manteve a situação em que deva ser promulgado o decreto legislativo para o
fim de regulação dos efeitos jurídicos da medida provisória não convertida em lei.
Contudo a par disto possibilitou que não editado este decreto legislativo em
até 60 dias após a rejeição ou perda da eficácia da medida provisória não convertida
em lei, pudesse ela continuar vigendo a despeito de rejeitada ou de ser ineficaz. 100
Acontecerá isto em duas hipóteses.
Na primeira, quando houver rejeição ou perda de eficácia total dela, à falta do
decreto legislativo de disciplina de seus efeitos. Ela continuará em vigor.
100
A medida provisória não convertida em lei em sessenta dias (ou mesmo depois de prorrogada uma
vez) ou rejeitada perde os seus efeitos desde a sua edição (efeitos ex tunc). O Congresso
Nacional, nesse caso, tem o prazo de sessenta dias para, por decreto legislativo, disciplinar as
relações decorrentes da incidência da medida provisória que perdeu a sua eficácia (quer por não
apreciação, quer por rejeição). Caso o Congresso Nacional não se manifeste no prazo de sessenta
dias, ficarão valendo, para as relações naquele intervalo de tempo, os dizeres da medida
provisória. Trata-se de triste restauração do instituto do decurso de prazo, banido com a
Constituição de 1988 (ARAÚJO, Luiz Alberto David de; NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso de
Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 373).
119
Na segunda, havendo projeto de lei de conversão da medida provisória em
lei, que tenha alterado o seu texto original. Ela continuará em vigor até a conclusão
do processo legislativo relativo a este projeto de lei que a alterar.
Evidente que este fato que causa estranheza.
Com ele se admite que algo que esgotou suas finalidades de existir no tempo
e no espaço, tenha sobrevida.
Isto põe este objeto em situação de incompatibilidade lógica e jurídica com a
realidade e o sistema constitucional vigente.
Claro que da omissão do Poder Legislativo em promulgar o decreto legislativo
que regulamenta as consequências jurídicas da medida provisória que perdeu
vigência, não lhe pode resultar a situação de vergar-se ao que ele rejeitou, tolerando
continue a viger, no caso, a medida provisória que teve frustrada a conversão em lei
em sua sede de deliberação.
Em que pese ser compreensível, sob ótica distinta, a circunstância de
continuar viger a medida provisória cujo texto tenha sido alterado por projeto de lei
substitutivo dela.
Porque aí, foi o Próprio Poder Legislativo quem admitiu a urgência e a
relevância da situação que dera azo ao Presidente da República editar a medida
provisória. Reconhecendo concomitantemente sua competência para legislar quanto
a seu objeto.
Enquanto emendando-a, não a rejeitou. Admitindo sua oportunidade e
conveniência. De tal forma que a aprimorou com o que era a seu ver a matéria de
seu projeto de emenda e que elaborou para seu aperfeiçoamento jurídico.
Desde já, no entanto, é importante que se diga ser matéria de conclusão
deste trabalho, a constitucionalidade da continuidade da vigência e da eficácia da
medida provisória rejeitada ou com vigência perdida em consequência da ação do
Congresso Nacional, por sua rejeição expressa ou tácita.
É estranho tenha vigor a medida provisória rejeitada pelo Congresso Nacional
ou que tenha perdido vigor por decurso de prazo, em consequência de seu silêncio
120
quanto a ela, porque este não promulgou o decreto legislativo que disciplinaria as
relações jurídicas decorrentes destes fatos, no prazo de 60 dias contados de seus
acontecimentos.
É isto que se vai ver.
121
6
MEDIDA PROVISÓRIA UM INSTRUMENTO UNIVERSAL DE LEGISLAÇÃO
DEMOCRÁTICA
Para John Locke, para quem ele é o Poder Supremo, fautor da lei,
instrumento legítimo do governo dos homens, o poder de legislar é indelegável.
Entretanto, em sua concepção, Para situações excepcionais, entretanto,
permitia-se mitigar a severidade da lei ou mesmo afastar-lhe o teor, fazendo-se
uso do chamado poder de prerrogativa, infância de quase todos os governos.
Trata-se do poder de agir conforme a necessidade pública exigir, sendo conveniente
que fique em mãos do executivo, já que o legislativo pode não estar reunido e,
porque quase sempre é numeroso, acaba por ser lento na tomada de decisões.101
Por esta e outras já vistas, a medida provisória não é uma invenção do
constituinte de 1988. Nem é instrumento de autoritarismo republicano.
A despeito de o decreto-lei ter sido via legislativa de nossas legislações
ditatoriais.102
Ela é, sim, outorga constitucional ao Presidente da República para de forma
cautelar, em via rápida e simplificada, resolver com o concurso posterior do
Congresso Nacional, situações que exijam pronta solução, impossível de ocorrer, se
condicionada ao prévio debate e aprovação de suas Casas, em situações de
urgência e relevância.
101
SAMPAIO, Marco Aurélio. A medida provisória no presidencialismo brasileiro. São Paulo:
Malheiros, 2007. p. 41.
102
Há de se realçar que o acatamento da figura do decreto-lei não parece acobertar, pela sua acolhida
em dado sistema, um sistema antidemocrático. Em tese, ela pode representar uma nova
formulação do princípio de separação de Poderes, adaptada, agora, a uma realidade do pósguerra, na qual se mostravam hipóteses políticas de urgência e excepcionalidade, que impediam a
aplicação regular das normas institucionalizadoras daquela condição orgânica de desempenhos
correlatos, mas independentes dos Poderes Públicos. Ao direito competia responder eficazmente
para que, se sobreviessem e quando adviessem situações de urgência excepcional tais que não se
pudesse aguardar o tempo devido para o processamento legislativo ordinário, haveria que se dar
uma pronta e eficiente resposta para que a sociedade não se visse a braços com situações de
força ou de ruptura institucional e jurídica sem qualquer parâmetro definido pelo direito para
solução (ROCHA, Carmem Lúcia Antunes. Medidas provisórias e princípio da separação de
poderes. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva. (Coord.). Direito Contemporâneo. Estudos em
homenagem a Oscar Dias Corrêa. São Paulo/Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2001, p. 55).
122
A origem da medida provisória, como disciplinada pela Constituição Brasileira
de 5 de outubro de 1988, está em institutos similares postos em várias constituições
contemporâneas e em muitos do passado, como instrumento de defesa do Estado
em situações assemelhadas ao estado de sítio ou de emergência como os prevê
nossa vigente constituição mas é principalmente na Constituição italiana de 1º de
janeiro de 1948 ou de 27 de dezembro de 1947, que está a sua origem imediata.
De fato, justapondo-se o artigo 62 da Constituição brasileira, em face do
artigo 77 dessa Constituição italiana e guardadas as devidas proporções, em que o
regime constitucional italiano é de feição parlamentarista e o brasileiro,
presidencialista e desprezadas diferenças acidentais, em substância, os provimentos
provisórios com força de lei, no caso italiano e a medida provisória, no brasileiro, são
institutos similares.
Ambos são atos normativos permitidos pela Constituição italiana, ao Governo
e, pela brasileira, ao Presidente da República, que não podem normalmente expedir
decretos com validade de lei ordinária, função normalmente deferida ao Parlamento,
para editar, em casos extraordinários, previstos na Constituição, de necessidade e
de urgência ou de relevância e urgência, provimentos provisórios com força de lei,
sob sua responsabilidade, na primeira hipótese e medidas provisórias, na segunda,
com igual força, sujeitando os seus dispositivos à posterior aprovação das Câmaras,
na Itália ou do Congresso Nacional, no Brasil, para conversão deles em lei, em
prazo certo de suas publicações, sob pena de serem ineficazes, se em tanto não
forem tempestivamente assim convertidos.
Esta ideia da origem principal da medida provisória brasileira na Constituição
italiana de 1948, não elimina o seu radical mediato que está nos demais sistemas
constitucionais do mundo.
Isto porque há outros parâmetros de identificação entre todos eles, quando se
socorrem do decreto-lei – a ineficácia da solução de problemas emergenciais que ao
Estado caiba resolver pela ação dos parlamentos, por exemplo, é um deles – a fim
de disciplinar em modo cautelar situações de perigo e de premência súbita que
enfrentam e esses comparativos se desdobram em outros pontos de contato, que os
aproximam, os quais estão no fazer da ação do Executivo legislar uma
123
excepcionalidade absoluta e restrita a casos determinados pela urgência e
necessidade e como fazem quase todas as constituições analisadas neste trabalho.
Como se dá nos sistemas constitucionais atuais, italiano e brasileiro, nos
quais a faculdade para o Governo ou o Presidente da República legislar por medida
provisória está posto na discricionariedade de ambos. Não está o Governo nem o
Presidente da República, em um ou outro caso, obrigado a agir por via do
provimento provisório com força de lei ou por medida provisória, quando não veja
oportunidade e conveniência em assim fazer.
Contudo muito embora todos estejam limitados por semelhantes pressupostos
subjetivos, tais como requisitos de necessidade e urgência, na situação italiana ou
de relevância e urgência, na brasileira, que se corporificam em conceitos factuais e
jurídicos abertos e indeterminados, é inequívoco que a experiência mundial no uso
do instituto com similares em quase todas as constituições do Universo, contribui
para trazer a questão para um leito de inteligibilidade que hoje reduz a incerteza
desses conceitos.
Como diriam os romanos, nada de novo sob o sol.
O binômio de necessidade e de urgência é concomitante, um requisito sem o
outro não se realiza para concretizar a medida provisória. Assim, no Brasil, como na
Itália, em que mudam apenas as palavras para definir-se o senso que está no
pressuposto subjetivo para que os governos se valham desta legislação de exceção
e essencialmente cautelar, cujo prumo para ajuste está na juridicidade do princípio
universal da razoabilidade e da proporcionalidade.
Vê-se então que a discricionariedade da autoridade que legisla por medida
provisória está conotada com a discricionariedade administrativa que é limitada pela
lei, assim como a da medida provisória é limitada pela Constituição.
A medida provisória assim não é um ato decisionista porque ela não surge do
nada posto que inserida nos limites de um texto constitucional, sendo equívoco
relacioná-la como ato de uma ditadura do Executivo.
A propósito destaque-se:
124
A “decisão” tomada na discricionariedade não é a mesma “decisão” da
teoria decisionista. Na discricionariedade, a decisão é decisão é limitada
pelo permissivo legal e pelos princípios constitucionais. Além disso, a norma
jurídica permite e limita a discricionariedade. Já na teoria decisionista a
atuação do legitimado é ilimitada, porquanto é ele quem cria a própria
norma; a decisão não é autorizada pela norma anterior, pois sequer há
norma neste momento. Assim, a natureza da norma emanada do
desicionismo é fundante, no aspecto amplo da palavra. Ela não se reveste
de norma constitucional, ela construirá a própria ordem constitucional; é,
mesmo, o exercício do poder político.
(...).
A medida provisória apresenta outros aspectos de semelhança com a teoria
decisionista, como a excepcionalidade da medida, e, ainda, a força de lei,
própria de sua natureza. Contudo, ela não reflete as bases da teoria
decisionista, já que a norma constitucional, a par de atribuir ao Presidente
da República a competência para editar medidas provisórias, ainda limita a
edição de tais medidas a algumas situações constitucionalmente previstas,
103
restringindo desta forma, seu poder de decisão.
A medida provisória é um instituto constitucional e peculiar forma de
legislação no Estado Democrático de Direito.
103
SILVA, Frederico Silveira e. O decisionismo de Carl Schmitt e sua relação com a discrionariedade e
a medida provisória. Revista CEJ, Brasília, Ano XI, n. 39, p. 36-43, out./dez. 2007.
125
7
MEDIDA PROVISÓRIA, UM INSTITUTO JURÍDICO DETURPADO A
PERFAZER CONFRONTO ENTRE OS PODERES
Como se verifica, a medida provisória é um instituto que se integra ao sistema
constitucional de um Estado Democrático de Direito, congruente com suas
finalidades em ser um Estado pluralista fundado nos princípios fundamentais que
estruturam a Constituição da República Federativa do Brasil. A saber: a soberania, a
cidadania, a dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho e da
iniciativa privada, para assegurar a concretização dos direitos e garantias
fundamentais por ela constituídos. Nunca é demais repetir.
É um instituto parassimétrico à lei. Embora instrumento legislativo excepcional
à disposição do Poder Executivo, por força de especialíssima disposição
constitucional, não se confunde com ela.104
Não obstante é respeitoso do artigo 2º da Constituição Federal – São Poderes
da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o
Judiciário – na medida em que sua eficácia depende de ratificação, em certo prazo,
de seu mandado legal por aprovação do Poder Legislativo, que é quem o convola
em lei.
Mais que isto, o processo de sua conversão em lei subordina-se ao processo
legislativo ordinário. Com as peculiaridades de um rito a parte, porém, não
essencialmente distinto que desse primeiro deriva, como já visto e em que há de
excepcional com relação a esse, principalmente um juízo preliminar e prejudicial
quanto à ocorrência dos pressupostos fundamentais de habilitação formal da medida
provisória e sujeição a prazos de tramitação mais exíguos. Além de submeter-se a
outros procedimentos especiais como se viu pela Resolução nº 1, de 2002, do
Congresso Nacional.
É fundado constitucionalmente e consubstancia ato complexo que integra o
Poder Legislativo e o Executivo, tendo em conta que o Presidente da República
participa de sua consumação pelos institutos do veto ou da sanção e da
104
Pontes de Miranda é quem a chama de lei sob condição resolutiva. Por tudo o que se viu, no
entanto, equivocadamente (MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO,
Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 926).
126
promulgação, indiscutivelmente, como já demonstrado, tal como se dá com o
processo legislativo ordinário.
Conforma-se, assim, com os parâmetros de validade legislativa próprios do
Estado Democrático de Direito. Inova a ordem jurídica por expressa disposição
constitucional sob condição resolutiva da confirmação do ato de sua edição pelo
Presidente da República, por via do Congresso Nacional, a posteriori. Sem embargo
da relação visceral entre o processo legislativo ordinário e o processo legislativo de
conversão em lei da medida provisória.105
Submete-se, assim, ao princípio da soberania popular – de que o princípio da
autenticidade da representação é originário – que é princípio vertical da ordem
constitucional vigente nos termos do Parágrafo único, do artigo 1º, da Constituição
de 1988: Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de
representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.
Emana a medida provisória de ato de representação democrática e popular
legítima.
Atende exigências fundamentais de validade que estão postas na outorga
legislativa por dispositivo constitucional ao Presidente da República e é compatível
com o princípio da separação de poderes, que a Constituição consagra.
Em certos momentos na forma como vem sendo instrumentalizada pelo Poder
Executivo, no Brasil, a medida provisória destaca pontos de incongruência com o
sistema apresentado, que este tópico intenta identificar.
105
Neste ponto cabe insistir na diferença entre o processo de produção da medida provisória, ao qual,
como se viu, José Afonso da Silva chama de procedimento elaborativo, conforme nota 57 deste
trabalho, do processo de conversão de medida provisória em lei, propriamente dito, que é uma
variante do processo legislativo ordinário. Enquanto o primeiro se consuma com o ato do
Presidente da República que o edita, seguido de sua publicação no Diário Oficial e da remessa da
medida provisória ao Poder Legislativo, em que dá início ao processo legislativo de conversão da
medida provisória em lei, esse último tramita pelo Congresso Nacional. Passível de sujeição a
todos os trâmites do processo legislativo ordinário. Não obstante, como se demonstrou e já se viu,
insiste-se, sujeito a um juízo de prelibação. Para conferência dos pressupostos de habilitação da
medida provisória. Curso acelerado e possibilidade de travamento da agenda de votação e
subordinação a outras peculiaridades procedimentais já vistas, que podem fazer do processo de
conversão da medida provisória em lei, um processo especial e distinto, embora derivado do
processo legislativo ordinário, do qual resulta sem estar sujeito a parâmetros absolutamente em
tudo idênticos, porém, em certos pontos coincidentes fundamentalmente. Roga-se conferir Capítulo
3.
127
Visa-se com ele, analisar este processo de incompatibilidade do uso que se
dá à medida provisória de forma deturpada que a põe em confronto com o sistema
da Constituição da República Federativa do Brasil, de 5 de outubro de 1988 e que
por desrespeitar o princípio da separação dos poderes coloca o Poder Executivo em
confronto com o Poder Legislativo.
7.1
O Núcleo da Teoria de Montesquieu
José Alfredo de Oliveira Baracho106 diz que a expressão separação de
poderes, que muitos consideram equívoca, é causa de grande confusão na ciência
constitucional moderna.
A rigidez e inflexibilidade com que muitos a enfocam, segundo ele, nunca foi
do próprio Montesquieu.
Aliás, sustentando-se em Duguít, o saudoso constitucionalista narra que nem
no Esprit des Lois ou no Two Treatises on Governement, o primeiro como se sabe
de Montesquieu e o segundo, de autoria de Locke, houve intenção de fazer uma
teoria jurídica. Mas somente o desejo de mostrar de que maneira a Constituição
inglesa, pela distribuição de funções e certa colaboração de órgãos, poderia garantir
a liberdade.
Luís Pinto Ferreira107 – da mesma forma que expõe Baracho – disserta que o
termo separação de poderes derivou do uso equívoco, que lhe deu a Constituição
francesa de 1791. Informa que Munro e Schmitt propuseram para separação de
poderes o nome equivalente de distinção de poderes.
Quanto a estes aspectos Baracho afirma:
A expressão “separação de poderes” não foi empregada uma vez sequer
por Montesquieu, nem entendeu que os órgãos investidos das três funções
do Estado seriam representantes do soberano, acometidos de uma parte de
soberania, absolutamente. Não está em Montesquieu qualquer explicação
que leve ao entendimento de que uma teoria da separação de poderes
implica separação absoluta dos órgãos que exercem a função executiva e a
106
BARACHO, José Alfredo de Oliveira. Processo Constitucional. Rio de Janeiro: Forense, 1984. p.
27, 1984.
107
FERREIRA, Luís Pinto. Princípios Gerais do Direito Constitucional Moderno. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 1971. Tomo II, p. 116.
128
legislativa. Entendia que devia existir uma ação contínua dos dois poderes
um sobre o outro, uma verdadeira colaboração. Explicando o que se
passava na Inglaterra, esclarecia que o Executivo participa na legislação,
sendo que o legislativo exerce um controle contínuo sobre o Executivo, e
que aquele sistema repousa em uma colaboração constante e íntima dos
108
poderes.
De seu bordo Luís Pinto Ferreira109, referindo-se a Carl Schmitt, quando este
propõe o nome de distinção de poderes ao invés de separação acrescenta:
Com efeito, comenta êste último constitucionalista, separação significa um
isolamento completo, que serve tão-só como ponto de partida da ulterior
organização, e depois, nas regulamentações posteriores, consente, sem
embargo, em algumas vinculações. Já uma divisão significa pròpriamente
uma distinção no seio de um dos vários poderes, por exemplo, a divisão do
poder legislativo em duas câmaras, ambas expressões se incluindo na
catalogação genérica de distinção de podêres.
Interessante trazer à pesquisa observação de Dalmo de Abreu Dallari110:
O ponto obscuro da teoria de Montesquieu é a indicação das atribuições de
cada um dos poderes. Com efeito, ao lado do poder legislativo coloca um
poder executivo “das coisas que dependem do direito das gentes” e outro
poder executivo “das que dependem do direito civil”. Entretanto, ao explicar
com mais minúcias as atribuições deste último, que por ele o Estado “pune
os crimes e julga as querelas dos indivíduos”. E acrescenta: “chamaremos a
este último o poder de julgar e, o outro, simplesmente o poder executivo do
Estado”. O que se verifica é que Montesquieu, já adotando a orientação que
seria consagrada pelo liberalismo, não dá ao Estado qualquer atribuição
interna, a não ser o poder de julgar e punir. Assim, as leis, elaboradas pelo
legislativo, deveriam ser cumpridas pelos indivíduos, e só haveria
interferência do executivo para punir quem não as cumprisse.
Como é óbvio, dando atribuições tão restritas ao Estado, Montesquieu não
estaria preocupado em assegurar-lhe a eficiência, parecendo-lhe mais
importante a separação tripartida dos poderes para garantia da liberdade
individual.
Consequentemente o cerne da teoria de Montesquieu não pode ser a da
separação absoluta de Poderes a ponto que se diga que o Poder Executivo não
possa legislar e nem que o Poder Legislativo não possa julgar ou o Judiciário não
possa administrar. Como ocorre pela ordem, no caso da medida provisória, com o
Executivo, no caso das Comissões Parlamentares de Inquérito, com o Legislativo e
108
BARACHO, José Alfredo de Oliveira. Processo Constitucional. Rio de Janeiro: Forense, 1984. p.
29.
109
FERREIRA, Luís Pinto. Princípios Gerais do Direito Constitucional Moderno. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 1971. Tomo II, p. 117.
110
DALLARI, Dalmo Abreu. Elementos da Teoria Geral do Estado. São Paulo: Saraiva, 2007. p.
219.
129
das atividades das administrações judiciárias peculiares ao trato do funcionamento
dos Tribunais, de seus fluxos e dos pessoais, com o Judiciário.
O núcleo da teoria de Montesquieu é uma preocupação em distribuir as
funções do Poder, em prol da Liberdade, como decorre do célebre capítulo VI, de
seu Livro Décimo Primeiro, já referido e citado exatamente na parte que abaixo se
vai repeti-lo:
Tampouco existe liberdade se o poder de julgar não for separado do poder
legislativo e do executivo. Se estivesse unido ao poder legislativo, o poder
sobre a vida e a liberdade dos cidadãos seria arbitrário, pois o juiz poderia
ter a força de um opressor.
Tudo estaria perdido se o mesmo homem, ou o mesmo corpo dos
principais, ou dos nobres, ou do povo exercesse os três poderes: o de fazer
leis, o de executar as resoluções públicas e o de julgar os crimes ou as
querelas entre os particulares.
Entretanto, a argúcia de Clèmerson Merlin Clève é absolutamente adequada
para a compreensão deste tópico:
Ora, no mundo de hoje, o homem necessita preocupar-se com o Estado.
Também deve-se precaver contra os grupos, porque, em face deles, mais
uma vez a liberdade corre perigo.
É preciso limitar o Estado: mas é preciso verificar que nem ele, nem a
sociedade, hoje, correspondem às coordenadas oferecidas pelos séculos
XVIII e XIX. Por isso, igualmente, é necessária a atuação do Estado para
quebrar o domínio dos grupos e corporações.
Se, neste ponto da história, o princípio rígido e dogmaticamente interpretado
da separação dos poderes não funciona, é preciso lembrar que ele,
enquanto idéia racionalizadora do aparato estatal ou enquanto técnica de
organização do poder para a garantia das liberdades, não pode ser
esquecido, nem se encontra superado.
Montesquieu, na verdade, para sua época, criou um sistema de equilíbrio do
poder (que não corresponde necessariamente a um sistema de equilíbrio
entre os poderes), oferecendo as bases para a constituição de um Governo
misto, moderado pela ação das forças sociais que dinamizam o tecido
societário.
A missão dos juristas, hoje, é a de adaptar a idéia de Montesquieu à
realidade constitucional de nosso tempo. Nesse sentido, cumpre aparelhar o
Executivo, sim, para que ele possa, afinal, responder às crescentes e
exigentes demanda sociais. Mas, cumpre, por outro lado, aprimorar os
mecanismos de controle de sua ação, para o fim de torná-los (os tais
111
mecanismos) mais seguros e eficazes.
111
CLÈVE, Clèmerson Merlin. Atividade legislativa do Poder Executivo no Estado
contemporâneo e na Constituição de 1988. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993. p. 41-42.
130
7.2
A Flexibilidade do Sistema de Separação do Poder
Fica evidente que à luz da melhor doutrina, a divisão de Poder entre
Legislativo, Executivo e Judiciário, não pode ser questão dogmática, assim sendo,
impossível de ser tratada com parâmetros de radicalismo e de rigor teórico.
Vicente Ráo112, em matéria já abordada neste trabalho, conforme nota 76,
trouxe à colação manifestação de Castro Nunes a respeito do assunto em que
realça a conclusão desse conspícuo jurista, a respeito da flexibilidade do sistema de
separação de Poder:
Devo dizer que, apesar de minhas idéias conhecidas acêrca da orgânica do
Estado, cujo reajustamento às transformações profundas da vida
contemporânea estará exigindo, sob vários aspectos, o abandono de certos
padrões clássicos, que envelheceram e já não correspondem aos ensejos e
necessidades práticas do presente, sou dos que não fazem côro com os
críticos negativistas do velho dogma liberal, esquecidos de que sem êle não
seria possível conhecer, sequer, o Estado na teoria constitucional ou no
plano das garantias políticas ou judiciárias. “O que é preciso, entretanto, é
não perder de vista o sentido filosófico do princípio, que é, na realidade, o
ponto de partida de qualquer construção política que se pretenda realizar
sem sair daquelas coordenadas, mas comportando maior plasticidade, no
interesse superior do bem público” (Conferência realizada na Fundação
Getúlio Vargas. Revista Forense, v. 137, p. 5 et seqs.).
A queda de um dogma é título em obra de Paulo Bonavides113, Do Estado
Liberal ao Estado Social, em que o festejado constitucionalista sustenta o ocaso da
separação de poderes – vista na trilogia radical Legislativo, Executivo e Judiciário –
em face de novos modos de equilíbrio de Poderes e acomodação de interesses para
instituir, delimitar e garantir direitos.
Para ele, em nossos dias o princípio não oferece o fascínio das primeiras
idades do constitucionalismo ocidental.114
Raymond Aron115 empalma entendimento claro, conotando a ideia de
Montesquieu ao equilíbrio de poderes sociais como condição da liberdade e não
como um arcabouço jurídico.
112
RÁO, Vicente. As delegações legislativas no parlamentarismo e no presidencialismo. São
Paulo: Max Limonad, 1966. v. 1, p. 34-35.
113
BARACHO, José Alfredo de Oliveira. Processo Constitucional. Rio de Janeiro: Forense, 1984. p.
51.
114
Ibid.
115
Ibid., p. 49.
131
O fulcro da questão está posto na busca de um sistema de distribuição e
controle do exercício do poder político, para garantia da Liberdade e da eficácia e
efetividade dos direitos fundamentais, visão que encontra respaldo em Karl
Loewenstein.116
Necessariamente não é de se dizer que a máxima escolar de que o
Legislativo faz leis, o Executivo governa e o Judiciário julga, seja a expressão de
maior plasticidade para a teoria de Montesquieu.
Outras modalidades de distribuição de Poder – haja vista que a teoria de
Montesquieu existe por que e para que se tenha Liberdade – são possíveis (embora
possam não ser absolutamente ideais), de serem conformadas sob suas luzes e que
não seja uma rigorosa distribuição dele entre Legislativo, Executivo e Judiciário.
Logo, é insofismável a flexibilidade das formas em que pode ocorrer a
separação do Poder a partir dos estudos de Montesquieu e John Locke.
Destaca-se em Luiz Pinto Ferreira117:
As tendências mais recentes do constitucionalismo democrático e socialista,
após a segunda guerra mundial de 1939-1945, vigentes nas novíssimas
Constituições européias e asiáticas, assim como os novos rumos da
democracia política norte-americana, procuram um equilíbrio pragmático
entre os poderes executivo e legislativo, colimando agora a estruturação de
um executivo forte, porém, legalizado e constitucional.
7.3
Novas Combinações para as Funções em que se Distribuem os
Encargos do Poder
Benjamin Constant118 anteviu quatro poderes. Propôs a criação de um poder
neutro acima dos demais poderes estatais cuja função seria suavizar e decidir
conflitos entre os poderes Legislativo, Executivo e Judiciário.
116
BARACHO, José Alfredo de Oliveira. Processo Constitucional. Rio de Janeiro: Forense, 1984. p.
47.
117
FERREIRA, Luiz Pinto. Princípios Gerais do Direito Constitucional Moderno. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 1971. Tomo II, p. 121.
118
Ibid., p. 119.
132
Manoel Gonçalves Ferreira Filho119 e Marco Aurélio Sampaio120 enfocam a
tripartição do poder, proposta por Karl Loewenstein, “policy determination”, “policy
execution” e “policy control”.
O primeiro, como diz, grosso modo, identifica a policy determination e a policy
execution com as funções governamental e administrativas referidas por Burdeau121,
colocando a policy control como o pêndulo do regime constitucional posto que ela
seria o ponto de equilíbrio entre o planejamento a execução entre a policy
determination e a policy execution.
Ferreira Filho entende que o policy control estaria posto no controle político,
que é o controle pelo parlamento e no controle formal, em que atuaria o Judiciário e
conclui:
Essa nova tripartição das funções abre, talvez, caminho para uma revisão
da organização política ocidental, tarefa ingente e urgente. Todavia, do
ponto de vista científico, deve-se reconhecer que função de controle, na
medida em que é verificação da concordância de um ato com outro
superior, tem natureza administrativa (de acordo com a terminologia de
122
Burdeau).
119
FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva,
2006.
120
SAMPAIO, Marco Aurélio. A medida provisória no presidencialismo brasileiro. São Paulo:
Malheiros, 2007.
121
É científica, é exata, a classificação das funções do Estado subjacente à doutrina da “separação de
poderes”? A esse propósito, longo tem sido o debate que não parece próximo de terminar.
Observe-se, contudo, que é duvidoso que Montesquieu tenha, no célebre capítulo “Da Constituição
da Inglaterra”, buscado fazer ciência. Bem mais preocupado parece estar ele em pregar um
governo moderado pela divisão e repartição do poder, valorizando a lição por atribuí-la ao país na
moda, do que em expor rigorosamente a realidade constitucional britânica de seu tempo. Na
verdade, em meados do século XVIII, na época em que Montesquieu escreveu sua obra, não mais
havia na Grã-Bretanha a “separação” nos termos em que a descreve, pois o parlamentarismo –
que elimina a independência do Executivo em relação ao Legislativo – já a esse tempo se praticava
naquele país. Em realidade, essa tripartição não tem o rigor necessário para ser acatada como
científica. De fato, é fácil mostrar que as funções administrativa e jurisdicional têm no fundo a
mesma essência, que é a aplicação da lei a casos particulares. A distinção entre ambas pode estar
no “modo”, no acidental, portanto, já que substancialmente não existe. Por outro lado, a função
legislativa não esgota a edição de regras gerais e impessoais. Tradicionalmente inclui-se na função
administrativa o estabelecimento de regulamentos, cujo conteúdo são também regras gerais e
impessoais. Cientificamente, parece preferível a classificação de Burdeau (v. Traité, v. 4, n. 186):
função “governamental” – consiste em introduzir por primeira vez uma questão no domínio do
Direito (manifestação de poder só condicionado pela Constituição) e função „administrativa‟ –
(consistente em tomar decisões subordinadas em relação àquela). Essa classificação, como se vê,
repousa no grau de intensidade do poder estatal manifestado (FERREIRA FILHO, Manuel
Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 134-135).
122
Ibid., p. 137.
133
Marco Aurélio Sampaio123 sobre Karl Loewenstien aduz:
A idéia de revisão necessária da separação de poderes, em vista da
convivência entre sua eficiência e seu equilíbrio, é já discutida há certo
tempo. Nesse sentido, por exemplo, Loewenstien mencionava a visão de
existência de poderes diversos dos que os nominados por Montesquieu,
fazendo alusão às seguintes atividades: “policy determination”, referente à
maior parte das escolas que faz a comunidade, tanto no tocante às
necessidades imediatas do governo, como às pertencentes a um futuro
remoto; “policy execution”, como instrumento para implementação das
decisões políticas, o que por vezes englobaria também a atividade judicial;
e, por fim, “policy control”, ponto crucial da nova tripartição proposta, que
atenderia às necessidades de controle do poder.
Refere-se, ainda, a George Tsebelis, de quem cita:
Veto Players são atores coletivos ou individuais cuja concordância é
necessária para a mudança do status quo. Daí decorre que uma mudança
no status quo exige uma decisão unânime de todos os veto players. A
constituição de um país pode conceder o status de veto player a diferentes
atores individuais ou coletivos. Se são eles assim gerados, são chamados
institutional veto players. (...) se são gerados pelo jogo político, são
chamados partisan veto players. Por exemplo, pode ocorrer que dentro da
Casa dos Representantes, diferentes maiorias se façam possíveis,
significando que a Casa não pode ser reduzida a um veto player.
Dá a ideia que o sistema de veto player seria inspirado na doutrina do cheks
and balances e seria composto por agentes com capacidade de interagirem para a
definição de uma política de governo por dinâmica política peculiar com a conclusão
de que:
Duas observações devem ser feitas: a primeira é atinente à lógica do
raciocínio que se acabou de traçar, nada tendo mesmo de muito novo. É a mesma
ideia difundida da separação de poderes. A segunda observação diz com a
possibilidade de, olhando-se e analisando-se a realidade do jogo político atual,
atualizar-se a separação dos poderes, incluindo, expressamente, nos controles do
poder, instrumentos que já existem no cenário jurídico-político, mas apenas ficam à
margem de uma linguagem teórica de séculos atrás, sem prejuízo de criação de
novas instâncias de veto players. Podem-se, aqui, mencionar o Ministério Público e
o Tribunal de Contas.
123
SAMPAIO, Marco Aurélio. A medida provisória no presidencialismo brasileiro. São Paulo:
Malheiros, 2007. p. 37.
134
Em sua obra já referida, “A medida provisória no presidencialismo brasileiro”,
2007, São Paulo, item 4.3.1: A origem da expressão “presidencialismo de coalizão”,
remete a Sérgio Henrique Abrantes.124
Esse autor à época da Assembléia Nacional Constituinte, propondo uma
“combinação de multipartidarismo, proporcionalidade e presidencialismo imperial,
com separação de poderes entre legislativo e executivo”, organizando-se o
ministério em “amplas coalizões”, deu a este sistema de governo o nome de
“presidencialismo de coalizão”.125
Marco Aurélio Sampaio126 explica que o “presidencialismo de coalizão exigiria
um mecanismo de arbitragem adicional aos já existentes, para dirimir conflitos entre
legislativo e executivo”.127
Sintetiza.
Em resumo, a lógica do raciocínio que se construía: a sociedade brasileira,
apresentando alto pluralismo, faria com que as instituições políticas fossem
preenchidas pelo chamado “pluralismo e valores”. Neste sentido, a
hegemonia do executivo (que se organizava, em tese, em independência
total do legislativo, caracterizado este pela própria pluralidade proporcional),
dispensaria, na sobrevivência própria, qualquer forma de legitimação
continuada. Entretanto, para fins de manutenção da governabilidade e
também com vistas à própria manutenção da legitimidade, o executivo
deveria montar o seu gabinete ministerial a partir de coalizões partidárias
(buscadas dentro das proporções apresentadas pelo Congresso Nacional) e
estaduais, a partir de apoio dos governadores. Dever-se-ia aperfeiçoar a
forma de representação política, ampliando-se os espaços para que a
pluralidade de valores mencionada fosse a mais completa possível.
Somente assim coalizão governamental retrataria uma coalizão, em
verdade, dos valores sociais, dando eficácia e estabilidade ao planejamento
128
do Estado.
Esta situação de fato, como se sabe, não foi objeto de constitucionalização
pela Constituição de 5 de outubro de 1988.
Todavia, é importante destacar sua conclusão:
124
SAMPAIO, MARCO AURÉLIO. A medida provisória no presidencialismo brasileiro. São Paulo:
Malheiros, 2007.
125
Ibid., p. 124.
126
Ibid., p. 125.
127
Ibid., p. 125.
128
Ibid., p. 125.
135
Fica claro, da análise do texto de Abranches, que se trata da percepção
ainda incompleta e por vezes genérica do momento político então vivido
pelo Brasil. Isso não lhe retira, porém, a importância, seja pelo pioneirismo,
seja pelo fato de que o discurso comum, segundo o qual o parlamentarismo
seria panacéia, é afastado com veemência, afirmando-se tradições políticas
e institucionais próprias de nosso país. Em outras palavras, antes de propor
mudanças radicais, o autor chamava a atenção para as menos traumáticas
e também possíveis, durante a formação de nova constituição, sem que se
fizesse ruptura drástica com elementos por ele identificados como tradições
republicanas.
Não interessa a este estudo, registre-se, dizer acertados todos
entendimentos assumidos pelo autor em tela, mas apenas frisar o seu
caráter de primeira análise do presidencialismo brasileiro dentro de sua
função de retratar a diversidade social, o que lhe exige disposição à
coalizão. Nesse sentido, diagnostica-se o problema corretamente é, sem
dúvida, o primeiro passo para que se possa solucioná-lo de modo eficaz.
Esta foi, certamente, a tentativa do texto de Abranches.
O que deve ficar para a análise que segue não é o todo em que foi
concebida a idéia do “presidencialismo de coalizão”, mas fatores específicos
como a dificuldade de formulação e implementação de agenda política, bem
como a clareza de tal raciocínio a partir de estudo empírico do uso de
instrumentos próprios à disposição dos atores políticos, “em momento
posterior ao texto em discussão, já que dentro do novo cenário
constitucional”. Dentre tais instrumentos, um dos mais importantes é a
medida provisória. Aí, portanto, é que se dá a ligação entre a teoria do
“presidencialismo de coalizão” e a edição de medida provisória como ato de
129
governo.
Sérgio Rezende de Barros130, por sua vez entende que o sistema de governo
no Brasil seja o presidentismo, observando:
Tem recebido acolhida o termo “presidentismo”, que cunhei, para designar a
degeneração do presidencialismo, no Brasil, pelo excesso de poder
concentrado nas mãos do Presidente da República. Em verdade, não temos
presidencialismo, mas sim presidentismo, pois – em virtude do exagero de
poderes inseridos na competência do Executivo – não temos um “presidente
da república”, mas uma “república do presidente”. Essa é uma das causas
dos males que afligem o Estado brasileiro, repercutindo não só nas relações
entre o Legislativo d o Executivo, mas envolvendo até o Judiciário.
7.4
O Que É e Qual a Razão de Ser para a Divisão do Poder
José Joaquim Gomes Canotilho sustenta que o padrão básico “subjacente às
articulações organizatórias dos estados constitucionais democráticos é o padrão da
divisão e separação de poderes”.
129
SAMPAIO, Marco Aurélio. A medida provisória no presidencialismo brasileiro. São Paulo.
Malheiros, 2007. p. 126.
130
BARROS, Sérgio Resende de. Medidas Provisórias? Revista da Procuradoria Geral do Estado
de São Paulo, São Paulo, p. 67-82, jun. 2000.
136
Noticia que John Locke e Montesquieu tiveram a argúcia de identificá-lo a
partir de níveis de articulação de funções, instituições e estamentos:
(1) nível funcional com a distinção das funções fundamentais do poder
político: legislação, aplicação/execução das normas, jurisdição; (2) nível
institucional centrado nos órgãos do poder: parlamento, governo,
administração, tribunais; (3) nível sócio-estrutural, onde o poder surge
131
associado a grupos sociais, confissões religiosas, corporações, cidades.
Sintetiza que inobstante algumas diferenças de enfoque, confluem os autores
enfocados na essência para a necessidade de distribuição das funções do Poder
entre órgãos autônomos, pelo menos no âmbito de sua divisão horizontal. 132
Aponta o constitucionalista português que a separação e a interdependência
dos órgãos de soberania destinam-se a garantir a liberdade e por consequência a
eficácia e efetividade da Constituição, estabelecendo esquemas de controle de
atividade e responsabilidade para os ramos em que as funções operacionais dividem
o Poder.133
Jorge Miranda reforça:
IV – O princípio da separação dos poderes vai, pois, permanecer como
princípio de organização óptima das funções estatais, de estrutura orgânica
funcionalmente adequada, de legitimação para a decisão e de
responsabilidade pela decisão. Daí uma dimensão positiva, a par de uma
dimensão negativa, de controlo e limitação de poder. E, consequentemente,
reconhece-se a necessidade de um núcleo essencial de competência de
cada órgão, apurado a partir da adequação da sua estrutura ao tipo ou à
134
natureza de competência de que se trata.
Nas ideias de legitimação, de limite e de responsabilidade repousa, por
conseguinte, a razão do princípio da separação do Poder.
131
CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. Coimbra: Almedina,
2003. p. 579.
132
Como ele próprio explica: “Tal como Locke, a doutrina da divisão de poderes de Montesqueu
(1689-1755) distingue, a nível funcional, vários poderes, mas opta por uma divisão tripartida:
legislativo, executivo e judicial. A nível institucional distingue entre Parlamento, Governo e
Tribunais. No plano socio-estrutual, Montesquieu refere a Coroa, o clero e nobreza e o povo („le
peuple‟). As principais diferenças em relação ao modelo de John Locke residem no seguinte: (1)
autonomização do poder judiciário; (2) inclusão dos poderes federativo e prerrogativo no âmbito do
executivo” (Ibid., p. 581).
133
Ibid., p. 889.
134
MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional. Coimbra: Coimbra, 2004. Tomo III, p. 385.
137
Saber qual é o leito de curso de um poder do Estado, no que está
propriamente o limite de sua atuação posta pela Lei, traduz-se em identificar a
fronteira de sua ação, em face dos demais ramos do Poder. Para cobrar-lhe o
resultado de sua ação ou inação.
Isto é o que propicia o controle do poder, em que como observa Manoel
Gonçalves Ferreira Filho135, repousa a democracia e a salvaguarda da liberdade
individual.136
Como já denotava Montesquieu137:
A liberdade política, em um cidadão, é esta tranqüilidade de espírito que
provém da opinião que cada um tem sobre a sua segurança; e para que se
tenha esta liberdade é preciso que o governo seja tal que um cidadão não
possa temer outro cidadão.
Quando, na mesma pessoa ou no mesmo corpo de magistratura, o poder
legislativo está reunido ao poder executivo, não existe liberdade; porque se
pode temer que o mesmo monarca ou o mesmo senado crie leis tirânicas
para executá-las tiranicamente.
Tampouco existe liberdade se o poder de julgar não for separado do poder
legislativo e do executivo. Se estivesse unido ao poder legislativo, o poder
sobre a vida e a liberdade dos cidadãos seria arbitrário, pois o juiz poderia
ter a força de um opressor.
Tudo estaria perdido se o mesmo homem, ou o mesmo corpo dos
principais, ou dos nobres, ou do povo exercesse os três poderes: o de fazer
leis, o de executar as resoluções públicas e o de julgar os crimes ou as
querelas entre os particulares.
Se este é o leit motiv para a separação dos poderes sob o ponto de vista
ético, sob ponto de vista jurídico e político, ela se justifica como forma ideal de
compreensão da funcionalidade do aparelho estatal.
O critério de razoabilidade e proporcionalidade de sua conformação encontra
ponto de equilíbrio na articulação entre os poderes para operacionalização do
governo do Estado, em busca da governabilidade.138
135
FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva,
2006.
136
Nesse sentido, vale transcrever a advertência de Nuno Piçarra „A distinção entre função legislativa,
função executiva e função judicial não surgiu originalmente marcada pela pretensão de
compreender e descrever exaustivamente as funções do Estado, mas com um intuito claramente
prescritivo e garantístico: a separação orgânico-pessoal daquelas funções era imposta em nome
da liberdade e da segurança individuais‟. Conforme ARAÚJO, Luiz Alberto David; NUNES JÚNIOR,
Vidal Serrano. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 314.
137
MONTESQUIEU. O espírito das leis. Tradução de Cristina Murachco. São Paulo: Martins Fontes,
2005. p. 168.
138
Como diz José Joaquim Gomes Canotilho deve existir articulação entre
funções do Poder. Isto significa que os Poderes devem engrenar-se de forma a
operar conjuntamente sem incongruências em seu sistema de ação.
A articulação só se faz quando há integração de ação funcional entre os
Poderes, que operam como partes autônomas, porém, integradas em um só todo,
que funciona em concerto harmônico sem dissonâncias139.
E é exatamente na harmonia ocorrente na articulação entre os Poderes que
está posta a proibição de excesso na engrenagem deles, que se encontra no abuso
de função que faz preponderar um poder sobre o outro na movimentação da
máquina estatal, desequilibrando o concerto que deve ser exprimido na conjunta
ação deles.
A harmonia entre os poderes verifica-se primeiramente pelas normas de
cortesia no trato recíproco e no respeito às prerrogativas e faculdades a que
mutuamente todos têm direito. De outro lado, cabe assinalar que nem a
divisão de funções entre os órgãos do poder nem sua independência são
absolutas. Há interferências, que visam ao estabelecimento de um sistema
de freios e contrapesos, à busca do equilíbrio necessário à realização do
bem da coletividade e indispensável para evitar o arbítrio e o desmando de
140
um em detrimento do outro e especialmente dos governados.
138
„Governabilidade‟, como tem sido dito e repetido pelos analistas, é um conceito de definição
bastante imprecisa. Por maximizar a eficiência decisória da máquina administrativa do Estado, ele
mantém uma inevitável tensão com a democracia, cujo exercício, a partir da igualdade política,
permite a expressão de interesses múltiplos e conflitantes. „Governabilidade‟ também é um
conceito fortemente carregado de implicações ideológicas. Em termos conceituais, a noção de
governabilidade tem sido associada à incapacidade de um governo ou de uma estrutura de poder
formular e de tomar decisões no momento oportuno, sob a forma de programas econômicos,
políticas públicas e planos administrativos, e de implementá-las de modo efetivo, em face de uma
crescente sobrecarga de expectativas, de problemas institucionais, e clivagens políticas, de
conflitos sociais e de demandas econômicas; nesse sentido, um sistema político se tornaria
„ingovernável‟ quando não conseguisse mais confirmar essas expectativas, filtrar, selecionar e dar
uma respostas a essas demandas, solucionar esses problemas, neutralizar essas clivagens e
dirimir esses conflitos de maneira eficaz e coerente – mesmo expandindo seus serviços, suas
estruturas burocráticas e seus instrumentos de intervenção, em nome do aumento de sua
capacidade de direção, coordenação, filtragem, seleção e desempenho (FARIA, José Eduardo. O
Direito na economia globalizada. São Paulo: Malheiros, 2004. p. 117).
139
O que importa verificar, inicialmente, na construção de Montesquieu, é o fato de que não cogita de
uma efetiva „separação de poderes‟, mas sim de uma distinção entre eles, que, não obstante,
devem atuar em clima de equilíbrio. Isso fica bastante nítido na análise de outro trecho de sua
obra: „Eis, assim, a constituição fundamental do governo de que falamos. O corpo legislativo sendo
composto de duas partes, uma paralisará a outra por sua mútua faculdade de impedir. Todas as
duas serão paralisadas pelo Poder Executivo, que o será, por sua vez, pelo Poder Legislativo.
Estes três poderes deveriam formar uma pausa ou uma inação. Mas como, pelo movimento
necessário das coisas, eles são obrigados a caminhar de acordo (1973/161) (GRAU, Eros Roberto.
O Direito posto e o Direito pressuposto. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 230).
140
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 17ª ed. São Paulo: Malheiros,
2002, p. 114.
139
Neste conceito, os ramos do Poder são órgãos de um só corpo que se
consubstancia no Estado. O conceito de independência é apenas orgânico. Como se
cada poder fosse um órgão compondo como os outros um corpo tomado em sua
acepção de constituição animal, humana e metaforicamente.
Valendo-se de Clèmerson Merlin Clève141:
O que a doutrina liberal clássica pretende chamar de separação dos
poderes, todavia, não poderia consistir numa estratégia de partição de algo,
por natureza uno e indivisível. Tanto não poderia ser dividido que as
primeiras Constituições procuraram conciliar o pensamento de Rousseau
com aquele de Montesquieu. A separação de poderes corresponde a uma
divisão de tarefas estatais de atividades entre distintos órgãos, e aí sim,
autônomos órgãos assim denominados de poderes.
A esquematização de funções de Poder é uma questão mecânica que se
constitucionaliza, podendo mesmo ser institucionalizada por ensejos mesmo sociais
e tem assim conotação de meio e não acepção de fim, para fazer que o Poder que é
do povo, resulte em favor e benefício do povo.
O Poder é um sistema, em que os Poderes são sistemas interativos e
constitutivos dele, de que dependem e em que atuam em dinâmica permanente e
interdependente para fazê-lo mover-se pelo Estado.
Conclui-se com André Ramos Tavares142:
A doutrina da separação dos poderes serve atualmente como uma técnica
de arranjo da estrutura política do Estado, implicando a distribuição por
diversos órgãos de forma não exclusiva, permitindo o controle recíproco,
tendo em vista a manutenção das garantias individuais consagradas no
decorrer do desenvolvimento humano.
7.5
Sistema de Governo
Governo é o concerto dos órgãos e Poderes do Estado. Consubstancia ideia
e ação coordenadas para a eleição, execução e concretização de políticas públicas
pelo direcionamento e comando da dinâmica do aparelho do Estado, nos termos da
141
CLÈVE, Clèmerson Merlin. Atividade legislativa do Poder Executivo no Estado
contemporâneo e na Constituição de 1988. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993. p. 27.
142
TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 1.027.
140
ordem jurídica constituída a quem assegura e sob a qual atua para a garantia do
bem estar social.
Em sentido formal, é o conjunto de Poderes e órgãos constitucionais; em
sentido material, é o complexo de funções estatais básicas; em sentido
operacional, é a condução política dos negócios públicos. Na verdade, o
Governo ora se identifica com os Poderes e órgãos supremos do Estado,
ora se apresenta nas funções originárias desses Poderes e órgãos como
manifestação da Soberania. A constante, porém, do Governo é a sua
expressão política de comando, de iniciativa, de fixação de objetivos do
Estado e de manutenção da ordem jurídica vigente. O Governo atua
mediante atos de Soberania ou, pelos menos, de autonomia política na
143
condução dos negócios públicos.
Bobbio, Matteucci, Pasquino, Gianfranco, informam:
Numa primeira aproximação e com base num dos significados que o termo
tem na linguagem política corrente, pode-se definir Governo como o
conjunto de pessoas que exercem o poder político e que determinam a
orientação política de uma determinada sociedade. É preciso, porém,
acrescentar que o poder de Governo, sendo habitualmente
institucionalizado, sobretudo na sociedade moderna, está normalmente
associado à noção de Estado. Por conseqüência, pela expressão
„governantes‟ se entende o conjunto de pessoas que governam o Estado e
pela de „governados‟, o grupo de pessoas que estão sujeitas ao poder de
Governo na esfera estatal. Só em casos excepcionais, quando as
instituições estão em crise, o Governo tem caráter carismático e sua eficácia
depende do prestígio, do ascendente e das qualidades pessoais do chefe
do Governo.
Existe uma segunda acepção do termo Governo mais próxima da realidade
do Estado moderno, a qual não indica apenas o conjunto de pessoas que
detêm o poder de Governo, mas o complexo dos órgãos que
institucionalmente têm o exercício do poder. Neste sentido, o Governo
constitui um aspecto de Estado. Na verdade, entre as instituições estatais
que organizam a política da sociedade e que, em seu conjunto, constituem
o que habitualmente é definido como regime político as que têm a missão
de exprimir a orientação política do Estado são os órgãos do Governo.
O significado que a palavra Governo tem na língua italiana difere da que a
palavra „government‟ tem nos países anglo-saxônicos. Com efeito, esta
última significa, grosso modo, o que no continente europeu se designa com
a expressão REGIME POLÍTICO (v.) e tem portanto uma acepção muito
mais ampla do termo Governo, enquanto, para indicar o que nós
entendemos com a palavra Governo, na língua inglesa se usam outros
termos como „cabinet‟ na Grã-Bretanha e „administration‟ nos Estados
Unidos.
Ainda que sob a influencia do uso anglo-saxônico, em muitos estudos
políticos publicados na Europa continental tem sido, também,
freqüentemente usada a noção amplo do termo Governo, parecendo
oportuno reenviar, para este conceito, ao verbete REGIME POLÍTICO (v.) e
definir o Governo na acepção mais limitada proposta antecedentemente, por
144
estar mais de acordo com a linguagem corrente.
143
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 65.
BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de Política. Brasília:
Universidade de Brasília, 1983. v. 1, p. 553.
144
141
De Plácido e Silva145 dá o significado de que Governo pode ser Poder
Executivo.
Igualmente, nesta dissertação é este o sentido do fonema.
Os sistemas de governo são formas de governar, em torno dos quais se
relacionam os órgãos do Estado146 para a sua direção e condução, tendente a
realização de seus fins.147
Na verdade, é tradicional definir juridicamente um sistema de governo pela
posição recíproca dos poderes e por suas relações no processo
governamental. De fato, o que se chama juridicamente de sistema de
governo nada mais é senão a marcha conjunta dos órgãos do Estado para
atenderem aos fins deste, segundo as prescrições legais. Assim, o estudo
dos sistemas de governo está para o direito como a dinâmica está para a
148
física.
Os sistemas de governos em geral classificam-se por variados critérios.
José Joaquim Gomes Canotilho149 aponta cinco formas de governo a
estudar:
(I) Estrutura da forma de governo dualista monárquico-representativa; (II)
Estrutura da forma de governo parlamentar; (III) Estrutura da forma de
governo presidencial, (IV) Estrutura da forma de governo directorial, (V)
Estrutura mista parlamentar – presidencial e conclui:
Alguns autores consideram redutora a alusão acrítica ao sistema
presidencialista. Não há um regime ou sistema presidencialista. A matriz
originária (a matriz presidencialista americana) sofre tantos desvios que o
melhor será falar de “presidencialismos”. O presidencialismo latinoamericano é o exemplo mais significativo.
Embora com especificidades nos vários estados latino-americanos, o
sistema presidencialista destes estados acentua disfunções políticoorganizativas: (1) os amplos poderes do Presidente, ordinários e
extraordinários, derivados do facto de o Presidente ser, ao mesmo tempo,
Chefe de Estado e Chefe do Governo, alicerçam uma confusão e
concentração de poderes executivos e legislativos (ex.: as medidas
provisórias no sistema presidencialista brasileiro); (2) esta confusão e
concentração perturba o sistema de cheks and balances, o que conduz à
insuficiência notória de controles institucionais (por parte, por ex., do
parlamento ou do poder judiciário sobre os actos presidenciais). Daí a
145
SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. Rio de Janeiro: Forense, 2008. p. 662.
MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional. Coimbra: Coimbra, 2004. Tomo III, p. 395.
147
FERREIRA, Luiz Pinto. Governo. Enciclopédia Saraiva de Direito. São Paulo: Saraiva, 1977. v.
40, p. 27.
148
FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva,
2006. p. 138.
149
CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. Coimbra: Almedina,
2003. p. 582-592.
146
142
designação deste presidencialismo como “cesarismo representativo” ou
150
“centralismo presidencialista”.
Na primeira hipótese de classificação, Canotilho aponta o valor histórico da
forma de governo dualista monárquico-representativa; na segunda, fala do regime
parlamentar, que denomina regime parlamentar maioritário (abrangendo aí, o regime
monárquico e republicano), na terceira, trata do presidencialismo em que se orienta
pelo presidencialismo norte-americano, com destaque dentro do campo desta
qualificação para o presidencialismo latino-americano, na quarta, do diretorial, que é
o modelo da Federação Suíça, no quinto, das formas de governo semipresidencialista cujas características ordena, como seguem:
Iremos analisar desenvolvidamente o modelo português. Aqui basta a
menção dos traços estruturais das formas de governo semipresidencialistas.
São as seguintes: (1) dois órgãos (presidente da república e o parlamento)
eleitos por sufrágio directo; (2) dupla responsabilidade do governo
(gabinete) perante o presidente da república e perante o parlamento; (3)
dissolução do parlamento por decisão e iniciativa autónomas do presidente
da república (diferentemente do que existe quer no regime presidencial quer
no regime parlamentar); (4) configuração do gabinete como órgão
constitucional autônomo (diversamente do regime presidencial e
analogamente ao regime parlamentar); (5) presidente da república com
poderes de direcção política próprios (à semelhança do regime presidencial,
151
mas diversamente do regime parlamentar).
Manoel Gonçalves Ferreira Filho consta como sistema de governo o
presidencialismo, o parlamentarismo e o sistema diretorial.152
Aponta que o regime diretorial é o regime em que o vértice do Poder se
encontra posto na Assembléia, que é o órgão máximo de deliberação e governo.
Sendo o regime vigente na Suíça em que está o único exemplo indiscutível de sua
aplicação. Outrora vigente na antiga URSS.
O senso de Governo nesta hipótese está posto em Poder Executivo.
Destaca-se em Jorge Miranda, o seguinte:
I – No plano jurídico-constitucional, quando se pensa em sistema de
governo têm-se em mente três grandes conceitos jurídicos (para além de
outros menos relevantes que poderiam ser citados):
150
CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. Coimbra: Almedina,
2003. p. 588.
151
Ibid., p. 591.
152
FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva,
2006. P. 140-153.
143
a) O da separação dos poderes, no sentido de especialização orgânicofuncional, paralelamente à fiscalização ou à colaboração dos vários
órgãos para a prática de actos da mesma função;
b) O da dependência, independência ou interdependência dos órgãos
quanto às condições de subsistência dos seus titulares ou quanto ao
modo como certo órgão vem a projectar-se na composição concreta de
outro órgão (o modo, por exemplo, como determinado órgão determina
ou escolhe os titulares de outro órgão ou vem a determinar a cessação
das suas funções);
c) Como conceito aí compreendido, mas que adquire autonomia, o conceito
de responsabilidade política – de responsabilidade política de um órgão
153
ou dos titulares de um órgão perante outro órgão.
Estes referenciais de especialização orgânico-funcional, de dependência,
independência ou interdependência e de responsabilidade política, são critérios
elementares suficientes a qualificar os sistemas de Poder, dependendo de como
varie o grau de intensidade deles no contexto das ações do Governo.
Disto resultam alguns pontos importantes para a compreensão dos sistemas
de governo postos como meios de movimentação da máquina do Poder.
As noções de limite e de responsabilidade de ação dos Poderes como
norteadores tanto da divisão funcional deles no âmbito do Estado como de sua
operacionalização, em nível de governo, para a consecução de seus fins.
O cerne da questão está em saber quem faz o quê e para quê e quem
responde e como responde pelo que fez e a quem, considerada a função de um
ramo do poder tripartido, posta no âmbito do Poder, sob a ótica de Montesquieu.
Assim de maneira pragmática os sistemas de governo podem ser
considerados bipartidos em parlamentarismo e presidencialismo, na visão exposta
por Araujo e Nunes Júnior154,
Em primeiro lugar, é oportuno lembrar que os regimes de governo não
devem ser confundidos com as formas de governo.
As formas de governo dizem respeito à estruturação do Estado, vale dizer,
aos pressupostos sociológicos e políticos que se voltam para a direção e a
condução do Estado. Na atualidade, a moderna doutrina cogita
exclusivamente de duas formas de governo: a Monarquia e a República. A
primeira toma como base a vocação hereditária, atribuindo-se ao monarca,
ao menos a chefia do Estado. A segunda tem como parâmetro a eletividade,
153
MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional. Coimbra: Coimbra, 2004. Tomo III, p. 396.
ARAÚJO, Luiz Alberto David; NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso de Direito Constitucional.
São Paulo: Saraiva, 2006. p. 319.
154
144
a alternância de pessoas no poder, a responsabilidade dos governantes e a
igualdade formal. Proíbem-se, por exemplo, privilégios em razão da
nobreza.
Não é esse, porém, o objetivo de nosso estudo.
Cogitamos aqui regimes de governo, ou seja, o processo de gestão deste,
quer dentro de uma estrutura estatal de Monarquia, quer de República. Os
regimes de governo são, basicamente, bipartidos em parlamentarismo e
presidencialismo.
Esta postura é coerente com as classificações de sistema ou regime de
governo, ou seja, classificações relativas ao processo de gestão dele, ordenadas
pelos autores antes citados, José Joaquim Gomes Canotilho e Manoel Gonçalves
Ferreira Filho.
É que estes destacam como mais usuais o sistema presidencialista e
parlamentarista de governo155 e sem dúvida, como se verá a seguir, os parâmetros
de conformação destes sistemas gravitam em torno dos três grandes conceitos
jurídicos que no plano jurídico constitucional se deve ter em mente ao considerar um
sistema de governo, na visão de Jorge Miranda.
155
Observa-se que em Canotilho os demais sistemas de governo são variações entre
Presidencialismo e Parlamentarismo considerando-se ainda que a referência à estrutura de
governo dualista monárquico-representativa é tão somente história, o que denota o desuso desta
matriz. Já em Manuel Gonçalves Ferreira Filho, é ele quem diz da exclusividade suíça quanto ao
uso do sistema diretorial. Por isso que neste trabalho é que se considera apenas o
Presidencialismo e o Parlamentarismo. Porque seu objetivo é a realidade concreta da medida em
que o instituto da medida provisória é um instrumento para o conflito entre os poderes. Já que as
suas hipóteses de utilização no Brasil levariam em conta apenas estes dois sistemas,
Parlamentarismo ou Presidencialismo. É sabido que foi à última hora que a Assembléia Nacional
Constituinte lançou mão desse substituto do antigo decreto-lei, julgando poder impedir o seu
abusivo emprego graças ao modelo inspirado pela Constituição Italiana. Assim teria ocorrido,
provavelmente, se tivesse sido mantido o regime parlamentar que de início norteava os trabalhos
constituintes, mas é também sabido que, sob a pressão conservadora do chamado-Centrão,
aquele plano gorou, ficando indefinido nosso „sistema de poder‟, o qual deixou de ser parlamentar
sem chegar a ser presidencialista, por não ter havido tempo para rever as atribuições
originariamente conferidas ao Congresso Nacional, no pressuposto da implantação do
parlamentarismo. Ora, a medida provisória é uma figura legislativa própria do regime parlamentar;
compreendendo-se que ela seja outorgada ao Primeiro-Ministro, por ser este uma projeção das
forças dominantes na Câmara dos Deputados, e merecer, por conseguinte, a sua confiança,
havendo, por isso, tendência natural à sua aprovação dentro de curto prazo (REALE, Miguel.
Subterrâneo da medida provisória. O Estado de São Paulo, São Paulo, p. A2, 07 jul. 2001).
145
7.6
Parlamentarismo
Aponta Paulo Bonavides156 que: “A forma parlamentar de governo é um
momento dialético na história das idéias, no compasso das instituições políticas.
Ninguém fez o parlamentarismo, como ninguém poderá fazer o rei da Inglaterra com
suas prerrogativas ou sem estas”.
A teoria do Parlamentarismo – a ver deste constitucionalista – esteia-se em
princípios, sem dúvida que se urdem na prática dos governos e criações
parlamentaristas do ponto de vista político157, mas, como complementa, citando
Burdeau, há a cristalização do governo parlamentar, em uma teoria jurídica.
Marca o Parlamentarismo em primeiro lugar, de acordo com esta opinião
abalizada do jurista cearense, com suporte em Boutmy, Duguit e Burdeau, o
princípio da igualdade do Poder Legislativo e do Poder Executivo, em seguida o
princípio da colaboração desses dois poderes, finalmente os meios de ação, que
cada um destes poderes desenvolve sobre o outro.
Entretanto, para ainda teorizar sobre o Parlamentarismo, no que chama de
sua arquitetura conceitual, destaca duas outras notas de identificação e sustentação
do instituto: (i) a dualidade executiva e (ii) o bicameralismo.
156
BONAVIDES, Paulo. Teoria do Estado. Rio de Janeiro: Forense, 1980. p. 71-75.
Conforme MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional. Coimbra: Coimbra, 2004. Tomo I,
p. 135-136:
40. O governo parlamentar britânico.
I - O princípio fundamental da organização política britânica é o princípio da soberania ou
supremacia do Parlamento.
A ele se liga desde há 200 anos um sistema de governo parlamentar, na medida em que o
Parlamento (referido agora apenas, no sentido corrente do termo, às duas Câmaras) é o centro da
vida política, os Ministros respondem perante ele e as orientações políticas do País correspondem
às da maioria (na Câmara dos Lordes, durante o século XVIII, e na Câmara dos Comuns, desde o
século XIX).
A revolução de 1688 não se traduzia, necessariamente, nem se traduziu logo na formação de um
sistema com essas características essenciais. Para que isso acontecesse tiveram de ocorrer ainda
três eventos decisivos: em primeiro lugar, o relevo assumido na primeira metade do século XVIII
pelo Gabinete (que remontava a cerca de 100 anos antes, como grupo de individualidades mais
influentes do Conselho Privativo, reunidas à margem deste para se ocuparem de questões políticas
de maior vulto), tornado órgão autônomo de colaboração entre o Rei e o Parlamento; em segundo
lugar, o subseqüente aparecimento da figura do Primeiro-Ministro, para, por seu turno, estabelecer
a ligação do rei com o gabinete; e em terceiro lugar, mais tarde, a transformação da
responsabilidade dos Ministros perante o Parlamento de criminal em política por, para evitar o
impeachment, os Ministros preferiram-se demitir-se, quando objecto de votos desfavoráveis.
Hoje, governo parlamentar na Grã-Bretanha significa sistema em que o Gabinete, o Governo, é
emanação da Câmara dos Comuns, responde perante ela e depende da sua confiança para
exercer o poder.
157
146
Insiste que a igualdade do executivo e do legislativo é nota marcante na teoria
parlamentar. Não obstante identificar interdependência em alguns pontos de
relacionamento entre os dois poderes, no que aponta ser a igualdade deles,
Bonavides afirma a independência formal entre eles, sustentada factualmente na
existência de um Chefe de Estado, que dirige o Poder Executivo, distinto de um
Chefe de Governo, que operacionaliza a administração, responsável por seu destino
em face do Parlamento, ao contrário do Chefe de Estado que ante o Poder
Legislativo, por nada tem a responder.
Comenta que o Chefe de Governo forma o gabinete e aduz a dualidade
executiva, seccionada pelo critério da responsabilidade, que o Chefe de Estado não
tem em face do Parlamento e o Chefe de Governo tem em que estaria o ponto de
engrenagem158 entre os Poderes, para gestão do aparelho estatal, observando:
Dualidade executiva, sim, porque de um lado temos o Chefe de Estado,
simbolizando a unidade nacional, encarnando a solidariedade política e social no
Estado, e, do mesmo passo, afirmando com sua irresponsabilidade política, a
independência do executivo em face do legislativo, e, do outro lado, dentro dessa
mesma órbita executiva, o ministério responsável, o ministério como a segunda arma
do poder executivo, como seu complemento mais importante, como sua ramificação
política por excelência. Responde o gabinete perante o Parlamento e traduz, com
sua própria existência, a grande ênfase, a nota tônica da origem democrática do
poder, do funcionamento efetivo das instituições representativas.
Na outra nota com que retrata o instituto, este autor coloca o bicameralismo,
como ponto de equilíbrio entre os interesses diversos da maioria e da minoria.
158
Faltou dizer que os poderes se engrenam na medida em que o Gabinete ou o Primeiro-Ministro é
nomeado pelo Chefe de Estado. Conferir com Canotilho. CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito
Constitucional e Teoria da Constituição. Coimbra: Almedina, 2003. p. 583. A forma de governo
parlamentar assume também várias expressões concretas, mas existem traços estruturantes que
se podem sintetizar em três idéias: (1) „responsabilidade‟ do gabinete perante o parlamento; o
gabinete ou o primeiro-ministro é nomeado pelo chefe de estado (rei ou presidente da república),
mas deve, antes, obter a confiança do parlamento, havendo a obrigação de demitir-se no caso de
aprovação de moções de censura ou de rejeição de votos de confiança; (2) „dissolução‟ do
parlamento pelo chefe de estado, sob proposta do gabinete (do primeiro-ministro), ou seja, a
dissolução é feita por decreto presidencial ou real (consoante se trate de república ou monarquia),
mas trata-se de um acto de iniciativa do gabinete que assume a responsabilidade política do
mesmo através da referenda (dissolução ministerial ou governamental); (3) eleição (no caso de se
tratar de regime republicano) do presidente da república pelo parlamento, sem relevantes funções
de direcção política mas com um estudo constitucional de „irresponsabilidade‟ política perante o
mesmo.
147
Na medida em que esta estrutura cria no interior do Poder Legislativo, um
contrapeso que harmoniza estas divergências, conciliando, na passagem dos temas
pelas duas câmaras, atritos e fricções ocasionais. Os quais não seriam coerentes
com as tendências de opinião públicas identificadas pelos critérios de constituição
dos blocos e estamentos, que os representariam no Parlamento.
Com acuidade destaca, no entanto, que a nota marcante do Parlamentarismo
está em seus meios de ação como sistema de governo, consistente no controle do
Parlamento sobre o Gabinete e consequentemente sobre o Ministério e a
possibilidade de sua dissolução, em que estaria a suprema virtude do regime, a
possibilitar a concretização do princípio constitucional da autenticidade da
representação, cada vez que cessado no Parlamento o equilíbrio de forças
necessário a direcionar e conduzir a gestão do gabinete.
Na busca permanente da ratificação eleitoral dos temas, estaria a virtude
fundamental do Parlamentarismo, na medida em que o voto e a aferição do voto
majoritário definiriam o critério para a gestão do Estado.
Em outra obra, Paulo Bonavides159 arremata:
No parlamentarismo os Poderes se aproximam e se coordenam para o
desempenho da tarefa harmônica de governo, sem maior rivalidade ou
ressentimento. De antemão já se sabe que quem governa é o ministério,
sob a chefia responsável de um primeiro-ministro. E governa unicamente
enquanto mantiver a confiança da maioria parlamentar. A conexidade
política do governo com o Parlamento se faz tão íntima e estreita pelo
instituto da responsabilidade ministerial que, embora distintos os dois
Poderes, como determina a doutrina, não se acham separados por um
fosso de hostilidades e ambições como no presidencialismo, mas antes
predispostos a se moverem de par na unidade que a confiança majoritária
lhes confere no Parlamento.
159
BONAVIDES, Paulo. Constituinte e Constituição. São Paulo: Malheiros, 2010. p. 133.
148
7.7
Presidencialismo
O regime presidencialista encontra origens na história norte-americana.160
Não é um processo definido em ato da prática política.
Também não foi cristalizado institucionalmente pelo confronto paulatino de
instituições sociais, como aconteceu com o Parlamentarismo em sua matriz inglesa.
É um complexo jurídico com finalidades políticas, para direcionar e conduzir o
Estado, que se estrutura em caráter pioneiro em molde de constituição escrita.
Assim o Presidencialismo é mais fácil de ser caracterizado do que o
Parlamentarismo apesar das variações de suas características institucionais básicas,
como já vistas que o podem conformar particularmente como um presidencialismo
latino-americano ou como um tipo híbrido de presidencialismo e parlamentarismo,
como é o considerado para o atual regime constitucional português.
Isto porque enquanto a conformação do Parlamentarismo encontra disciplina
em multiplicidades de leis – nas quais estão suas marcas características, de
individualização, principalmente postas na responsabilidade do Governo em face do
Parlamento e na possibilidade de dissolução assemblear em caso de impossível
configuração da maioria parlamentar necessária à formação do primeiro – o
Presidencialismo promana da literalidade da Constituição norte-americana.
Manoel Gonçalves Ferreira Filho161 entende-o como criação racional e
consciente de uma assembléia constituinte, reunida na Convenção de Filadélfia,
conotando-o como versão republicana da monarquia limitada ou constitucional,
instaurada na Grã Bretanha pela Revolução de 1688. Com a peculiaridade de ter-se
colocado um cidadão no lugar do rei, eis que nobreza ou dinastia inexistia na
América e a cidadania era própria do súdito do novo Estado.
160
Parece ter sido Walter Bagehot que, no seu célebre livro „The English Constitution‟ (1867), se
referia pela primeira vez à forma de governo dos Estados Unidos como „governo presidencial‟
(Presidential government) para a contrapor à forma de governo inglesa por ele designado de
„governo de gabinete‟ (CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da
Constituição. Coimbra: Almedina, 2003. p. 585).
161
FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva,
2006. p. 140.
149
De fato, emerge o Presidencialismo de um regime de separação de poderes
em que a partir da Revolução de 1688, instituíra-se uma separação entre o
Gabinete, o Parlamento e a Coroa. Sem autonomizar, como já se viu o Judiciário.
Mas exprime-se sua feição diferentemente do complexo molde de Governo
inglês, por Executivo (destinado ao governo), por Legislativo artífice da lei, sem
dúvida que ademais dotado de poderes de fiscalização, controle e representação
(assim conformado de acordo com o núcleo característico da atividade parlamentar)
e por Judiciário dotado da prerrogativa de julgar. Todos eles organicamente
autônomos. Funcionalmente interdependentes.
Contudo embora constituído nestes termos formais, aperfeiçoou-se o sistema
presidencialista, na pratica, igualmente, como o sistema parlamentarista inglês.
Equilibrando-se os poderes entre si e limitando-se mutuamente.
De sorte a ajustarem-se entre si, cada um deles, um limitando o abuso de
ação do outro, em combinações de ações conjuntas ou corretivas de rumos de ação
abusiva entre eles, para o ordenamento orgânico deles.
Assim estes Poderes, de um para o outro ou de uns para outro ou ainda de
outros para um, em combinações possíveis que são as mais variadas, terminam
acomodados em sistema congruente e concatenado de operações que processam
para a consecução de seus fins.
Realizam as funções do Estado, em processo interdependente de ação,
compatibilização e concatenação de funções, não estanques, a que se denomina
checks and balances e que se equilibram pelo judicial review, instituto em que está a
prerrogativa funcional do Judiciário em harmonizar a ação dos poderes pela
jurisdição da Suprema Corte e pela acomodação da ação deles à Constituição. Para
contenção dos seus abusos de atuação que os podem confrontar, levando um deles
a preponderar sobre o outro, tolhendo-lhe a autonomia das funções e para ajustá-los
todos enquanto engrenagem do sistema de governo parametrizado pela ordem
constitucional.
É Jorge Miranda, quem o diz:
150
O presidencialismo surgiu com a Constituição dos Estados Unidos e só aí
tem sido verdadeiramente aplicado e funcionado eficaz e pacificamente.
Para lá da influência dos doutrinários, alguns factores históricos explicam
bem a sua instauração: a experiência colonial, com governadores
nomeados pela Coroa britânica e assembléias electivas: a tendência natural
para conceber o Presidente à imagem do Rei de Inglaterra (no século XVIII
ainda exercendo a „prerrogativa‟); a vontade dos pais da Constituição de
evitarem tanto o despotismo de um homem só como os vícios das
assembléias soberanas.
Em dois séculos de história e apesar de da sua complexa realização – pois
implica dois centros de poder, ao contrário do parlamentarismo – o sistema
revelou-se adequado às necessidades e aos problemas. Mesmo nas
ocasiões em que o partido do Presidente não tem disposto de maioria no
Congresso, os conflitos entre Executivo e Legislativo têm sido vencidos sem
crises institucionais, mercê da flexibilidade dos partidos americanos e da
homogeneidade fundamental do meio político e social (a despeito da
diversidade étnica e econômica).
Por certo aumentaram os poderes do Presidente (particularmente na área
legislativa e na internacional); mas também os do Congresso noutros
sentidos (assim, a importância adquirida pelas comissões senatoriais) e,
desde 1951, o Presidente não pode ser eleito para terceiro mandato
consecutivo. Numa perspectiva mais larga, dir-se-ia tudo se conduzir a uma
constante redistribuição de poder, numa relação cíclica de maior ou menor
ascendente de um ou outro órgão (e do Supremo Tribunal dos Estados
162
Unidos).
Há um modelo de governo presidencialista e este modelo está no
presidencialismo norte-americano, que sem dúvida é peculiar. Mas dele é que se tira
a marca do sistema.
Assim, Araújo e Nunes Júnior, relacionam algumas características básicas do
Presidencialismo:
a) a chefia de governo e a chefia de Estado ficam concentradas nas mãos
de uma única pessoa: Presidente da República;
b) o Presidente da República é eleito para mandato determinado, não
respondendo, ordinariamente, perante o Poder Legislativo;
c)
o Presidente da República possui ampla liberdade para a formação de
seu ministério;
d) o Parlamento, de igual forma, não pode ser dissolvido por convocação
de eleições gerais pelo Poder Executivo;
e) só é compatível com a República, sendo inviável em uma Monarquia.
162
MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional. Coimbra: Coimbra, 2003. Tomo I, p. 154.
151
Mas este rol – ainda considerado Jorge Miranda163 – exige complemento haja
vista que alguns contornos do sistema extraídos do presidencialismo norteamericano podem compor as características gerais de um sistema presidencialista.
São eles:
– Parlamento bicameral, Poder Legislativo composto por Senado e pela
Câmara de Representantes, que formam o Congresso Nacional;
– independência recíproca dos titulares de cargos no Poder Executivo e no
Poder Legislativo, não podendo exercer cargo no Poder Executivo quem
exercer cargo no Poder Legislativo e vice-versa;
– impeachment ou sujeição do Presidente a responsabilidade criminal por
exclusiva deliberação do Congresso, por maioria qualificada de dois terços
de seus membros;
– interdependência funcional, com mútua colaboração e fiscalização – veto
presidencial das leis (somente superável por maioria de 2/3) e mensagens
do Presidente ao Congresso, por um lado, e autorizações e aprovações
relativas a nomeações para altos cargos, a tratados e a créditos
orçamentais, bem como comissões de crédito, por outro lado, do
Congresso para o Presidente da República;
– atribuição ao Presidente da República, sobretudo, de faculdade de
impulsão ou iniciativa do Governo (donde, os termos governo presidencial
ou presidencialismo) e ao Congresso de faculdades de deliberação (o
Presidente marca as grandes decisões do seu mandato, mas está sob a
constante vigilância e influência efetiva do Congresso).
Com tudo isto, para compreensão deste sistema de governo, ainda falta
destacar como característica do Presidencialismo a harmonização das funções
interdependentes do Poder pelo judicial review.
163
As características do presidencialismo que seguem no próximo parágrafo foram sintetizadas a
partir de exposição de MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional. Coimbra: Coimbra,
2003. Tomo I, p. 153.
152
Enquanto este, no Presidencialismo possibilita o ponto de superação de
possíveis incongruências na operacionalização conjunta de todas as funções do
Poder para impulsionar o Estado.
7.8
Conceito de Conflito entre Poderes
A cláusula-parâmetro por excelência para a aplicação do princípio da
separação de poderes, onde o princípio é constitucionalmente adotado
como base de um sistema presidencialista, é, e ainda continua a ser, a
cláusula da „independência e harmonia‟ entre os poderes. Isto significa dizer
que, no desdobramento constitucional do esquema de poderes, haverá um
mínimo e um máximo de independência de cada órgão de poder, sob pena
de se desfigurar a separação, e haverá, também, um número mínimo e um
máximo de instrumentos que favoreçam o exercício harmônico dos poderes,
sob pena de, inexistindo limites, um poder se sobrepor ao outro poder, ao
164
invés de, entre eles, se formar uma atuação “de concerto”.
Vê-se, então, que no considerado desdobramento constitucional do esquema
de poderes há determinantes intrínsecos da independência de cada órgão de Poder,
que estão postos em seus elementos constitutivos, dentre os quais avulta a
competência.
Também determinantes extrínsecos que são os que dependem dos
instrumentos deles distintos e que possam assegurar essa independência, enquanto
resultantes de ações que emanadas do campo de um Poder, promanam para o
campo do outro, para limitar-lhe o abuso.
No primeiro caso, o máximo de independência entre os Poderes está no
campo da atribuição das competências exclusivas dos Poderes. Naqueles atos cuja
prática é de competência exclusiva de cada um deles, por expressa outorga
constitucional.
Neste caso encontram-se os atos de competência exclusiva do Congresso
Nacional, os atos de competência privativa do Presidente da República, o exercício
da judicatura pelo Poder Judiciário ou a competência privativa dos tribunais, que se
inserem no espaço restrito da atuação de cada um dos Poderes, corporificando os
164
FERRAZ, Anna Cândida da Cunha. Conflito entre Poderes. São Paulo: Revista dos Tribunais,
1994. p. 14.
153
atos que não podem ser praticados pelo outro, mas apenas e exclusivamente por
aquele Poder a quem a Constituição atribuiu a prerrogativa de praticá-lo.
Estes atos se aperfeiçoam pela consumação de seu processo de composição
pela ação só e autônoma do Poder que o cria.
Dir-se-ia, então, que na prática dos atos de competência originária exprime-se
a independência dos Poderes em seu grau máximo.
Entretanto, há atos jurídicos que por força de disposição constitucional, um
Poder não é suficientemente apto a aperfeiçoá-los de maneira a dotá-los das
características de um ente acabado, sem o concurso de outro.
No processo de formação destes atos é que está identificado o grau mínimo
de independência de um Poder. Como, por exemplo, no processo legislativo, em que
atuam o Poder Legislativo e o Poder Executivo para configurar a lei.
Nos diversos procedimentos que compõem o processo legislativo, de
iniciativa parlamentar, o Poder Legislativo é suficiente isoladamente, para discutir e
votar a lei, enquanto o Poder Executivo é capacitado apenas para sancioná-la e
promulgá-la. Da atuação de ambos compõe-se o ato complexo que é o processo
legislativo, em que se faz a lei.
Pode-se então dizer que no campo em que o Poder Legislativo atua ao
produzir um procedimento do processo legislativo, ele age preservando para si um
grau mínimo de autonomia.
Como ainda observa Anna Cândida da Cunha Ferraz, a autonomia é a
liberdade do Poder, escolher os meios e o momento de atuar suas funções próprias,
como segue:
Ensina Ferreira Filho que a “separação de poderes” consiste em distinguir
três funções estatais – legislação, administração e jurisdição
– e atribuí-las a três órgãos, ou grupo de órgãos que, reciprocamente
autônomos, as exercerão com exclusividade, ou ao menos
preponderantemente. Isto assim posto equivale a dizer que ao Poder
Legislativo
cabe
legislar,
senão
exclusivamente,
ao
menos
preponderantemente; ao Executivo administrar, se não com exclusividade,
ao menos com preponderância, e ao Judiciário julgar, se não
exclusivamente, ao menos preponderantemente. Mas também equivale a
dizer que há, necessariamente, um núcleo de matérias próprias de cada
poder, matérias afetas ao exercício exclusivo, independente e autônomo do
154
poder considerado. Por outro lado, a “autonomia” recíproca entre os órgãos
pressupõe que cada qual exerça sua função sem “vassalagem” ao outro
poder, sem necessidade de pedir “autorização” para exercê-la. Vale dizer,
cada “poder” tem liberdade para escolher os meios e o momento de atuar
suas funções próprias; somente deste modo é possível concretizar o ideal
165
preconizado por Montesquieu, de limitação do poder pelo poder.
No que tange aos instrumentos mínimos para favorecer o exercício harmônico
dos Poderes, em primeiro lugar, denote-se que:
São esses alguns exemplos apenas do mecanismo dos freios e
contrapesos, caracterizador da harmonia, que não significa nem o domínio
de um pelo outro nem a usurpação de atribuições, mas a verificação de que,
entre eles, há de haver consciente colaboração e controle recíproco (que,
166
aliás, integra o mecanismo), para evitar distorções e desmandos.
Em segundo lugar, o instrumento máximo a favorecer o exercício harmônico
dos Poderes é o controle de constitucionalidade porque há necessidade da
intervenção de outro Poder, para restabelecer o equilíbrio entre os poderes
confrontados ou em conflito.
Assim, confira-se:
(...) Impossibilidade de reedição, na mesma sessão legislativa, de medida
provisória revogada. Tese contrária importaria violação do princípio da
Separação de Poderes, na medida em que o Presidente da República
passaria, com tais expedientes revocatório-reedicionais de medidas
provisórias, a organizar e operacionalizar a pauta dos trabalhos legislativos.
Pauta que se inscreve no âmbito do funcionamento da Câmara dos
Deputados e do Senado Federal e, por isso mesmo, matéria de
competência privativa dessas duas Casas Legislativas (inciso IV do art. 51 e
inciso XIII do art. 52, ambos da CF/88) (...) (ADI-MC 3.964/DF, Rel. Min.
167
Carlos Britto, j. 12-12-2007, DJ,10-4-2008).
Citando José Afonso da Silva, Anna Cândida da Cunha Ferraz fornece o
conceito adequado para o confronto:
Tudo isto demonstra que os trabalhos do Legislativo e do Executivo,
especialmente, mas também do Judiciário, só se desenvolverão a bom
termo, se esses órgãos se subordinarem ao princípio da harmonia, que não
significa „nem o domínio de um pelo outro nem a usurpação de atribuições‟,
mas a verificação de que, entre eles, há de haver consciente colaboração e
controle recíproco (que aliás integra o mecanismo), para evitar distorções e
165
FERRAZ, Anna Cândida da Cunha. Conflito entre Poderes. São Paulo: Revista dos Tribunais,
1994. p. 40.
166
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros, 2000. p.
114-115.
167
Conferir em MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo
Gonet. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 964.
155
desmandos. A desarmonia, porém, se dá sempre que se acrescem as
168
atribuições, faculdades e prerrogativas de um em detrimento de outro.
Como se verifica no excerto do aresto citado, o Presidente da República pelo
expediente de reedição de medidas provisórias acresceu às suas atribuições, em
detrimento do Poder Legislativo, faculdade que era prerrogativa deste último,
consistente em organizar e operacionalizar a pauta dos trabalhos legislativos, em
que estava a usurpação de funções conseqüente do confronto entre os Poderes.
Eis, aí, o conceito de confronto entre Poderes, um impasse entre eles que
resulta na sobreposição de um Poder confrontante sobre o outro confrontado. Com o
que se desnatura o princípio constitucional da separação do Poder.
A situação existe quando os Poderes põem-se em situação de desarmonia,
justapostos e inerte, o Poder subordinado em face do Poder subordinante e sem se
engrenarem no sistema de operacionalização do Poder, a não ser pela ação de um
mecanismo especial de acomodação entre eles, como é o controle de
constitucionalidade, por exemplo.
7.9
O Fulcro do Conflito entre Poderes Ocasionado pela Medida Provisória
no Brasil
O conflito é o desajuste funcional entre os Poderes e ele se identifica não
apenas com a indevida invasão de área de um Poder na do outro, mas,
substancialmente, quando há sobreposição de um Poder sobre o outro. Passando o
Poder subordinante a emendar ou ditar conduta ao subordinado.
Exemplo expressivo de conflito de Poder encontra-se em obra de Anna
Cândida da Cunha Ferraz169, em que se aponta a inconstitucionalidade da atuação
corretiva do Poder Legislativo, para emendar e tolher o excesso de poder de
conduta do Poder Executivo, quando, não obstante em face do permissivo do artigo
49, inciso V, da Constituição, promove a supressão da rebarba do regulamento
abusivo ou da delegação exorbitante perpetrada por este último, na medida em que
168
FERRAZ, Anna Cândida da Cunha. Conflito entre Poderes. São Paulo: Revista dos Tribunais,
1994. p. 41.
169
Ibid., p. 211.
156
esta autora sustenta que tal correção deva caber ao Poder Judiciário, por via do
controle de constitucionalidade.
Assim houve na hipótese, sujeição evidente de um Poder a outro. Em
verdade, não apenas usurpação do Poder Judiciário, principalmente, porém,
redução do Poder Executivo à repreensão do Poder Legislativo, ultrapassando-se,
na circunstância considerada, o limite em que pudesse haver reequilíbrio do sistema
operacional de Poder, pelo ajuste que possibilitasse a compatibilização de ambos,
no concerto de harmonia em que eles deveriam atuar, por combinação recíproca e
espontânea.
É como se em uma orquestra em que os instrumentos de corda devessem ser
uníssonos, o som da viola fosse sobrepujado pelo do violino, em situação na qual
não a pudesse corrigir o maestro. Vindo, então, o próprio violeiro cortar as cordas do
violino, para que o violinista não continuasse a distorção, destoando do conjunto, o
que embora pudesse ser possível, significaria a extinção da orquestra, o que
inviabilizaria a consumação da sinfonia, que é a finalidade do conjunto.
Por consequência, o concerto entre os Poderes é isto, esta harmonia fina
entre as funções, a produção do som do conjunto pela sonorização congruente de
todos os seus órgãos, em promoção da grande sinfonia do equilíbrio político e da
harmonia social. Não obstante, em situação em que os órgãos do Poder existem
distintamente uns dos outros,
da mesma forma, como o violino existe
independentemente da viola, mas em que pese esta distinção, todos atuem
uníssonos no conjunto da orquestra.
Ruy Martins Alterfelder Silva170 escreve:
As Constituições brasileiras acolheram a tese montesquiana. A Harmonia e
Independência dos Poderes estaria sendo obedecida no momento
presente?
Vejamos: O Poder Executivo, com fundamento nos artigos 59-V e 62 da
Constituição Federal editou centenas de Medidas Provisórias, a maioria
delas sem os requisitos indispensáveis da Relevância e Urgência. O
Congresso Nacional teve suas pautas travadas, congestionadas,
paralisando os trabalhos, legislativos. E o que é mais grave: na tramitação
de muitas das Medidas Provisórias foram acolhidas Emendas que nada
tinham a ver com o cerne das mesmas, verdadeiras „emendas piratas‟
desnaturando a Medida Provisória que sucedeu o Decreto-Lei. É o
170
SILVA, Ruy Martins Alterfelder. Princípios fundamentais e harmonia dos Poderes. Informativo
IASP, São Paulo, n. 86, p. 26-27, 2010.
157
Executivo avançando na competência do Legislativo, editando Medidas
Provisórias, sem os requisitos constitucionais da relevância e urgência.
Felizmente, o deputado federal e jurista Michel Temer, em boa hora,
interpretou corretamente a questão do travamento da pauta do Congresso e
com apoio do Supremo Tribunal Federal, minorou os seus efeitos.
Na resposta a esta indagação, não há como negar a ruptura do concerto
inerente ao sistema de Poder tripartido.
Há nesta dicção a abordagem de uma questão de evidente conflito de Poder.
Traduzido na sobreposição do Poder Executivo sobre o Congresso Nacional, que
trava as pautas de funcionamento das casas congressuais. Uma obstrução, em
verdade e em suma, a disciplina de agenda que o primeiro impõe ao segundo. Sem
dúvida, que por desmesurada edição de medidas provisórias destituídas de seus
pressupostos de habilitação. Contudo, mais do que isto, pelo entrave que essa
situação ocasiona na pauta do Congresso Nacional, em face da disposição do § 6º,
do artigo 62, da Constituição da República Federativa do Brasil, que paralisa a
atividade do Congresso Nacional, se a medida provisória não for votada por ele, em
até 45 dias, subsequentemente em cada uma de suas casas.
Como já se noticiou no capítulo segundo deste trabalho, em que se procurou
dissertar sobre a condição de validade da medida provisória na nota 60, o
entendimento do Presidente da Câmara dos Deputados do Congresso Nacional,
interpretando o artigo 62, § 6º, da Constituição da República. No sentido de que o
travamento da pauta, em cumprimento do seu mandado, somente se pode dar em
votações
quanto
às
deliberações
legislativas
ordinárias,
apenas
naquelas
relacionadas ao campo material das medidas provisórias.
Como se sabe, o assunto está sub judice nos termos do mandado de
segurança nº 27.931-1, no Supremo Tribunal Federal sob a relatoria do Ministro
José Celso de Mello.171
171
Sobre o assunto escreveu o deputado Michel Temer: “Essa interpretação está, no momento,
submetida à análise do Supremo Tribunal Federal. Ressalto, porém, que estou fortemente
convencido desse entendimento. Com essa resolução, pretendo „levantar a cabeça‟ do Poder
Legislativo e mostrar que temos condições de dar uma interpretação constitucional conseqüente,
que nos permita dar efetividade ao processo legislativo. Reconheço a ousadia dessa decisão, mas
acredito que o Brasil e o Legislativo estão precisando dessa ousadia”. Igual ousadia espera-se que
tenha o Supremo Tribunal Federal, neste momento crucial para a história da Liberdade, no Brasil.
É preciso entender que o controle dos pressupostos de habilitação das medidas provisórias,
encarado como competência não excludente do Poder Executivo, do Poder Legislativo e do Poder
Judiciário, há de ser a chave para o restabelecimento do equilíbrio do Poder, no Brasil. Não basta
158
Constitui seu despacho inaugural exemplo didático de que seja conflito entre
poderes. Veja-se dele o excerto abaixo:
A construção jurídica formulada pelo Senhor Presidente da Câmara dos
Deputados, além de propiciar o regular desenvolvimento dos trabalhos
legislativos no Congresso Nacional, parece demonstrar reverência ao
texto constitucional, pois – reconhecendo a subsistência do bloqueio da
pauta daquela Casa legislativa quanto às proposições normativas que
veiculem matéria passível de regulação por medidas provisórias (não
compreendidas, unicamente, aquelas abrangidas pela cláusula de préexclusão inscrita no art. 62, § 1º, da Constituição na redação dada pela EC
nº 32/2001) – preserva, íntegro, o poder ordinário de legislar atribuído ao
Parlamento.
Mais do que isso, a decisão em causa teria a virtude de devolver à
Câmara dos Deputados, o poder de agenda, que representa perrogativa
institucional das mais relevantes, capaz de permitir, a essa Casa do
Parlamento brasileiro, o poder de selecionar e de apreciar, de modo
inteiramente autônomo, as matérias que considere revestidas de
importância política, social, cultural, econômica e jurídica para a vida do
País, o que ensejará – na visão e na perspectiva do Poder Legislativo (e
não nas do Presidente da República) – a formulação e a concretização,
pela instância parlamentar, de uma pauta temática própria, sem prejuízo
da observância do bloqueio procedimental a que se refere o § 6º do art. 62
da Constituição, considerada, quanto a esta obstrução, a interpretação
que lhe deu o Senhor Presidente da Câmara dos Deputados.
O conflito está demonstrado e posto no fato do comando impróprio que o
Poder Executivo passa a ter nas circunstâncias relatadas sobre a agenda do
Congresso Nacional. O Presidente da República passa a compor e determinar a
agenda do Poder Legislativo travando com medidas provisórias abusivas o seu
funcionamento e impede o Parlamento de legislar sobre matérias do mais relevante
interesse nacional, reduzindo-o a um poder ancilar.
De seu bordo, no discurso de abertura do Ano Judiciário de 2010, declarou no
Supremo Tribunal Federal, o Presidente do Senado, José Sarney:
Não podemos deixar a sociedade sob um mar de leis desconexas,
incompreensíveis. É um trabalho lento, que estamos começando e vamos
acelerar embora com esse instrumento monstruoso colocado em nosso
172
caminho, que são as medidas provisórias, mutilem o Congresso.
reconhecer que o condicionamento da agenda é cabal evidência do absurdo a que chega o desvio
de Poder que contamina o Executivo, em seu divórcio do sistema da Constituição. Este é o ponto
essencial. A decisão da questão Temer, agora, abordada, pode ser o começo mais do que da
ousadia, com certeza, da coragem do Supremo Tribunal Federal. E que o faça logo nos termos do
inciso LXXVIII, do artigo 5º, da Constituição Federal. TEMER, Michel. Deixem o Legislativo legislar.
Senatus, Brasília, v. 7, n. 1, p. 12-13, jul. 2009.
172
SARNEY, José. Discurso do Presidente Sarney na abertura do ano judiciário. Assessoria de
Imprensa
da
Presidência
do
Senado
Federal.
Disponível
em:
<http://www.senado.gov.br/comunica/imprensa/detalha_noticia.asp?data=02/02/2010&codigo=717
63>. Acesso em: 23 fev. 2010.
159
Entretanto, não é o instrumento que é monstruoso. É o uso distorcido que
dele se faz e que o torna motivo de trancamento não apenas da pauta do Congresso
Nacional, mas em trave mesmo do funcionamento harmônico dos Poderes.173
A causa primeira para todo este desvio de Poder está, sim, no desequilíbrio
do Executivo, que edita medidas provisórias aos borbotões, deturpando o senso de
relevância e urgência e transformando a medida provisória em via ordinária de
legislação, usurpando o Poder Legislativo, com o qual, assim, entra em conflito
evidente.
Entretanto, volta-se, neste ponto, à questão levantada pelo saudoso professor
Miguel Reale, como abordada na nota 155 deste trabalho, no sentido de que a
Constituição de 1988, tenha uma estrutura parlamentarista, à qual se impingiu um
sistema presidencialista.
Cumpre repassar a história:
O fato é que vivemos um dilema que opõe, de um lado, a necessidade de
reformas emergentes do Estado brasileiro, sob a responsabilidade do
Executivo, de outro, a plenitude da deliberação a ser realizada no interior da
Casa de representantes do povo, própria de um regime verdadeiramente
democrático.
Alguns autores apontam, nesse ponto, uma contradição na própria
Constituição de 1988 – o que dá vida ao dilema antes referido – pois, se por
um lado a Carta Cidadã devolveu certas prerrogativas ao Congresso
Nacional, ausentes no interstício entre 64 e 88, manteve outras tantas com
o Poder Executivo, permitindo-o tornar-se, com o auxílio de normas
infraconstitucionais, mesmo em época de democratização, “o legislador de
fato e de direito”, como parece constituir verdadeiro lugar comum na história
brasileira.
Aqueles que de algum modo tomaram parte da Assembléia Constituinte
reunida para redigir o texto constitucional hoje vigorante, argumentam que
era sua intenção fazer com que o Congresso Nacional, após o ostracismo
impingido pela ditadura, voltasse a contribuir de forma efetiva na formulação
de políticas públicas, como, “verbi gratia”, participando do processo
orçamentário e tomando para si o poder de fiscalizar a gestão das finanças
públicas.
173
Veja-se o caso das medidas provisórias editadas anteriormente à publicação da Emenda
Constitucional nº 32/2001, desde que nos trinta dias anteriores à sua promulgação, elas não
precisam ser reeditadas para permanecer em vigor e assim ficarão até que o Congresso Nacional
se manifeste – rejeitando-as ou editando lei em sentido colidente com suas normas ou até que o
Presidente da República edite outra medida provisória que as altere (conforme MENDES, Gilmar
Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito
Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 940). Não pode haver maior acinte ao princípio da
legalidade, que é deixar viger como lei, o que era para ser norma provisória, de eficácia temporária
e excepcional. Neste sentido, de fato o instrumento é monstruoso. Nelas está o plexo de leis
desconexas e incompreensíveis que tolhe, mas, não exclusivamente, a efetividade do princípio da
segurança jurídica no Brasil.
160
E assim se fez, adicionando-se aos poderes acima referidos, entre outros, o
de iniciativa de legislar privativamente sobre determinadas matérias, o de
sustar ato normativo do Executivo que exceder o poder regulamentar (leiase, decreto incompatível com a lei objeto da regulamentação) e, mais,
dotando-se as denominadas Comissões Permanentes da prerrogativa de
aprovar projetos de lei em caráter definitivo, o que dispensa a manifestação
do plenário. Esperava-se, quanto a esse item, tornar o Congresso mais
eficiente e produtivo.
Se é verdade, todavia, que se procedeu à redação de normas reveladoras
desse intento, qual seja, o de recuperar a autonomia e a efetividade da
atuação do Congresso Nacional, mantiveram-se outras tantas atribuições
com o Poder Executivo, o que tornou possível, notadamente nos anos de
governo Fernando Henrique Cardoso, o controle quase absoluto, por parte
daquele último, da agenda de votações do Congresso.
Dados estatísticos que resultaram de pesquisa independente e imparcial
realizada em anos recentes, nos dão conta que na vigência da Constituição
de 1946, as leis de iniciativa do Executivo constituíram 43 por cento do total
votado pelo Congresso Nacional, contra 85 por cento no interstício entre
1988 e 1994, o que, portanto, não leva em consideração os dois mandatos
do Presidente Fernando Henrique Cardoso (um ora incompleto), período em
que a mera leitura dos jornais nos leva a crer que a situação é ainda mais
crítica.
A proporção de leis de iniciativa do Presidente da República, que assuma o
indesejável controle da agenda do Legislativo pelo Poder Executivo, é ainda
mais impressionante se comparada ao percentual do período de ditadura
militar, quando as leis incoadas pelos generais constituíam um número
apenas um pouco maior (90% do total) que nos dias atuais, já sob auspícios
174
de uma Constituição democratizante.
A inviabilização operacional do Poder Legislativo, congestionado por projetos
legislativos de iniciativa do Poder Executivo, isoladamente, sempre foi um problema
que tolheu a independência do Congresso Nacional, pelo simples fato do
congestionamento de sua agenda.
Pior que isto, é o travamento da pauta, por força da medida provisória sem os
pressupostos formais de habilitação, que se não votada em quarenta e cinco dias de
sua edição, põe o Legislativo a reboque do Executivo.
Porque este obstáculo à regular atividade do Congresso Nacional pode
protelar a validade de medidas provisórias por até mais de 120 dias. Desde que a
sua pauta congestionada não possa processar pelo atulhamento com medidas
provisórias impróprias, votação delas em período adequado.
Ainda de má-fé, o Presidente da República pode impedir até como
consequência de seu abuso, na edição propositada de medidas provisórias, sua
174
SPIELMANN, Carlos André. O controle de constitucionalidade das medidas provisórias praticado
pelo Supremo Tribunal Federal. Revista da Faculdade da Universidade Católica de Petrópolis,
v.1, p. 11-20, 1999.
161
fiscalização pelo Poder Legislativo, propiciando, sob todos os pontos de enfoque do
problema, a ineficácia da própria Constituição, impedindo o Congresso Nacional de
trabalhar que não seja exclusivamente em cima de medidas provisórias abusivas.
De qualquer maneira a consequência disso tudo é que o Poder Executivo
passa a ditar a agenda do Poder Legislativo e isto infringe a cláusula pétrea do
artigo 60, § 4º, inciso IV, da Constituição da República Federativa do Brasil.
Consubstancia-se e corporifica-se destarte o conflito de Poderes que se julga
demonstrado.
7.10 O Controle de Constitucionalidade como Instrumento de Conciliação do
Conflito entre os Poderes, Resultante da Medida Provisória
Se a função de um sistema de governo é operacionalizar a movimentação do
Estado, para realização de seus fins, nos parâmetros constitucionais finalísticos, a
solução de um impasse entre o Governo e o Parlamento, com origem em uma
medida provisória, será um confronto de solução muito mais cômoda no
Parlamentarismo do que no Presidencialismo.
É que, no Parlamentarismo, o Governo responde perante o Parlamento e este
último
pode
propor
uma
moção
de
desconfiança
contra
o
primeiro,
responsabilizando-o, pela indevida edição de uma medida provisória, pela
destituição do Gabinete.
Em contrapartida o Poder Executivo, na pessoa do Chefe de Estado, poderá
dissolver o Parlamento, convocando eleições, na hipótese deste não exprimir a
maioria, que sustente o Gabinete, em uma situação em que ele tenha dificuldade em
obter a ratificação de uma medida provisória, pela impossibilidade de arregimentar
no Parlamento a maioria necessária à sua conversão em lei.
Nestes termos, a recusa de uma medida provisória pelo Parlamento, pode
ocasionar a queda do Governo, que por ela tenha se tornado incompatível com a
maioria dos eleitores expressa no Parlamento, situação que não acontece no
162
Presidencialismo, em que o Presidente da República não responde em face do
Parlamento ordinariamente por atos de Governo de natureza política.
Em tese, o fato do Presidente da República não responder de forma ordinária
em face do Parlamento, ao preço de seu mandato, como ocorre com o PrimeiroMinistro ou o Gabinete, deixaria o primeiro, no caso do Presidencialismo, na cômoda
condição de abusar de seu Poder de edição de medidas provisórias. Assim este fato
ensejaria com maior habitualidade confronto entre Poderes e crises políticas
comprometedoras do princípio constitucional de separação do Poder.
O Parlamentarismo, assim, superaria o confronto pela queda do Governo que
com ele se encontrava em situação conflitiva, cuja destituição lhe cabe e
restabeleceria a compatibilidade no funcionamento dos Poderes, na medida em que
teria expungido do sistema, o Governo que com ele conflitava, pela edição da
medida provisória abusiva, restabelecendo a harmonia entre os Poderes.
No entanto, esta conclusão de que o sistema Parlamentarista seria o que
melhor absorveria as disfunções da medida provisória, parece uma generalização
equívoca.
Na Itália, Estado parlamentarista, berço do decreto-lei (ou decreto legge,
como se prefira), paradigma da medida provisória, as situações de confronto entre
Poderes, nem sempre são resolvidas pela via do voto de desconfiança em
consequência do Parlamento cobrar do Governo a responsabilidade que o possa
levar à destituição, por abuso de poder em editar uma medida provisória.
A Constituição italiana em seu artigo 134 relaciona entre as competências de
sua Corte Constitucional, a solução de conflitos de atribuição entre os Poderes do
Estado, aqueles do Estado e das Regiões.175
Na Espanha, outro Estado parlamentarista, como noticia Eduardo Garcia de
Enterria, igual competência cabe ao Tribunal Constitucional:
La justificación de esta competencia del Tribunal Constitucional parece
clara: como ha notado la doctrina alemana, todo conflicto entre órganos
constitucionales (más que órganos en el caso de las Comunidades
175
Art. 134. La Corte costituzionale giudica: sulle controversie relative alla legittimità costituzionale
delle leggi e degli atti, aventi forza di legge, dello Stato e delle Regioni;sui conflitti di attribuzione tra
i poteri dello Stato e su quelli tra lo Stato e le Regioni, e tra le Regioni;sulle accuse promosse
contro il Presidente della Repubblica, a norma della Costituzione.
163
Autónomas, por constituir éstas verdaderas “entidades” políticas, como
precisan los artículos 2.º, 137 y 152 de la Constitución, aunque entidades
“internalizadas” en el seno del Estado y no – por diferencia del federalismo
estricto – Estados substantivos) es, por sí mismo, un conflicto constitucional,
que pone en cuestión el sistema organizatorio que la Constitución, como
una de sus funciones básicas, ha estabelecido. Por ello mismo, sólo el
Tribunal Constitucional, donde existe, puede ser órgano adecuado para la
resolución de estos conflictos, que afectam a la esencia misma de la
Constitución, a la cuidadosa distribución de poder y de correlativas
176
competencias por ella operada.
Da mesma maneira, é o que se pode extrair da citação acima, a doutrina
alemã é convergente em competir ao Tribunal Constitucional a solução de conflito
entre órgãos constitucionais, como se conclui, colimando a cuidadosa distribuição de
poder e a distribuição das correlativas competências por ela operada, nas próprias
palavras de Garcia de Enterria.
Edilson Pereira Nobre Júnior177 discorrendo sobre reedição de medida
provisória, referindo-se ao jurista Alfonso Celotto, em L‟ „abuso‟ del Decreto-legge,
1997, mais precisamente às páginas 480-510, expõe:
Ante o problema, ponderável preocupação é exposta por Alfonso Celotto:
Tal praxe, consequentemente, lesa de maneira gravíssima o princípio da
certeza do direito, enquanto – alongando de fato a provisoriedade –
comporta que a maior parte da atividade jurídica reste disciplinada
precariamente, e muitas vezes de maneira não homogênea, por meses e
meses. De tal modo, o decreto-lei vem a ser profunda e radicalmente
desnaturado, enquanto a reiteração sistemática e insistida – que dá vida a
um verdadeiro e próprio procedimento alternativo de produção normativa –
faz-lhe perder a sua intrínseca e natural provisoriedade. O decreto-lei
repetidamente reiterado cria efeitos sempre mais irreversíveis, importando
na opinião pública uma confiança sobre a sua estabilidade – como
nitidamente emerge de alguns pronunciamentos jurisprudenciais – e,
sobretudo, não coartando o Parlamento à conversão em lei, que, todavia,
permanece sempre livre, mas, antes, a pronunciar-se sobre o ato e, depois,
especificamente à sanatória dos efeitos, de qualquer maneira, produzidos
pelos decretos-leis não convertidos: somente a intervenção parlamentar
pode dar firmeza ao “castelo de papéis” que veio a se formar mediante a
cadeia dos decretos-leis, cuja decadência ex tunc produziria efeitos
desastrosos.
Linhas adiante, increpa a tal prática o estigma de que se cuida de fenômeno
do terceiro mundo do direito, mostrando inclusive que, no Brasil, não
constitui somente uma forma de abuso de poder legislativo, mas que melhor
ressai como um “escândalo”, uma “prática cancerosa”, que frauda a
Constituição. Sobre o caso brasileiro, chega ainda, em nota de rodapé,a
exibir quadro sinóptico, relativo aos anos de 1988 a 1996. Tomando-se, à
176
ENTERRÍA, Eduardo Garcia de. La Constitución como norma y el Tribunal Constitucional.
Madrid: Thomson Civitas, 2006. p. 160, 2006.
177
NOBRE JÚNIOR, Edilson Pereira. Reedição de Medida Provisória (visão comparativa das
jurisprudências da Corte Constitucional italiana e do STF). Revista de Informação Legislativa,
Brasília: Senado Federal, ano 36, n. 143, p. 77-83, jul./set. 1999.
164
guisa de ilustração, o ano de 1989, posto que no último trimestre de 1988
não houve qualquer reiteração, nota-se que, das 103 medidas provisórias
expedidas, somente ocorreram dez renovações, o que equivale a um
percentual de 9,7% sobre o total. Assinalando uma tendência cada vez mais
crescente, tem-se, no ano de 1996, 648 edições de medidas provisórias,
com 15 conversões em lei, e 609 reiterações. Isso significa dizer que,
comparadas ao número total de medidas provisórias, as renovações
alcançaram o elevado percentual de 93,9%, representando quase uma
lídima apropriação da função de legislar do seu titular originário.
Esta questão da reiteração sistemática e insistida de medidas provisórias
solucionada no Brasil pela Emenda Constitucional número 32, de 11 de setembro de
2001, nos termos do artigo 62, parágrafo 7º da Constituição Federal 178 que implicava
em desequilíbrio de Poder, colheu na Itália, solução pelo concurso da Corte
Constitucional italiana e não apenas pela ação do Parlamento.
Lá como cá, havia o constrangimento do Parlamento, pela reiteração indevida
e abusiva de medidas provisórias e de decretos-lei.
De início, ainda é a notícia de Edilson Pereira Nobre Júnior, a Corte
Constitucional italiana com a Sentenza 302, de 10 de fevereiro de 1988, reputara
inconstitucional “a insistente repetição do art. 12, incisos 1º, 2º e 3º, do decretolegge” de 2 de janeiro de 1988. Depois houve decisão desta Corte Constitucional,
negando “que a reprodução de disposições por parte do Governo, pudesse ser
considerada como restrição da vontade das Câmaras”.
Finalmente conclui o jurista pernambucano:
Mais recentemente, [a Corte Constitucional Italiana] com a Sentenza 360,
de 24 de outubro de 1996, perfilhou uma posição inequívoca sobre o
assunto, afirmando que o art. 77 da Constituição põe uma alternativa
límpida, estreme de dúvida, entre a conversão e a perda de eficácia
retroativa do decreto-legge, sem que o Governo tenha a faculdade de
invocar prorrogação, ou o Legislativo possa proceder a uma conversão
serôdia, tornando, assim, insuperável, o prazo de sessenta dias. Em certo
modo, encontra-se a afirmação de que a reprodução do decreto legge sem
introduzir variações substanciais lesa a previsão constitucional sob dois
perfis: porque altera a natureza provisória da decretação de urgência,
178
Solução em parte porque a medida provisória pode ser editada novamente em outra sessão
legislativa se for rejeitada ou perder eficácia durante o curso da anterior, nos termos do artigo 62, §
10, da Constituição. Esta alvitrada possibilidade abre margem para abuso de poder permanente. A
natureza precípua do instituto medida provisória é de providência precária e urgente, inadiável sob
pena de dano iminente para a coisa pública. Admiti-la reeditada depois de recusada quanto a sua
urgência, por exemplo, é hipótese que subverte o conceito de urgência de um lado e de outro
admite dar-se certa permanência ao que deveria ser precário. Evidente é o privilégio que o
constituinte concedeu ao Executivo em situação na qual, ele se sobrepõe ao Legislativo, fazendo-o
votar, de novo, o que ele já recusou e dando vigência ao que ele dissera antes que não poderia ser
lei.
165
procrastinando, de fato, o termo invariável previsto pela Constituição para a
conversão em lei; porque tolhe valor ao caráter “extraordinário” dos
requisitos da necessidade e da urgência.
Igualmente, timbrou em asseverar: a) a insistente reiteração importa em
alteração no equilíbrio posto pela Constituição nas relações entre Governo e
Parlamento, assumindo aquele o papel de legislador a este conferido; b)
também resulta ofendida a certeza do direito, pois não é possível prever-se
a duração no tempo das normas reproduzidas, bem como o êxito final do
procedimento de conversão.
Em conclusão, a reiteração, quer em face de rejeição expressa do decretolegge, quer pela sua não conversão em lei em sessenta dias, não é mais
tolerada. Abre-se, apenas e tão-só, exceção quando o Governo explicitar
motivos autônomos de necessidade e urgência (autonomi motivi di
necessità e urgenza) ou conteúdos normativos substancialmente diversos
(contenuti normativi sostanzialmente diversi).
A propósito deste assunto, de que o abuso do Poder Executivo em editar
medidas provisórias carentes do pressuposto formal de relevância e urgência
consigna um dos motivos de confronto entre o Poder Legislativo e o Poder
Executivo, tenha-se em conta o que segue:
5.3.6. Apreciação dos pressupostos da urgência e da relevância
Esses dois pressupostos estão submetidos à apreciação política do
Presidente da Republica, que goza de larga margem de apreciação sobre a
sua ocorrência. O juízo do Presidente da República, porém, está sujeito ao
escrutínio do Congresso Nacional, que deve rejeitar a medida provisória se
vier a entendê-la irrelevante ou não urgente. No § 5º do art. 62 da Lei Maior
está estabelecido que, antes de decidir sobre o mérito da medida provisória
– vale dizer, antes de o Poder Legislativo anuir ou não à disciplina constante
do texto da medida provisória –, o Congresso deverá analisar os seus
pressupostos constitucionais entre os quais se contam os requisitos da
urgência e da relevância.
O problema relativo à sindicabilidade desses pressupostos formais surge ao
se indagar se há espaço para que também o Judiciário exerça crítica sobre
a avaliação do Presidente da República e do Congresso Nacional.
A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, no regime constitucional
passado, rejeitava competência ao Judiciário para exercer crítica sobre o
juízo de existência dos mesmos pressupostos do decreto-lei. Sob a Carta
atual, porém, e desde o julgamento da liminar na ADI 162, esse
entendimento mudou.
Em 1989, a jurisprudência do STF sofreu alteração para admitir que esses
pressupostos não são totalmente alheios à crítica judiciária. Sem que se
desmentisse o caráter discricionário da avaliação política desses
pressupostos, reservou-se ao Judiciário a verificação, em cada caso, de
eventual “abuso manifesto”. Em precedentes diversos, o STF afirmou a
possibilidade de censurar a medida provisória por falta dos requisitos da
urgência e da relevância, sem contudo encontrar nas hipóteses que
analisava caso para tanto. Em 1998, porém, ocorreu a desaprovação pela
179
falta do pressuposto formal.
179
MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso
de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 927.
166
Retrata-se a evolução do entendimento do Supremo Tribunal Federal sobre o
controle constitucional das medidas provisórias.
De início em absoluta omissão, entendendo espaço fechado dos poderes
Legislativo e Executivo, a aferição da ocorrência dos pressupostos de relevância e
urgência que atestassem a preexistência de uma situação de fato a comportar a
necessidade e urgência na utilização do instrumento excepcional que é a medida
provisória.
Em seguida, um tímido avanço, que, não obstante, perdura até hoje, em que
o Supremo Tribunal Federal somente interfere no juízo de constitucionalidade dos
pressupostos formais de relevância e urgência da medida provisória em casos
evidentes de abuso de poder.
Carlos André Spielmann180 disserta:
O voto do Ministro Carlos Velloso na ADIN nº 1.397-1, ajuizada pela
Confederação Nacional dos Estabelecimentos de Ensino, deixa bem clara a
posição daquela excelsa corte no que concerne a atribuição do Judiciário de
investigar o preenchimento dos requisitos constitucionais de urgência e
relevância. Vejamos:
“Constitucional. Administrativo. Medida Provisória: Urgência e Relevância.
Apreciação pelo Poder Judiciário. Reedição da Medida Provisória não
rejeitada expressamente.
I. Reedição de medida provisória não rejeitada expressamente pelo
Congresso: possibilidade. Precedentes do STF: ADIn 295-DF e ADIn 1.516RO.
II. Requisitos de urgência e relevância: caráter público: em princípio, a sua
apreciação fica por conta dos Poderes Executivo e Legislativo, a menos que
a relevância ou a urgência evidenciar-se improcedente. No sentido de que a
urgência e relevância são questões políticas, que o Judiciário não aprecia:
RE 62.739-SP, Baleeiro, Plenário, RTJ 44/54, RDP 5/223” (destaque
nosso).
Como já referido este entendimento sofre a alteração apontada após a ADIMC 162, julgada em 14-12-1989, DJ de 19-9-1997, Rel. Moreira Alves.181 O
Supremo Tribunal Federal passa a controlar, como faz atualmente os pressupostos
formais de habilitação das medidas provisórias, em flagrando-as abusivas dos
poderes do Poder Executivo em editá-las.
180
SPIELMANN, Carlos André. O controle de constitucionalidade das medidas provisórias praticado
pelo Supremo Tribunal Federal. Revista da Faculdade de Direito da Universidade Católica de
Petrópolis, v. 1, p. 11-20, 1999.
181
MENDES; COELHO; BRANCO, op. cit., p. 297, nota 179.
167
Na Itália Estado parlamentarista, a jurisprudência da Corte Constitucional
passou por processo semelhante, mas avançou até o ponto de considerar a
possibilidade de um controle dos pressupostos de necessidade e urgência mais
efetivo:
Na Itália, de forma semelhante a que ocorre ainda no Brasil, muito se
discutiu acerca da legitimidade do controle judicial sobre tais requisitos,
havendo doutrina que afirmasse estarem eles sujeitos apenas à valoração
política, vale dizer, do Governo que editou o ato e do Parlamento que o
converteu em lei. A doutrina mais moderna de Zagrebelsky, Paladin e
Mortati, que aqui seguimos, admite, sem resistências, a possibilidade de
controle jurisdicional dos pressupostos de edição dos decretos-lei
182
italianos.
Lenio Luiz Streck183 referindo-se a Vital Moreira comenta a supremacia da
Constituição soberana em face do caráter constituído e subordinado do Poder
Legislativo e destaca com precisão: “A soberania do parlamento cedeu o passo à
supremacia da Constituição. O respeito pela separação dos Poderes e pela
submissão dos juízes à lei foi suplantado pela prevalência dos direitos dos cidadãos
face ao Estado”.
Clèmerson Merlin Clève184 comentara em reflexão, certamente, ainda
auspiciosa:
O Supremo Tribunal Federal ainda não teve oportunidade de se manifestar
sobre os pressupostos autorizadores da medida provisória. Receia-se,
neste particular, que a Corte reproduza o mesmo entendimento pronunciado
em relação aos antigos decretos-leis. O STF, vigente a Constituição de
1967, manifestou-se no sentido que “os pressupostos de urgência e
relevante interesse público escapam ao controle do Poder Judiciário, por
referirem, afinal, questão política”. Com a Constituição de 1988, deverá a
Corte Constitucional mudar seu entendimento.
Na Itália, ultimamente, a doutrina, com cautela, vem admitindo um certo tipo
de controle sobre os pressupostos das medidas provisórias, mas de caráter
limitado, circunscrevendo-se ao território do “excesso de poder legislativo”.
Já na Espanha, a Corte Constitucional, como se espera que no Brasil
ocorra, não se nega a promover referido controle.
Entende a Corte que os pressupostos de habilitação constituem um
conjunto de autênticos limites jurídico-constitucionais da atividade
182
POGREBINSCHI, Thamy. Controle de constitucionalidade dos decreti-legge: uma experiência
italiana. Revista de Informação Legislativa, Brasília: Senado Federal, ano 37, n. 146, p. 97-106,
abr./jun. 2000.
183
STRECK, Lenio Luiz. Jurisdição constitucional e hermenêutica: uma nova crítica do Direito. Rio
de Janeiro: Forense, 2004. p. 104.
184
CLÈVE, Clèmerson Merlin. Atividade legislativa do Poder Executivo no Estado
contemporâneo e na Constituição de 1988. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993. p. 183.
168
governamental e, como tais, controláveis pela Jurisdição. A experiência
espanhola deve ser aproveitada pelo Brasil.
Não é demais lembrar que a doutrina brasileira admite o controle judicial
dos pressupostos de autorização das medidas provisórias.
Anna Cândida da Cunha Ferraz185 aponta a inconstitucionalidade do artigo 49,
inciso V, da Constituição de 5 de outubro de 1988, porquanto não caber ao
Congresso Nacional, segundo entende, “sustar os atos normativos do Poder
Executivo que exorbitem do poder regulamentar dos limites de delegação
legislativa”.
Conclui:
É, de resto, o que registra, com inteira propriedade, Ferreira Filho: “a norma
em exame estende a competência do Congresso Nacional, tornando-o juiz
da constitucionalidade de atos do Poder Executivo. O controle de
constitucionalidade exercido por órgão político, e o Congresso Nacional
indubitavelmente o é, sempre mereceu a desconfiança se não o repúdio da
doutrina”.
Conseqüência disso tudo é que tanto o regulamento abusivo como a lei
delegada
exorbitante
podem
ser
objeto
de
declaração
de
inconstitucionalidade por via da ação direta insculpida no artigo 102, inciso I,
alínea “a”, da Constituição de 1988.
Destarte, o Poder Legislativo – e não somente ele – pode propor perante o
Supremo Tribunal Federal a ação direta de inconstitucionalidade contra ato
normativo regularmente exorbitante da lei regulamentada ou de lei delegada
186
exorbitante da delegação legislativa.
Calha bem citação extraída em André Ramos Tavares187:
Jorge Miranda muito bem o demonstra, anotando que o Tribunal
Constitucional “(...) integra-se na categoria de tribunais, pela sujeição ao
princípio do pedido, por questões jurídicas tanto poderem ser questões
concretas como abstratas, pelos critérios jurídicos de decisão e pelo
estatuto dos juízes. Mas distingue-se dos restantes tribunais, pela sua
relação imediata com a Constituição (com poderes de interpretação
vinculativa conforme, na fiscalização concreta), por nele avultar um controlo
dirigido aos órgãos da função política e por a sua autoridade se pôr a par da
autoridade desses órgãos”.
É o Supremo Tribunal Federal quem, pelo controle de constitucionalidade,
poderá dirimir conflitos entre o Poder Executivo e o Poder Legislativo, no que tanja à
exorbitância do primeiro, abusiva da faculdade do Presidente da República em editar
medidas provisórias. Por conta de desatenção deste para com os pressupostos de
185
FERRAZ, Anna Cândida da Cunha. Conflito entre Poderes. São Paulo: Revista dos Tribunais,
1994. p. 45.
186
Ibid., p. 45.
187
TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 227.
169
habilitação das medidas provisórias, subvertendo, pelo excesso legiferante, o
equilíbrio entre os Poderes. Desconstituindo a existência, a validade e a eficácia de
medidas provisórias carentes dos permissivos de edição pela falta de urgência e
relevância nas circunstâncias que tenham dado ensejo a medidas provisórias
abusivas.
A despeito de que possa votar o Congresso Nacional em deliberação
preliminar e fulminar a falta destes requisitos, para invalidar medidas provisórias, vêse que atravancada sua pauta pelo abuso, do Presidente da República, legislador
inconstitucional, melhor será admitir a concorrente competência do Supremo
Federal, enquanto guardião da Constituição, para o controle dos pressupostos de
habilitação das medidas provisórias.
Entende-se ser jurídica esta sugestão.
A Constituição da República Federativa do Brasil impõe restrições a que
possa o Presidente da República editar medidas provisórias que não estão postas
em juízo intrínseco da existência de relevância e urgência para que elas possam ser
editadas.
Há também que se verificar se não havia antes a possibilidade do Presidente
da República usar sua iniciativa legislativa ordinária a fim de encaminhar a questão
ao Congresso Nacional, pedindo, inclusive urgência na votação para consubstanciar
em lei o seu propósito, em medida conseqüente e adequada e oportuna e eficiente.
Conferir a medida da urgência e da relevância para saber se o Executivo tem
o poder discricionário de decisão, por via da medida provisória consequentemente é
questão jurídica. Haja vista, por exemplo, os cem dias do artigo 64 da Constituição.
Somente se pode admitir a medida provisória para casos e situações cuja disciplina
não possa esperar estes cem dias, sob pena de grave dano para a coisa pública, se
ela não for objeto de lei antes desses dias. A competência do Poder Executivo em
editar medidas provisórias começa depois de estar evidente que a ação do
Congresso Nacional será ineficiente para solucionar o problema que ensejar a
necessidade de disciplina legal. Em tese, isto acontece depois de evidente que o
Poder Legislativo não poderia dar cabo de sua missão constitucional em legislar, em
cem dias.
170
Deve competir ao Poder Judiciário julgar se o Poder Executivo ao editar
medida provisória, não está invadindo a competência do Poder Legislativo. Esta
invasão haverá se, em cem dias, for possível legislar a solução do problema que se
queira resolver e o Executivo tenha se precipitado em agir, editando medida
provisória, quando poderia pedir ao Congresso Nacional urgência na tramitação para
o projeto de sua iniciativa.
É sem dúvida que os pressupostos de habilitação constituem um conjunto de
autênticos limites jurídico-constitucionais da atividade governamental e, como tais,
controláveis pela Jurisdição, conforme entende a Corte Constitucional espanhola e
noticia Clèmerson Merlin Clève, nota 184 retro.
Também não se pode esquecer que ainda concorre para abonar a conclusão
deste
trabalho
–
do
controle
jurisdicional
constitucional
concorrente
dos
pressupostos de habilitação da medida provisória – o fato de que esta, Tratando-se,
entanto, de uma exceção à regra, esta só deve ser aceita em última instância.188
É típico do controle constitucionalidade, saber se o poder discricionário que a
Constituição outorgou ao Poder Executivo para legislar pela medida provisória foi
usado em coerência com o texto e nos termos do contexto previsto na Constituição
Federal.
De qualquer forma o exemplo italiano igualmente demonstra que as marchas
e contramarchas do sistema parlamentarista não são suficientes a assegurar o
equilíbrio entre os poderes, em casos de abuso na edição de medidas provisórias,
por exemplo. O ponto de equilíbrio do sistema está posto na jurisdição do Tribunal
Constitucional. Inclusive no que toca à medida provisória, melhor, ao decreto-lei, que
possa pelo abuso do Poder Executivo em manipular requisitos de habilitação formais
do instituto, desequilibrar o sistema.
188
FERRAZ JÚNIOR, apud CLÈVE, Clèmerson Merlin. Medidas provisórias. São Paulo: Max
Limonad, 1999. p. 44.
171
7.11 A Cláusula Pétrea do Artigo 60, § 4º, inciso IV, da Constituição da
República Federativa do Brasil: a separação dos Poderes
O caroço da Constituição Federal é o âmago de sua legitimidade e se imbrica
nas chamadas cláusulas pétreas.
Gilmar Ferreira Mendes sustenta que estas cláusulas exprimem o esforço do
constituinte para garantir a integridade da Constituição.
Com elas visa-se impedir „a destruição, ou enfraquecimento, ou [alterações
que] impliquem profunda mudança de identidade189 da Carta Fundamental. Posto
que dela emana a ordem jurídica em seu promanar para a coletividade e para o
Estado e a fim de preservar a ordem constituída, pelo constituinte originário,
inviabilizando que o constituinte derivado suspenda ou mesmo suprima a ordem
própria da Constituição, desnaturando-a e atuando para subverter a substância de
seus princípios vetoriais.
O senso que se tem das cláusulas pétreas é o de norte, verdadeira bússola 190
de orientação que as gerações constituintes deixam para as gerações delas
derivadas, para que saibam, em se querendo preservar a Constituição, qual é o
conteúdo que dela pode ser mudado ou adaptado a uma realidade contemporânea,
caso se a queira preservada.
No ponto em que a cláusula pétrea diz respeito à preservação da separação
dos Poderes, que dentro da estrutura fundamental do Estado brasileiro, se exprime
pelo mandamento do artigo 2º, como princípio fundamental para a ordem de seu
arcabouço operacional, consignando serem poderes da União, independentes e
harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário, pouca dúvida deve
haver no sentido de que a Constituição da República Federativa do Brasil, de 5 de
outubro de 1988, adota a teoria das funções do Poder, como elaborada por
Montesquieu.
Assim sendo, a operacionalização do Estado no Brasil, deve ater-se aos
parâmetros abaixo consignados:
189
MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil interpretada e legislação constitucional. São
Paulo: Atlas, 2003. p. 1091.
190
BULOS, Uadi Lammêgo. Constituição Federal anotada. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 848.
172
Ao prelecionar sobre a divisão dos poderes, Montesquieu mostrava o
necessário para o equilíbrio dos poderes, afirmando que, para formar-se um
governo moderado, “precisa-se combinar os poderes, regrá-los, temperálos, fazê-los agir; dar a um poder, por assim dizer, um lastro, para pô-lo em
condições de resistir a um outro. É uma obra-prima de legislação, que
raramente o acaso produz, e raramente se deixa a prudência produzir (...).
Sendo o seu corpo legislativo composto de duas partes, uma acorrentada a
outra pela mútua faculdade de impedir. Ambas serão amarradas pelo Poder
Executivo, o qual o será, por seu turno, pelo Legislativo. Esses três poderes
deveriam originar um impasse, uma inação. Mas como, pelo movimento
necessário das coisas, são compelidos a caminhar, eles haverão de
191
caminhar em concerto”.
A dicção capital do Parágrafo Único do artigo 1º, do Título I, DOS
PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS, consagra que Todo poder emana do povo, que o
exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta
Constituição.
Seria o caso de indagar se nesta assertiva mandamental não estaria um
duplo poder, seccionado entre a representação parlamentar e a atuação direta do
cidadão, tomado este na acepção jurídico constitucional da palavra, que é aquele
que vota e pode influir nos rumos do Estado.
Enfim, democracia direta é o povo investido na amplitude real de seu poder
de soberania, alcançando, pela expressão desimpedida de sua vontade
regulativa o controle final de todo o processo político. Só o povo constituído
por conseguinte em árbitro supremo, confere legitimidade a todos os pactos
e acomodações dos grandes interesses sociais conflitantes da sociedade
complexa e pluralista. O povo-ficção dos ordenamentos representativos
192
cede o lugar ao povo realidade e concreção da democracia direta.
Na mesma linha, Márcio Tomaz Bastos:
Todos sabemos, mais ou menos intuitivamente, o que seja a oposição entre
a democracia direta e a democracia representativa. A democracia direta é
aquele sonho de todos, a assembléia dos cidadãos de que já falava
Rousseau, dentro da cidade, em que a um Estado total se opunha um
cidadão total, que participava de todas as decisões, que se reunia na praça
e discutia o seu destino e o destino da cidade. A democracia representativa,
diz-se muito que se encontra em crise, até porque, sendo obra humana, é
necessariamente inacabada e factível e reconstruída constantemente e,
curiosamente, essa crise se coloca sempre como uma demanda de mais
democracia, ou seja, a democracia representativa é apontada como um
estado de crise, na medida em que lhe falta democracia.
Como diz Norberto Bobbio, a exigência tão freqüente, nos últimos anos, de
maior democracia exprime-se como exigência de que a democracia
191
MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil interpretada e legislação constitucional. São
Paulo: Atlas, 2003. p. 137.
192
BONAVIDES, Paulo. Um novo conceito de democracia direta. In: CONFERÊNCIA NACIONAL DA
OAB, XV, 1994, Foz do Iguaçu/PR. Anais... Foz do Iguaçu/PR, set. 1994. p. 976.
173
representativa seja ladeada, ou mesmo substituída pela democracia direta.
Sabemos que isso é impossível hoje, embora os progressos da televisão,
da televisão virtual e interativa, expressa aqui no Brasil, por exemplo,
nesses programas em eu o expectador se pronuncia imediatamente, nessas
pesquisas chamadas qualitativas de opinião pública, em que,
instantaneamente, as pessoas apertam um botão e dão a sua opinião, sem
embargo disso, nós sabemos que, hoje, o possível seria um termo médio
entre a democracia direta e a democracia representativa.
A Constituição brasileira exprime isso quando contempla certas instituições,
como o plebiscito, como o referendo, como as emendas populares. E
Bobbio fala muito na possibilidade de inserção, dentro das regras do jogo da
democracia representativa, dos representantes substituíveis – daqueles que
fossem eleitos e pudessem ser destituídos pelo eleitor, pelo corpo eleitoral,
aproximando-se, assim, muito da democracia representativa e da
193
democracia direta.
Desta maneira, na medida em que os instrumentos de participação popular
consagrados pelo constituinte brasileiro encontram-se no plebiscito, no referendo e
na iniciativa popular e principalmente esta posta no projeto legislativo de iniciativa
popular, que deve ser submetido ao processo legislativo constitucional194 culminado
193
BASTOS, Márcio Thomaz. Crise da democracia representativa e apatia popular. In:
CONFERÊNCIA NACIONAL DA OAB, XV, 1994, Foz do Iguaçu/PR. Anais... Foz do Iguaçu/PR,
set. 1994. p. 401.
194
Os instrumentos de democracia semidireta, portanto, são a tentativa de dar mais materialidade ao
sistema indireto. É tentar reaproximar o cidadão da decisão política, sem intermediário. Para isto o
constituinte escolheu os seguintes instrumentos:
I - Plebiscito – no plebiscito há a manifestação popular, onde o eleitorado decide, ou toma posição,
diante de uma determinada questão. Assim, em termos práticos, é feita uma pergunta à qual
responde o eleitor. Em 1993 houve um plebiscito para decidir sobre a forma e o sistema de
governo.
II - Referendo – é uma forma de manifestação popular, em que o eleitor aprova ou rejeito uma
atitude governamental.
III - Iniciativa popular – é o direito de uma parcela da população (um por cento do eleitorado)
apresentar ao Poder Legislativo um projeto de lei que deverá ser examinado e votado. Os eleitores
também podem usar deste instrumento em nível estadual e municipal.
BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2000. p. 272-273.
LEI Nº 9.709, DE 18 DE NOVEMBRO DE 1998. Regulamenta a execução do disposto nos incisos
I, II e III do art. 14 da Constituição Federal. O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o
Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:
Art. 1º. A soberania popular é exercida por sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com
valor igual para todos, nos termos desta Lei e das normas constitucionais pertinentes, mediante:
I - plebiscito;
II - referendo;
III - iniciativa popular.
Art. 2º. Plebiscito e referendo são consultas formuladas ao povo para que delibere sobre matéria
de acentuada relevância, de natureza constitucional, legislativa ou administrativa.
§ 1º - O plebiscito é convocado com anterioridade a ato legislativo ou administrativo, cabendo ao
povo, pelo voto, aprovar ou denegar o que lhe tenha sido submetido.
§ 2º - O referendo é convocado com posterioridade a ato legislativo ou administrativo, cumprindo
ao povo a respectiva ratificação ou rejeição.
Art. 3º. Nas questões de relevância nacional, de competência do Poder Legislativo ou do Poder
Executivo, e no caso do § 3º do art. 18 da Constituição Federal, o plebiscito e o referendo são
convocados mediante decreto legislativo, por proposta de um terço, no mínimo, dos membros que
compõem qualquer das Casas do Congresso Nacional, de conformidade com esta Lei.
174
Art. 4º. A incorporação de Estados entre si, subdivisão ou desmembramento para se anexarem a
outros, ou formarem novos Estados ou Territórios Federais, dependem da aprovação da população
diretamente interessada, por meio de plebiscito realizado na mesma data e horário em cada um
dos Estados, e do Congresso Nacional, por lei complementar, ouvidas as respectivas Assembléias
Legislativas.
§ 1º - Proclamado o resultado da consulta plebiscitária, sendo favorável à alteração territorial
prevista no caput, o projeto de lei complementar respectivo será proposto perante qualquer das
Casas do Congresso Nacional.
§ 2º - À Casa perante a qual tenha sido apresentado o projeto de lei complementar referido no
parágrafo anterior compete proceder à audiência das respectivas Assembléias Legislativas.
§ 3º - Na oportunidade prevista no parágrafo anterior, as respectivas Assembléias Legislativas
opinarão, sem caráter vinculativo, sobre a matéria, e fornecerão ao Congresso Nacional os
detalhamentos técnicos concernentes aos aspectos administrativos, financeiros, sociais e
econômicos da área geopolítica afetada.
§ 4º - O Congresso Nacional, ao aprovar a lei complementar, tomará em conta as informações
técnicas a que se refere o parágrafo anterior.
Art. 5º. O plebiscito destinado à criação, à incorporação, à fusão e ao desmembramento de
Municípios, será convocado pela Assembléia Legislativa, de conformidade com a legislação federal
e estadual.
Art. 6º. Nas demais questões, de competência dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, o
plebiscito e o referendo serão convocados de conformidade, respectivamente, com a Constituição
Estadual e com a Lei Orgânica.
Art. 7º. Nas consultas plebiscitárias previstas nos arts. 4o e 5o entende-se por população
diretamente interessada tanto a do território que se pretende desmembrar, quanto a do que sofrerá
desmembramento; em caso de fusão ou anexação, tanto a população da área que se quer anexar
quanto a da que receberá o acréscimo; e a vontade popular se aferirá pelo percentual que se
manifestar em relação ao total da população consultada.
Art. 8º. Aprovado o ato convocatório, o Presidente do Congresso Nacional dará ciência à Justiça
Eleitoral, a quem incumbirá, nos limites de sua circunscrição:
I - fixar a data da consulta popular;
II - tornar pública a cédula respectiva;
III - expedir instruções para a realização do plebiscito ou referendo;
IV - assegurar a gratuidade nos meio de comunicação de massa concessionários de serviço
público, aos partidos políticos e às frentes suprapartidárias organizadas pela sociedade civil em
torno da matéria em questão, para a divulgação de seus postulados referentes ao tema sob
consulta.
Art. 9º. Convocado o plebiscito, o projeto legislativo ou medida administrativa não efetivada, cujas
matérias constituam objeto da consulta popular, terá sustada sua tramitação, até que o resultado
das urnas seja proclamado.
Art. 10. O plebiscito ou referendo, convocado nos termos da presente Lei, será considerado
aprovado ou rejeitado por maioria simples, de acordo com o resultado homologado pelo Tribunal
Superior Eleitoral.
Art. 11. O referendo pode ser convocado no prazo de trinta dias, a contar da promulgação de lei ou
adoção de medida administrativa, que se relacione de maneira direta com a consulta popular.
Art. 12. A tramitação dos projetos de plebiscito e referendo obedecerá às normas do Regimento
Comum do Congresso Nacional.
Art. 13. A iniciativa popular consiste na apresentação de projeto de lei à Câmara dos Deputados,
subscrito por, no mínimo, um por cento do eleitorado nacional, distribuído pelo menos por cinco
Estados, com não menos de três décimos por cento dos eleitores de cada um deles.
§ 1º - O projeto de lei de iniciativa popular deverá circunscrever-se a um só assunto.
§ 2º - O projeto de lei de iniciativa popular não poderá ser rejeitado por vício de forma, cabendo à
Câmara dos Deputados, por seu órgão competente, providenciar a correção de eventuais
impropriedades de técnica legislativa ou de redação.
Art. 14. A Câmara dos Deputados, verificando o cumprimento das exigências estabelecidas no art.
13 e respectivos parágrafos, dará seguimento à iniciativa popular, consoante as normas do
Regimento Interno.
Art. 15. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
Brasília, 18 de novembro de 1998; 177º da Independência e 110º da República.
FERNANDO HENRIQUE CARDOSO
175
– como no caso da medida provisória – pelo ato complexo de produção de lei,
envolvente do Poder Legislativo e do Poder Executivo, evidente que o exercício do
Poder por representantes eleitos ou diretamente nos termos desta Constituição,
converge para uma operacionalização do arcabouço do Estado, nos termos próprios
do artigo 60, § 4º, inciso IV, que sacramenta como cláusula pétrea constitucional a
separação dos Poderes entre Legislativo, Executivo e Judiciário.
Nestes termos, fica evidente que, em nenhuma hipótese, a Constituição da
República Federativa do Brasil admite o exercício do Poder que não seja por via da
consumação de sua ação dentro do sistema de tripartição de Poder criado por
Montesquieu, ainda que se considere o exercício deste diretamente pelos cidadãos
dentro da estrutura da Constituição.
Com
isto,
a
medida
provisória
será
constitucional
se
puder
ser
operacionalizada neste complexo de relações de poder, distribuído entre seus
agentes (o Executivo, o Legislativo e o Judiciário) e entre eles compartilhado o seu
exercício e inconstitucional, se for causa de oposição entre eles, por colocá-los em
confronto.
Assim é que a autenticidade da democracia repousa na autenticidade da
representação195, em que vêm expressivas lições de Clèmerson Merlin Clève:
Se é certo que as espécies normativas primárias elencadas no art. 59 da
Constituição Federal substanciam ato legislativo (e, portanto, lei), não é
menos certo que, como antes afirmado e, conforme está assentado na
doutrina, apenas a complementar e a ordinária constituem lei formal. Tratase de estabelecer, em virtude de convenção firmada pelo senso comum
teórico dos juristas, a distinção entre lei (ato legislativo) – gênero – e lei
formal (ato legislativo) – espécie. Ora, a lei formal (emanação do Poder
Legislativo, detentor da função legislativa ordinária, que exprime no contexto
democrático- pluralista um processo público geral (já que dele participa a
generalidade dos sujeitos políticos), não é outra coisa senão o modo como
se coordenam o maior número de interesses particulares. Logo „a legislação
pelo parlamento envolve a noção de representatividade e de debate público
anterior à eficácia do ato, ilustrando a idéia de que a democracia não se
RENAN CALHEIROS
Como se verifica, a conciliação que combina o princípio da representação com aquele do exercício
direto do Poder pelo cidadão é sempre dimanado do princípio da separação dos Poderes, haja
vista a participação do Poder Legislativo nos atos plebiscitários, referendários e de projetos
legislativos de iniciativa popular. De forma clara, esta evidência encontra respaldo no inciso XV, do
artigo 48 da Constituição da República Federativa do Brasil. A competência privativa para autorizar
o referendo e convocar plebiscito é do Congresso Nacional.
195
Esta frase seria de Antonio Carlos de Andrada e Silva, irmão de José Bonifácio de Andrada e Silva,
que o estudante apreendeu em tradição familiar, desconhecendo, contudo, em que se desculpa, de
onde possa ter sido extraída.
176
exaure no momento eleitoral‟. Na democracia pluralista, a lei formal
configura espécie de condensação de relação de forças entre sujeitos
coletivos distintos, mediatizados pela figura do mandatário eleito. Pode ser
traduzida como síntese do debate parlamentar, produto da interação
comunicativa processualizada e pública. No Direito brasileiro, adotado o
regime presidencialista de governo, a lei formal carrega, ainda, a noção de
somatória de vontades manifestadas por dois Poderes, o Legislativo e o
Executivo. Trata-se, portanto, de ato complexo. Entre nós, em
consequência, a lei formal é espécie de ato legislativo definida pela origem
(ato do Congresso Nacional), pela forma (forma de lei complementar ou
ordinária), pelo procedimento (devido processo legal legislativo: ato público
em que o debate precede a vigência), pela força (força ativa e passiva de
lei), assim como pela natureza (ato complexo).
Neste ponto, é possível superar um argumento recorrente nos escritos
daqueles que negam à medida provisória a natureza de lei: não se converte
em lei algo que já é lei. A compreensão do art. 62 da Constituição não pode
ser prisioneira da interpretação literal. Apenas uma interpretação
sistemática é capaz de revelar o sentido do dispositivo constitucional. Por
esta razão, uma vez adotada, a medida provisória (lei ou ato legislativo)
deve ser submetida, imediatamente, ao Congresso Nacional, para
conversão em lei formal. Está-se referindo, então, à conversão de lei
precária e sujeita à condição resolutiva em lei permanente derivada do
processo público inerente à elaboração da lei formal. Nada mais do que
isso: uma espécie de lei (a medida provisória: ato provisório) é convertida
em outra espécie de lei (a lei formal, no caso, lei ordinária: ato
196
permanente).
Com o que arremata:
Lembra Zagrebelsky que os decretos-leis são uma necessidade. Fontes de
emergência existem – com nomes e formas diversas – em todas as
Constituições fundadas sobre a atribuição ordinária da função legislativa ao
parlamento representativo. Elas prestam-se para superar a lentidão
procedimental e política, nem sempre evitáveis em sede parlamentar. Sob
este aspecto, o decreto-lei não contraria, necessariamente, o princípio de
197
atribuição ordinária da função legislativa do Parlamento.
Eis aí como o instituto medida provisória se ajusta ao bojo da Constituição da
República Federativa do Brasil, acomodando-se em suas entranhas essenciais,
consentaneamente com a cláusula pétrea da separação de Poderes.
Usada dentro de seus parâmetros e limites de constitucionalidade, a medida
provisória não é causa de confronto entre os Poderes. Este somente surge quando o
seu uso é abusivo – como ocorre neste País.
Não é que se diga que nas virtudes de superação de crises do
Parlamentarismo, estaria melhor posta a medida provisória, é que também o
Presidencialismo a pode absorver sem traumas ou confrontos de Poder, nos
196
CLÈVE, Clèmerson Merlin. Medidas provisórias. São Paulo: Max Limonad, 1999. p. 59-60.
Ibid., p. 20.
197
177
parâmetros de um processo complexo, como é, em si, o atual processo legislativo
constitucional, mediados eventuais conflitos entre os poderes pela Justiça
Constitucional, considerado o necessário equilíbrio entre eles e o papel atribuído ao
Supremo Tribunal Federal de guardião da Constituição, o qual, nessas condições,
poderá
controlar
a
constitucionalidade
de
medidas
provisórias
abusivas,
indiretamente, mediando confrontos entre o Legislativo e o Executivo, para eliminar
as áreas de atrito entre eles.
A medida provisória não atenta contra o princípio constitucional da separação
dos Poderes e nem esse pode ser entendido como um arquétipo para
movimentação do Estado, em que as áreas de atuação de cada um de seus
Poderes sejam herméticas e exclusivas, muito ao contrário, já se vê que o
dinamismo que se impõe à sua intelecção admite de lege ferenda outros moldes
para o sistema, em que vale, sobretudo, a sua razão ética de existir, como um
instrumento de garantia da liberdade.
O confronto de Poder que possa decorrer da medida provisória, não está
colocado nela exclusivamente e em sua instrumentalização constitucional, ele está
centrado no uso abusivo do instituto pelo Poder Executivo, que não se restringe
precipuamente à obediência dos requisitos formais de relevância e urgência, sem
embargo de não se conter ademais no leito constitucional em que se traça a
materialidade possível da legislação por medida provisória e quando se trata de por
ela legislar e assim o Poder Executivo acaba sufocando o Poder Legislativo, com
uma pletora de medidas provisórias impróprias e impossíveis de interpretação,
compreensão e votação razoáveis, nos critérios necessários à higidez do Direito e
do processo legislativo.
Eis então que o confronto de Poder nesta hipótese não deveria existir e
quando de fato ocorre exprime uma disfunção do sistema, que pode ser corrigida.
178
8 CONSEQUÊNCIAS DA PERDA DE EFICÁCIA DA MEDIDA PROVISÓRIA
A medida provisória convertida em lei tem convolado em definitivo seu
mandado que era precário, pela superação da condição resolutiva de sua eficácia.
Se, no entanto, ela é rejeitada ou perde eficácia por decurso de prazo,
vencidos os 120 dias de sua edição antes de ser apreciada pelo Congresso
Nacional, ela perde vigor ex tunc, devendo as relações jurídicas decorrentes de sua
vigência ser reguladas por decreto legislativo, o qual se não for por ele editado em
até 60 dias dessa perda de força legal da medida provisória, fará com que ela
recupere efetividade para sujeitar a seus dispositivos as relações jurídicas surgidas
no período de sua existência legal, como permite o § 11, do artigo 62, da
Constituição da República Federativa do Brasil.
Entretanto, a rejeição pelo Congresso Nacional e a perda de eficácia da
medida provisória, se ela não for apreciada por ele no prazo legal, não são as únicas
hipóteses em que a medida provisória deixa de viger, exigindo-se, então, a disciplina
das relações jurídicas por ela encetadas, pelo decreto legislativo e à sua falta, de
novo, a restauração do vigor da medida provisória rejeitada, nos termos do já
referido § 11.
O § 12, do artigo 62, da Constituição Federal, possibilita vigor para uma
medida provisória, que em sua passagem pelo Congresso Nacional venha ser
modificada total ou parcialmente, até sua sanção, promulgação e publicação.
Contudo, se essa medida provisória for objeto de veto do Presidente da República e
o Congresso Nacional não derrubá-lo, a medida provisória por força do dispositivo
literal desse § 12, do artigo 62, de nossa Constituição, terá vigência até o momento
em que se verificar impossível a superação do veto e uma vez evidente que esse
não foi derrubado no Congresso Nacional. Cessando com isso a medida provisória
de ter vigor, será necessária a edição por ele do decreto legislativo para disciplina
das relações jurídicas surgidas durante a vigência dela e à sua falta por
consequência do § 11, do artigo 62 já referido, a medida provisória recuperará vigor.
Disso resulta a evidência de serem gêmeos os §§ 11 e 12, do artigo 62, da
Constituição da República Federativa do Brasil, ambos merecendo assim
interpretação interligada, porque a situação do § 12 somente pode ser encaminhada
179
para solução razoável em termos constitucionais – na situação da medida provisória
vetada pelo Presidente da República e sem que o Congresso Nacional logre
derrubar o veto – nos termos do § 11 à falta do decreto legislativo que o Poder
Legislativo deveria ter editado e não editou.
A razão dessas circunstâncias postas na convalidação da medida provisória à
falta do decreto legislativo, que deveria disciplinar as relações jurídicas surgidas sob
a égide da medida provisória enquanto ela vigeu, está em que é garantia
constitucional expressa no inciso XXXVI, do artigo 5º, da Constituição da República
Federativa do Brasil, a higidez do ato jurídico perfeito, da coisa julgada e do direito
adquirido, em face da lei nova e se não houvesse a previsão constitucional para o
decreto legislativo e sucessivamente a hipótese de convalidação da medida
provisória à falta dele, as relações jurídicas surgidas no período de eficácia da
medida provisória em que se consubstanciam a coisa julgada, o ato jurídico perfeito
e o direito adquirido, restariam sem disciplina legal e a garantia constitucional
vilipendiada.
Editada a medida provisória, que entra em vigor imediatamente, as normas
com ela incompatíveis ficam revogadas condicionalmente. A revogação
opera-se sob condição resolutória, consistente na conversão da medida
provisória em lei. Não ocorrida a condição, isto é, não aprovada a medida
provisória, a revogação deixa de existir, tal como se uma nova lei houvesse
revogado a medida provisória.
A única diferença é que, não se tratando propriamente de revogação da
medida provisória, mas de sua não convalidação, as normas que haviam
sido por ela revogadas voltam a ter vigência. Não se pode fazer de conta
que elas nunca tenham saído do ordenamento jurídico. Elas saíram. Foram
revogadas. Voltam como normas novas. Reingressam no ordenamento
jurídico como normas editadas na data em que perdeu vigência a medida
rejeitada. Aplicam-se aos fatos ocorridos durante o período de vigência da
medida provisória rejeitada, porque esta perdeu a vigência desde a data de
sua edição, mas não podem essas normas reintroduzidas no sistema
jurídico, alcançar a coisa julgada, o direito adquirido e o ato jurídico perfeito,
decorrentes da medida provisória rejeitada. A não ser, assim, instaurada a
mais completa insegurança jurídica.
É inadmissível o entendimento segundo o qual a rejeição, expressa ou
tácita, da medida provisória, implica a reposição de tudo na situação
anterior à sua edição. Se o Congresso Nacional deve disciplinar as relações
jurídicas decorrentes da medida provisória não aprovada, é porque tais
relações sobrevivem. Disciplinar tais relações não pode significar suprimilas. E, nesse disciplinamento, ou na omissão do Congresso, devem ser
respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada.
As normas anteriormente revogadas, ou as normas editadas pelo
Congresso Nacional para disciplinar as relações jurídicas decorrentes da
medida provisória rejeitada, são normas novas no ordenamento. Elas não
incidiram sobre os fatos ocorridos durante o período de vigência da medida
provisória rejeitada. O princípio da segurança jurídica repele sejam a tais
180
fatos aplicadas. A prescrição constitucional segundo a qual a medida
provisória rejeitada perde sua eficácia (ou vigência, como preferimos), há de
ser entendida no contexto da Constituição, que preserva, em nome da
segurança jurídica, o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa
julgada, nos casos de normas que se devam aplicar a fatos do passado.
A aplicação, aos fatos ocorridos durante a vigência da medida provisória
rejeitada, seja das normas que o Congresso edite para regular as relações
jurídicas então criadas, seja das normas do ordenamento, restauradas em
face da omissão do Congresso, deve ocorrer dentro dos limites que a
198
própria Constituição tolera.
Esta pelo menos é a conclusão que se pode extrair do pensamento do
Ministro Gilmar Mendes, posto no excerto abaixo de sua obra.
O que se haverá de resguardar são as relações ocorridas enquanto a
medida provisória esteve em vigor. Mesmo assim, porém, se a medida
provisória rejeitada instituía uma alteração no modo de ser de relações que
a antecediam, a regulação que estabeleceu somente haverá de colher os
fatos que se deram no tempo em que esteve em vigor. A regulação criada
pela medida provisória não se projeta para o futuro; apenas preserva a
validade dos atos praticados antes de ser repelida. Rejeitada a medida
199
provisória, torna a vigorar a regra que ela havia alterado.
De fato, trata-se de situação especialíssima no Direito brasileiro, em que a
solução do § 11, do artigo 62, da Constituição, em face da omissão do Congresso
Nacional, intenta assegurar o mandamento de seu inciso XXXVI, artigo 5º já referido,
e nem se pode relacionar a hipótese com a proibição da repristinação da lei, nos
termos do artigo 2º, § 3º, da Lei de Introdução ao Código Civil, exatamente por
causa de que a convalidação da disposição em contrário à medida provisória que
perdeu a eficácia, resulta de disposição constitucional.
Porém, como observa Alexandre de Moraes200, o § 11, do artigo 62 analisado,
alterando os efeitos da medida provisória que perdeu a eficácia de efeito ex tunc
para ex nunc, consuma um retrocesso a padrões de constitucionalidade das Cartas
de 1967 e 1969, fazendo viger para o futuro, conclui-se, um dispositivo com força de
lei, que perdeu esse atributo excepcional sem nunca ter sido lei definitivamente e
como se lei fosse, haja vista sua permanente disciplina das relações jurídicas
surgidas enquanto em vigor a medida provisória que perdeu a eficácia e como se
dava no antigo decreto-lei das duas últimas constituições anteriores à vigente:
198
MACHADO, Hugo de Brito. Efeitos da medida provisória rejeitada. Revista dos Tribunais, São
Paulo, ano 83, v. 700, p. 46-47, fev. 1994.
199
MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso
de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 939.
200
MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil interpretada e legislação constitucional. São
Paulo: Atlas, 2003. p. 1128.
181
Dessa forma, a rejeição das medidas provisórias, seja expressa, seja tácita,
opera com efeitos retroativos “ex tunc” –, competindo ao Congresso
Nacional a edição do decreto legislativo para disciplinar as relações
jurídicas dela decorrentes.
Caso, porém, o Congresso Nacional não edite o decreto legislativo no prazo
de 60 dias após a rejeição ou perda de sua eficácia, a medida provisória
continuará regendo somente as relações jurídicas constituídas e
decorrentes de atos praticados durante sua vigência.
Assim, diferentemente do texto original da Constituição da República, a EC
nº 32 estabeleceu prazo de 60 dias para o exercício da competência
congressual em regulamentar as relações jurídicas na hipótese de rejeição
das medidas provisórias.
A inércia do Congresso Nacional no exercício de sua competência
acarretará a conversão dos tradicionais efeitos “ex tunc” (retroativos),
decorrentes da rejeição da medida provisória, para efeitos “ex tunc” (não
retroativos). Trata-se, pois, de envergonhado retorno aos efeitos não
retroativos decorrentes da rejeição expressa do antigo Decreto-lei.
Ressalte-se, porém, que essa transformação de efeitos somente ocorrerá
caso o Congresso Nacional não edite o necessário Decreto legislativo no
prazo constitucionalmente fixado.
Dessa forma, a Constituição permite, de forma excepcional e restrita, a
permanência dos efeitos de medida provisória ou tacitamente rejeitada,
sempre em virtude de inércia do Poder Legislativo.
Além disso, a EC nº 32/01 estabeleceu que, aprovado projeto de lei de
conversão alterando o texto original da medida provisória, sua vigência
permanecerá integralmente até que seja sancionado ou vetado o projeto.
Mas as consequências da solução do problema de disciplina das relações
jurídicas surgidas com a medida provisória que perdeu eficácia não ficam nisso
apenas porque elas empalmam a vigência de um dispositivo legal expressa ou
tacitamente recusado pelo Congresso Nacional, que é o órgão que tem a titularidade
constitucional para a promoção do processo legislativo e, por sequela, isso ofende a
cláusula pétrea da separação dos Poderes posta no artigo 60, § 4º, inciso III, da
Constituição, e porque o dispositivo que passa assim a viger como lei não o quisera
vigendo o Congresso Nacional, que o rejeitou como tal, mas que fora desejado pelo
Presidente da República, aqui, sim, ocorrendo um evidente conflito de Poder, sem
embargo de que faça ademais o § 11, do artigo 62, em questão, viger como se lei
fosse o que não é lei, o que confronta o princípio da legalidade.
Clèmerson Clève Merlin, na situação do artigo 62, da Constituição da
República Federativa do Brasil, anteriormente à Emenda Constitucional nº 32, de 11
de setembro de 2001, refletira:
O Direito Brasileiro oferece remédio para o caso de omissão, por parte do
Congresso, de providência reclamada pela Constituição. Neste caso, são
cabíveis a ação direta de inconstitucionalidade por omissão (CF, art. 103),
182
e, em determinadas circunstâncias, o mandado de injunção (CF, art. 5º,
LXXI); o último, satisfeitos os pressupostos constitucionais, impetrado pelos
que estão a sofrer prejuízo com a censurável inércia do Legislador (primeira
questão). Não se pode esquecer, também, a possibilidade de composição
de danos. De qualquer modo, o art. 6º, da Resolução nº 1, do Congresso
Nacional, ao tratar da matéria, determina que, rejeitada a medida provisória,
será, desde logo, elaborado decreto legislativo disciplinando as relações
201
jurídicas constituídas durante sua vigência.
Em verdade, a questão pouco mudou. O Congresso Nacional tem o dever de
editar o decreto legislativo para disciplina das relações jurídicas surgidas durante a
vigência da medida provisória que perdeu eficácia, e a sua falta desafia a ação de
inconstitucionalidade por omissão, para suprir a falta do Congresso Nacional, e
porque o § 11, do artigo 62, da Constituição da República Federativa do Brasil,
contém em si o vírus da inconstitucionalidade, pelas razões demonstradas e como
se pode deduzir à vista do entendimento de Paulo Napoleão Nogueira da Silva:
§ 11 - Não editado o decreto legislativo a que se refere o § 3° até sessenta
dias após a rejeição ou perda de eficácia de medida provisória, as relações
jurídicas constituídas e decorrentes de atos praticados durante sua vigência
conservar-se-ão por ela regidas.
O § 3º já foi comentado, inclusive quanto à matéria aqui tratada. Vale
acrescentar, porém: o presente parágrafo parece haver criado um vácuo
normativo de natureza temporal, no mínimo uma imprecisão redacional.
Com efeito, as relações jurídicas constituídas em consequência de medida
provisória rejeitada, ou que perdeu sua eficácia, continuarão sendo por ela
regidas se o decreto legislativo não for editado em até 60 dias; no entanto, o
enunciado não detalha como serão regidas tais relações “durante” esse
lapso. Na verdade, se a medida provisória “já foi rejeitada”, ou “perdeu sua
eficácia”, não pode mais continuar produzindo efeitos; além disso, são
coisas distintas a rejeição ou a perda de eficácia, de um lado, e a edição do
decreto legislativo, de outro: juridicamente, nada se equipara em termos de
conseqüência, tanto que após os aludidos 60 dias – mas, só então – a
medida provisória em questão continuará a reger aquelas relações.
A conclusão é a de que mais um assunto foi deixado em branco, neste caso
pelo constituinte derivado, a permitir eventuais polêmicas que terminarão no
202
Supremo Tribunal Federal.
201
CLÈVE, Clèverson Merlin. Medidas provisórias. São Paulo: Max Limonad, 1999. p. 103-109.
BONAVIDES, Paulo; MIRANDA, Jorge; AGRA, Walber de Moura. Comentários à Constituição
Federal de 1988. Rio de Janeiro: Forense, 2009. p. 1.032.
202
183
8.1 Medida Provisória e Vácuo de Legislação
O vácuo legislativo estaria no período de 60 dias que se interpola entre a
perda de eficácia da medida provisória e a edição do decreto legislativo destinado a
disciplinar as relações jurídicas surgidas durante a vigência dela, porque o § 11, do
artigo 62, da Constituição da República Federativa do Brasil, diz que as relações
jurídicas constituídas e decorrentes de atos praticados durante a vigência da medida
provisória continuarão por ela regidas, se esse decreto legislativo não for editado em
até 60 dias de rejeição ou perda de eficácia.
Essa situação de fato ocorre e pode ser constatada pelo simples cotejo entre
os §§ 3º e 11, do artigo 62, da Constituição, que são reproduzidos abaixo.
§ 3º As medidas provisórias, ressalvado o disposto nos §§ 11 e 12 perderão
eficácia, desde a edição se não forem convertidas em lei no prazo de
sessenta dias, prorrogável, nos termos do § 7º, uma vez por igual período,
devendo o Congresso Nacional disciplinar, por decreto legislativo, as
relações jurídicas delas decorrentes.
§ 11 Não editado o decreto legislativo a que se refere o § 3º até sessenta
dias após a rejeição ou perda de eficácia de medida provisória, as relações
jurídicas constituídas e decorrentes dos atos praticados durante sua
vigência conservar-se-ão por ela regidas.
Se o § 11 suprarreferido menciona que as relações constituídas e decorrentes
dos atos praticados durante a vigência da medida provisória conservar-se-ão por ela
regidas, em caso de rejeição ou perda de eficácia da medida provisória, na hipótese
de não edição do decreto legislativo que regulamente as relações jurídicas
decorrentes de sua vigência, para cuja edição o § 3º, do artigo, 62 da Constituição
da República Federativa do Brasil, admite um prazo de 60 dias, a conclusão que se
pode tirar da literalidade desses dispositivos é que a medida provisória somente terá
validade após sua rejeição ou perda de eficácia, configurada a omissão do
legislador, quanto ao decreto legislativo, vencido o prazo de 60 dias que ele teria
para editá-la.
Então, se a medida provisória somente pode regular situações decorrentes de
sua vigência perdida, se não houver a edição do decreto legislativo e para o que o
Congresso Nacional dispõe de 60 dias, nesse período não haveria mesmo diploma
de disciplina para as relações jurídicas decorrentes da medida provisória que perdeu
a eficácia, enquanto o Congresso Nacional nada editar.
184
Somente configurada a omissão do Poder Legislativo, em editar o
considerado decreto legislativo, é que a medida provisória continuaria a viger.
Entretanto, essa situação não pode ser aceita pelo Direito, como abaixo
concluído.
O § 3º, do art. 62, da Constituição, prevê que as relações jurídicas formadas
durante o período em que a medida provisória esteve em vigor deverão ser
disciplinadas pelo Congresso Nacional, por meio de decreto legislativo.
Atento às desastrosas conseqüências que a perda de vigência da medida
provisória pode acarretar no âmbito da segurança das relações, o
constituinte prevê que o Congresso regulará essas relações.
Esse preceito já existia antes da Emenda Constitucional nº 32/2001, mas
raramente se concretizava. A Emenda, então, dispôs, no § 11, do art. 62, da
Constituição que se a regulação das relações advindas da medida
provisória não-convertida em lei não se consumar em até sessenta dias da
rejeição ou da caducidade, essas relações hão de se conservar regidas pela
medida provisória.
Criou-se, desse modo, uma hipótese de ultra-atividade da medida provisória
não convertida em lei, mas apenas para a disciplina das relações formadas
com base na mesma medida provisória e durante a sua vigência.
O texto constitucional não é claro no que pertine ao que ocorre durante o
prazo de sessenta dias de que o Congresso dispõe para a edição do
decreto legislativo. O intuito da norma e a sua compreensão no novo
sistema instaurado pela Emenda nº 32/2001 conduzem a crer que, nesse
período, as relações continuam sob a regência da medida provisória,
somente dela se apartando se o Congresso dispuser a discipliná-la
diferentemente. Entender de outra forma corresponderia a aceitar um vácuo
normativo no período em que se aguarda a deliberação do Congresso, o
que não atende ao propósito da segurança jurídica que inspirou o próprio
203
dispositivo da Lei Maior.
Não obstante, existe mesmo um vácuo, como está patente na própria citação
acima instrumentalizada.
A questão da possibilidade da existência de um vácuo legislativo é o tema
principal deste tópico, no sentido de saber se a medida provisória que perdeu a
eficácia propicia ou não dentro do período de 60 dias, entre esse evento e a edição
do decreto legislativo de disciplina das relações jurídicas surgidas no período de sua
eficácia, a ocorrência desse fenômeno.
203
MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso
de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 938.
185
8.2 Sobre o Vácuo de Legislação em um Sistema Jurídico
Os limites para compreensão de um sistema jurídico não existem. O
raciocínio jurídico propende ao infinito e é tão difuso quanto são as complexidades
de alma do ser humano.
Vale para seu entendimento o brocardo de que nem tudo que reluz é ouro,
nem tudo que balança cai e nem tudo que parece é.
O analista jurídico é um pescador de águas turvas204, que o que não vê hoje
pode enxergar e entender amanhã, como se a compreensão do fenômeno jurídico
fosse impossível ontem e se tornasse pela reflexão compreensível hoje. É
absolutamente mutável no futuro, marcando-se por um dinamismo que se haure na
dinâmica da factualidade com quem tem de guardar correspondência para ser
efetivo e concreto, dentro de um complexo de princípios parametrais, em que se
insculpem os transcendentais valores da civilização e da sociabilidade.
Sem que sejam impostos limites ao pensamento, para efeitos de
consideração de um sistema jurídico205, o raciocínio deste trabalho será
parametrizado por dois conceitos de compreensão e entendimento de um sistema
jurídico.
Sob o primeiro prisma, os sistemas jurídicos seriam completos. Neles não
haveria lacunas reais, apenas fictícias, e os fenômenos do mundo seriam regrados
por disposições explícitas proibitivas ou autorizantes de comportamentos ou
implicitamente impeditivas de fazer ou não fazer certas coisas.
Sob o axioma de que tudo que não está proibido é permitido, esta
compreensão de um sistema jurídico, assim posta em termos pragmáticos, ancorase no entendimento de Hans Kelsen. Dessa concepção resulta a conclusão da
204
Este é um pensamento do professor Guido Soares da Silva, em preleções da Faculdade de Direito
da Universidade de São Paulo em que o aluno se bacharelou.
205
A função social da dogmática jurídica está no dever de limitar as possibilidades de variação na
aplicação do direito e de controlar a consistência das decisões, tendo por base outras decisões. Só
a partir de um estudo científico-jurídico é que se pode dizer o que é juridicamente possível. O ideal
dos juristas é descobrir o que está implícito no ordenamento jurídico, reformulando-o,
apresentando-o como um todo coerente e adequando-o às valorações sociais vigentes (DINIZ,
Maria Helena. Lei de introdução ao Código Civil brasileiro interpretada com referências ao
Novo Código Civil. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 141).
186
completude do sistema jurídico, capaz de conter tudo o que seja necessário para
imprimir as regras da vida.
Admitindo lacunas fictícias ou simplifique-se, vácuos de legislação206, esse
conceito de sistema jurídico as entende como limites impostos ao aplicador do
Direito de maneira a lhe possibilitar a identificação do linde para a sua ação.
Sob o outro prisma, o sistema jurídico seria um plexo complexo de múltiplos
subsistemas que se integrariam em um caroço enredado de princípios postos e
pressupostos, de que dimanam as regras, primeiramente as normas, todos eles
nortes efetivos de conduta e comportamento, que emanam do contexto do Direito,
promanando para a contextualidade do social.
207
Sob essa ótica as lacunas seriam reais e não exclusivamente normativas,
enfeixando-se estas com outras de natureza ontológica e axiológica. Haveria nessa
hipótese a necessidade, por exemplo, de uma operacionalização do direito, pelos
parâmetros, de norma, fato e valor e a urdição da Justiça, combinaria em síntese a
interação desses fenômenos, para ser suficientemente humana, razoável e justa.208
Nesse diapasão, o Direito é conjunto, sendo a ideia de conjunto fundamental
para a compreensão de qualquer norma e, nesse sentido, conjunto é harmonia de
fatores produtivos e da Justiça, reitere-se fato, norma e valor. É ausência de
incongruências, de conflitos, e a melhor interpretação é a que ajusta a norma ao
sistema e evita os confrontos, postos nos momentos de incongruência do sistema,
206
É histórico que os interpretadores medievos dos textos de direito romano qualificaram lacunas
efetivamente as rupturas dos tecidos dos papéis que analisavam no exercício de suas
interpretações jurídicas e em face delas, passavam a intuir por processo interpretativo sistêmico o
senso das disposições que interpretavam.
207
Os princípios gerais do direito, entendemos, não são preceitos de ordem ética, política, sociológica
ou técnica, mas elementos componentes do direito. São normas de valor genérico que orientam a
compreensão do sistema jurídico, em sua aplicação e integração, estejam ou não positivadas
(DINIZ, Maria Helena. Lei de introdução ao Código Civil brasileiro interpretada com
referências ao Novo Código Civil. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 131).
208
É necessário que se esclareça, a esta altura, que tomo a interpretação como atividade que se
presta a transformar disposições (textos, enunciados) em normas; „a interpretação‟ é meio de
expressão dos „conteúdos normativos‟ das disposições, meio através do qual o juiz desvenda as
normas contidas nas disposições (Zagrebelsky 1990/68 e ss. e Grau 1995/5-7, 1997ª/55 e ss. e
1998/65 e ss.). Por isso, as normas resultam da interpretação e podemos dizer que elas, „enquanto
disposições‟, não dizem nada – elas dizem o que os intérpretes dizem que elas dizem. O intérprete
dotado de poder suficiente para „criar‟ as normas, a partir delas construindo, em cada caso, a
„norma de decisão‟, é o „intérprete autêntico‟. No sentido conferido a essa expressão por Kelsen
(1979/469 e ss.) – isto é, fundamentadamente o juiz (GRAU, Eros Roberto. O Direito posto e o
Direito pressuposto. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 95).
187
vindo a insegurança do intérprete ser eliminada por critérios valorativos de
ponderação entre o elemento sistêmico ou sistemático e o teleológico ou finalístico,
em amplitude normativa, antológica e axiológica.
Não haveria por consequência, trabalhando-se sob essa inspiração hipótese
de lacuna que não fosse preenchível pelo intérprete em face do apontado vácuo da
medida provisória.209
Ante essa evidência seria mesmo confrontável o raciocínio de que se fariam
necessárias as balizas e injunções dos §§ 11 e 12, do artigo 62, da Constituição da
República Federativa do Brasil, que atribuem à medida provisória que perdeu a
eficácia ultratividade, ainda que seja para ressalva de relações jurídicas surgidas em
sua vigência. Porque a multiplicidade de elementos dotados de juridicidade haurida
no plexo complexo de um sistema aberto para compreensão do Direito permitiria a
eleição da norma justa e razoável para assegurar a efetividade dos direitos daqueles
afetados pelas medidas provisórias.210
O sistema jurídico brasileiro, em face fundamentalmente das disposições dos
artigos 4º e 5º, da Lei de Introdução ao Código Civil, Decreto-lei nº 4.657, de 4 de
setembro de 1942, que se arremata pela disposição do artigo 126, do Código de
Processo Civil, está suficientemente aparelhado para solucionar questões relativas
sob ótica de juridicidade sistêmica, que possam decorrer do apontado vácuo
legislativo de fato ocorrente no período compreendido entre a perda de eficácia da
medida provisória e a edição do decreto legislativo que disponha sobre as relações
jurídicas surgidas em sua vigência.211
209
Conforme MACHADO, Hugo de Brito. Regulamentação das relações jurídicas decorrentes de
medidas provisórias. A questão da não-conversão em lei e a perda da eficácia. A derrogação de
leis anteriores. Boletim de Direito Administrativo, São Paulo, p. 403-412, jun. 1997.
210
Técnica interpretativa teleológica e integração das lacunas ontológica e axiológica. O art. 5º,
„sub examine‟, indica ao magistrado o critério do fim social e o do bem comum como idôneos à
adaptação da lei às novas exigências sociais e aos valores nela positivados, tanto na interpretação
como na integração da lacuna ontológica ou axiológica. O bem comum e a finalidade social são
fórmulas gerais ou valorativas que uniformizam a interpretação, constituindo pontos referenciais
para que se aprecie a lei a aplicar sob o prisma do momento de sua aplicação. O art. 5º está a
consagrar a equidade como elemento de adaptação e integração da norma ao caso concreto
(DINIZ, Maria Helena. Código Civil anotado. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 7).
211
Art. 4º. Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os
princípios gerais de direito.
Art. 5º. Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do
bem comum.
188
8.3
Da
Disciplina
das
Relações
Jurídicas
Originárias
das
Medidas
Provisórias Faltas de Eficácia
Como se expôs, a disciplina das relações jurídicas originárias das medidas
provisórias faltas de eficácia deve ser feita por decreto legislativo nos termos do § 3º,
do artigo 62, da Constituição Federal, nas hipóteses de suas rejeições expressas ou
tácitas, estas últimas por perda de eficácia em consequência da não conversão
delas em lei, no prazo de 120 dias. Faltante o decreto legislativo, essas relações
continuarão disciplinadas pela medida provisória nos termos dos §§ 11 e 12, desse
mesmo artigo, de nossa Constituição.
Verificada a situação anterior à Emenda Constitucional nº 32, de 11 de
setembro de 2001, o balanço das medidas provisórias é o que consta do quadro
abaixo.
Art. 126. O juiz não se exime de sentenciar ou despachar alegando lacuna ou obscuridade da lei.
No julgamento da lide caber-lhe-á aplicar as normas legais; não as havendo, recorrerá à analogia,
aos costumes e princípios gerais do direito.
189
Quadro 1 - Medidas Provisórias anteriores à Emenda Constitucional nº 32, de 2001
Medidas Provisórias – Edição e rejeição por Governo (1988 – 2001)*
Governo
Medida
Provisória
Sarney
Collor
Itamar
FHC (1º)
FHC (2º)
Total
Geral
Originárias
125
89
142
160
103
619
Reeditadas
22
70
363
2.449**
2.587***
5.491
Convertidas
96
74
71
130
98
473
Revogadas
2
5
5
12
4
28
Sem eficácia
6
8
15
3
2
34
Rejeitadas
9
11
0
1
1
22
Com Decreto
1
1
5
0
0
7
*Anteriores à EMC nº 32, de 11/9/2001.
** Inclui 699 reedições de medidas originárias dos governos anteriores.
*** Inclui 137 reedições de medidas originárias dos governos anteriores.
Fonte: COUTO, Claudio. O segundo governo FHC: coalizões agendas e instituições. Tempo
social: revista de sociologia da USP, v. 15, n. 2, p. 269-301, nov. 2003.
Extraído de: TEMER, Michel. Deixem o Legislativo legislar. Senatus, Brasília, v. 7, n. 1, p. 12-13,
jul. 2009.
De outro bordo, posteriormente à Emenda Constitucional nº 32, de 11 de
setembro de 2001, tem-se a situação que segue.
190
Quadro 2 - Medidas Provisórias posteriores à Emenda Constitucional nº 32, de 2001
Medidas Provisórias – Edição e rejeição por Governo (2001* – 2009)
Governo
Medida
Provisória
Editadas
Convertidas
Em tramitação
Prejudicadas
Rejeitadas
Sem eficácia
Vetadas**
Revogadas
Com Decreto
FHC (2º)
Lula
(1º)
Lula
(2º)
102
84
-2
14
1
1
0
0
240
201
-2
9
8
0
2
1
119
90
15
-7
3
-4
0
Total
Geral
461
375
15
4
30
12
1
6
1
*Posteriores à EMC nº 32, de 11/9/2001.
** Foi vetado o projeto de conversão.
Fonte: Página da Presidência da República na internet <http://www.presidencia.gov.br>
Extraído de: TEMER, Michel. Deixem o Legislativo legislar.
Senatus, Brasília, v. 7, n. 1, p. 12-13, jul. 2009.
Conclui-se, então, consideradas as medidas originárias e reeditadas no Brasil,
as quais atingiram até 2009, segundo o quadro acima, 6.946 edições e que
resultaram em 6.098 medidas provisórias, com eficácia perdida, que apenas 8 delas
tiveram as relações jurídicas ensejadas por suas eficácias, disciplinadas por decreto
legislativo, desde que existe, entre nós, a medida provisória, no período de 5 de
outubro de 1988 até junho de 2009, levadas em conta as informações extraídas dos
quadros acima.
Entretanto, o número de decretos legislativos com essa finalidade, até a
presente data e desde 5 de outubro de 1988, data da entrada em vigor da
Constituição da República Federativa do Brasil, que introduziu, entre nós, as
medidas provisórias, é o de somente 5 decretos legislativos, dos quais 4 anteriores à
Emenda Constitucional nº 32, de 11 de setembro de 2001. Quais sejam, o decreto
legislativo nº 33, de 16 de dezembro de 1994, referindo-se à medida provisória nº
29, de 15 de janeiro de 1989; o decreto legislativo nº 27, de 22 de junho de 1994, às
medidas provisórias nºs 381, de 6 de dezembro de 1993, 408, de 6 de janeiro de
1994, 425, de 4 de fevereiro de 1994, e 446, de 9 de março de 1994; o decreto
legislativo nº 17, de 20 de abril de 1994, à medida provisória 434, de 27 de fevereiro
191
de 1994; o decreto legislativo 166, de 28 de junho de 1991, à medida provisória 296,
de 29 de maio de 1991.
Por fim, posteriormente, à Emenda Constitucional nº 32, o decreto nº 14, de
10 de dezembro de 2004, à medida provisória nº 196, de 2 de julho de 2004, único
decreto legislativo a disciplinar relações jurídicas surgidas em consequência da
edição de medidas provisórias que perderam eficácia, posteriormente à Emenda
Constitucional nº 32, de 11 de setembro de 2001.
É o que pode ser conferido no quadro que segue, quanto às medidas
provisórias editadas anteriormente à Emenda Constitucional nº 32, de 11 de
setembro de 2001, em que são relacionados os decretos legislativos existentes com
as medidas provisórias a que eles se referem, indicando-se, em síntese, as matérias
por eles abrangidas.
192
MEDIDAS PROVISÓRIAS REJEITADAS E
QUE PERDERAM A EFICÁCIA: REGULADAS
POR DECRETO LEGISLATIVO
ANTERIORES À EC 32
Medida Provisória nº 29,
de 15 de janeiro de 1989.
Dispõe sobre a organização da
Presidência da República e dos Ministérios
e dá outras providências.
DECRETOS LEGISLATIVOS
ANTERIORES À EC 32
DECRETO LEGISLATIVO Nº 33, DE 16 DE
DEZEMBRO DE 1994: São convalidadas as
relações jurídicas decorrentes dos atos
administrativos que digam respeito à gestão
orçamentária e financeira pública, praticados
durante o período no qual teve eficácia a Medida
Provisória nº 29.
Medida Provisória n° 381,
de 6 de dezembro de 1993.
Altera dispositivos das Leis n°s 8.212 e 8.213,
de 24 de julho de 1991,
e dá outras providências.
Medida Provisória n° 408,
de 6 de janeiro de 1994.
Altera dispositivos das Leis n°s 8.212 e 8.213,
de 24 de julho de 1991,
e dá outras providências.
Medida Provisória n° 425,
de 4 de fevereiro de 1994.
Altera dispositivos das Leis nºs 8.212 e 8.213,
de 24 de julho de 1991,
e dá outras providências.
DECRETO LEGISLATIVO N° 27,
DE 22 DE JUNHO DE 1994:
Consideram-se válidos, para todos os efeitos
legais, os atos praticados pelo Poder Executivo
durante a vigência das Medidas Provisórias n°s
381, de 6 de dezembro de 1993, 408, de 6 de
janeiro de 1994, 425, de 4 de fevereiro de 1994,
e 446, de 9 de março de 1994.
Medida Provisória nº 446,
de 9 de março de 1994.
Altera dispositivos das Leis n°s 8.212 e 8.213,
de 24 de julho de 1991,
e dá outras providências.
Medida Provisória n° 434,
de 27 de fevereiro de 1994.
Dispõe sobre o Programa de Estabilização
Econômica, o Sistema Monetário Nacional,
institui a Unidade Real de Valor (URV)
e dá outras providências.
Fonte: Autoria do próprio autor desta dissertação.
DECRETO LEGISLATIVO Nº 17,
DE 20 DE ABRIL DE 1994:
São mantidos os efeitos financeiros decorrentes
da aplicação da Medida Provisória nº 434, de
1994, no âmbito dos Poderes Executivo,
Legislativo, Judiciário e do Ministério Público da
União, referentes à retribuição dos servidores
públicos civis e militares, dos aposentados e dos
pensionistas, exclusivamente em relação ao
mês de março de 1994.
Continua...
193
Medida Provisória nº 296,
de 29 de maio de 1991.
Altera a remuneração dos funcionários civis e
militares da União e dá outras providências.
DECRETO LEGISLATIVO Nº 166,
DE 28 DE JUNHO DE 1991:
São mantidos os efeitos financeiros decorrentes
da aplicação da Medida Provisória nº 296,
de 29 de maio de 1991, incidente sobre as
folhas de pagamento dos servidores civis e
militares da União, referentes aos meses de
maio e junho de 1991.
Fonte: Autoria do próprio autor desta dissertação.
Conclusão
Idêntica comparação se pode fazer entre o único decreto legislativo editado
após a vigência da Emenda Constitucional nº 32, de 11 de setembro de 2001, a
regular relações jurídicas decorrentes de medida provisória que perdeu a eficácia e
a medida provisória que guarda relação com ele, como se expõe abaixo.
MEDIDA PROVISÓRIA REJEITADA
E REGULADA POR DECRETO
LEGISLATIVO POSTERIOR À EC 32
Medida Provisória nº 196,
de 2 de julho de 2004.
Abre crédito extraordinário, em favor dos
Ministérios da Agricultura, Pecuária e
Abastecimento e do Meio Ambiente, no valor
de R$ 86.080.000 para os fins que especifica.
DECRETO LEGISLATIVO
POSTERIOR À EC 32
DECRETO LEGISLATIVO Nº 14, DE 10 DE
DEZEMBRO DE 2004:
Consideram-se válidos e perfeitos,
para todos os efeitos legais, os atos praticados e
os deles decorrentes, bem como as despesas
executadas ou em execução sob a égide da
Medida Provisória nº 196, de 2 de julho de 2004,
que autoriza a abertura de crédito extraordinário
pelos Ministérios da Agricultura, Pecuária e
Abastecimento e do Meio Ambiente.
Fonte: Autoria do próprio autor desta dissertação.
Como se verifica, os decretos legislativos apenas ratificam a validade de atos
praticados nos termos das medidas provisórias que perderam a eficácia e a que eles
se referem.
194
8.4 Arremate
Pesquisa no Congresso Nacional acusa o que se informa neste trabalho.
Projetos de Emenda Constitucional relativos às Medidas Provisórias.
ANO
PEC
2003
SF PEC 69/2003
de 2/9/2003
2004
SF PEC 14/2004
de 29/3/2004
2004
SF PEC 21/2004
de 27/4/2004
2004
SF PEC 32/2004
de 25/5/2004
2004
SF PEC 35/2004
de 9/6/2004
2004
SF PEC 45/2004
de 24/8/2004
2004
SF PEC 47/2004
de 17/9/2004
2004
SF PEC 56/2004
de 16/11/2004
2006
SF PEC 11/2006
de 21/2/2006
EMENTA
Altera o § 1º, do artigo 62, da
Constituição Federal, para vedar
a edição de medida provisória
referente a matéria objeto de
veto rejeitado na mesma
legislatura.
Inclui novo parágrafo ao artigo
62, da Constituição Federal,
para prever que lei
complementar fixe os
pressupostos de urgência para
medidas provisórias.
Altera o artigo 62, da
Constituição Federal, para
estabelecer nova sistemática de
edição de medidas provisórias
pelo Presidente da República,
com concessão de eficácia e
força de lei pela Mesa do
Congresso Nacional.
Dá nova redação ao art. 62, da
Constituição Federal, que
dispõe sobre a edição de
medidas provisórias.
Altera o artigo 62, da
Constituição Federal, para
acrescentar-lhe o § 13, na forma
que especifica. (Dispõe sobre a
edição de Medidas Provisórias).
Altera o artigo 62, § 1º, I, da
Constituição Federal, que
dispõe sobre as vedações à
edição de medidas provisórias.
Altera a Constituição Federal
para extinguir o instituto da
medida provisória.
Altera o art. 62, da Constituição
Federal. (Alterar o processo de
votação e tramitação das
Medidas Provisórias).
Dá nova redação ao caput do
art. 62, da Constituição Federal,
para limitar a dez o número
anual de medidas provisórias
que o Presidente da República
poderá adotar.
Fonte: Autoria do próprio autor desta dissertação.
SENADOR
Rodolpho Tourinho
Rodolpho Tourinho
Hélio Costa
Marcelo Crivella
Paulo Paim
Renan Calheiros
Papaléo Paes
Eduardo Azeredo
José Jorge
Continua...
195
2007
SF PEC 3/2007 de
6/2/2007
2007
SF PEC 11/2007 de
1/3/2007
2007
SF PEC 78/2007 de
22/8/2007
2008
SF PEC 25/2008 de
18/6/2008
2008
SF PEC 45/2008 de
10/12/2008
Acrescenta inciso V ao § 1º, do
art. 62, da Constituição Federal,
para vedar a edição da medida
provisória sobre matéria objeto
de projeto de lei em tramitação
no Congresso Nacional.
Altera o § 9º, do art. 62, da
Constituição Federal, para
estabelecer que as medidas
provisórias serão despachadas,
pela Mesa de cada uma das
Casas, à comissão permanente
com a qual tenham maior
pertinência temática.
Altera o art. 62, da Constituição
Federal, para disciplinar a
edição de medidas provisórias.
Altera a redação do § 6º, do art.
62, da Constituição Federal,
para evitar o sobrestamento de
deliberações legislativas da
Casa em que estiver tramitando
a medida provisória.
Acrescenta inciso ao art. 85, da
Constituição Federal, que trata
dos crimes de responsabilidade
do Presidente da República, e
dá nova redação ao § 3º, do art.
167, que permite edição de
Medida Provisória para abertura
de crédito extraordinário.
César Borges
Expedito Júnior
Marcelo Crivella
Osmar Dias
Flexa Ribeiro
Fonte: Autoria do próprio autor desta dissertação.
Nenhum
desses
projetos
externa
Conclusão
preocupação
com
a
questão
da
regulamentação das relações jurídicas originárias nas medidas provisórias que
perderam eficácia.
Do cotejo desses elementos com outros já referidos neste trabalho que
acusam a existência de apenas 5 decretos legislativos, para regulação de medidas
provisórias que perderam a eficácia, seja por rejeição ou por decurso de prazo,
desde a promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil que as
instituiu entre nós, resulta irrefutável que de fato não existe preocupação com essa
questão e que a sociedade e os seus representantes não exprimem dar importância
ao mandado do § 3º, do artigo 62, da Constituição, que dispõe sobre caber ao
Congresso Nacional por via do decreto legislativo disciplinar as relações jurídicas
decorrentes da medida provisória que perdeu eficácia.
196
Este trabalho inspira-se em Paulo de Barros Carvalho, para sugerir a solução
do problema:
212
Uma análise mais apressada da parte final do parágrafo único do art. 62
sugere que, rejeitada a medida provisória, esta há de perder sua eficácia, a
contar da publicação (efeito “ex tunc”), movimentando-se o Congresso
Nacional para o fim de disciplinar as relações jurídicas delas decorrentes.
Quem se ativer à leitura pura e simples do texto dificilmente deixará de
entender que cabe ao Poder Legislativo regrar as situações jurídicas
remanescentes, sempre que a proposta for rejeitada. Contudo, meditação
mais atenta demonstrará logo que, havendo a perda de eficácia, contada da
sua entrada em vigor, os efeitos da medida serão desfeitos. Isso
naturalmente, com relação àqueles que suportarem o desfazimento, posto
que os já consumados ganham definitividade, podendo, quando muito,
estudar-se a composição dos danos porventura verificados. Se assim é
considerando-se que tais situações fogem por completo dos esquadros
genéricos da previsão legislativa, em vista da extraordinária gama de
eventos que podem assumir tal condição de imutabilidade jurídica, o
remédio apropriado será invocar-se a prestação jurisdicional do Estado para
que, mediante a expedição de normas „individuais e concretas‟, o Poder
Judiciário atenda às peculiaridades de cada caso, fazendo incidir o direito
positivo nos variados tipos de concreção factual insusceptíveis de
desfazimento. Tomemos o exemplo de alguém que se viu privado da
liberdade, por virtude da aplicação da regra contida em medida provisória
que não logrou aprovação (expressa ou tácita) pelo Parlamento. De
evidência que a violação de seu direito à liberdade consolidou-se, de tal
modo que a desconstituição do ato se tornou impossível. Cumpre ao
prejudicado, em face da lesão de seu direito individual, buscar decisão
judiciária que, não podendo recompor a situação anterior, determine a
reparação do dano efetivamente praticado. Mas, convenhamos, isso dista
de ser função do Poder Legislativo, mesmo porque, como já foi dito, os
acontecimentos dessa natureza revestem-se de múltiplas e imprevisíveis
colaborações existenciais, reclamando grau de especificidade que só o
judiciário pode oferecer.
Mais e mais, cometida atribuição desse tope ao Legislativo, ficaria ele
entretido com assuntos que julgou irrelevantes, inoportunos ou
incompatíveis, representando autêntica violência contra esse Poder da
República compeli-lo a restaurar a ordem jurídica arranhada por
expedientes utilizados com açodo ou imprevisão pelo Executivo. Sua
213
missão constitucional está bem longe de ser esta.
De fato, o Professor Paulo de Barros Carvalho parece ter razão. A solução
jurídica e constitucional de sorte a evitar o mal maior que é a regulação de relações
jurídicas em definitivo por instrumentos que não sejam lei, material e formalmente
falando, é que a composição da situação daqueles afetados por perda de eficácia de
212
Continua válido o raciocínio em face da atual redação do artigo 62, da Constituição da República
Federativa do Brasil, com sua alteração pela Emenda Constitucional nº 32, de 11 de setembro de
2001.
213
CARVALHO, Paulo de Barros. Medidas Provisórias. Revista de Direito Público, São Paulo, n. 97,
ano 24, p. 38-39, jan./mar. 1991.
197
medida provisória seja acertada pelo Poder Judiciário, de maneira até mesmo mais
justa e inclusive no campo da responsabilidade civil objetiva do Estado.
Lamentavelmente, de maneira tácita, tanto o Congresso como a sociedade, é
o que mostram as estatísticas, não se incomodam em permitir que medidas
provisórias que perderam a eficácia continuem a viger, eis que há reiterada omissão
do Congresso Nacional quanto a editar o decreto legislativo para o regramento das
situações pendentes em consequência da perda de suas vigências, enquanto elas
vigeram precariamente.
De outro bordo, a continuidade de vigência de medidas provisórias sem
eficácia por tempo indefinido e vigência permanente, como se dá na hipótese do §
11, do artigo 62, da Constituição da República Federativa do Brasil, na medida em
que consagra uma inconstitucionalidade, perde em favor da ideia de deixar em mãos
do Judiciário decidir sobre o que acontece com as relações jurídicas ocorrentes no
período de vigor de medidas provisórias que perderam vigência, porque isso é de
acordo com a estrutura geral da Constituição Brasileira de 5 de outubro de 1988,
apelidada com Justiça, Constituição Cidadã.
198
CONCLUSÃO
A primeira conclusão que se extrai deste trabalho é a de que o nome técnico
do instituto jurídico com os contornos da medida provisória no Direito Europeu é o de
Decreto-lei.
No que tange aos requisitos de habilitação dessa figura normativa, a condição
que os identifica de relevância e urgência, com pertinência à medida provisória
propriamente dita e de necessidade e urgência com relação ao Decreto-lei italiano
ou de urgência ou interesse público relevante, em face do Decreto-lei brasileiro, nas
Constituições brasileiras de 1967 e 1969, entende-se que essa variação de
pressupostos, não obstante digressões jurídicas em suas verificações, para
conclusão da oportunidade de edição da medida, em verdade, é um circunlóquio.
A condição de habilitação do legislador para editar uma medida provisória sob
a ótica da doutrina emana de situação típica que pode ser identificada nas diretrizes
consignadas em definição do saudoso Geraldo Ataliba, que bem exprime o requisito
básico para a edição desta legislação especialíssima:
Para que se realize a hipótese de cabimento do decreto-lei [leia-se assim
medida provisória] e que, portanto, se verifique o pressuposto de
competência presidencial para expedi-lo, é necessário que surja uma
situação imprevisível, configurando uma emergência exigente de
providência normativa imediata. Vale dizer: que irrompa subitamente o
214
estado de premência requerendo disciplina instantânea.
Contextualizadas essas circunstâncias, destrava-se, em senso doutrinário, a
autorização permissiva da atuação do titular do Poder Executivo em legislar pela
medida provisória, já como demonstrado, em cenário que não seja o que enseje o
estado de emergência ou o estado de sítio.
Essa conclusão à vista desta pesquisa é bastante plausível, na medida em
que resta evidente que, por seus contornos e aprofundamentos, se torna impossível
entender que a compreensão do Decreto-lei em parâmetro de similaridade com a
medida provisória signifique uma equiparação dela ao Decreto-lei das Constituições
214
ATALIBA, Geraldo. O decreto-lei na Constituição de 1967. São Paulo: Revista dos Tribunais,
1967. p. 183.
199
de 1969 e 1967, muito embora haja quem considere a medida provisória um
sucedâneo do Decreto-lei, o que obviamente não é a conclusão deste aluno.
Outra questão que merece destaque, esta já refutada no bojo deste estudo, é
a relativa ao regulamento autônomo, em que pesem as doutas opiniões de Hely
Lopes Meirelles e Eros Roberto Grau, referidas no trabalho e admitentes do
regulamento autônomo no Direito brasileiro, e não obstante atualmente a já
apontada atuação do Conselho Nacional de Justiça215, a qual se caracteriza por uma
atuação de disciplina da Magistratura brasileira por meio de regulamentos, estes
com nítidas características de lei em senso material.
Assim importa reiterar que a conclusão deste estudo é a de que somente a lei
pode inovar a ordem jurídica, revogando as disposições conflitantes dentro da
estrutura da Constituição, a parafrasear o entendimento já referido no trabalho do
saudoso Osvaldo Aranha Bandeira de Melo, mencionado pelo não menos querido e
igualmente saudoso Professor Celso Bastos.
Este estudo conclui pela constitucionalidade da medida provisória, não
apenas pela literalidade da disposição constitucional, mas, substancialmente, por
sua circunstancialização no texto e contexto da Constituição da República
Federativa do Brasil, de 5 de outubro de 1988, com os quais ela é absolutamente
compatível e consentânea.
Tanto não bastasse, destaca-se a natureza de liceidade constitucional que
ostenta esse instrumento nos parâmetros do constitucionalismo europeu.
Trata-se, é o que se conclui, a medida provisória de um instrumento
legislativo necessário à disposição do Poder, para a solução de questões
215
O Jornal O Estado de São Paulo, de 21 de fevereiro de 2010, noticia CNJ manda vender bens
apreendidos pela Justiça, referindo-se à autorização que este Conselho baixou para autorizar a
venda de bens apreendidos em consequência de diligências policiais existentes em processos
respectivos, com a seguinte especificação noticiosa: A recomendação leva em conta a
conveniência e, sobretudo, a urgência na deliberação pelos juízes „em face da necessidade de
administração dos bens apreendidos e que, sem prejuízo das determinações próximas ou futuras,
estão sob a responsabilidade material administrativa do Judiciário‟. Os juízes, desde a data da
efetiva apreensão, terão que manter „ rigoroso acompanhamento do estado da coisa ou bem,
diretamente ou por depositário formalmente para isso designado sob responsabilidade‟. Este
estudo não compartilha da estrita legalidade do procedimento e reitera sua opinião contrária ao
regulamento autônomo, em que pese reitere-se pensamentos contrários que concretizam por
regulamentos, procedimentos e ações que somente poderiam dar-se por via de lei, como este
agravo referido do Conselho Nacional de Justiça.
200
emergenciais, que a história aponta permanentemente ocorrentes no contexto
político nacional, a exigir pronta providência do Governo.
Na circunstância atual em que, por disposição constitucional, o recesso
parlamentar do Congresso Nacional não dispensa a constituição de uma
Comissão216, para responder por suas atividades nesse período, entende-se
pudesse haver interação imediata dessa Comissão com a Presidência da República,
para dotar do respaldo da maior representatividade política possível a edição de
uma medida provisória.
Assim, de lege ferenda estudos poderia haver que, sem tolher a iniciativa do
Poder Executivo em legislar pela medida provisória, possibilitassem a absorção do
instituto no sistema legislativo e propriamente no processo de sua conversão em lei,
por via de um juízo de prelibação para a medida provisória. Mais rápido e tendente a
minimizar as possibilidades de confronto entre os Poderes, sem se esquecer de que
o
Poder Judiciário, pelo
controle de constitucionalidade, deve
buscar o
aprofundamento no julgamento da semântica difusa da relevância e urgência para
dilucidar em senso jurídico o conteúdo de expressão material desses requisitos de
habilitação da medida provisória.
De outro bordo, muito embora, é o que demonstra a pesquisa deste trabalho,
a ação normativa do Poder Executivo tenha origem no decreto e este historicamente
seja um ato de quem se impõe pela força, a evolução histórica do Direito, em que
pese antever certa raiz da medida provisória posta nesses atos, não a desnatura
como instrumento jurídico democrático posto no contexto da tripartição de Poder.
A visualização da medida provisória como um ato autoritário do Poder é um
equívoco e resta evidente que a disfunção de sua instrumentalização malversada é
que propende para um confronto de Poder, que, tencionando a relação entre o
Legislativo e o Executivo, exige sem dúvida o reequilíbrio da harmonia de Poderes
pela ação do Supremo Tribunal Federal, na qualidade de guardião da Constituição e
por meio do controle de constitucionalidade.
216
Art. 59, § 4º, da Constituição Federal: § 4º Durante o recesso, haverá uma Comissão
representativa do Congresso Nacional, eleita por suas Casas na última sessão ordinário do período
legislativo, com atribuições definidas no regimento comum, cuja composição reproduzirá, quanto
possível, a proporcionalidade da representação partidária.
201
No momento histórico atual em que a coragem do Presidente Michel Temer
levanta a questão da autonomia do Poder Legislativo em face do travamento de sua
pauta para a decisão do Supremo Tribunal Federal, é relevante apontar a
necessidade de aprimoramento do instituto medida provisória, que, certamente,
ainda será muito útil ao Estado e à Sociedade Brasileira, tolhidos os abusos do
Poder Executivo, em sua instrumentalização.
Tenha-se em conta, ainda, que não se pode aceitar o entendimento de que a
medida provisória seja compatível com o Parlamentarismo e que ela, no âmbito do
Presidencialismo, seja cesarismo.
Sem embargo de que o Parlamentarismo possa atenuar crises no Poder,
resultantes de confronto entre o Governo e o Parlamento, a experiência demonstra
que, mesmo em regimes parlamentaristas como os da Itália, da Espanha e da
Alemanha, a harmonia entre os Poderes Legislativo e Executivo perfaz-se pelo
controle de
constitucionalidade
possível,
também,
como mediador desses
confrontos, no contexto do Presidencialismo.
Quanto ao cesarismo, este somente é possível na medida da asfixia do Poder
Legislativo pelo abuso do Poder Executivo na edição de medidas provisórias, o que
é uma situação absolutamente inconstitucional.
Finalmente, afaste-se a medida provisória de qualquer relação com o
decisionismo porquanto ela é essencialmente um instrumento de legislação haurido
em constitucionalidade explícita em face da Constituição da República Federativa do
Brasil.
202
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