TRATAMENTO DO CÂNCER DE PULMÃO NÃO-PEQUENAS
CÉLULAS ESTÁGIOS I E II
Autores:
Rodrigo Silva Cavallazzi (1)
Antônio César Cavallazzi (2)
1.Residente de Pneumologia da Universidade Federal de São Paulo
2.Professor Adjunto da Universidade Federal de Santa Catarina
Contato: Rodrigo Silva Cavallazzi. E-mail: [email protected]
O câncer de pulmão é uma doença que se apresenta tardiamente, tem
uma sobrevida mediana de 6 a 12 meses a partir do diagnóstico e uma
sobrevida em 5 anos de 10 a 15% (1). Seus quatro tipos histológicos principais
são o carcinoma escamoso, adenocarcinoma, carcinoma de pequenas células e
carcinoma de grandes células. Esses tipos principais são ainda
subclassificados em subtipos mais específicos tal como o carcinoma
bronquioloalveolar, considerado uma variante do adenocarcinoma. Apesar dos
vários subtipos, a distinção mais importante é entre câncer de pulmão de
pequenas células e câncer de pulmão não-pequenas células (CPNPC) (2).
Em 1997, houve uma revisão do Sistema Internacional de Estadiamento
do Câncer de Pulmão. Não houve mudança na classificação do N e do M;
apenas uma mudança no T. Previamente, os nódulos não contíguos ao tumor
primário representavam metástase e eram classificados como M1. Na
classificação revisada, os nódulos satélites que estão dentro do mesmo lobo
que o tumor primário são classificados como T4 e nódulos fora do lobo do
tumor primário permanecem como M1. Ainda na classificação revisada, os
pacientes do estágios I e II foram subclassificados em dois subgrupos (IA e
IB; IIA e IIB) porque pacientes com lesão T1 têm melhor prognóstico que os
com lesão T2. (tabelas 1 e 2). Menos de 25% dos pacientes com CPNPC se
apresentam com a doença nos estágios I e II (3, 4).
Depois do estágio, as características mais importantes para o
prognóstico são o performance status, a perda de peso e o sexo (o sexo
feminino com melhor prognóstico). Muitos artigos sugerem que marcadores
biológicos e genéticos também são de importância prognóstica (5). No Brasil,
um estudo de 1635 pacientes com CPNPC avaliou a relação entre as
características clínicas e a sobrevida. Os fatores independentes relacionados a
uma sobrevida boa nos estádios I e II foram um diagnóstico de carcinoma
bronquioloalveolar, tumores pequenos, ausência de rouquidão e tratameno por
cirurgia e radioterapia (6).
Tradicionalmente, os estágios I e II do CPNPC são considerados doença
cirúrgica. De fato, o tratamento atual mais comum é a cirurgia isolada. O
papel da quimioterapia adjuvante ou radioterapia no CPNPC estágio precoce
ainda não está totalmente estabelecido. Com relação à cirurgia, uma questão
importante é a extensão da ressecção cirúrgica e sua influência na sobrevida.
Define-se como ressecção anatômica a remoção de uma unidade de tecido
pulmonar com seu brônquio, vasos sanguíneos, linfáticos e linfonodos
associados. A lobectomia, a pneumectomia e suas variações são as operações
padronizadas. A ressecção broncoplástica é uma alternativa anatômica à
pneumectomia e tem se mostrado viável em alguns pacientes. A incerteza
prevalece na categoria das ressecções limitadas (segmentectomia e excisão em
cunha). A segmentectomia, diferentemente da excisão em cunha, é uma
excisão anatômica. Deve-se ressaltar também a importância da avaliação dos
linfonodos tanto no prognóstico quanto no tratamento. Tal avaliação pode ser
feita de cinco modos: (1) avaliação dos linfonodos aderidos à amostra, (2)
amostragem somente dos linfonodos anormais, (3) amostragem sistemática de
todas as estações acessíveis, (4) dissecção completa de linfonodos
mediastinais ipsilaterais e (5) dissecção completa bilateral. Os dois primeiros
modos são insuficientes uma vez que a doença N2 frequentemente coexiste
com linfonodos N1 macroscópicos, e linfonodos de aparência normal
freqüentemente contêm metástases. A dissecção bilateral não é feita na
maioria dos centros. A amostragem sistemática é a mais realizada atualmente
(7).
Tratamento do CPNPC Estágio I
De acordo com o sistema TNM, o estágio I compreende tumores T1 ou
T2 (tabelas 1 e 2), sem metástase para lifonodos mediastinais ou hilares (N0) e
sem metástases à distância (M0) (3). Menos de 10% dos pacientes com
CPNPC são diagnosticados neste estágio.
A sobrevida em 5 anos após ressecção do estádio IA varia entre 63 e
83%. Do IB, varia entre 43 e 78% (7).
O tratamento cirúrgico de escolha para pacientes com tumores T1N0 e
T2N0 limitados a um lobo é a lobectomia anatômica (4). Os dados com
relação à ressecção limitada são conflitantes e elas têm sido realizadas em
pacientes de alto risco que não podem tolerar uma lobectomia (8).
Warren e cols realizaram um estudo de 173 pacientes com CPNPC
estágio I que foram submetidos à segmentectomia pulmonar (n=68) ou
lobectomia (n=105). Nesse estudo, os pacientes com tumores maiores que 3cm
tiveram uma vantagem aparente na sobrevida quando submetidos à
lobectomia. Também, a taxa de recorrência loco-regional foi 22,7% depois de
segmentectomia e 4,9% depois de lobectomia (9).
Um ensaio randomizado e prospectivo de 276 pacientes (com análise de
247 pacientes) comparando lobectomia com ressecção limitada em pacientes
com CPNPC T1N0 mostrou que pacientes submetidos à ressecção limitada
tiveram um aumento de 75% na taxa de recorrência (p = 0,02), um aumento de
30% na taxa de morte geral (p = 0,08) e um aumento de 50% na taxa de morte
com câncer (p = 0,09) (10).
Uma análise recente de 100 pacientes com CPNPC com tumor menor
ou igual a 1cm mostrou uma sobrevida significativamente maior em pacientes
submetidos à lobectomia em comparação com a excisão em cunha ou
segmentectomia (p = 0,04) (11).
Outros trabalhos sugerem que a ressecção limitada pode ser uma
alternativa à lobectomia em pacientes de alto risco cirúrgico. Um trabalho
avaliou 63 pacientes com CPNPC T1N0M0 e comparou com outros 77
pacientes com a doença no mesmo estágio que foram submetidos à
lobectomia. Os autores não encontram diferença de sobrevida em 5 anos nos 2
grupos (12).
Tratamento do CPNPC Estágio II
O estágio II compreende os grupos T1N1M0, T2N1M0 e T3N0M0. Nos
estádios T1N1M0 e T2N1M0, a doença envolve os linfonodos
broncopulmonares e hilares, mas não há metástase para linfonodos
mediastinais ou à distância. No estádio T3N0M0, o tumor invade a parede
torácica ou o diafragma ou o pericárdio ou a pleura mediastinal, sem invadir
as estruturas viscerais, grandes vasos ou corpo vertebral; não há metástase
linfonodal ou à distância (tabelas 1 e 2) (3). Em muitas séries, o estágio II é a
apresentação menos comum do CPNPC.
A sobrevida em 5 anos após ressecção do estádio IIA varia entre 40 e
62%. Do estádio IIB (T2N1), varia entre 33 e 56%. Do estádio IIB (T3N0 com
invasão da parede torácica), varia entre 22 e 63% (7).
A cirurgia (idealmente a lobectomia) é considerada a forma de
tratamento mais efetiva para a doença no estádio II. A alta taxa de metátase à
distância depois da ressecção cirúrgica completa demonstra a necessidade de
terapia sistêmica adjuvante efetiva (13, 14). Na doença T3N0M0, o tumor que
envolve a musculatura da parede torácica ou osso requer ressecção en bloc.
Para os tumores do sulco superior (Pancoast), uma abordagem comum é a
radioterapia pré-operatória seguida de cirurgia com ressecção dos arcos
costais superiores, tecido intercostal, parênquima pulmonar e plexo braquial.
Vários outros regimes combinados estão sendo utilizados. A cirurgia para
tumores T3 centrais usualmente consiste em pneumectomia, lobectomia
broncoplástica ou pneumectomia carinal (7).
Radioterapia Pós-Operatória no CPNPC Estágios I e II
Alguns estudos mostram uma diminuição na taxa de recorrência locoregional com a radioterapia pós-operatória, especialmente no estágio IIIdoença N2, mas não há impacto na sobrevida (15).
Em 1998, uma metanálise de nove ensaios randomizados de
radioterapia pós-operatória versus cirurgia isolada no CPNPC completamente
ressecado mostrou um efeito adverso significante na sobrevida no grupo
tratado com a radioterapia pós-operatória. A análise de subgrupo mostrou que
o efeito adverso foi maior para pacientes estágios I/II, doença N0-N1. Em
pacientes com estágio III e doença N2, não houve evidência clara de um efeito
adverso (16).
Um outro ensaio clínico randomizou 366 pacientes com doença N1 e
N2 para cirurgia e radioterapia pós-operatória (183 pacientes) versus cirurgia
isolada (182 pacientes). A radioterapia pós-operatória reduziu a recorrência
local, mas não houve impacto nas metástases à distância e na sobrevida (17).
Radioterapia Radical no CPNPC Estágios I e II
A radioterapia radical pode ser considerada para os pacientes de alto
risco cirúrgico ou que não querem se submeter à cirurgia (1, 18). Os pacientes
são comumente tratados com frações diárias, de segunda a sexta-feira, até uma
dose total de 60-70 grays, durante 6 a 8 semanas. Novos esquemas de
hiperfracionamento têm surgido. Na radioterapia hiperfracionada, a dose por
fração é reduzida e a dose total é aumentada. Na radioterapia acelerada, a
duração total da radioterapia é reduzida e o fracionamento maior da dose
também é uma característica comum. Um outro esquema recentemente testado
é a radioterapia acelerada hiperfracionada contínua (19).
Uma revisão de 347 pacientes com doença T1 e T2N0M0 tratados com
radioterapia radical (técnica padrão com dose de 50 grays, dose tumoral
mínima, em 20 frações durante 4 semanas) mostrou uma sobrevida geral em 5
anos de 27% com uma sobrevida mediana de 27,9 meses (20). Deve-se
ressaltar que os pacientes não operados são com freqüência subestadiados e de
condição médica ruim.
Em 1997, um ensaio randomizado comparou a radioterapia convencial
com a radioterapia acelerada hiperfracionada contínua em 563 pacientes com
CPNPC localizado. O grupo tratado com radioterapia acelerada
hiperfracionada contínua teve uma melhora na sobrevida em 2 anos de 9-20%
para 29%(p=0,004) (21).
Quimioterapia Neoadjuvante no CPNPC Estágios I e II
Embora a quimioterapia neoaduvante tenha sido extensivamente
estudada no CPNPC estágio IIIA com achados benéficos, poucos trabalhos
avaliaram seu papel na doença estágios I e II.
Recentemente, um grupo francês comparou a quimioterapia préoperatória (com 2 ciclos de mitomicina, ifosfamida e cisplatina e 2 ciclos pósoperatórios adicionais em respondedores) com a cirurgia primária no CPNPC
estágios I (exceto T1N0), II e IIIA. A sobrevida mediana foi 37 meses no
braço da quimioterapia pré-operatória e 26 meses no braço da cirurgia
primária. Uma diferença estatisticamente significante na sobrevida em 3 e 4
anos favorável para o braço da quimioterapia pré-operatória foi observada nos
estágios I e II (22).
Mais trabalhos sobre quimioterapia pré-operatória na doença estágios I
e II são necessários para torná-la um padrão de terapia
Quimioterapia Adjuvante no CPNPC Estágios I e II
O papel da quimoterapia adjuvante no CPNPC ainda não está
estabelecido. Em 1995, uma meta-análise de 52 ensaios clínicos randomizados
avaliou o efeito da quimioterapia na sobrevida de pacientes com CPNPC.
Havia 14 ensaios comparando a cirurgia isolada com a cirurgia mais a
quimioterapia na doença precoce. Os resultados mostraram um efeito nocivo
com os regimes contendo agentes alquilantes. Para os regimes contendo
cisplatina, os resultados foram consistentes e mostraram um benefício com a
quimioterapia (23).
Outro trabalho comparou 3 grupos de pacientes com CPNPC
completamente ressecado. Um grupo recebeu cisplatina, vindesina e
administração oral de tegafur mais uracil; outro grupo recebeu uracil via oral;
e um grupo recebeu tratamento cirúrgico somente. A sobrevida em 5 anos foi
49% para o grupo da cirurgia isolada; 60,6% para o grupo que recebeu
cisplatina, vindesina, tegafur e uracil; e 64,1% para o grupo que recebeu uracil
(24).
Finalmente, um trabalho mais recente com 488 pacientes com CPNPC
estágios II e IIIA comparou radioterapia pós-operatória com radioterapia mais
quimioterapia pós-operatória com cisplatina e etoposide. Não houve diferença
estatisticamente significante na sobrevida entre os 2 grupos (25).
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Tabela 1 - Descritores do T1-2 e do N0-1
Estágio
Definição
T1
Tumor ≤ 3cm no seu maior diâmetro, circundado por pleura
ou pulmão, sem evidência broncoscópica de invasão
proximal a um brônquio lobar.
T2
Tumor com qualquer das seguintes características:
Mais de 3cm no maior diâmetro;
Invade a pleura visceral;
Provoca atelectasia ou pneumonite crônica obstrutiva;
Estende-se à região hilar, porém, à broncoscopia o tumor
deve estar pelo menos 2cm distal à carina principal.
T3
Tumor de qualquer tamanho com:
Invasão direta da parede torácica (incluindo tumores do
sulco posterior) ou diafragma ou pericárdio parietal ou
pleura mediastinal, sem invadir estruturas viscerais, grandes
vasos ou corpo vertebral.
Tumor a menos de 2cm da carina.
N0
Ausência de metástases linfonodais
N1
Metástases linfonodais para a região peribrônquica,
linfonodos hilares ipsilaterais ou ambos, incluindo extensão
direta.
Tabela II – Agrupamento dos Estádios I e II
Estádio IA
T1N0M0
Estádio IB
T2N0M0
Estádio IIA
T1N1M0
Estádio IIB
T2N1M0
T3N0M0
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TRATAMENTO DO CÂNCER DE PULMÃO NÃO