Economia em baixa, bolsa em alta. O que vem pela frente?
Foi na semana passada. Não podia ser mais claro. As dificuldades da economia ficaram
evidentes. O Banco Central subiu os juros, argumentando que o balanço de riscos piorou
para a inflação. Foi divulgado o pior superávit primário da série histórica, e que a meta fiscal
não será atingida. Para complementar, recebemos notícias sobre dificuldades no
Congresso, problemas com auditores de estatais e riscos de racionamento em 2015. Pelo
menos, terminou. Refiro-me à semana, não ao resto, que permanece.
Mas, nessa mesma semana, a Bolsa subiu em torno de 5%, recuperando com folga a queda
após as eleições. Parece paradoxal. Os investidores não estariam atentos às más noticias?
Nada disso. O que há é a esperança de mudanças, de ajustes profundos, que alterem o
curso atual. O primeiro sinal seria a indicação de um novo ministro da Fazenda
comprometido com as mudanças. Os investidores aqui e no exterior querem acreditar que o
Brasil é uma boa notícia num mundo cada vez mais escasso de sucessos. Foi assim no
México e na Índia, após as respectivas eleições.
Dificuldades na economia sugerem um cenário sombrio à frente, enquanto as expectativas
do mercado indicam um cenário de ajustes profundos e de melhora à frente. Qual dos dois?
Primeiro, há de se reconhecer que o cobertor está curto (dizem que tanto na vertical quanto
na horizontal...). Um exemplo de cobertor curto é o ajuste nas contas públicas. É necessário
evitar que a dívida pública continue subindo e leve ao rebaixamento da classificação de
risco do Brasil. Caso contrário, a percepção de risco da economia aumenta, investidores se
retraem, o custo de rolar a dívida se eleva, o crescimento diminui e a inflação sobe, com
consequências negativas sobre a renda e o emprego.
Melhorar as contas públicas no curto prazo significa ajustes por meio de: (i) corte de
despesas; ou (ii) aumento de impostos. E aí começam os aparentes conflitos. A primeira
forma de ajuste é incompatível com sua própria natureza: as despesas são rígidas,
impulsionadas pelo aumento do salário mínimo. Mas é também conflitante com a
necessidade de convivência harmoniosa com o Congresso e com o resto da sociedade,
essencial no momento. Cortar despesas, como sabemos, é impopular. Pelo menos no curto
prazo. A segunda forma de ajuste conflita com o problema da atual inflação elevada.
Impostos mais altos tendem a ser pelo menos parcialmente repassados aos preços. Entra
também em conflito com o desejo do setor privado de investir e crescer, com menos
entraves. Ambas as formas de ajuste conflitam com o desejo do governo de continuar
impulsionando a economia para sair da estagnação atual.
O benefício é claro. O ajuste permite a retomada da confiança, a queda dos juros e o
crescimento maior ao longo dos próximos quatro anos. Ou seja, ajustar as contas públicas
requer a disposição de desagradar primeiro, para agradar no médio prazo. Para isso, é
preciso convicção do caminho a ser traçado.
Outro exemplo de cobertor curto é a inflação elevada e a necessidade de ajustar alguns
preços importantes na economia. A inflação encontra-se acima do teto da meta. Por isso, o
Banco Central continua subindo os juros, apesar do crescimento baixo, uma escolha difícil
(trade-off) para a autoridade monetária. Mas o conflito com a inflação não se encerra por aí.
A economia precisa elevar alguns preços administrados, que estão defasados, e o real
precisa depreciar para ajudar o déficit nas contas externas. O ajuste nos preços
administrados e a depreciação do câmbio pressionariam a inflação. O Banco Central teria
de se manter alerta para evitar a propagação desses ajustes de preço relativo.
Novamente, um conflito temporal. A inflação aumentaria no curto prazo para desafogar as
contas externas e setores importantes na economia. Isso elevaria o crescimento nos
próximos anos. Há disposição e convicção?
Esses conflitos aumentam a incerteza. Qual cenário devemos esperar?
Vejo três cenários possíveis à frente. Denominarei os cenários de ajustes profundos,
mínimos ajustes e sem ajustes. O cenário de ajustes profundos surpreenderia e angariaria a
volta da confiança. A Bolsa voltaria a subir, assim como os investimentos na economia. Ao
longo dos anos, o crescimento mais alto voltaria (imaginando esforços nas reformas
também), gerando ganhos de renda e emprego, com a popularidade em alta. É o cenário no
qual os investidores na Bolsa querem acreditar. No entanto, esse cenário requer uma
mudança profunda de regime, o que, com os atuais custos elevados no curto prazo, parece
menos provável.
O cenário sem ajustes é o da paralisia. Seja por entendimento diferente da conjuntura ou
por recuo diante das dificuldades, os ajustes não são feitos. Mudanças ou reformas podem
até ser anunciadas, mas a dura realidade ou a falta de convicção não permitiriam sua
implementação. Sem ajustes, os próximos anos serão desafiadores.
O cenário de mínimos ajustes é aquele em que eles são feitos na medida, para evitar a
perda de controle: ajustes fiscais para evitar a perda do grau de investimento, subida de
juros para a inflação voltar para a banda, reajuste gradual dos preços administrados e
suavização da trajetória de depreciação do câmbio. Reformas, apenas se necessário.
Esse cenário de mínimos ajustes permite manter o controle da economia, mas não a
retomada vigorosa do crescimento (que convergiria, por exemplo, para 2% ao ano, e não
para o dobro). Seria comparável ao desempenho do México nas últimas décadas. Uma
economia sem risco, mas com crescimento limitado.
O cenário de mínimos ajustes combina os incentivos econômicos para evitar a paralisia com
a realidade atual. Pode ser o meio termo a ser adotado.
Ao longo do tempo, vai ficar claro para todos os envolvidos o caminho escolhido. A
indicação da equipe econômica será o primeiro sinal. Ao longo do tempo, a implementação
ou não das mudanças e sua profundidade serão determinantes para o desempenho futuro
da economia brasileira.
Ilan Goldfajn é economista-chefe e sócio do Itaú Unibanco.
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