Tirando o Brasil da “confusão” Alguns leitores devem saber que sou flamenguista (espero que os outros não deixem de continuar lendo). Por isso, acompanhei durante o ano inteiro o técnico Vanderlei Luxemburgo repetir que seu principal objetivo era “tirar o Flamengo da confusão”. Ele se referia a evitar o rebaixamento para a segunda divisão. Foi bem-sucedido. A equipe conseguiu se estabelecer firmemente no meio da tabela. Não caiu. Mas também esteve longe de ganhar. Será que a escolha da equipe econômica pode tirar o Brasil do risco de rebaixamento? Se sairmos da “confusão”, podemos esperar mais do que isso? A escolha da equipe econômica demorou, mas chegou. Eu estava no meio de uma viagem ao Japão. Foi jornada dupla: de madrugada, acompanhar a evolução dos anúncios no Brasil; de dia, conversar com investidores sobre as perspectivas econômicas para os próximos anos. Os investidores queriam saber quem são Joaquim Levy e Nelson Barbosa e o que mudaria no meu cenário. Na minha última coluna “Economia em baixa, bolsa em alta”, terminei ressaltando a importância do caminho a ser escolhido: “Ao longo do tempo, vai ficar claro para todos os envolvidos o caminho escolhido. A indicação da equipe econômica será o primeiro sinal. Ao longo do tempo, a implementação ou não das mudanças e sua profundidade serão determinantes para o desempenho futuro da economia brasileira.”. A economia precisa de ajustes macroeconômicos para retomar o crescimento sustentável. A escolha da futura equipe econômica sinaliza ao mesmo tempo a necessidade e o desejo de enfrentar a dura realidade de ajustes necessários. A escolha da nova equipe econômica e suas primeiras declarações deixam claro que estamos nos aproximando do seguinte entendimento sobre o funcionamento da economia: 1. A confiança no futuro é essencial para uma economia saudável que investe e cresce de forma sustentada. 2. O crescimento no Brasil depende de mais investimentos e melhora na produtividade. 3. A responsabilidade fiscal não tem ideologia. Está ficando cada vez mais claro que é uma condição necessária para o restabelecimento da confiança e do crescimento. A responsabilidade fiscal permite trilhar diferentes caminhos. Mas qual a extensão dos ajustes necessários? Para os próximos quatro anos, venho trabalhando com um cenário de “mínimos ajustes”. Nesse cenário, ajustes são feitos na medida para evitar a perda de controle: ajustes fiscais para evitar a perda do grau de investimento, subida de juros para a inflação voltar para a meta, reajuste gradual dos preços administrados e suavização da trajetória de depreciação do câmbio. Reformas maiores, apenas se necessário. Esse cenário de mínimos ajustes permite manter o controle da economia, mas não a retomada vigorosa do crescimento (que convergiria, por exemplo, para 2% ao ano, e não para o dobro). Seria comparável ao desempenho do México nas últimas décadas. Uma economia sem risco, mas com crescimento limitado. O cenário de mínimos ajustes combina os incentivos econômicos para evitar a deterioração com a realidade atual. Pode ser o meio termo entre o desejado e o possível. Não foi coincidência que um dos primeiros ajustes macroeconômicos a serem anunciados pela equipe econômica foi o das contas públicas, por meio de uma meta multianual para o superávit primário. O objetivo é elevar o superávit primário consolidado do setor público para 1,2% do PIB em 2015, e para pelo menos 2% do PIB nos anos seguintes. O superávit primário no Brasil já foi de 4% do PIB, não faz muito tempo. Só nos últimos três anos, o superávit primário do setor público recuou de 3,1% do PIB, em 2011, para 2,4%, em 2012; 1,9%, em 2013, e estimamos 0,2% para 2014. O incentivo para ajustar é claro. Além de evitar o rebaixamento por parte das agências de classificação de risco, a tendência de consolidação fiscal ao longo dos próximos anos terá efeitos positivos sobre a confiança e o crescimento. De fato, o ajuste fiscal é essencial para retomar a confiança na economia, o que, por sua vez, é ingrediente fundamental para a retomada do investimento, que vem caindo nos últimos anos. A meta fiscal anunciada pela nova equipe econômica para as contas públicas é o factível nas condições atuais. Há dificuldades concretas para fazer todo o ajuste fiscal no próximo ano. É evidente que o ajuste teria de ser multianual, estendendo-se para além do próximo ano. O superávit primário que estabiliza a relação dívida/PIB é maior que a meta para o ano que vem (1,2%). Estimamos que seja necessário atingir um primário entre 2 e 2,5% do PIB para estabilizar a dívida. Uma implementação bem-sucedida em 2015 poderia gerar a confiança necessária no ajuste nos anos seguintes. O ajuste inicial sinalizaria a busca do equilíbrio das contas públicas. A magnitude do ajuste no ano que vem (de 0,2% para 1,2% do PIB) não seria inédita, mas comparável ao efetuado em 2003 e 2011. Mas não será fácil atingir a meta, dada a dificuldade do ajuste, especialmente em meio a um cenário de crescimento modesto e de inflação alta. Para alcançar a meta são necessários esforços combinados do lado do gasto e do lado da receita e a contribuição tanto do governo central como dos governos regionais (ver a publicação do Itaú Macro Visão – “O ajuste fiscal possível”). Joaquim Levy é botafoguense, seu time deve cair para a segunda divisão. Mas não a economia brasileira. Acredito que, sob seu comando (e dos outros da equipe), o Brasil vá evitar o rebaixamento. Esse objetivo é importante, mas é apenas o mínimo necessário. A esperança de um desempenho melhor que o mínimo voltou. No entanto, não podemos ignorar as dificuldades domésticas e externas que tornam objetivos mais ambiciosos (como voltar a crescer 3 a 4% ao ano) mais desafiadores. Ilan Goldfajn é economista-chefe e sócio do Itaú Unibanco.