DESAPOSENTAÇÃO: ANTECEDENTES QUE
DESENCADEARAM O SURGIMENTO, TESES FAVORÁVEIS E
CONTRÁRIAS, E ATUAL SITUAÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA
Marcelo Rodrigues da Silva
.
SUMÁRIO: 1. Conceito - 2. Exercício de atividade remunerada e
obrigação de verter contribuições para o regime previdenciário - 3.
Antecedentes impulsionadores da tese da desaposentação - 4.
Teses favoráveis e contrárias à desaposentação: 4.1. Princípio da
legalidade; 4.2. Direito patrimonial e disponível; 4.3. Princípio da
prevalência da situação mais vantajosa ao segurado - 5. Posição
atual da jurisprudência - Conclusão - Bibliografia.
1. CONCEITO
O termo consiste em neologismo, que, segundo Helena Mizushima
Wendhausen, foi criado
por Wladimir Novaez Martinez em
texto
publicado nos idos de 1988.
Desaposentação significa renúncia à aposentadoria, retornando o
segurado
à
situação
existente
antes
da
jubilação.
Refere-se
ao
aposentado que continua trabalhando ou, havendo parado, sai da
inatividade
e,
vertendo
contribuições,
objetiva
aproveitar
as
contribuições vertidas após a jubilação a fim de majorar o valor da renda
mensal de benefício.
Trata-se, como é evidente, não de simples renúncia, mas de
renúncia
qualificada,
voltada
à
obtenção
de
uma
situação
mais
vantajosa.
1
Ocorre que o sistema normativo não permite a possibilidade de o
jubilado pelo regime geral de previdência social abrir mão de sua
aposentadoria. Na verdade há expressa vedação nesse sentido. O artigo
181-B
do
Decreto
nº
3.048/99
dispõe
que
a
aposentadoria
é
irrenunciável.
2. EXERCÍCIO DE ATIVIDADE REMUNERADA E OBRIGAÇÃO DE
VERTER CONTRIBUIÇÕES PARA O REGIME PREVIDENCIÁRIO
Aos que exercem atividade remunerada, a vinculação é obrigatória
ao regime próprio de previdência social (RPPS, conforme artigo 40,
caput, da CF/88) ou, residualmente, ao regime geral de previdência
social (RGPS, conforme artigo 201 da CF/88). Tal obrigatoriedade se
põe no plano do dever-poder: o segurado tem o direito de estar
garantido contra os sinistros acobertados pelo regime ao qual se vincula;
em contrapartida, se vê compungido a verter contribuições para a
manutenção desse regime.
Muito se discutiu, na vigência da pretérita Ordem Constitucional,
acerca da natureza jurídica das contribuições vertidas ao regime de
previdência: parafiscal ou tributária?
A nova Ordem inaugurada em 1988 pôs fim à discussão: as
contribuições
previdenciárias
possuem
nítido
caráter
tributário,
particularmente em face de sua localização topográfica no texto
constitucional (Título VI, Capítulo I, artigo 149, caput e § 1º). Veja-se, a
propósito, o voto do Ministro Carlos Velloso na ADI 3.105-8/DF e no RE
138.284/CE.
O fato gerador da exação é o exercício de atividade remunerada.
O trabalhador contribui porque aufere renda com o produto de sua
2
atividade, e não para obter benefício futuro. Assim, justifica-se a
obrigação do jubilado que permanece em atividade ou a ela retorna em
verter contribuições (artigo 12, § 4º, da Lei 8.212/91).
Em verdade, por força do princípio da solidariedade (artigo 3º,
inciso I, e artigo 195, caput, da CF/88), a geração presente custeia a
aposentadoria da geração passada, e as contribuições das gerações
futuras custearão a aposentadoria da geração presente.
No atual quadro normativo que disciplina o regime geral de
previdência social (RGPS), surge o seguinte problema: conquanto
obrigado a verter contribuições, o aposentado não poderá delas se
beneficiar, exceto se empregado e para fins de auferir salário-família e
reabilitação profissional (artigo 18, § 2º, da Lei 8.213/91). Não é elegível
a qualquer outro benefício do RGPS e nem poderá se valer das
contribuições vertidas para majorar seus proventos.
3.
ANTECEDENTES
IMPULSIONADORES
DA
TESE
DA
DESAPOSENTAÇÃO
A Lei Orgânica da Previdência Social (LOPS), Lei 3.807/60, era
silente quanto à desaposentação. Contudo, prevendo a hipótese da
permanência no exercício da atividade remunerada, seu artigo 32
distinguia duas situações: a do segurado que requeria a aposentação e
a do segurado que não a requeria, embora houvesse implementado os
requisitos a tanto necessários. Ao primeiro (i.e., aposentadoria e
permanência na atividade), era assegurado o acréscimo de 04% (quatro
por cento) do salário de benefício para cada grupo de 12 contribuições,
limitado ao máximo de 100% do salário de benefício aos 35 (trinta e
cinco) anos de serviço. Ao segundo (i.e., permanência na atividade sem
aposentadoria) era assegurada a concessão de abono de permanência
3
de 25% (vinte e cinco por cento) do salário de benefício que receberia
se jubilado estivesse.
A Lei 5.890/73, que modificou alguns dispositivos da LOPS, impôs
a suspensão da aposentadoria ao jubilado que retornasse ao exercício
de atividade remunerada, passando, então, a receber apenas o abono
de permanência, cujo valor passou a ser 50% (cinquenta por cento) da
aposentadoria suspensa. Todavia, cessada a atividade laborativa, a
aposentadoria era restabelecida e seu valor majorado em 05% (cinco por
cento) por ano completo de serviço prestado (artigo 12).
A sistemática vigorou até a edição da Lei 8.213/91, que se
manteve silente quanto à desaposentação. Em sua redação original a
nova lei de benefícios mantinha o abono de permanência, acabava com
a suspensão da aposentadoria em caso de retorno à atividade e criava o
pecúlio. Este benefício consistia na devolução, em uma única parcela,
das contribuições vertidas pelo aposentado - e não pelo empregador quando da cessação da atividade laborativa.
Porém a situação modificou-se em 1994, com a edição da Lei
8.870, que extinguiu o abono de permanência e o pecúlio. Seguiu-se a
Lei 9.528/97, que, conferindo nova redação ao artigo 18, § 2º, da Lei
8.213/91, excluiu a possibilidade de o aposentado auferir auxílioacidente.
Restava-lhe
apenas
o
salário-família
e
a
reabilitação
profissional, ambos se mantivesse a qualidade de segurado empregado.
Veio no final de 1998 a Emenda Constitucional nº 20, que tornou o
regime
previdenciário
estritamente
contributivo,
conferindo,
dentre
outras modificações, nova redação ao artigo 201 da CF/88. Mas o
Governo não conseguiu aprovar no Congresso Nacional a imposição de
idade mínima para a jubilação no RGPS. Após árdua negociação, fez
aprovar,
em
compensação,
a
Lei
9.876/99.
Esta
norma
criou
4
o
denominado
fator
previdenciário,
forma
de
cálculo
aplicável
às
aposentadorias por tempo de contribuição e por idade, que serve de
desestímulo ao precoce afastamento para a inatividade. Pela nova
fórmula,
o
valor
da
renda
mensal
de
benefício
é
inversamente
proporcional à expectativa de vida do segurado: quanto mais novo e,
consequentemente, maior expectativa de vida, menor será o valor de
sua renda mensal.
Veja-se
que
no
decorrer
de
aproximadamente
40
anos
o
aposentado deixou de obter, por restituição direta (pecúlio) ou indireta
(abono de permanência e majoração do salário de benefício), as
contribuições que verteu ao regime previdenciário. E mais! Teve
minorada sua renda por forma de cálculo que tem o objetivo de
desestimular
as
aposentadorias
ditas
precoces
(assim
entendidas
aquelas que ocorrerem, em regra, antes dos 60 anos para as mulheres e
dos 65 anos para os homens).
Criou-se, a reboque das diversas modificações legislativas, a
infraestrutura necessária à popularização da tese da desaposentação,
entendida esta como única forma de o aposentado satisfazer-se com as
contribuições vertidas por conta de suas atividades laborais.
4. TESES FAVORÁVEIS E CONTRÁRIAS À DESAPOSENTAÇÃO
As teses de seus apoiadores, bem como de seus opositores,
podem ser sumariadas em três vertentes.
5
4.1. Princípio da Legalidade
Aduzem os defensores da desaposentação que a atuação do
particular é guiada pelo princípio da legalidade negativa, i.e., o
particular tudo pode, sendo-lhe, todavia, interdito somente o que a lei
expressamente veda (artigo 5º, inciso II, da CF/88).
Ademais, inexiste vedação legal à renúncia à jubilação. A limitação
imposta pelo artigo 181-B do Decreto 3.048/99 padece de ilegalidade,
porquanto contraria a Lei 8.213/91, sendo, pois, inaplicável.
Os
detratores
da
tese,
a
seu
modo,
esclarecem
que
a
aposentadoria é instituto de direito público e, como tal, sujeito a outra
legalidade, qual seja, a legalidade positiva (artigo 37, caput, CF/88). Em
corolário, somente será admitida a desjubilação quando e se prevista em
lei.
E continuam, sustentando que o Poder Judiciário, quando muito,
pode atuar como legislador negativo (declarando a inconstitucionalidade
da norma). É, portanto, defeso ao Judiciário criar norma inexistente no
ordenamento jurídico para permitir tal pretensão.
Por fim, entendem que a vedação, em nível legal, repousa sobre o
artigo 18, § 2º, da Lei 8.213/91, segundo o qual ao aposentado que
permanece em atividade ou a ela retorna não será devido nenhum
benefício, exceto, se empregado, o salário-família e a reabilitação
profissional. E o artigo 181-B do Regulamento apenas facilita o
entendimento do dispositivo legal referido.
6
4.2. Direito Patrimonial e Disponível
Para os defensores da desaposentação, a aposentadoria constitui
direito patrimonial e, como tal, disponível. Em consequência, inexiste
vedação legal à sua renúncia.
Assim não parece a seus opositores, para quem a renúncia é
instituto de direito privado, que não tem aplicação na órbita da
Administração Pública.
4.3. Princípio da Prevalência da Situação mais Vantajosa ao
Segurado
Como derradeiro argumento, os apoiadores da tese argumentam
que deve prevalecer a situação mais favorável ao segurado. Trata-se de
princípio disperso em vários dispositivos da redação original da Lei
8.213/91, que foram revogados. Contudo, permanece hígido e cogente,
uma vez que estampado no artigo 56, § 3º, do Decreto nº 3.048/99.
É induvidoso que a renúncia à aposentadoria e a concessão de
nova jubilação, aproveitando as contribuições vertidas nesse entrecho,
geram situação mais favorável e vantajosa ao segurado. Portanto, a
desaposentação deve ser admitida.
Contra-argumentam os opositores da tese que o deferimento de
aposentadoria constitui ato jurídico perfeito, não podendo ser alterado
unilateralmente. A conveniência em obter a aposentadoria foi examinada
pelo segurado na oportunidade do requerimento, não podendo mais
insurgir-se contra o seu deferimento, ainda que ensejador de situação
menos favorável.
7
O fato gerador da contribuição previdenciária é o exercício de
atividade remunerada, seja o contribuinte aposentado ou não. A
contribuição vertida pelos aposentados destina-se ao custeio do sistema
e decorre dos princípios constitucionais da universalidade de custeio e
da solidariedade (artigo 195, caput, CF/88), e não para obtenção de
benefício futuro.
Ao aproveitar as contribuições vertidas após a jubilação para a
concessão de nova aposentadoria, ainda que renunciando à primeira,
estar-se-á infringindo o artigo 18, § 2º, da Lei 8.213/91.
Em arremate, sustentam tratar-se de mera tentativa de recriar
benefício sem a peculiar autorização legal, qual seja, o pecúlio (extinto
pela Lei 8.870/94).
5. POSIÇÃO ATUAL DA JURISPRUDÊNCIA
Os Tribunais ainda não pacificaram entendimento quanto à
desaposentação. Há posições as mais diversas, que, de modo sucinto,
podem ser agrupadas em duas correntes.
A primeira corrente, calcada em óbice no ordenamento jurídico e
afronta à garantia do ato jurídico perfeito, não admite a desaposentação.
É a posição do TRF da 1ª Região e das 8ª e 9ª Turmas do TRF da 3ª
Região.
A segunda corrente admite a desaposentação, porém com alguma
divergência. Abrem-se, então, duas orientações para esta corrente.
Uma orientação entende que a renúncia opera efeitos retroativos,
i.e., desde a concessão da aposentadoria. Em consequência, é devida a
8
restituição de tudo quanto o aposentado percebeu enquanto manteve
essa qualidade. É o posicionamento do TRF da 4ª e da 5ª Regiões e da
10ª Turma do TRF da 3ª Região.
Outra orientação entende que, por constitutiva negativa, a decisão
proferida em sede de ação de desaposentação opera efeitos para o
futuro. O que desconstitui o ato jurídico aposentação é a decisão
judicial. Portanto, os valores percebidos até a decisão judicial final o
foram a justo título, inexistindo motivo para sua restituição. Assim
entende o Superior Tribunal de Justiça por meio de suas 5ª e 6ª Turmas.
O Supremo Tribunal Federal ainda não enfrentou o tema, i.e., se a
renúncia unilateral à jubilação ofende a garantia constitucional do ato
jurídico perfeito. Entrementes, possui firme posição quanto a dois temas
correlatos, que podem sinalizar a direção a ser adotada quando do
enfrentamento da desaposentação.
O primeiro deles diz com a contribuição do inativo que retorna ao
trabalho remunerado. No RE 437.640 o Supremo entendeu que a
contribuição previdenciária do aposentado ao RGPS que retorna à
atividade está amparada pelo princípio constitucional da universalidade
de custeio. Ademais, o artigo 201, § 4º, remete à lei os casos em que a
contribuição deve refletir nos benefícios. Portanto, o fato de a exação
exigida do aposentado não refletir em seu benefício, da forma como
disciplinada pela Lei 8.213/91, não ofende a Constituição.
O segundo tema enfrentado pela Corte foi o confronto entre a
garantia do ato jurídico perfeito e o princípio da concessão do benefício
mais vantajoso ao segurado. No RE 352.291 o STF manifestou-se
quanto à impossibilidade da desaposentação para fins de converter
aposentadoria integral em aposentadoria proporcional, eis que - na
perspectiva do segurado - este seria o benefício mais favorável. A Corte
9
entendeu que a conversão ofenderia a garantia do ato jurídico perfeito e
que o princípio da concessão do benefício mais vantajoso não é
absoluto, cedendo lugar ao primeiro.
CONCLUSÃO
A evolução da legislação previdenciária torna claro que desde a
LOPS houve avanços e retrocessos na salvaguarda dos direitos e
interesses dos segurados e beneficiários. Na particular questão da
contribuição
do
segurado
jubilado,
parece-nos
que
houve
algum
retrocesso. Sucumbiram o abono de permanência, o aproveitamento das
contribuições vertidas após a aposentação e o pecúlio. Nada foi
instituído
em
contrapartida.
Em
parte
isso
decorre
do
caráter
estritamente contributivo do regime previdenciário. Em parte decorre da
necessidade de manutenção do equilíbrio atuarial do sistema e dos
esforços de conceder aumento real aos benefícios previdenciários em
manutenção.
O tema desaposentação, conquanto debatido nos Tribunais, ainda
está em aberto. Não há entendimento claro e firme no sentido de sua
admissibilidade. As respeitáveis decisões favoráveis, em nosso sentir,
não enfrentam questões como a ofensa ao ato jurídico perfeito, o
equilíbrio atuarial, a restituição dos valores pagos ao segurado inativo e
ganhos secundários como os reflexos da renúncia à jubilação no saque
do
FGTS,
na
percepção
de
parcelas
de
complementação
de
aposentadoria pagas por fundo de pensão (que, no mais das vezes,
vincula o resgate de valores à aposentação no RGPS), no pagamento
das verbas rescisórias do contrato de trabalho encerrado por força da
jubilação, etc.
10
Atualmente existem no Congresso Nacional alguns projetos de lei
que tentam disciplinar a desaposentação. Contudo, até que sejam
deliberados
e
aprovados,
a
celeuma
de
entendimentos
jurídicos
persistirá.
BIBLIOGRAFIA
ALENCAR, Hermes Arrais. Benefícios previdenciários: temas integrais
revisados e atualizados pelo autor com obediência às leis especiais e
gerais. 3. ed. São Paulo: Leud, 2007.
MARTINEZ, Wladimir Novaez. Elementos atuais da desaposentação.
Revista Síntese Trabalhista, São Paulo, v. 218, ago. 2007.
MORAES, Alexandre. Direito constitucional. 15. ed. São Paulo: Atlas,
2004.
ROCHA,
Daniel
Machado
da;
BALTAZAR
JÚNIOR,
José
Paulo.
Comentários à lei de Benefícios da Previdência Social: Lei nº 8.213, de
24 de julho de 1991. 9. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009.
WENDHAUSEN,
Helena
Mizushima.
Aspectos
controversos
da
desaposentação. Revista Síntese Trabalhista, São Paulo, v. 218, ago.
2007.
11
Download

antecedentes que desencadearam o surgimento, teses favoráveis e