VIRTUAL Um dia, um jovem advogado, de nome Francisco, empolgado com a mais moderna máquina de escrever que acabou de comprar, senta-se em sua mesa com a postura alinhada, coloca cuidadosamente uma folha de papel, ajusta as margens e inicia a elaboração de um Habeas Corpus. Os tempos, para ele, são modernos. A máquina é elétrica, e lhe cansa menos os dedos. Acaba de jogar no lixo aquele seu corretivo branco, do tipo pincel, que antes borrocava a petição e lhe obrigava a colocar outra folha de papel e reiniciar o seu serviço. Sua nova máquina possui uma tecla corretiva que volta para apagar seu erro, e lhe permite apresentar uma folha de papel limpa, com as duas margens perfeitamente alinhadas, pois que um suave barulhinho lhe avisa quando está chegando ao final da linha. Terminada a petição, entra em seu Fusca e dirige-se ao Fórum da cidade, encontrando uma simpática servidora, a quem entrega sua petição, que ganha um carimbo de “recebido” na segunda via. A servidora suja os dedos na carimbeira, pois acabara de colocar mais tinta. Retorna no dia seguinte para perguntar se o Habeas Corpus havia sido despachado, aguarda por alguns minutos no balcão conversando com um escrivão mal-humorado e logo recebe os Autos do processo, no qual há uma decisão concessiva que lhe deixa aliviado. Passados alguns anos, já com uma grande clientela que lhe vinha rendendo um enorme volume de serviço, nosso combatente advogado visita o escritório de seu colega Antônio para conhecer as vantagens da mais alta tecnologia: ele havia adquirido um computador. Antônio inicialmente reclama que teve alguma dificuldade para aprender o sistema operacional MS-DOS e decorar os vários comandos do editor de texto, mas tendo freqüentado um curso, agora estava dominando aquela maravilha: ele editava toda a sua petição na tela do computador, podendo modificar a qualquer tempo o texto e, depois de pronto, mandar imprimir em folhas de papel contínuo. Ele fez uma demonstração, mandando imprimir uma petição. O papel embolou na impressora na primeira tentativa, o que às vezes acontecia, mas era simples destravar o papel e mandar reimprimir. Disse que o barulho da impressão não o incomodava, porque depois, bastava destacar as folhas, retirar aquelas bordas laterais furadinhas e assinar sua petição. Orgulhoso, explicou que a petição poderia depois ser gravada num disquete flexível e guardada, mostrando sua caixinha porta-disquete. Aquele texto podia ainda ser reaproveitado em outra petição que tivesse a mesma matéria, e isso o economizaria o trabalho de digitar novamente os julgados que selecionava cuidadosamente nas Revistas de Jurisprudência que se acumulavam em sua estante. Francisco ofereceu-se para levar seu colega ao Fórum para protocolar a petição, pois aproveitaria para mostrá-lo seu novo Opala Comodoro, além do mais, daria um beijo em sua esposa, aquela simpática servidora que carimbava suas petições, e com quem houvera recentemente se casado. Passam-se apenas três anos e Francisco e Antônio estão num barzinho depois do expediente, e contam sobre seus dias cansativos. Antônio havia comprado uma impressora a jato de tinta, o que lhe causa um enorme conforto, porque o barulho da sua antiga impressora matricial lhe incomodava. Francisco estava livre dos disquetes flexíveis, pois seu novo computador, um 486, possuía um bom HD no qual arquivava todos os seus textos. Eram advogados modernos, pensaram. Ficavam bem menos tempo no balcão do Fórum, e o protocolo agora era feito por uma imponente máquina que imprimia a data e horário num canto da petição. Mas já está precisando trocar a fita pensou Francisco - minha última petição saiu com um protocolo quase ilegível. Minha mulher quer que eu compre um Tempra, disse Antônio, e logo depois comentou que a Juíza da 2ª Vara é uma mulher muito charmosa, no que Francisco concordou prontamente: charmosa e bem-humorada. O tempo passa, a nova modernidade chega. Rodrigo, o filho de Antônio, se forma em Direito e vai trabalhar com o pai, mas não precisa de utilizar aqueles Repertórios de Jurisprudência que ainda estão na estante, empoeirados, porque agora, pela internet, busca os julgados diretamente nos Tribunais, bastando marcar e copiar o texto para sua petição. Rodrigo é um jovem moderno: possui um note-book a tiracolo; sua internet é portátil, via celular, o que lhe permitiu eliminar aqueles incômodos cabos azuis ligados ao computador. Muito embora possua um imponente Peugeot, não precisa ir ao Fórum fazer protocolos, pois domina a utilização do peticionamento eletrônico. Seus processos tramitam no Juizado Virtual, e quando o Juiz profere a sentença, ela a recebe pelo “Sistema Push” que lhe encaminha por e-mail as novidades dos processos de seu interesse. Rodrigo equivale, hoje, aos advogados que agora experimentam a implantação da mais alta e moderna tecnologia no Poder Judiciário: os Juizados Virtuais. Uma importante etapa da modernidade, na qual os papéis vão sendo substituídos por dados processados eletronicamente. Não teremos mais corretivos em nossas máquinas de escrever. Não teremos mais papel contínuo embolado nas impressoras. Não teremos que ir ao Fórum fazer protocolos, e serão eliminados os carimbos. O que outrora era novo, ficou velho. Devemos ficar orgulhosos de estar experimentando o que, hoje, representa a implantação de um revolucionário sistema tecnológico que tornará a Justiça mais ágil, e especialmente, mais barata, pois as reduções dos custos no curso dos processos são tão consideráveis a ponto de tornar insignificantes os investimentos que estão sendo gastos para implantar a Justiça Virtual. Estamos vivenciando uma agilização da Justiça que tornará ultrapassado, em pouquíssimo tempo, o atual sistema processual civil, o que obrigará a uma reformulação dos procedimentos que hoje estão em vigor. E quanto aos personagens de nossa história? Bem, em poucos anos a irmã mais nova do Rodrigo irá rir do tempo em que ele andava com um pen-drive pendurado no pescoço e com o ombro meio torto, devido ao peso do seu note-book, que já estará ultrapassado. Ao contrário de seu pai, ele nunca chegará a conhecer a simpática servidora do 2° Juizado Virtual. Provavelmente, ela se casará com algum técnico de informática. O que hoje é novo, logo também ficará velho. Zênia Cernov.