FLÁVIO FILGUEIRAS NUNES1 A PERSISTÊNCIA DO TRABALHO ESCRAVO NO BRASIL2 Orientadores: Carlos Eduardo Paletta Guedes Suzana Maria P. Guedes Moraes Juiz de Fora 2005 1 Acadêmico do 5º ano do Curso de Direito da Faculdade Vianna Júnior, Juiz de Fora – Minas Gerais. Monitor do Núcleo de Pesquisa, Ensino e Extensão da Faculdade Vianna Júnior. E-mail: [email protected] / [email protected]. Juiz de Fora – Minas Gerais. 2 Monografia de conclusão de curso apresentada à Faculdade de Ciências Jurídicas e Sociais Vianna Júnior em maio de 2005, como requisito parcial para a obtenção do título de Bacharel em Direito. Às pessoas mais importantes da minha vida é que dedico todas as minhas vitórias e conquistas. Minha mãe eterna incentivadora, companheira e amiga de todas as horas. A memória da minha “Vó Totonha”, suas preces me guiam todos os dias, sua vida é exemplo de luta, coragem e determinação. 2 AGRADECIMENTOS A concretização de qualquer projeto não é possível sem apoio e auxílio. Este não foi diferente, agradeço carinhosamente a todas as pessoas que contribuíram de alguma forma para a realização deste trabalho, no entanto, faço questão de mencionar nominalmente aqueles que contribuíram de forma mais direta. Priscila de Oliveira Coutinho, companheira e incentivadora de todas as horas. Pessoa responsável pela sugestão do tema abordado. Saiba que suas palavras, seu carinho e sua dedicação serviram para acolher minhas dificuldades e incertezas. Por você sempre guardarei carinho e admiração. Aos amigos sempre presentes Pedro e Rogério Verardo. Vocês são exemplos de companheirismo, lealdade e honestidade. A amizade com que me tratam e o apoio que me deram na realização deste trabalho serão sempre lembrados. Aos primos Dílson, Dilma, Daniel, Daniela. Edinho e Janete, demais familiares e amigos agradeço a recepção e atenção dispensada quando da passagem por Brasília. Saibam que as pesquisas e estudos realizados na capital contribuíram de forma significativa no desenvolvimento do presente estudo. Ao professor Jairo Lins de Albuquerque Sento-Sé, pela visita e palestra feita em Juiz de Fora a meu convite. O auxílio despendido sempre que convocado foi algo admirável. Aos membros do projeto de Combate ao Trabalho Escravo no Brasil da Organização Internacional do Trabalho agradeço a recepção e a abertura de seu centro de informações. A ajuda desta organização foi marcante no desenvolvimento do trabalho. A seriedade e o empenho com que desenvolvem suas atribuições é exemplo a ser seguido por nós. Por fim, menciono os professores Carlos Eduardo Paletta Guedes e Suzana Maria Paletta Guedes Moraes, grandes incentivadores e orientadores. Sempre que motivados corresponderam aos meus anseios. 3 Hino de Marco Zon Tônio Poesia de autoria de Manoel. Explicação, colhida por Sérgio Carvalho, do Grupo Móvel de Fiscalização do Ministério do Trabalho e Emprego. Eu quis viver a minha vida Saí por aí mas eu ti confeço Que eu não consegui Eu estou cançado Deixar elmimentrar Pressizo de um pouco de água, Um pedasso di pão Estou arrependido Quero teu perdão Hoje vinho aqui Pra zente covessa... Voltei pra ti pedir perdão Dianti do teu dom Pois quero tua prezenssa Com migo de novo Xora di alegria Como eu jar xorei Estou mermo arrependido Eu vinho fôi pra ficar A hondi eu estava, não era o meu lugar Senti a tua falta Polisso eu voltei Mim alimentei di alimento Que ningue queria Passei fri i fome I noitei mal dormida Bebi água suja Que ningue bebia Di eu i embora sem motivo E sei que eu errei Estou arrependido di tudo que fiz Senti tua falta Polisso eu voltei. 4 RESUMO A expressão trabalho escravo traz a nossa mente lembranças das condições desumanas nas quais antigamente trabalhadores eram submetidos com a finalidade de suprir os anseios econômicos de seus senhores. Em 1888, foi assinada a Lei Áurea, que aboliu a escravatura no Brasil, devolvendo a liberdade a todos os trabalhadores. Passado mais de 115 anos da entrada em vigor da lei abolicionista persiste em nossos dias mais de 25 mil trabalhadores submetidos a esta forma forçosa de trabalho. A escravidão atual se caracteriza por uma série de novos fatores, como a carência de informações dos direitos, falsas promessas feitas pelo aliciador como: bons salários; boa estrutura de trabalho e alojamento; ausência de emprego e condições de manutenção própria e da família na região de origem. Os escravocratas contemporâneos são em sua maioria produtores que possuem modernos e avançados recursos de produção, são proprietários de latifúndios e conquistaram suas riquezas principalmente nos últimos trinta anos. A persistência do trabalho escravo no Brasil é o tema do presente estudo, que buscou através da abordagem dialética analisar os fenômenos políticos, sociais e econômicos como os direcionadores primordiais das relações sociais, assim como a relação contraditória de todos eles com o Direito, na busca de os adequar aos possíveis conflitos causados por tal contradição. Ao final concluiu-se que a escravidão está diretamente ligada ao fator econômico e ao sentimento de impunidade que ainda persiste. Apenas a edição de novas leis não basta se não houver uma aplicação eficiente dos dispositivos existentes de forma a atingir o bem maior desses criminosos: a propriedade. Medidas de inserção como a criação de cooperativas nas regiões migratórias proporcionando a geração de renda aos trabalhadores e seus familiares, bem como a mobilização da sociedade para a persistência desta chaga, contribuirá para abolirmos de vez esta mancha que permanece em nossa história. PALAVRAS CHAVES: Trabalho escravo. Trabalho forçado. Escravidão por dívida 5 SUMÁRIO INTRODUÇÃO ......................................................................................................................7 CAPÍTULO I DOS NOMES AO CONCEITO ............................................................................................9 1.1 COMENTÁRIOS INICIAIS ..............................................................................................9 1.2 OS NOMES DA CHAGA..................................................................................................10 1.3 CONCEITUAÇÃO ............................................................................................................14 CAPÍTULO II ABORDAGEM HISTÓRICA ...............................................................................................17 2.1 COMENTÁRIOS INICIAIS ..............................................................................................17 2.1 HISTÓRICO DA ESCRAVIDÃO NO MUNDO ..............................................................18 2.1 HISTÓRICO DO PROCESSO ESCRAVOCRATA NO BRASIL....................................22 CAPÍTULO III TRABALHO ESCRAVO CONTEMPORÂNEO................................................................27 3.1 CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES ...........................................................................27 3.2 COMBATE INTERNACIONAL AO TRABALHO ESCRAVO ....................................28 3.3 TRABALHO ESCRAVO NO BRASIL RURAL ............................................................31 3.4 ESCRAVIDÃO POR DÍVIDA NO BRASIL...................................................................37 3.5 PERSISTÊNCIA FACE À IMPUNIDADE ....................................................................45 3.6 ASPECTOS DA ANTIGA E DA ESCRAVIDÃO CONTEMPORÂNEA......................48 CAPÍTULO IV ASPECTOS JURÍDICOS POLÊMICOS SOBRE O TRABALHO ESCRAVO .............50 4.1 O PROJETO DE EMENDA CONSTITUCIONAL N. 438. ............................................50 4.2 A MUDANÇA DO ART. 149 DO CÓDIGO PENAL BRASILEIRO ............................52 4.3 CONFLITO JURISDICIONAL PARA JULGAR O DELITO DO ART. 149 DO CÓDIGO PENAL BRASILEIRO ....................................................................................55 CAPÍTULO V MEDIDAS GOVERNAMENTAIS PARA A ERRADICAÇÃO DO TRABALHO ESCRAVO NO BRASIL .......................................................................................................58 5.1 PLANO NACIONAL PARA ERRADICAÇÃO DO TRABALHO ESCRAVO.............58 5.2 A “LISTA SUJA” DO MINISTÉRIO DO TRABALHO E EMPREGO .........................61 CONCLUSÃO ........................................................................................................................64 BIBLIOGRAFIA....................................................................................................................65 6 INTRODUÇÃO A utilização contemporânea de mão-de-obra escrava foi o primeiro aspecto estudado. Havia a necessidade de descobrir como e em qual grau essa prática é utilizada. Superado este momento, buscou uma maior interação com a temática a ser abordada através da realização de pesquisa de material bibliográfico capaz de induzir ao problema a ser debatido. Após os primeiros estudos chegou-se à formulação do problema: quais os motivos para a persistência do trabalho escravo no Brasil contemporâneo? Diante dessas considerações, o objetivo do estudo foi obter através do uso da dialética os fatores sociais, econômicos e políticos responsáveis pelo confronto com o campo jurídico, chegando assim à formulação de resposta ao problema. Para responder às indagações foi realizada pesquisa em doutrinas de campos diversificados que enfocassem o tema. O autor participou de eventos, debates, bem como pesquisas documentais no Tribunal Superior do Trabalho e na Organização Internacional do Trabalho. Foi realizada ainda pesquisa junto a organizações não governamentais como AntiSlavery, Repórter Brasil e Carta Maior aumentando o substrato fático para o início da abordagem. O trabalho está dividido em cinco partes, cada qual discutindo aspectos distintos dentro do tema proposto. No primeiro capítulo “Dos nomes ao conceito” foi realizado o levantamento das expressões utilizadas atualmente para indicar a exploração de mão-de-obra escrava, apresentando a origem das nomenclaturas e qual será adotada pelo autor. Após é traçado o conceito do instituto. Na segunda etapa é feita uma apresentação da historicidade da escravidão, mostrando sua ocorrência no mundo como um todo e depois especificamente no Brasil. 7 No momento posterior da abordagem, inicia-se o estudo do trabalho escravo contemporâneo. Este é o capítulo mais longo do trabalho. Nesta etapa discorreu-se sobre o combate internacional ao trabalho escravo, analisando principalmente os tratados e convenções internacionais que o Brasil tenha ratificado. Em um segundo momento, ainda no mesmo capítulo, é apresentado o problema do trabalho escravo no Brasil rural de hoje, analisando o seu contexto através da abordagem das formas utilizadas para induzir o trabalhador às áreas de emigração. É apresentado também o depoimento de trabalhadores e matérias jornalísticas que narram bem a história vivenciada por estes homens. Chega-se ao denominador de que a principal forma de escravização utilizada hoje é a persistência do trabalho escravo em razão de dívida. A impunidade como fator determinante para a continuação e o aumento da mancha da exploração humana foi tema de subitem próprio. Finalizando o capítulo traçou-se a distinção entre a antiga e a nova escravidão. O quarto capítulo faz a abordagem jurídica do problema, apresentando pontos polêmicos existentes relacionados ao tema trabalho escravo e sua abordagem jurídica. Este deverá ser o momento que despertará maior curiosidade àqueles estudiosos da área jurídica. Por fim, foram apresentadas as medidas governamentais adotadas para a erradicação do trabalho escravo, como o Plano Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo e o cadastro de empresas e empresários autuados pelo Ministério do Trabalho e Emprego. Através dos tópicos abordados buscaram-se respostas para às perguntas formuladas no início do estudo, de forma a confronta-las com a realidade econômica, política e social do país para depois chegarmos à solução jurídica almejada. O presente trabalho é o inicio de um ciclo de estudos e pesquisas sobre o tema que certamente dará ensejo à elaboração de novos trabalhos. 8 CAPÍTULO I DOS NOMES AO CONCEITO 1.1 COMENTÁRIOS INICIAIS Realizar a abordagem de determinado tema é tarefa árdua, que exige do preposto – emissor - afinidade com o tema a ser pesquisado além de dominar o canal estabelecido com espectador leitor – receptor. Espera-se que o mínimo de conhecimento possa ser levado ao público, no entanto, mostra-se penosa a tarefa de escolha e até mesmo de criação de um canal. Talvez não seja a mais feliz das escolhas, mas momentaneamente nos parece ser coerente iniciar a abordagem e explanação do presente estudo através da análise dos nomes utilizados nos diferentes meios, seja o jurídico, o jornalístico, ou até mesmo na sociedade, com o ímpeto de demonstrar a importância do correto entendimento e até mesmo as histórias que possam estar contidas nestes signos. O professor e procurador do trabalho Jairo Lins de Albuquerque Sento-Sé em seus escritos (2001, p. 16) citando a antropóloga Neide Esterci, já nos alertava para importância deste estudo preliminar, deixando evidenciado que: [...]identificar os significados dos diferentes usos dos termos é, portanto, mais do que lidar com nomes: é desvendar as lutas que se escondem por detrás dos nomes – lutas essas em torno da dominação, do uso repressivo da força de trabalho e da exploração. Outra importância deste prévio estudo é que a incorreta definição do trabalho escravo vem causando empecilhos ao combate eficaz a esta chaga, fazendo com que muitas vezes o infrator não venha a ser punido. 9 Superada a primeira proposta, buscará traçar o conceito do trabalho escravo contemporâneo para somente depois aprofundarmos no estudo da temática. 1.2 OS NOMES DA CHAGA Quando ecoa a expressão trabalho escravo é comum que seja lançada à mente de muitos a imagem do negro africano que foi utilizado durante muitos anos de nossa história como objeto para a realização de tarefas árduas visando o desenvolvimento econômico de seu senhor. No entanto, fazer este tipo de associação em tempos atuais pode parecer um tanto incoerente, visto que, como é sabido, este tipo de exploração é juridicamente proibida em todo o mundo há algumas décadas. Após a segunda guerra, constatou-se que em muitos países do mundo ainda era encontrado o trabalho escravo de forma camuflada e com elementos diferentes do antigo, mas com o mesmo desrespeito para com o a dignidade humana. No Brasil, durante o regime militar, padres ligados a CPT (Comissão Pastoral da Terra) começaram a denunciar a exploração, mas sem encontrar respaldo junto ao governo federal. A militância de membros da igreja continuava, mas em passo desproporcional ao crescimento da mancha que aumentava à medida que o governo brasileiro a alimentava com políticas de incentivo a ocupação do centro-oeste e norte do país. O crescimento se deu de forma desorganizada desmatando a mata local, explorando a mão-de-obra dos trabalhadores locais e de regiões vizinhas que se deslocavam em busca de labor. A ausência de fiscalização dos entes da administração corroborou para que muitas pessoas adquirissem terras de forma ilegal utilizando subterfúgios como a grilagem. Somente em 1995, durante evento das Nações Unidas, através de um relatório, foi que o governo brasileiro reconheceu oficialmente a persistência do trabalho escravo no Brasil. 10 Após o alarde surgiram várias expressões para descrever a exploração de trabalhadores. Escravidão nova, atual, contemporânea, moderna e branca, todos os adjetivos são utilizadas corriqueiramente empregados. Exploração e super exploração do trabalhador são, juntamente com trabalho forçado, degradante e análogo ao de escravo, outros nomes utilizados. Temos ainda a escravidão amazônica e a boliviana. Mencionar aqui todos os diversos nomes utilizados para narrar esta chaga poderia render várias laudas, no entanto, nos satisfaremos com estes exemplos que já servirão para dar uma noção da dificuldade deste estudo inicial. Pode-se concluir preliminarmente que todos os signos mencionados são utilizados para descrever espécies de desrespeito aos direitos basilares dos trabalhadores, ainda que em graus diferentes. Os trabalhadores, urbanos e rurais, encontram seus direitos basilares tutelados nas mais diversas fontes heterônomas e autônomas do ramo juslaboral. A não aplicação da legislação, independente do grau, já é elemento para apontarmos como irregular a relação, passível de autuação dos órgãos do Ministério do Trabalho e Emprego, no entanto, não é suficiente para a caracterização da utilização de mão-de-obra escrava. Fazendo a leitura de parte das reportagens circuladas na imprensa, observa-se que a falta de respeito a alguns dos direitos trabalhistas, como - turno excessivo, salário inferior ao da categoria, ausência do pagamento de horas extras, férias, etc – já foi tachado como exploração da mão-de-obra humana, fazendo remissão como sendo tais práticas trabalho escravo, o que não deve ser recebido. Uma utilização correta da nomenclatura se faz necessário para não acabarmos tornando de menor importância o combate ao trabalho escravo, não dizendo que seja de menor importância o combate a qualquer espécie de desrespeito aos direitos trabalhistas. Este tipo de confusão notabilizado pelos meios de comunicação já foi alertado pelo professor Roberto A. O. Santos, em relatório brasileiro à 80ª Conferência Internacional do 11 Trabalho, realizado na Cidade de Genebra, Suíça, em junho de 1993 (apud SENTO-SÉ, 2001, p. 19, 20): os meios de comunicação ou seus informantes confundem, por vezes, trabalho urbano forçado com outras formas de violação à lei. Recentemente, um jornal do rio de Janeiro publicou notícia de ‘mão-de-obra escrava’ na construção civil. E acrescentou: ‘Os operários foram atraídos por um anúncio que prometia salários acima da média, carteira assinada e alojamento com TV em cores, mesas de sinuca e alimentação farta. Nada disso foi cumprido e o Sindicato dos Trabalhadores da Construção civil de Duque de Caxias entrou na Justiça’ (Jornal O Globo, Rio de Janeiro, 4.4.93, p. 18). A própria notícia omite qualquer dado do qual se depreenda ocorrência de trabalho forçado, em vez de um descumprimento de contrato caracterizador de espécie criminal distinta (ou uma violação simplesmente trabalhista). Termos como nova, atual, contemporânea, moderna e branca são também facilmente encontrados. Todos são empregados livremente para caracterizar o desrespeito aos direitos do trabalhador e a dignidade humana. Tais signos são empregados atualmente para demonstrar que apesar de a “antiga” não existir desde a abolição da escravatura, podemos identificar ainda hoje a utilização de mão-de-obra escrava como era antigamente, tendo como diferenças básicas a não existência de exploração em razão da cor ou raça do indivíduo, ausência de propriedade sobre o homem, mas por questões de degradação social e de endividamento ocorrido durante a relação laboral. Escravidão amazônica é outro termo utilizado com freqüência. Tal signo narra a exploração de trabalhadores na região da floresta e de fronteira. São homens contratados para a derrubada e desmatamento da mata, para o preparo de pasto e ou contrabando de madeiras protegidas. O fluxo destes trabalhadores teve seu avanço ligado à política governamental dos governos militares, que na década de 70 incentivaram a ocupação da região amazônica através de financiamentos para a aquisição de terras. 12 Trabalhadores de origem Boliviana, que vêm para o Brasil em busca de emprego têm sido submetidos à exploração. Os trabalhadores que em sua maioria estão em situação irregulares no país, trabalham para exploradores que aproveitando a situação de irregularidade, a dificuldade com o idioma nacional e a necessidade de subsistência, submetem os estrangeiros a jornadas exaustivas (cerca de 16 horas diárias) em tecelagens nos grandes centros brasileiros, onde os trabalhadores recebem cerca de cinqüenta centavos por peça produzida. A esta espécie de exploração tem se dado o nome de senzala boliviana. O nome trabalho forçado é um dos mais utilizado e defendido por muitos. O conceito surgiu na Organização Internacional do Trabalho, que em suas convenções de n. 29 de 28 de junho de 1930 e a de n. 105 de 25 de junho de 1957 utilizou tal expressão para tratar do tema nesta ocasião debatido. Em documento recente – Relatório Global do Seguimento da Declaração da OIT relativa a Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho, entregue na Conferência Internacional do Trabalho, 89ª Reunião, 2001 – a OIT manteve seu entendimento de ser trabalho forçado o termo mais adequado para qualificar esta chaga contemporânea. Segundo a organização (OIT, 2002, p. 1): seria o trabalho forçado uma relíquia do passado? Infelizmente não. Embora condenado em todo o mundo, o trabalho forçado vem revelando novas e inquietantes facetas ao longo dos tempos. Formas tradicionais de trabalho forçado, como a escravidão e a servidão por dívida, ainda perduram em algumas regiões, e práticas antigas desse tipo continuam nos perseguindo até hoje. Nas [sic] novas e atuais circunstâncias econômicas estão surgindo, por toda parte, formas preocupantes como a do trabalho forçado em conexão com o tráfico de seres humanos. Observa-se que em certa passagem o texto faz a seguinte menção “formas tradicionais de trabalho forçado, como a escravidão e a servidão por dívida [...]”, o que nos alerta para a possibilidade de ser o trabalho forçado um super grupo (gênero), que é 13 alimentado por outros sub-grupos com características próprias (espécie). Esta constatação será importante para o próximo estudo. 1.3 CONCEITUAÇÃO Conceituar, verbo transitivo. O mesmo que ajuizar; avaliar; classificar. O ato ou ação de classificar algo ou alguém é tido por muitos como uma tarefa intrincada e muitas vezes de pouco valor, visto que com a evolução do instituto, novos argumentos surgem, tornando estes superados por novos conceitos e também limitados em face do alargamento da esfera de atuação. Contudo, ao nosso entendimento, se faz mister para a continuação da linha metodológica traçada conceituar o trabalho escravo e firmar nossa opinião sobre qual expressão de formar mais correta ilustra o instituto. Continuaremos o raciocínio que foi iniciado no final do subitem anterior. A OIT, em seus publicados vem utilizando a expressão trabalho forçado para classificar o ato no qual alguém desrespeita os direitos do trabalhador, atingindo sua integridade física e moral, sua dignidade e o seu direito à liberdade e auto-gestão. A expressão trabalho forçado ou compulsório foi utilizada pela primeira vez na Convenção n. 29 da OIT, onde em seu artigo 2º, número 1 (OIT, 2003, p. 27,28), definiu que a “expressão trabalho forçado ou compulsório significará todo trabalho ou serviço exigido de um indivíduo sob a ameaça de alguma punição e para o qual o dito indivíduo não se apresentou voluntariamente”. Nota-se que com a evolução do instituto tal definição tornou-se ampla, genérica, não acompanhando as formas que foram surgindo de exploração. Analisando a expressão trabalho forçado ou compulsório e a sua definição, podemos observar que se trata de um mega-grupo, um gênero, onde seguindo suas características podemos classificar sub-grupos, espécies, com características próprias, mas com o núcleo 14 semelhante. Analisando novamente o trecho do relatório global da OIT transcrito em linhas acima podemos observar que a própria OIT reconhece ser a expressão trabalho forçado e compulsório é um gênero que possui várias espécies (OIT, 2002, p. 1): embora condenado em todo o mundo, o trabalho forçado vem revelando novas e inquietantes facetas ao longo dos tempos. Formas tradicionais de trabalho forçado, como a escravidão e a servidão por dívida, ainda perduram em algumas regiões, e práticas antigas desse tipo continuam nos perseguindo até hoje. Nas [sic] novas e atuais circunstâncias econômicas estão surgindo, por toda parte, formas preocupantes como a do trabalho forçado em conexão com o tráfico de seres humanos. Assim, ao utilizarmos a palavra trabalho forçado ou compulsório estaremos comentando sobre o gênero. Utilizarmos desta expressão para caracterizar a chaga objeto deste trabalho tornará o trabalho muito extenso, pois estaríamos analisando um mega-grupo, com problemas que acontecem em várias localidades do mundo. De acordo com a visão global apresentada no relatório da OIT podemos encontrar no mundo atual várias espécies de trabalho forçado e compulsório como: o rapto de pessoas, a participação compulsória em obras públicas, o trabalho forçado na agricultura e em zona rurais remotas, os trabalhadores domésticos em situação de trabalho forçado, o trabalho em regime de servidão, o trabalho forçado exigido por militares, trabalho forçado com relação ao tráfico de pessoas e o trabalho forçado penitenciário. Entretanto, analisaremos apenas uma dessas espécies, a que ocorre atualmente no Brasil de forma mais clara, o trabalho forçado na agricultura e em zona rurais remotas. O professor Jairo Sento-Sé, um dos maiores estudiosos do trabalho escravo contemporâneo confessa ter defendido em outro tempo o uso da definição trabalho forçado como a mais correta (2001, p. 20-22): 15 chegamos a asseverar anteriormente que a definição que melhor se adequaria ao caso concreto seria “trabalho forçado”. [...] Embora formulada com riqueza de detalhes, veremos que este com conceito não corresponde de maneira convincente à associação firmada entre as propriedades deste objeto (significado) e a expressão “trabalho forçado” (o significante). Com efeito, esta não é a posição que passamos a esposar a partir de um exame mais acurado da matéria. Ao contrário, o chamado “trabalho forçado” tem uma dimensão bem mais ampla do que esta que ora se deseja apontar. Como foi dito anteriormente, a utilização da expressão trabalho forçado não é a mais adequada por referir se a um gênero. Imprensa, órgãos governamentais, entidades religiosas, ONGs, etc, como foi visto no subitem anterior, utilizam também vários outros termos para descrever a exploração do trabalho no Brasil atual. Das utilizadas a que nos parece mais adequada para exteriorizar o objeto do estudo é a expressão trabalho escravo, ainda que acompanhada de adjetivos como: novo, atual e contemporâneo. Sento-Sé (2001, p. 27) define de forma brilhante e completa o trabalho escravo contemporâneo como sendo: aquele em que o empregador sujeita o empregado a condições de trabalho degradantes, inclusive quanto ao meio ambiente em que irá realizar a sua atividade laboral, submetendo-o, em geral, a constrangimento físico e moral, que vai desde a deformação do seu consentimento ao celebrar o vínculo empregatício, passando pela proibição imposta ao obreiro de resilir o vínculo quando bem entender, tudo motivado pelo interesse mesquinho de ampliar os lucros às custas da exploração do trabalhador. O trabalho escravo contemporâneo possui a mesma violência aos direitos humanos daquele do passado. A principal distinção é que no atual o trabalhador não integra mais o patrimônio de seu senhor, persistindo como mola propulsora do interesse de angariar vantagens econômicas. Outros fatores que contribuem para a persistência do trabalho escravo em dias atuais serão alvos de estudos em capítulos posteriores. Para entendermos melhor a diferença da antiga para atual e os motivos de sua persistência, faremos um estudo histórico do objeto. 16 CAPÍTULO II ABORDAGEM HISTÓRICA 2.1 COMENTÁRIOS INICIAIS Neste capítulo será apresentado um breve histórico do processo de escravidão no mundo. Analisaremos desde as primeiras notícias de escravidão até chegarmos aos relatos ocorridos na segunda metade do século XVIII no Brasil onde temos o marco temporal do estudo que é a data de 13 de maio de 1888, quando foi promulgada a Lei 3.353 (Lei Áurea) que declarou extinta a escravidão no Brasil. Alertamos que se trata de uma síntese, visto que o instituto da escravidão é complexo e muito extenso, tornando muito dificultoso fazer neste momento um estudo pormenorizado. É sabido que a escravidão é um processo antigo possuindo uma conotação com a própria história do homem. Antigamente os guerreiros que perdiam sua honra nas batalhas ficavam sob o julgo do vencedor que tinha o arbítrio de optar pela morte ou escravização do derrotado. A escravidão recebeu ainda entendimentos, como o de Aristóteles que em sua argumentação defendia que o conhecimento não era possível sem o ócio e que aqueles que possuíam a luz do entendimento e da capacidade para o estudo deveriam ser servidos, pois a própria natureza teria feito a diferenciação entre os que deveriam servir e os que seriam servidos. Atualmente a escravidão é interpretada de forma distinta daquela lecionada por Aristóteles. O homem evoluiu o seu entendimento filosófico e social, rejeitando a existência de submissão de um indivíduo por outro, visto que o homem tem sua vontade livre de ser e de existir, tornando intolerável a escravidão em dias atuais. 17 Passemos a uma breve análise histórica do instituto da escravidão. 2.2 HISTÓRICO DA ESCRAVIDÃO NO MUNDO Encontram-se relatos da existência do instituto da escravidão desde os tempos mais antigos da história do homem. Na fase mais remota da pré-história, exatamente no paleolítico, o homem, visando sua manutenção e subsistência, começou a se relacionar com outros indivíduos e a formar as primeiras tribos. Por uma questão de necessidade e do instinto agressivo desses homens, algumas tribos passaram a guerrear umas contra as outras. Os perdedores eram mortos e serviam de alimento para os vencedores. Mais tarde com o avanço das técnicas de produção e com o desenvolvimento de instrumentos cortantes como machados, lanças e facas, os primatas passaram a caçar, a pescar e a se alimentar de frutos. Com isso, os derrotados passaram a ser escravizados com o objetivo de realizarem tarefas árduas para os seus donos. Iniciava-se então a primeira forma de escravidão. Na antigüidade, o trabalho escravo era considerado res (coisa), não possuindo os mesmos direitos de uma pessoa. Os proprietários de escravo podiam dispor deles, vendendo ou trocando. Podiam utilizá-los como melhor entendessem, até tirar suas vidas se fosse necessário. É neste período que surge pela primeira vez a expressão escravo para indicar esse tipo de exploração humana. A origem do termo é do grego bizantino “sklábos” referencia ao homem de origem eslava que era aprisionado. As civilizações antigas como a grega e a egípcia foram erguidas com base na exploração da escravidão, onde estes homens eram incumbidos geralmente de realizarem serviços materiais que necessitassem de grandes esforços causando fadiga e perda do potencial físico do ser. Este tipo de exploração era algo tão cotidiano na época que até mesmos grandes filósofos como Platão, Aristóteles, Xenofonte, Sêneca e Tácito defendiam 18 sua manutenção. Argumentavam que um homem para conquistar cultura necessitava ser nobre (ter posses) e ocioso, não sendo possível à reunião dessas duas condições sem a existência do escravo. Ainda segundo os filósofos, a natureza já teria discriminado os seres, pois uns teriam sua existência pautada na condição de servir e outros nascidos para serem servidos. Curiosamente os filósofos se classificavam como seres abençoados e detentores do direito de serem servidos. Até na Bíblia encontramos passagens onde há a narração de casos de escravidão. José Anchieta Faleiros cita como exemplo o trecho (apud SENTO-SÉ, 2001, p. 30): [...] de Cam, amaldiçoado por Nóe, condenando-o a ser escravo dos servos de seus irmãos Sem e Jafé” ou o de José, filho de Jacob “[...] vendido a comerciantes ismaelitas, levado para o Egito, onde foi cedido a Putifar, de quem se tornou escravo; mais tarde levou todos os israelitas para o Egito, onde habitaram por cerca de 430 anos, dos quais a maioria em condições de servidão. Na idade média outra espécie de exploração de mão-de-obra, denominada servidão, foi utilizada. Ao contrário do que muitos pensam, a servidão não surge com o feudalismo. Nas civilizações antigas já existia a conexão entre o servo e a terra. No entanto, após o declínio do Império romano e a descentralização do poder estatal, com o surgimento da estrutura feudal foi que esta exploração ganhou força. Com a fragmentação do poder do estado antigo, os nobres e representantes da igreja migraram e dominaram as regiões agrícolas, formando os latifúndios. Pedaços de terras eram cedidos aos servos (ex-escravos, homens livres de baixa renda e artesãos) numa espécie de comodato. Os servos tinham a posse, mas não a propriedade da terra. Pagavam aos senhores feudais uma espécie de tributo para terem proteção e fazerem uso da terra. O servo era pessoa ligada à terra, não integrando mais a propriedade de seu senhor. Possuía direitos, podendo até 19 transmitir aos seus sucessores a posse da terra, no entanto, transmitia também a condição de servidão. Posteriormente, por volta do século XI, com a Revolução Urbana, começa a ressurgir as cidades e com elas o comércio, levando muitos trabalhadores a migrarem do campo para a cidade enfraquecendo os feudos. Para agravar ainda mais a situação, a Europa foi atacada por pestes que acabaram por dizimar grande parte de sua população. O já enfraquecido sistema não resistiu e teve o seu fim decretado e com ele a exploração servil, no entanto, em algumas regiões da Europa ele até persistiu, mas em menor escala. Apesar de o sistema feudal ter sido dominante durante determinada época no continente europeu, algumas regiões como a Itália, a Espanha e Portugal mantiveram a exploração da mão-de-obra escrava como cita o professor Jairo Lins Sento-Sé (2001, p.31): a escravidão ocorreu também em Portugal, onde eram feitos escravos tanto os negros quanto os mouros. O detalhe é que não apenas os ricos os possuíam, já que, em quase todas as casas lusitanas, havia, pelo menos, uma escrava negra, envolvida com atividades domésticas. A partir do século XV iniciaram as grandes navegações, e com elas as relações com os continentes Africano e Americano. A Europa começou a utilizar a mão-de-obra do negro africano e do índio americano, sendo aquela com maior ênfase. Os novos continentes serviam como abastecedores de mercadorias escassas no continente Europeu. Começou então a extração de ouro no México e a de madeira no Brasil e com ela a utilização de mão-de-obra escrava indígena e negra. Na agricultura o trabalho escravo também foi muito empregado. Durante o século XVIII, surgiu na Europa um importante movimento, denominado Revolução Industrial, que acabou por marcar a história e influenciar de forma direta as diretrizes do trabalho global. Com o levantar das indústrias houve um grande deslocamento de homens do campo para as cidades em busca de lugar nos pátios das fábricas. 20 Nas indústrias os trabalhadores viviam uma realidade muito desfavorável. Eram submetidos a fatigantes jornadas de trabalho, em locais em sua maioria sem condições para o exercício da atividade e recebimento de baixos salários. Não havia por parte dos governos a imposição de normas trabalhistas a serem observadas no desenvolvimento das atividades econômicas. Contemporaneamente ao movimento industrial, amadureceu no velho continente uma corrente de novas filosofias e pensamentos, pregando conceitos abstratos de igualdade, liberdade e fraternidade entre os homens. Tratava-se da Revolução Francesa. Por não possuir conceitos concretos, somente genéricos, defendia uma menor intervenção do Estado nas relações sociais e o liberalismo econômico, tais teorias acabaram por favorecer mais ao explorador do que ao explorado. Mesmo com campanhas como a do filósofo Hegel, a liberdade de muitos trabalhadores encontrava obstáculos nos interesses econômicos das principais potências da época. Portugueses, espanhóis, holandeses e ingleses continuaram a realizar o tráfico de escravos. Somente no século XIX, por motivos econômicos, é que a Inglaterra aboliu a escravidão, passando a pregar a sua extinção em todo o mundo. O fim da exploração da mãode-obra escrava pela Inglaterra, apesar de justificada em questões humanitárias, estava ligada a produção açucareira nas Antilhas britânicas. A Inglaterra cultivava açúcar com a utilização de trabalhadores assalariados, enquanto os seus principais concorrentes, como o Brasil, faziam o uso de mão-de-obra escrava o que acabava por interferir no preço final da manufatura e atrapalhando a concorrência de mercado. No final do século XIX, quase todos os países do mundo haviam abolido a escravidão, no entanto, denúncias persistiam, levando a OIT, já no século XX a elaborar duas 21 convenções – n. 29 de 1930 e a n. 105 de 1957, visando a acabar de vez com a exploração deste tipo de mão-de-obra. No Brasil, a abolição da escravidão se deu no ano de 1888, entretanto, em pleno século XXI, não raro, podemos acompanhar denúncias feitas por entidades ligadas aos trabalhadores, bem como pelo Ministério Público do Trabalho e Ministério do Trabalho e Emprego, de trabalhadores submetidos à escravidão. Analisemos a evolução histórica da chaga no Brasil. 2.3 HISTÓRICO DO PROCESSO ESCRAVOCRATA NO BRASIL Podemos apontar que o processo escravocrata no Brasil possui dois marcos temporais extremos, o ano de 1500 e 1888, que serviram como guia para delimitarmos o presente estudo histórico. Ainda na primeira metade do século XV, após os primeiros movimentos de ocupação do território noviço, Portugal iniciou o processo de colonização utilizando a mão-de-obra escrava dos nativos para exportar madeiras e especiarias para a Europa. O escravo nativo possuía algumas peculiaridades que acabavam por contribuir para a seu uso como a facilidade de recrutamento e o baixo gasto em sua manutenção. Inicialmente, para realizarem as atividades mercantis desejadas, os índios recebiam pequenos bens de origem européia. A troca da mão-de-obra por objetos era conhecida como escambo. Passada a fase de curiosidade, começou a ficar difícil a obtenção de nativos dispostos a realizarem os trabalhos, fazendo com que os portugueses substituíssem a mão-deobra nativa pela a do negro africano. Outros fatores como econômico e religioso somaram-se para que fosse substituída a espécie de mão-de-obra explorada. O primeiro era devido ao maior lucro do governo português com a cobrança de tributos referente ao tráfico de escravos 22 advindos do continente africano, uma vez que os impostos devidos internamente na colônia eram comumente sonegados. Entretanto, os lucros não ficavam concentrados apenas na mão do governo português, visto que os traficantes e os comerciantes, também obtinham excelentes vantagens. Já os fatores de ordem religiosa pautavam-se na pressão dos jesuítas para o fim desta exploração, face ao interesse da igreja em catequizar os índios. Como é asseverado por muitos autores havia ainda por parte da igreja outros interesses, como a aquisição de terras, no entanto, não aprofundaremos os estudos nesta seara por não ser este essencial para o estudo presente. A partir deste contexto o escravo negro foi inserido no Brasil passando a labutar inicialmente na lavora canavieira nordestina. Posteriormente a mão-de-obra foi utilizada também nas Minas Gerais na extração de pedras preciososas. Já no século XIX, a produção nacional de cana-de-açúcar começou a enfrentar dificuldades em virtude do mercado das Antilhas que começava a se expandir. A principal nação responsável pelo cultivo da cultura canavieira na região caribenha foi à Inglaterra. O negro africano passou então a ser utilizado com mais intensidade no plantio e cultivo do café, concentrado principalmente nos estados de São Paulo e Rio de Janeiro. Apesar da expansão e do mercado crescente, o açúcar antilhano encontrava problemas de mercado quando concorria com o brasileiro. O açúcar nacional, apesar de possuir qualidade inferior tinha o preço reduzido, uma vez que a mão-de-obra utilizada no cultivo era escrava, enquanto no Caribe era assalariada. Diante do interesse econômico que encontrava disfarce no discurso humanitário, os ingleses iniciaram um processo de difusão da necessidade de todos os paises do mundo abolirem a escravidão. 23 Alguns autores argumentam sobre a existência de outros motivos como o interesse na manutenção da mão-de-obra barata no continente africano para ser utilizada nos empreendimentos britânicos, visto que a Inglaterra possuía várias colônias naquele continente. Outro argumento utilizado foi que os ingleses tinham interesse no aumento do mercado consumidor que iria ser expandido com o fim da escravidão e o conseqüente aumento de trabalhadores assalariados. Essa proposição parece um tanto quanto incoerente, visto que, como é sabido, o produto industrializado possuía valores que não era acessível a maior parte da população, mesmo os homens livres e assalariados. Deste modo, a argumentação sobre o interesse expansionista inglês não será aceita neste trabalho. A interferência britânica no Brasil com o objetivo de dar fim à escravidão iniciou-se ainda nos primeiros anos da independência, pois o governo inglês pôs entre as condições para o reconhecimento da autonomia brasileira a extinção do tráfico de escravos. As tensões entre os governos agravaram-se em 1844, quando o Brasil criou a tarifa Alves Branco, que acabou com as vantagens alfandegárias que os ingleses tinham para entrar no país e ainda aumentou os impostos sobre os produtos britânicos, diminuindo a importação de mercadorias. Em 1845, após a não renovação pelo Brasil do tratado de livre comércio com a Inglaterra, foi decretado pelos ingleses a Bill Aberdeen (Lei que autorizava a marinha inglesa reter os navios negreiros que navegassem pelo Atlântico em direção ao Brasil). Na segunda metade do século XIX, surge no Brasil uma série de iniciativas ligadas a fatores econômicos e sociais que podem ser apontadas como ensejadores do fim da escravidão. Em 1850, a corte brasileira acabou cedendo às pressões britânicas e no dia 04 de setembro do corrente ano, foi editada a Lei n. 584, de autoria do então Ministro da Justiça Euzébio de Queirós, que proibia a importação de escravos. 24 No mesmo ano entra em vigor a Lei n. 601 de 18 de setembro, conhecida como a Lei de Terras, tornando obrigatório o registro de todas as terras ocupadas e impedia a aquisição das terras devolutas. Seu objetivo era impedir o acesso de trabalhadores livres e imigrantes à propriedade privada rural, favorecendo a manutenção dos latifúndios. A guerra do Paraguai (1864-1870), apesar de ter sido encarada por muitos como um grande negócio para o fim da escravidão, não teve resultados favoráveis. Os escravos que se alistaram receberam a promessa de ao final da batalha ganharem a alforria. Os negros tiveram a missão de ficarem na tropa de frente, servindo em muitos momentos como escudo, além de terem que realizar as tarefas mais árduas no campo de concentração. A maior parte dos escravos que participaram da guerra não voltaram, não tendo a chance de gozarem da almejada liberdade. Os poucos que voltaram estavam tão debilitados que a morte foi só uma questão de tempo. No ano de 1871 entra em vigor a Lei n. 2.040, apelidada de Lei do Ventre Livre, ou Rio Branco, dando liberdade os filhos de escravas que completassem 21 anos, ou 8 anos de idade, desde que o Estado pagasse uma indenização ao seu dono e ainda, assumisse a criança, colocando-a em uma instituição de caridade. Posteriormente, no ano de 1885, é assinado o Decreto n. 3.270, a chamada Lei do Sexagenário, que concedia liberdade aos escravos que completassem 60 anos de idade, no entanto, eles teriam que trabalhar por mais 3 anos para o seu senhor com o fim de indenizá-lo. Poderiam ainda atingir a liberdade os maiores de 60 anos que pagassem um valor em pecúnia a título indenizatório ou os que atingissem 65 anos, não havendo neste caso a necessidade do pagamento de compensação. Em 1888, chegamos ao nosso marco fim. No dia 13 de maio foi assinada a Lei 3.353 pela princesa Isabel, governante interina do Brasil abolindo a escravidão no país e tornando proibida a exploração do trabalhador em razão de sua cor, raça ou etnia. 25 A Lei Áurea criou a ferramenta jurídica necessária para o fim do desrespeito à dignidade, liberdade e igualdade entre os indivíduos do país. O homem deixou de ser tratado como coisa, como bem que incorporava o patrimônio dos escravocratas. Passado mais de 115 anos da entrada em vigor da lei abolicionista, é comum encontrarmos em nossos noticiários a narração de casos de trabalhadores encontrados em condições análoga à de escravo. Assegurar apenas o direito à liberdade do ser não basta se não forem criadas ferramentas eficientes para inibir e punir aquele que ainda utiliza-se da degradação humana. A chaga ainda persiste em nossos dias. Discorreremos agora sobre o trabalho escravo contemporâneo. 26 CAPÍTULO III TRABALHO ESCRAVO CONTEMPORÂNEO 3.1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS Questionar sobre a existência em dias atuais de trabalhadores submetidos a condições análogas à de escravidão não é mais pertinente. A persistência da chaga em tempos contemporâneos é uma triste realidade que já foi admitida oficialmente no início dos anos noventa pelo então Ministro do Trabalho Walter Barelli (apud SENTO-SÉ, 2001, p.43), quando foi questionado sobre o conteúdo do relatório da OIT que narrava sobre a existência da escravidão em nosso país: “[...] temos de reconhecer que isto existe e tomar providências. Essa é a maior mancha da história brasileira”. No ano de 1995 (FIQUEIRA, 2004, p.46) o então Presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, em entrevista transmitida a rádio mencionou que o que diferenciava a antiga e a nova escravidão era o fato de que o escravo do passado sabia quem era o seu senhor, já o atual desconhece. Os meios de comunicação não cansam de noticiar a dura realidade que estes trabalhadores enfrentam. Encontramos facilmente na mídia fatos ligados a exploração da mão-de-obra como: a morte dos fiscais em Unaí – MG (janeiro de 2004), o assassinato da irmã Dorothy Stang (fevereiro de 2005) e a condenação do senador da república João Ribeiro a pagar R$760.000 (Setecentos e sessenta mil reais), referente à indenização por dano moral em razão de ter submetido trabalhadores a condição análoga à de escravo (fevereiro de 2005). 27 Deixemos momentaneamente à margem os fatos mais recentes, com a promessa de voltarmos ao debate mais tarde, para analisarmos o quadro que se instalou no mundo e no Brasil após a Lei n. 3353 de 1888. 3.2 COMBATE INTERNACIONAL AO TRABALHO ESCRAVO Ao final do século XIX, quase todos os países do mundo haviam abolido a escravidão. No entanto, mesmo sendo ato atentatório ao ordenamento jurídico, muitos trabalhadores permanecem submetidos a esta forma vergonhosa de trabalho no mundo contemporâneo. No ano de 1926, vislumbrando a necessidade de adoção de medidas de combate à exploração da escravidão que continuava, foi proclamada, pela Sociedade das Nações, convenção disciplinando sobre o combate à escravidão. Mais tarde, em 1930, a Organização Internacional do Trabalho promoveu a convenção n.29 que defendia a abolição do trabalho forçado e obrigatório. Segundo o art. 2º, §1º da convenção, trabalho forçado ou obrigatório é “[...] todo trabalho ou serviço exigido a um indivíduo, sob a ameaça de uma pena qualquer, e para o qual esse indivíduo não se oferece voluntariamente”. O Brasil ratificou a convenção com a promessa de solucionar o problema no menor espaço de tempo. A Organização das Nações Unidas, em 1948, anunciou a Declaração universal dos Direitos do Homem que pregava ao longo de seus artigos a liberdade, igualdade, fraternidade e dignidade, no entanto, é o art. 4º que menciona especificamente sobre a escravidão, alertando que “ninguém será mantido em escravidão ou servidão; a escravidão e o tráfico de escravos serão proibidos em todas as suas formas”. O art. 5º diz que “ninguém será submetido a [...] tratamento [...] desumano ou degradante”. 28 Já o art. 13, §1º declara que “toda pessoa tem direito à liberdade de locomoção e residência dentro das fronteiras de cada Estado”. Por fim, o art. 23 menciona sobre os direitos individuais do trabalhador. Em 1953, na cidade de Nova York, foi assinado protocolo de emenda à convenção n.29, sendo aprovado pelo Brasil no ano de 1966. No ano de 1956 as Nações Unidas editou convenção suplementar sobre a abolição da escravidão, tráfico de escravos e instituições e práticas semelhantes à escravidão. A convenção foi promulgada pelo Brasil no ano de 1966 através do Decreto n.58.563 de 1º de julho de 1966. O art. 7º definiu a escravidão para os fins da convenção como sendo “[...] o estado ou a condição de um indivíduo sobre o qual se exercem todos ou parte dos poderes atribuídos ao direito de propriedade, e ‘escravo’ é o individuo em tal estado ou condição”. A OIT, no ano de 1957, elaborou convenção especial sobre a abolição do trabalho forçado e obrigatório. Analisando o dispositivo da convenção n. 105 fica evidenciado que já havia na época, por parte da entidade, preocupação com a abolição imediata da escravidão, visto que quase todos os países do mundo haviam abolido esta forma forçosa de trabalho desde o final do século XIX, porém, passado mais da metade do século sucessor, constatavase ainda a ocorrência de mão-de-obra escrava. A convenção proibia a exploração por parte dos Estados membros, bem como a adoção de medidas que inibissem e punissem a utilização por particulares. Menciona o art. 1º que: todo o Membro da Organização Internacional do Trabalho que ratifique a presente convenção compromete-se a suprimir o trabalho forçado ou obrigatório e a não o utilizar sob qualquer forma: a) Quer por medida de coerção ou de educação política, quer como sanção a pessoas que tenham ou exprimam certas opiniões políticas ou manifestem a sua oposição ideológica à ordem política, social ou econômica estabelecida; b) Quer como método de mobilização e de utilização da mão-de-obra com fins de desenvolvimento econômico; c) Quer como medida de disciplina do trabalho; 29 d) Quer como punição, por ter participado em greves; e) Quer como medida de discriminação racial, social, nacional ou religiosa. Na data de 19 de dezembro de 1966, na cidade de Nova York, foi assinado o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos. O tratado prega principalmente o reconhecimento dos direitos basilares do individuo, como a liberdade, a dignidade, o acesso à justiça e o acesso ao trabalho. Reza o art. 8º que: 1. ninguém poderá ser submetido à escravidão; a escravidão e o tráfico de escravos, em todos as suas formas, ficam proibidos. 2. ninguém poderá ser submetido à servidão. 3. a) ninguém poderá ser obrigado a executar trabalhos forçados ou obrigatórios; b) a alínea "a" do presente parágrafo não poderá ser interpretada no sentido de proibir, nos países em que certos crimes sejam punidos com prisão e trabalhos forçados, o cumprimento das penas de trabalhos forçados será imposta por tribunal competente; c) para os efeitos do presente parágrafo, não serão considerados "trabalhos forçados ou obrigatórios": i) qualquer trabalho ou serviço, não previsto na alínea "b", normalmente exigido de um indivíduo que tenha sido encerrado em cumprimento de decisão judicial ou que, tendo sido objeto de tal decisão, ache-se em liberdade condicional; ii) qualquer serviço de caráter militar e, nos países em que se admite a isenção por motivo de consciência, qualquer serviço nacional que a lei venha a exigir daqueles que se oponha ao serviço militar por motivo de consciência; iii) qualquer serviço exigido em casos de emergência ou de calamidade que ameacem o bem-estar da comunidade; iv) qualquer trabalho ou serviço que faça parte das obrigações cívicas normais. Posteriormente, no ano de 1969, durante a conferência de São José da Costa Rica, foi elaborada a convenção Americana sobre Direitos Humanos. Com fulcro no art. 6º da acima mencionada, fica proibida a utilização da escravidão e da servidão, não podendo ninguém ser submetido a elas. Fica também proibida toda a espécie de tráfico, seja o de escravos ou mulheres. Nenhum indivíduo poderá ser constrangido a executar trabalho forçado ou obrigatório. O Brasil só ratificou a convenção no ano de 1992. 30 Nota-se que os referidos ditames internacionais visam um bem comum, qual seja, o fim da utilização de mão-de-obra nas suas várias formas assumidas nos Estados-Membros, e ainda, compelindo estes a evitarem que a exploração seja realizada por membros do poder público ou por particulares. O combate internacional ao trabalho escravo acabou por gerar novas e diversificadas formas de exploração em todo o mundo. Podemos citar como exemplo a participação compulsória em obras públicas, trabalho doméstico forçado, trabalho forçado exigido por militares, trabalho forçado com relação ao tráfico de pessoas e trabalho forçado penitenciário. Todas as espécies de trabalho forçado foram mencionadas no relatório global da OIT (OIT, 2002) apresentado na Conferência Internacional do Trabalho de 2001. Diante do objetivo do presente trabalho, não analisaremos todas as espécies de trabalho forçado, nos limitaremos apenas a explanar sobre o trabalho escravo na zona rural brasileira. 3.3 TRABALHO ESCRAVO NO BRASIL RURAL Como afirmado nos primeiros capítulos, o desenvolvimento econômico nacional deu-se através do uso de mão-de-obra escrava, inicialmente a do índio nativo e posteriormente do negro advindo do continente africano. O regime escravocrata perdurou por mais de 300 anos em nosso território, passando, a partir de 1888, a ser considerada prática ilegal a utilização de mão-de-obra escrava. Apesar de ter deixado de existir no campo da legalidade, a escravidão está presente em nossos dias, passando a subsistir através da ilegalidade e de formas disfarçadas que acabaram por contribuir com sua subsistência. 31 Os meios de comunicação vêm divulgando quase que constantemente casos em que trabalhadores são resgatados por grupo de fiscalização móvel do Ministério do Trabalho e Emprego. Segundo dados da OIT, a incidência do tema trabalho escravo na mídia vem crescendo anualmente. Em 1995 – ano em que o Brasil assumiu oficialmente a existência de trabalho escravo em território nacional – foram registradas 72 chamadas; no ano de 1996 foram somente 44; aumentando para 260 no ano de 2002 e atingindo o seu ápice no ano de 2003 quando foram registradas 1541 chamadas vinculadas ao tema. Seja gráfico abaixo. Incidência do tema “trabalho escravo” na mídia Fonte: Organização Internacional do Trabalho (2003). A escravidão atual não se caracteriza através da compra de um trabalhador, tampouco em razão da cor de sua pele, mas por uma série de outros fatores como carência de informações dos direitos, ausência de condições de subsistência própria e da família na região de migração, falsas promessas de bons salários e de locais com boa estrutura de alojamento e trabalho. Esses trabalhadores são oriundos de vários estados, sendo Maranhão, Piauí, Tocantins e Pará os que mais emigram. Gráfico abaixo. 32 Estados de origem dos resgatados Fonte: Organização Internacional do Trabalho (2003). Os escravocratas contemporâneos são em sua grande maioria empresários, donos de latifundiários que tiveram sua ascensão financeira a partir da década de 70 beneficiados pelas políticas adotadas durante os governos militares. Suas fazendas são equipadas com modernos e avançados maquinários, tornando primoroso o plantio. O principal mercado de seus produtos é o exterior. As principais atividades onde foi localizado trabalho escravo são: pecuária com 43%; desmatamento com 28%; agricultura com 24%; madeireira com 4% e por fim a carvoaria com 1%. Segue gráfico. Incidência de trabalho escravo por atividade econômica Fonte: Comissão Pastoral da Terra / Organização Internacional do Trabalho (2003). 33 Segundo dados levantados pela Procuradoria Federal dos direitos do cidadão, os principais municípios de aliciamento dos trabalhadores libertados são: Redenção – PA, com mais de 300 trabalhadores; em segundo Açailandia - MA, com quase 250 trabalhadores em terceiro vem Marabá-PA, com mais de 200 trabalhadores. Seja gráfico. Principais municípios de aliciamento dos trabalhadores que foram libertados Fonte: Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (2003). A mão-de-obra escrava é negociada através de empreiteiros conhecidos como gatos, que na realidade são aliciadores de trabalhadores com a função de intermediar a relação entre senhor e escravo, visando a excluir a responsabilidade do empregador em caso de eventual fiscalização. Analisando o trabalho escravo contemporâneo, vale ressaltar as palavras do procurador do trabalho da 2ª região, Ronaldo Lima dos Santos (BRASIL, 2003a, p. 55,56), que faz alguns apontamentos sobre o tema: independentemente da denominação adotada – “trabalho escravo contemporâneo”, “escravidão por dívida”, “trabalho forçado”, “trabalho obrigatório”, “redução à condição análoga à de escravo” [...] – em todas as hipóteses levantadas, constatamos flagrantemente a sempre presença de vícios de vontade, seja no início da arregimentação do trabalhador, no 34 começo da prestação de serviços, no curso da relação de trabalho e até mesmo por ocasião do seu término. Os mais diversos métodos de coação, simulação fraude, dolo, indução a erro, são empregados para cercear a vontade do empregado e obriga-lo à prestação de serviços contra a sua vontade. O professor Ronaldo Lima dos Santos (BRASIL, 2003a, p. 55) também aponta atos que dão ensejo à existência do trabalho escravo contemporâneo no Brasil, quais sejam: a) a constrição da vontade inicial do trabalhador em se oferecer à prestação de serviços, sendo, por isso, constrangido à prestação de trabalhos forçados sem sequer emitir sentimento volitivo neste sentido (geralmente esta situação ocorre com os filhos de trabalhadores sujeitos a trabalho escravo e seus familiares); b) o aliciamento de trabalhadores em uma dada região com promessas de bom trabalho e salário em outras regiões, com a superveniente contração de dívidas de transportes, de equipamentos de trabalho, de moradia e alimentação, cujo pagamento se torna obrigatório e permanente, determinando a chamada escravidão por dívidas; c) o trabalho efetuado sob ameaça de uma penalidade – como ameaças de morte com armas – , geralmente violadora da integridade física ou psicológica do empregador; modalidade que quase sempre segue a escravidão por dívidas; d) a coação, pelos proprietários de oficinas de costuras em grandes centros urbanos – como São Paulo - de trabalhadores latinos pobres e sem perspectivas em seus países de origem – geralmente bolivianos e paraguaios -, que ingressam irregularmente no Brasil. Os empregadores apropriam-se coativamente de sua documentação e os ameaçam de expulsão do país, por meio de denúncias às autoridades competentes, Obstados de locomoverem-se para outras localidades, diante da sua situação irregular, os trabalhadores submetem-se às mais vis condições de trabalho e de moradia (coletiva). Desde o final da década de 70 e principalmente na década de 80 entidades ligadas aos trabalhadores rurais já vinham denunciando esta prática abusiva, no entanto, somente na metade da década de 90 foi que o governo brasileiro admitiu esta insultuosa verdade. Os trabalhadores explorados têm sido localizados em diversas atividades como pecuária, agricultura, desmatamento, mineração, carvoaria, etc. A OIT em seu Relatório Global de 2001 (OIT, 2002, p. 27) apresenta quatro formas, ou melhor, grupos, vulneráveis ao aliciamento dos gatos e a submissão à mão-de-obra escrava. 35 A primeira é quando os trabalhadores são agenciados pelos gatos, que vão até as regiões de grande pobreza para realizar o recrutamento de trabalhadores. O transporte para a região da exploração é realizado através de caminhões em péssimas condições, quase sempre irregulares e em desacordo com o código nacional de trânsito. Os trabalhadores ao chegarem nos locais de trabalho descobrem que a realidade é bem diferente da prometida, o transporte já ingresso em sua dívida que mais tarde será aumentada com a compra de materiais necessários para a realização do trabalho. A segunda seria quando trabalhadores da zona rural que não possuem muita qualificação (peões de trecho) perdem o contato com seu grupo familiar, passando a viver entre a exploração de uma fazenda e outra. Quando não estão ligados a um aliciador, permanecem em hospedarias, onde se alojam até conseguirem novo trabalho. Nos centros de hospedagem os trabalhadores iniciam o seu ciclo de endividamento, pois não possuem dinheiro para pagar os valores do pernoite e os alimentos consumidos, fazendo com que permaneçam naquele recinto até que o “gato” chegue, compre sua dívida e o leve para a propriedade onde irá laborar. Outra forma de exploração é a realizada contra famílias inteiras com o objetivo de produção de carvão. As famílias são obrigadas a construírem os fornos onde as árvores, que são desmatadas por elas, serão queimadas até a produção do carvão vegetal. Esse tipo de produção se dá em zonas remotas, o que acaba por dificultar a ocorrência de uma fiscalização mais efetiva. Devido à distância do local os trabalhadores têm que comprar todos os utensílios com o intermediário, o que acaba por favorecer a ocorrência da escravidão por dívida. A última forma mencionada no relatório é a exploração dos povos indígenas. Diz o documento (OIT, 2002, p. 27): 36 [...] os povos indígenas são particularmente vulneráveis às condições coercitivas de trabalho quando fora de suas próprias comunidades. Embora os povos indígenas representem uma proporção infinitamente menor da força de trabalho do Brasil em comparação com alguns países vizinhos da América Latina, suas condições de recrutamento têm sido motivo de preocupação para os serviços de inspeção do trabalho. Através da análise dos grupos apresentados, podemos apontar um aspecto comum entre todos, a ocorrência da escravidão por intermédio do endividamento. Independentemente do grupo atingido ou da forma de recrutamento, observamos a ocorrência do endividamento. Os trabalhadores que se encontram nessa situação são forçados a trabalhar até quitar suas dívidas, mas o que se observa é que o pagamento total nunca acontece, pois os peões quanto mais laboram, mais endividados ficam. As dívidas são de origem fraudulenta, em total desarmonia com as legislações trabalhistas e a Constituição Federal. Outro fator que acaba por agravar o desrespeito é a retenção de documentos de identificação pessoal e trabalhista, isso quando o trabalhador os possui. Os trabalhadores que tentam fugir, ou desrespeitam as determinações impostas são muitas vezes lesionados, quando não assassinados. Os empregadores, bem como os intermediários que são identificados explorando mão-de-obra escrava, incorrem em delito com previsão de pena em nosso ordenamento criminal. O endividamento e o desrespeito ao ordenamento jurídico nacional, por serem temas complexos, terão seus estudos divididos em partes especiais. 3.4 ESCRAVIDÃO POR DÍVIDA NO BRASIL A escravidão por dívida é uma das formas mais antigas de submissão do ser. Ela teve o seu início registrado na Babilônia, sendo também utilizada pelos gregos e romanos na antigüidade. 37 No Brasil a escravidão através da contração de dívida iniciou ainda na segunda metade do século XIX, após a adoção de medidas pelo governo brasileiro que inibindo o tráfico de escravos, fazendeiros, principalmente do estado de São Paulo, passaram a contratar mão-de-obra assalariada advinda da Europa. Os trabalhadores europeus não sabiam, mas ao darem início a nova empreitada e se deslocarem de seu continente para a nova terra, estavam assinando o seu testamento de exploração e submissão ao escravocrata brasileiro. O adiantamento que recebiam para poder embarcar rumo ao Brasil era incluído na lista de dívida, que era cobrada posteriormente, acrescida de juros e correções. Posteriormente era cobrada a passagem. Visando pagar suas dívidas os trabalhadores eram transferidos de um proprietário a outro, como se fosse um bem, até que alcançassem pagamento total. O modelo monárquico aqui apresentado muito se assemelha ao atual. A degradação do explorado inicia-se ainda em sua localidade de origem, onde não possui as mínimas condições de subsistência. Vê seus familiares passando necessidade, quando não se encontram adoentados. No município, não enxergam a mínima expectativa de trabalho, nem mesmo condições para explorarem o plantio familiar, pois as terras são impróprias, além da falta de recursos para o preparo do solo e plantio. O homem não consegue vislumbrar condições de melhoria para si e para seus familiares. Torna-se assim, vulneráveis às promessas feitas pelos “gatos”. Na realidade, é difícil para nós, mero expectador, tentar interpretar o pensamento do camponês. Trata-se mais de falta de opção do que vulnerabilidade. O trabalhador vê à sua frente a seguinte opção, permanecer em sua cidade, sem qualquer expectativa, ou tentar sorte melhor em outras regiões, ainda que corra o risco de ver frustrada sua esperança. O ato de sair de sua região simboliza deixar para trás o sofrimento. É romper com a dura realidade vivida diariamente. Quem sai, na verdade, queria permanecer, mas não fica, pois continuar é aceitar a dor que lhe corrói. 38 O padre Ricardo Rezende (FIGUEIRA, 2004, p. 114), em pesquisa realizada na cidade de Barras - PI, entrevistou uma mãe (Maria Branca) cujo filho e genro haviam partido. Durante a entrevista há a participação de um terceiro (Raimundo) que acaba por contribuir na colheita do depoimento: Maria Branca: Quem quer sair, quer achar oportunidade. Aí sai, de qualquer forma sai, ou que o pai queira ou que a mãe não queira. A necessidade dele é que está obrigando ele sair. A gente, tudo pobre, não tem como sobreviver, nem dar ao filho, não é? A gente, embora fique morrendo com a perda do filho... Porque nós sabemos que os outros estão lá, estão adoecendo de malária, estão comendo comidas irregulares, ficam sem almoçar. Mas isso tudo é por causa da situação, porque, se o pai tivesse condição de sustentar seu filho mesmo casado com a sua família ao lado, não deixaria que o filho fosse para lugar nenhum. Outra, eu mesmo não me sinto bem. Mas o que eu posso fazer? O nosso país não oferece oportunidade para que nós vivamos aqui. Raimundo: Conheço muita gente velha que está ruim de situação, como eu. Maria Branca: Mas o velho, seu Raimundo, o verme deles é o mesmo verme do outro também que nada tem. O verme é não ter. O trabalhador então deixa sua região, sozinho, acompanhado de amigos ou até mesmo acompanhado de alguns ou todos os familiares. Há dois meios de ir, como bem salienta Rezende (FIGUEIRA, 2004, p.117), ou o trabalhador vai por conta permanecendo nas hospedagens até que seja recrutado, ou já sai recrutado de sua cidade. Muitos autores falam de tentadoras promessas que acabam iludindo os migrantes, o que não posso concordar por completo. Concordo que aconteça o vício de consentimento, tornando por quase sempre nulo o contrato, mas o que seria uma promessa tentadora para quem não tem nada. O que seria um bom salário para quem não ganha nada e encontra-se em estado de completa miséria? Na verdade, a missão dos intermediários torna-se muito fácil em meio à ausência de condições e expectativas. Intermediários, gatos, empreiteiros, zangões ou turmeiros, todos 39 estes termos servem para identificar os prepostos dos fazendeiros, cuja missão é a captação de mão-de-obra. O padre Ricardo Rezende Figueira (2004, p. 17), assim classifica os “gatos”: empreiteiro contratado para desflorestamento, feitura e conservação de pastos e cercas ou outros serviços para fazendeiros e empresas agropecuárias na Amazônia. Muitas vezes anda armado, trabalha com parentes e com uma rede de “fiscais”, e são acusados de diversos crimes, inclusive homicídios. Em geral os mais violentos gozam de prestígio, são considerados eficientes e podem prestar serviço por anos consecutivos para as maiores empresas. A escritora Alison Sutton (apud SENTO-SÉ, 2001, p. 44) narra bem o episódio da captação e aliciamento de trabalhadores pelos gatos: [...] estes homens chegam com um caminhão a uma área afetada pela depressão econômica e vão de porta em porta ou anunciam pela cidade toda que estão recrutando trabalhadores. Às vezes usam um alto-falante, ou o sistema de som da própria cidade. [...] Em muitos casos, tentam conquistar a confiança dos recrutados potenciais trazendo um peão, que pode já ter trabalhado para eles, para reunir uma equipe de trabalhadores. O elemento de confiança é importante, e sua criação é favorecida pela capacidade que tem o gato de dar uma imagem sedutora do trabalho, das condições e do pagamento que esperam os trabalhadores. Sem melhores ou outras opções os trabalhadores acabam embarcando em caminhões, que podem representar o início de uma nova vida ou a completa destruição daquela. Alguns aliciadores acabam por adiantar algum dinheiro ao trabalhador para que ele possa deixar algo para sua família, aumentando as esperanças desta em relação ao sucesso de seu membro que agora se desloca. O que muitos não sabem é que o dinheiro que hoje alimenta, amanhã aprisionará, tornando árdua a volta ao seio acolhedor. Os trabalhadores que vão por conta acabam ficando em hospedarias nas regiões de recrutamento, no entanto, sem as mínimas condições de fazerem o pagamento da hospedagem e da alimentação. É neste momento que surgem os “gatos”, que negociam com o trabalhador o 40 pagamento de sua dívida e a sua ida para trabalhar em uma fazenda, dando inicio ao ciclo do endividamento. O recrutamento, a viagem, endividamento e a relação “peão” – “gato” foi muito bem ilustrada em reportagem da Agência Folha, publicada na data de 23.04.2003 no jornal Folha de São Paulo, que o padre Ricardo Rezende (FIGUEIRA, 2004, p. 121) transcreveu em sua obra: quatro ônibus com 235 trabalhadores em situação análoga à escravidão, segundo o Ministério do Trabalho, foram apreendidos ontem à noite pela Polícia Rodoviária Federal do Piauí. Entre os trabalhadores, havia seis menores, de 16 e 17 anos. Eles haviam sido recrutados em Barras (PI) para trabalhar na lavoura de cana-de-açúcar da empresa Pagrissa (Pará Pastoril e Agrícola S. A.), em Ulianópolis, no Pará. Cada um dos trabalhadores teve de pagar R$ 60 pela viagem. [...] Os ônibus viajavam clandestinamente por estradas vicinais sem a certidão liberatória, que obrigatoriamente precisa ser fornecida pelo Ministério do Trabalho para autorizar o transporte de trabalhadores entre estados. [...] O gato (intermediador da contratações) José Pereira dos Santos, que viajava com eles, foi preso e indiciado por aliciamento. O professor Jairo Lins de Albuquerque (SENTO-SÉ, 2001), com a maestria que lhe é peculiar, faz uma série de menções sobre os caminhos percorridos e condições suportadas pelos trabalhadores, vítimas da escravidão por dívida. Fazendo uso da linha de raciocínio de Sento-Sé, tentaremos fazer uma abordagem sintética em conformidade com que fora abordado, mas sem deixar de trazer os pontos fundamentais da narrativa. Quando os trabalhadores chegam ao local de trabalho, deparam com uma realidade diferente da que tiveram notícia e da que fazia parte de suas expectativas. Os equipamentos mínimos necessários para o desenvolvimento do trabalho são entregues, sendo tudo cobrado e anotado na caderneta3. No momento do recebimento do ordenado, percebem que o passivo é bem maior que o ativo. 3 Livro utilizado pelos gatos para anotar toda a divida do trabalhador. Neste livrinho é encontrado todos os tipos de anotações como: transporte, facão, óleo para serra elétrica, mantimentos e objetos de higiene pessoa. 41 O salário é pago quase todo in natura, com a cobrança pelo vestuário e equipamentos necessários para o desenvolvimento da atividade. O ato do empregador é em completo desrespeito à Constituição Federal (art. 7º e incisos), à CLT, em destaque o art. 458 caput e §2º, bem como o §4º do Decreto n. 73.626 de 12.02.1974 que regulamentou a Lei n. 5.889/73. Os gêneros alimentícios são vendidos pelo empregador a preços bem acima do de mercado e anotados nas cadernetas para posterior desconto no salário do trabalhador. Essa prática onde o empregador vende produtos de primeira necessidade para seus próprios empregados a preços bem maiores que o comum é denominado barracão ou truck-system. O detalhe é que o trabalhador não tem acesso aos valores e à quantidade consumida, fazendo com que perca o controle do que foi consumido e de sua dívida. A partir do endividamento o peão vê-se preso à terra e obrigado a trabalhar até que seja quitado todo o valor, o que muitas vezes não ocorre, sendo libertado somente quando o trabalho acaba ou torna-se indesejado por ser portador de alguma moléstia ou encontrar-se inválido por algum motivo para o trabalho. Temos o conhecimento de casos, onde o trabalhador fica mutilado devido ao manuseio incorreto de equipamentos não recebendo qualquer atendimento médico, quando muito, analgésico para tentar amenizar a dor. Exemplo é o ocorrido ao menor de 16 anos, libertado em 11 de fevereiro de 2004, na fazenda Cabaceiras, no sul do Pará, após fiscalização do grupo móvel do Ministério do Trabalho e Emprego. Quando o trabalhador tenta fugir é coagido por seguranças armados à persistirem a trabalhar, isso quando não são feridos. Outra forma de deter o trabalhador é através da apreensão dos documentos pessoais. A violência desferida contra trabalhadores não poupa a idade nem o sexo. Todos são passíveis e vulneráveis. O ex-escravo Sebastião Paulo, de 17 anos, aliciado em julho de 1997 em Colinas-TO, teve sua história narrada por Sérgio Paulo Moreyra e transcrita por Rezende 42 (FIGUEIRA, 2004, p. 174) onde conta os momentos tensos que vivenciou na fazenda Flor da Mara, no sul do Pará. O trabalhador viu: uma cena perigosa de um companheiro (...) com idade de mais ou menos dez anos que andava mais eu. Em uma sexta-feira ele tomou um botina emprestada para ir ao trabalho, pois não queria comprar uma por preço de vinte reais, tinha receio de ficar devendo e não poder mais ir embora, depois disseram que ele tinha roubado a botina, então o gato Fogoió levou ele para o mesmo barracão abandonado que ficamos quando chegamos na fazenda Flor da Mata, e bateram nele de facão, depois pegaram uma arma calibre 38, apontaram para ele e mandaram ele correr sem olhar para trás, e ele correu, entrou na mata e eu não vi mais. As jornadas são exaustivas em total desencontro com o que estipula a lei, fazendo lembrar as jornadas a que os escravos do século XIX eram submetidos. O procurador do trabalho Jairo (SENTO-SÉ, 2001, p. 47) abordou esta realidade vivida pelos trabalhadores que chegam: [...] a laborar até quatorze ou dezesseis horas por dia e sem a contraprestação da gratificação extraordinária que lhes seria devida. As condições de trabalho são também as mais nocivas e prejudiciais possíveis, o que, a todo instante, põe em risco a saúde dos trabalhadores rurais, como comprovam os casos de mutilação entre os que laboram nas regiões sisaleiras. Observando os fatos narrados acima, podemos apontar uma série de fatores que acabam por colidirem com a legislação nacional e com os regulamentos internacionais que o Brasil ratificou. A convenção n.95 da OIT de 1949 (SENTO-SÉ, 2001, p. 50), ratificada em 1958, dispõe sobre a proteção ao salário em seu art. 7º, itens 1 e 2, fazendo as seguintes considerações: Art. 7º - 1. Quando em uma empresa forem instaladas lojas para vender mercadorias aos trabalhadores ou serviços a ela ligados e destinados a fazer- 43 lhes fornecimentos, nenhuma pressão será exercida sobre os trabalhadores interessados para que eles façam uso dessas lojas ou serviços. 2. Quando o acesso a outras lojas ou serviços não for possível, a autoridade competente tomará medidas apropriadas no sentido de obter que as mercadorias sejam fornecidas a preços justos e razoáveis, ou que as obras ou serviços estabelecidos pelo empregador não sejam explorados com fins lucrativos, mas sim no interesse dos trabalhadores. O salário do trabalhador (BRASIL, 2003a, p. 59) protegido pelos princípios da pessoalidade, intangibilidade e irredutibilidade, consagrados respectivamente nos art. 464 e 462, caput da CLT e art. 7º, inciso VI da Constituição – é diretamente afrontado pelos intermediários e empregadores quando da utilização de mão-de-obra escrava. Outros direitos trabalhistas são igualmente desrespeitados como o princípio da vedação à pratica do truck system (§2º e 3º do art. 462 da CLT) e a orientação do pagamento da prestação em espécie do salário em moeda corrente do país, art. 463 da CLT. O professor Ronaldo Lima dos Santos (BRASIL, 2003a, p. 59) aponta ainda os dispositivos penais em que os criminosos que exploram a mão-de-obra escrava incorrem: além das normas trabalhistas infligidas, as condutas descritas tipificam os crimes definidos no Código Penal, em seus arts. 149 (redução de alguém à condição análoga à de escravo); 203 (frustração de direitos trabalhistas mediante fraude ou violência); 132, parágrafo único (exposição da vida ou da saúde de outrem a perigo direito e iminente decorrente do transporte em condições ilegais); e 207 (aliciamento de trabalhadores, com o fim de levalos de uma para outra localidade do território nacional). Ao analisarmos este terrível quadro não conseguimos enxergar os princípios que regem o Estado Democrático de Direito. A dignidade da pessoa humana, o direito a proteção e ao acesso ao trabalho são colocados à mercê, para que, intermediários e fazendeiros aumentem cada vez mais os seus ganhos. Tentar defender os agricultores, ou até mesmo levantar bandeiras com jargões dizendo ser a agricultura a válvula propulsora da economia de nosso país é incoerente e 44 inescrupuloso, visto que, não podemos nem mesmo considerar como agricultores e ou empresários, pessoas que com intuito único de enriquecer seus cofres, fazem com que persista a mancha da exploração e da submissão em nossa sociedade. Desenvolver nosso país à custa da desgraça de trabalhadores e famílias inteiras é algo que não mais podemos aceitar. 3.5 A PERSISTÊNCIA FACE À IMPUNIDADE A impunidade e a ausência de penas eficazes que tenham o condão de realmente punir os escravocratas contemporâneos, bem como todos aqueles que de alguma forma participam desta teia, é fator preponderante para a persistência da escravidão. A legislação existente possui lacunas o que acaba por favorecer os criminosos, principalmente no aspecto penal. A reforma ocorrida no art. 149 do Código Penal brasileiro no final de 2003 foi positiva para o combate. Porém não adianta apenas aplicação de penas na esfera criminal, pois como já foi demonstrado, o principal criminoso, é quem contrata os intermediários. Os verdadeiros autores, na maioria das vezes, não são condenado face à camuflagem que é montada através da utilização de intermediário, verdadeiros testas-de-ferro. Medidas eficientes poderiam ser tomadas a partir do momento em que a justiça tivesse o poder de expropriar as terras onde fossem encontrados trabalhadores submetidos à condição análoga à de escravo, destinando essa para a reforma agrária. A competência para tratar da matéria é constitucional e só poderá ser feita através de emenda. Em nossa Carta Magna já há a previsão de expropriação de terra, mas somente em casos em que forem localizadas culturas ilegais de plantas psicotrópicas (art. 243). Há em trâmite no Congresso 45 Nacional proposta de emenda constitucional, a PEC n. 438, no entanto, esta encontra grande dificuldade de aprovação, principalmente por causa das articulações da bancada ruralista. Outra dificuldade é que geralmente os criminosos se confundem com o poder político da região, o que acaba por dificultar o exercício regular e imparcial da atividade policial. Podemos citar como exemplo os irmãos Noberto e Antério Mânica que são suspeitos de serem os mandantes do assassinato de quatro servidores do Ministério do Trabalho em 28 de janeiro de 2004, na cidade de Unaí - MG. Antério Mânica foi eleito prefeito da cidade de Unaí nas eleições de 2004, com mais de 70% dos votos válidos. O autor Jairo (SENTO-SÉ, 2001, p. 60) já destacava esta confusão: normalmente, o detentor de grande propriedade na zona rural é também um homem de forte influência política, ou seja, tem vínculos estreitos com o poder político local. Daí, usualmente, contar com a indiferença das autoridades policiais da região, que não manifestam qualquer reação ao exercício desta abusividade. Pior ainda, costumam contar com o seu beneplácito para trazer de volta o trabalhador fugitivo, a fim de que ele possa “honrar” os compromissos provenientes da dívida não adimplida. A Justiça, por sua fez, nem sempre tem agido com o rigor necessário. Muitos juízes, por desconhecimento do instituto da escravidão contemporânea, de suas características e formas, acabam não fazendo valer a legislação em vigor contra aqueles que a desrespeitam. A reforma do art. 149 do CPB, ainda não tem mostrado seus efeitos nos tribunais. A lista suja – nome dado ao arrolamento elaborado pelo Ministério do Trabalho e Emprego com a discrição dos empresários e empresas que foram autuados por fazerem uso de mão-de-obra escrava – que, no início, mostrou-se eficiente ferramenta no combate ao trabalho escravo, vem sendo enfraquecida por determinações judiciais. Os agricultores penalizados vêm recorrendo à justiça, através do pedido de liminares, para verem seus nomes excluídos da lista suja e estão conseguindo alcançar os seus objetivos. Com a exclusão, ainda que temporária, os agricultores voltam a ter direito a financiamento público para a gestão de seus 46 negócios, enfraquecendo o movimento pela erradicação do trabalho escravo, além de contribuir com a impunidade. Outra dificuldade é a questão da competência em razão da matéria criminal. Uns defendem a competência da justiça estadual, outros da federal, o que acaba por dificultar e tornar moroso o julgamento dos acusados. A discussão encontra-se atualmente no STF para ser solucionado, mas com forte tendência que seja a justiça federal a competente, o que nos parece mais correto. O poder executivo vem desempenhando bem o seu papel, no entanto, medidas ainda aclamam por serem tomadas. O aumento do número de fiscais e de policiais federais é emergencial para que possam ocorrer inspeções do grupo de fiscalização móvel do Ministério do Trabalho e Emprego em todos os cantos do país, por mais longínquo que seja. Atualmente, os policiais federais vêm passando por problemas e dificuldades para acompanharem as fiscalizações, visto que as diárias recebidas não dão para eles hospedaremse em locais seguros e ainda se alimentarem. Os policiais recebem hoje uma diária de R$60,00 (Sessenta reis), o que segundo os fiscais do trabalho e os membros do Ministério Público do Trabalho que acompanham as inspeções é realmente baixo, o que acaba colocando em risco a vida de todos os que participam da jornada de fiscalização. As missões, sem o amparo policial mínimo, tornam-se inviáveis. Cite-se como exemplo o assassinato ocorrido em Unaí – MG. Todo esse conjunto acaba por contribuir para a impunidade. A adoção de medidas ainda para sanar os problemas apresentados e outros aqui não relacionados faz-se necessário para o eficaz combate ao trabalho escravo. 47 3.6 ASPECTOS DA ANTIGA E DA ESCRAVIDÃO CONTEMPORÂNEA A escravidão contemporânea na região rural do Brasil tem como principal característica o cerceamento da liberdade, fruto de um suposto endividamento. Antes de 1888, ano da abolição da escravidão no Brasil, o escravo não era sujeito de direito, só de dever. O trabalhador era tratado como bem que compunha o patrimônio de seu senhor. Atualmente, apesar de todas as garantias constitucionais asseguradas – dignidade; liberdade; igualdade; acesso ao trabalho – a prática da escravidão persiste com a utilização de um novo subterfúgio, o endividamento do trabalhador. O sociólogo norte-americano Kevin Bales, em sua obra “Disposable people: new slavery in the global economy”, traça um paralelo entre o novo e o antigo instituto. A organização não governamental Repórter Brasil4, com base na obra do sociólogo, adaptou as principais distinções para a realidade brasileira. Utilizaremos este estudo para traçarmos as diferenças caso haja. O escravo antigo incorporava-se ao patrimônio de seu senhor. Era considerado um bem. Na nova, o escravo não faz parte da propriedade, não é comprado, mas adquirido através da relação de endividamento estabelecida. Na antiga, a aquisição, como a manutenção do escravo era mais onerosa. A riqueza de uma pessoa muitas vezes podia ser estipulada através do número de escravos que ela possuía. Na nova os custos são baixíssimos, pautado muitas vezes somente nos gastos como o transporte e a comissão do intermediário. O trabalhador é tratado como peça descartável, sendo substituído quando não mais necessário ou produtivo. Tal fato não era comum na antiga devido aos altos custos para a aquisição de um novo. 4 Informações retiradas do site da ONG Repórter Brasil – www.reporterbrasil.com.br 48 A aquisição de um escravo antigamente era dificultosa, visto que dependia da oferta dos traficantes. A partir de 1850, com a proibição do tráfico de escravos através da Lei n. 584, ficou ainda mais oneroso. Kelvin Bales, afirma que o preço pago por um escravo, convertido para moeda atual, poderia chegar a R$ 120.000,00 (Cento e vinte mil reais). Na atual há abundância de disponibilidade, face à falta de estrutura social e econômica dos trabalhadores das regiões de emigração. Segundo relatório da ONG, um trabalhador pode ser adquirido por menos de R$ 100,00 (Cem reais) na Amazônia. Os escravos atuais não possuem esta condição devido à etnia, como era fator preponderante na antiga. Independentemente da cor da pele, homens são submetidos à mãode-obra no Brasil. Os escravos contemporâneos são pessoas que se encontram abaixo da linha de pobreza, sem qualquer perspectiva de melhoria das condições de subsistência própria e de sua família em sua cidade originária, ficando, assim, suscetível à exploração. Antigamente a relação entre escravo-escravocrata era por período longo, muitas vezes durando toda a vida do explorado. Na atual é por período curto, permanecendo, em sua maioria, até o fim da empreitada. Por fim, a escravidão, seja a antiga, ou a contemporânea, ambas utilizam os mesmos subterfúgios para manterem o estado de submissão. Os trabalhadores sofrem ameaças, violências psicológicas, coerções físicas, punições exemplares e até mesmo assassinato. 49 CAPÍTULO IV ASPECTOS JURÍDICOS POLÊMICOS SOBRE O TRABALHO ESCRAVO 4.1 PROJETO DE EMENDA CONSTITUCIONAL N. 438 Para o real combate ao trabalho escravo torna-se necessária a adoção de medidas eficazes, de forma a coibir a ocorrência desta prática. As penalidades penais e administrativas não são muitas vezes por si só eficientes. Criminalmente tem sido mostrada a dificuldade de punir o empregador, visto que na maioria das vezes somente o intermediário recebe a condenação. As penas administrativas, por sua vez, não são tão rigorosas para aqueles que possuem plenas condições de arcar com valores altíssimos em pecúnia para pagar as multas arbitradas. Diante do quadro apresentado, chegou-se à conclusão de que o eficaz combate ao trabalho escravo estaria associada a adoção de medidas que pudessem atingir o bem maior do escravocrata, a propriedade. A nossa Carta Magna, em seu art. 184, prevê possibilidade de desapropriação do imóvel rural que não esteja cumprindo sua função social, mediante prévia e justa indenização. Nota-se que o artigo trata da possibilidade de desapropriação e não expropriação. Somente por uma questão didática, chamamos a atenção que, na primeira, há o pagamento de indenização ao proprietário quando a terra é tomada. Já na expropriação, quando a terra é tomada por não atender aos preceitos constitucionais da função social da propriedade (art. 186 CFB), não há o pagamento de nenhum valor a título de indenização. A desapropriação, nos casos de combate ao trabalho escravo é muito questionada, sendo entendida como fator positivo e não negativo ao infrator. Parte dos atuais proprietários 50 de vastas dimensões de terra adquiriram suas propriedades de forma ilegal, através do uso da grilagem5. Outros possuem propriedades cuja venda não é de fácil comercialização. Assim, o pagamento de indenizações poderia ter efeito às avessas. A adoção da expropriação através da alteração do art. 243 da Constituição seria excelente ferramenta para o combate ao trabalho escravo no Brasil. Na sugestão de mudança seria incluída de forma objetiva a possibilidade de expropriação das terras onde fosse localizado trabalho escravo. A redação proposta pelo senador Ademir Andrade, autor do projeto, é a seguinte: Art. 243. As glebas de qualquer região do País onde forem localizadas culturas ilegais de plantas psicotrópicas ou a exploração de trabalho escravo serão imediatamente expropriadas e especificamente destinadas à reforma agrária, com o assentamento prioritário aos colonos que já trabalhavam na respectiva gleba, sem qualquer indenização ao proprietário e sem prejuízo de outras sanções previstas em lei. Parágrafo único. Todo e qualquer bem de valor econômico apreendido em decorrência do tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins e da exploração de trabalho escravo será confiscado e se reverterá, conforme o caso, em benefício de instituições e pessoal especializado no tratamento e recuperação de viciados, no assentamento dos colonos que foram escravizados, no aparelhamento e custeio de atividades de fiscalização, controle e prevenção e repressão ao crime de tráfico ou do trabalho escravo. Segundo o juiz federal Flávio Dino de Castro e Costa (BRASIL, 2003a, p. 105), “Trata-se de proposição plenamente justificada, inclusive sob a ótica da proporcionalidade das sanções, uma vez que o trabalho forçado atinge, com enorme intensidade, princípios e direitos fundamentais”. A proposta de emenda à Constituição n. 438 teve anexado ao seu bojo outras duas propostas que versam sobre o mesmo tema: PEC n. 232 de 1995 e seus apensos. Se 5 Grilagem é o ato no qual uma pessoa, com o fim de fazer prova de aquisição de terra, submete escritura falsa a um processo de envelhecimento, onde é utilizado grilos por serem estes capazes de eliminar substância que dá aparência de velho quando em contato com papel. 51 analisarmos o tempo que a proposta está para ser aprovada, com base na data que a PEC n. 232 teremos quase dez anos de espera. O tempo aguardado é extremamente longo, principalmente quando tiramos como base outras propostas de emenda cuja matéria é do interesse do governo. A expropriação é uma importante ferramenta no combate ao trabalho escravo, no entanto, sem a interferência direta do governo, através da cobrança de apoio junto aos seus aliados, tornará lenta e até pouco eficiente face ao aumento contínuo da exploração do homem. 4.2 A MUDANÇA DO ART. 149 DO CÓDIGO PENAL BRASILEIRO Atendendo ao objetivo traçado pelo Plano Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo, foi alterado no final de 2003, através da Lei n. 10.803/2003, o art. 149 do CPB. A antiga redação, trazia em seu caput a seguinte menção: “reduzir alguém a condição análoga à de escravo”. Surgia a questão sobre o que seria condição análoga a de escravo! O antigo dispositivo era subjetivo por demasiado, dificultando muitas vezes a sua aplicação e conseqüente condenação dos criminosos. A nova redação do art. 149 menciona: reduzir alguém a condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto. Observa-se que o dispositivo traz em seu caput a ação a ser praticada pelo criminoso “reduzir alguém a condição análoga à de escravo” e as formas que o delito pode ser cometido “quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto”. 52 Nota-se que a nova redação se adequou à realidade do trabalho escravo contemporâneo prevendo, dentre as formas de incorrer no delito, as práticas impostas pelos criminosos ao fazerem uso de mão-de-obra escrava: submissão a jornadas exaustivas; condições degradantes de trabalho como a ausência de alimentos, lugares impróprios para alojamento, ausência de condições mínimas de higiene e saúde; e a proibição do trabalhador deixar o local de trabalho em razão de uma suposta dívida adquirida, que na verdade não são valores devidos pelo trabalhador, mas sim obrigações do tomador. O parágrafo 1º da nova redação do art. 149 do CPB faz menção a outras duas condutas que o sujeito ativo pode utilizar para praticar o crime: I – cercear o uso de qualquer meio de transporte por parte do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho; II – manter vigilância ostensiva no local de trabalho ou se apoderar de documentos ou objetos pessoais do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho. O bem jurídico tutelado é a liberdade individual e a dignidade do trabalhador. Aqui pouco importa se há o consentimento do escravizado, o interesse é da sociedade, sendo punido o infrator independente da existência do consentimento da vítima. O interesse do criminoso na constituição da situação de fato é submeter alguém a realizar suas vontades e não ter a propriedade sobre este. Não é condição para a ocorrência do delito o tratamento do indivíduo como se fosse um bem da propriedade do escravocrata, mas suprimir o direito à liberdade daquele atrelando-o a realizar suas determinações. Se o criminoso apenas privar a liberdade do trabalhador cometerá o delito de seqüestro ou cárcere privado e não o descrito no art. 149. Qualquer um pode ser vítima e autor do delito, visto que é crime comum. Cezar Roberto Bitencourt (2002, p. 455) comenta que se um funcionário público, no exercício de sua função, privar a liberdade de alguém, submetendo-o a realizar seus mandos, incorrerá no 53 crime de abuso de autoridade previsto na Lei n. 4.898/65, pois “a relação que se estabelece entre os sujeitos do crime não é, como diz no texto legal, análoga à existente entre o senhor e o escravo, pois a liberdade deste paira sob o domínio do senhor e dono”. O crime se consuma quando o agente pratica o tipo penal, reduzindo alguém a condição análoga a de escravo, utilizando-se de alguma das formas previstas no caput ou parágrafo 1º do dispositivo penal. A vítima tem que estar submetida à vontade de outrem, ainda que tenha se apresentado voluntariamente. Segundo Bitencourt (2002, p. 458) não há a configuração do delito se a redução for rápida, instantânea ou momentânea, podendo, conforme o caso, ocorrer à tentativa. A tentativa é possível por se tratar de crime material. Segundo Damásio de Jesus (JESUS, 2004, p. 264) exemplo de tentativa seria quando o indivíduo está sendo transportado para servir como se fosse escravo, e é interrompido ainda no momento do transporte. A doutrina classifica o delito como sendo crime comum, simples, comissivo, permanente, material e de forma livre. A pena continua sendo de dois a oito anos de reclusão, no entanto, a Lei n. 10.803/2003 cumulou multa. A ação é pública incondicionada. A nova redação dada pela Lei n. 10.803/2003 ao art. 149, inovou ao prever no parágrafo 2º a possibilidade de aumento da pena nos casos em que o crime for cometido “contra criança ou adolescente” (inciso I) e ou por “motivo de preconceito de raça, cor, etnia, religião ou origem” (inciso II). Certamente as modificações e inovações trazidas pela nova redação irão em muito contribuir para o combate ao trabalho escravo. Esperamos que a atenção tida pelo legislador seja correspondida nos tribunais. Campanhas e ações governamentais pouco adiantaram sem o respaldo de nossos Tribunais. 54 A aplicação penal encontra atualmente problema na seara processual. Há um impasse criado sobre qual a justiça, estadual ou federal, é a competente para julgar o delito do art. 149 do CPB. 4.3 CRIME DE PLÁGIO E O CONFLITO JURISDICIONAL Uma das questões mais polêmicas na erradicação do trabalho escravo é o conflito de competência. A discussão pauta-se no questionamento de ser a justiça estadual ou federal a competente para julgar o delito previsto no art. 149 do CPB. O artigo 69 do código de processo penal divide a competência através da observância de três aspectos: a natureza do crime (ratione materiae), a qualidade das pessoas (ratione personae), o local onde o delito foi praticado ou consumou-o, e ainda, a residência do autor. Os delitos que a justiça federal tem competência para julgar estão previstos no art. 109 e incisos da constituição federal. A discussão sobre a competência inicia-se logo quando se faz o estudo do art. 109. Menciona o inciso VI do referido artigo que os crimes contra a organização do trabalho é de competência federal. Pois bem, analisando exclusivamente tal inciso, fica claro que a competência é dessa. Porém o STF, já definiu que o delito previsto no art. 149 do código penal brasileiro não afeta a organização do trabalho, mas sim a liberdade individual. Aquele Tribunal se manifestou quanto à temática em 1979, através da apreciação do recurso extraordinário n. 90.042-SP. Segue a ementa: conflito de competência. Interpretação do artigo 125, VI da Constituição Federal. A expressão ‘crimes contra a Organização do trabalho’, utilizada no referido texto constitucional, não abarca o delito praticado pelo empregador que, fraudulentamente, viola direito trabalhista de determinado empregado. Competência da Justiça Estadual. Em face do art. 125, VI, da Constituição Federal, são da competência da Justiça Federal apenas os crimes que ofendam o sistema de órgãos e instituições que preservem, coletivamente, os direitos e deveres dos trabalhadores. Recurso extraordinário não reconhecido. 55 Completando o entendimento já manifestado anteriormente, o antigo e extinto Tribunal Federal de Recursos, em 1982 sumulou (súmula 115) que: compete à Justiça Federal processar e julgar os crimes contra a organização do trabalho, quando tenham por objeto a organização geral do trabalho ou direitos dos trabalhadores considerados coletivamente. Prosseguindo no estudo, e continuando a interpretar o art. 109 da constituição federal, menciona o inciso III que a justiça federal compete julgar “as causas fundadas em tratado ou contrato da União com Estado estrangeiro ou organismo internacional”. Ora a proteção ao trabalhador, bem como a proibição de submeter pessoa humana à escravidão é prevista nas convenções n. 29 e 105 da OIT, as quais o Brasil é signatário. Além das mencionadas citamos ainda a Convenção sobre Escravatura de 1926 emendada pelo Protocolo de 1953 e a Convenção Suplementar sobre a Abolição da Escravatura de 1956, todas promulgadas pelo Decreto n. 58.563 de 1º de junho de 1966. Assim, fica novamente evidenciada como sendo a justiça federal a competente. A aceitação da justiça federal como a adequada, fica mais reforçada quando observamos o disposto no inciso n. IV, do artigo 109 da carta maior: os crimes políticos e as infrações penais praticadas em detrimento de bens, serviços ou interesse da União ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas, excluídas as contravenções e ressalvada a competência da Justiça Militar e da Justiça Eleitoral. O delito previsto no art. 149 do código penal brasileiro afronta o interesse da União no momento que não observa direitos garantidos pela constituição como: a dignidade da pessoa humana (art. 1º, III); os valores sociais do trabalho (art. 1º, inciso IV); o exercício livre de qualquer trabalho, ofício ou profissão (art. 5º, inciso XIII); além de atentar contra a função social da propriedade (art.5º, XXIII). 56 Outra observação que deve ser feita é que a expressão “crimes contra a organização do trabalho” utilizada no art. 109 da constituição federal foi utilizada de forma ampla, para que ao ser interpretada pudesse ser utilizada de forma ampla e não restrita, pois, se fosse de interesse do poder constituinte restringir, já o teria feito. O Supremo Tribunal Federal, devido à discussão que vem sendo travada com relação ao tema, está analisando o recurso extraordinário impetrado pelo Ministério Público Federal (RE n. 398041) contra acórdão do Tribunal Regional Federal da 1ª Região que declarou incompetente a justiça federal para julgar o delito previsto no art. 149 do código penal nacional. Até a data de 22 de março de 2005 o julgamento do recurso encontrava-se suspenso após o pedido de vista feita pelo Ministro Gilmar Mendes durante sessão do dia 03 de março de 2005. Até o presente momento há quatro votos pelo reconhecimento do recurso extraordinário, devolvendo para o julgamento final da apelação contra dois votos pelo não reconhecimento. De acordo com os votos momentâneos, o STF deve confirmar como sendo a justiça federal a competente. 57 CAPÍTULO V MEDIDAS GOVERNAMENTAIS PARA A ERRADICAÇÃO DO TRABALHO ESCRAVO NO BRASIL 5.1 PLANO NACIONAL PARA ERRADICAÇÃO DO TRABALHO ESCRAVO Em 11 de março de 2003, visando atender a compromissos assumidos por governos anteriores, o presidente Luís Inácio Lula da Silva lançou o Plano Nacional para Erradicação do Trabalho Escravo. O plano foi elaborado pela Comissão Especial do Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana, concentrando em seu bojo 76 medidas a serem tomadas para a erradicação do trabalho escravo no Brasil. As propostas apresentadas estão alocadas em 7 grupos, divididos em conformidade com a matéria e a área de atuação. Trata-se de medidas a serem cumpridas a curto e médio prazo pelos diversos órgãos dos poderes executivo, legislativo e judiciário, bem como pelo ministério Público e entidades da sociedade civil brasileira. O Plano Nacional para Erradicação do Trabalho Escravo, apresenta uma série de medidas a serem tomadas das quais destaca-se: I. priorizar como metas do governo a erradicação e a repressão ao trabalho escravo; II. incluir as principais cidades de emigração de mão-de-obra escrava no programa do governo federal “Fome Zero” como forma de melhorar as condições de subsistência do trabalhador e de sua família; 58 III. aumentar a pena dos crimes de sujeição de alguém à condição análoga à de escravo e de aliciamento, além de incluir tais práticas penais entre o rol dos crimes hediondos; IV. aprovar a PEC 438/2001 que altera o art. 243 da Constituição Federal, passando a autorizar a expropriação de terras onde forem encontrados trabalhadores submetidos a condições análogas à de escravo; V. aprovar o Projeto de Lei n. 2.022/1996, que proibe a contratação pelos órgãos públicos, bem como entidades da administração pública, empresas e estabelecimentos que utilizem direta ou indiretamente mão-de-obra escrava; VI. impedir a obtenção e manutenção de crédito rural e de incentivos fiscais junto às agências de financiamento quando comprovada a utilização de trabalho escravo ou degradante; VII. criar e manter banco de dados com informações para identificar empregado e empregadores envolvidos, locais de aliciamento e ocorrência do crime e identificar se os imóveis estão em área pública ou particular, se é produtiva ou não a terra; VIII. melhorar a estrutura administrativa do grupo de fiscalização móvel; IX. melhorar a estrutura administrativa da ação policial; X. melhorar a estrutura administrativa do Ministério Público Federal e do Ministério Público do Trabalho; XI. implementar política de reinserção social dos trabalhadores libertados de forma que eles não voltem a ser escravizados; XII. contemplar as vítimas com seguro desemprego e outros benefícios sociais em caráter temporário; 59 XIII. implantar a Justiça do Trabalho itinerante nas cidades de imigração nos estados do Pará, Mato Grosso e Maranhão; XIV. informar aos trabalhadores sobre seus direitos e sobre a utilização de mão-deobra escrava, através dos meios de comunicação local, regional e nacional; XV. incluir o tema de direitos sociais nos parâmetros curriculares nacionais. Estas e outras medidas compõem o Plano Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo. Muitas das propostas já foram e estão sendo executadas. Porém, algumas medidas, cujo prazo para a realização previsto no plano foi curto, por tratar de matéria emergencial, como a aprovação da PEC n. 438/2001, não foram realizadas. A melhoria da estrutura administrativa da ação policial encontra-se em aguardo. Reclamações por parte dos policiais engajados na causa surgem a todo o momento. As principais reivindicações são em torno dos valores das diárias recebidas. Policiais relatam que recebem apenas o valor de R$60,00 (Sessenta reais) por dia, para despesas durante a fiscalização. O presente valor, segundo ainda informações dos próprios policiais, não cobre nem o valor de hospedagem em pousadas de pouca infra-estrutura, colocando em risco a segurança dos agentes, fazendo com que muitos completem do próprio bolso os valores necessários.6 A proposta inicial do governo federal de erradicar o trabalho escravo até o final de seu mandato (final de 2006) dificilmente será cumprida. Muitas medidas aclamam por serem realizadas. Entidades de várias partes do mundo, como a ONG Anti-Slavery, já começaram a cobrar atitudes mais eficientes do governo nacional em virtude dos compromissos assumidos por este em 2003. A ONG, em seu site oficial7 criou um link onde os navegadores podem mandar sua carta de protesto e cobrança ao governo Lula. O endereço de destinatário é o do palácio do planalto. 6 7 Informação obtida em fevereiro de 2005. ONG Anti-Slavery – www.antislavery.com 60 A mesma expectativa apresentada pelas entidades internacionais é a do povo brasileiro. Espera-se que as promessas deixem de ser apenas promessas para passarem a ser realidade. 5.2 A “LISTA SUJA” DO MINISTÉRIO DO TRABALHO E EMPREGO Em novembro de 2003, o Ministério do Trabalho e Emprego, atendendo a compromisso firmado no Plano Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo, editou uma lista com o nome de empresários e empresas que utilizam mão-de-obra escrava. O objetivo é informar aos órgãos públicos, entidades civis e à sociedade como um todo, sobre a forma de trabalho utilizada nestas propriedades durante o desenvolvimento de suas atividades econômicas. Em outubro de 2004, o Ministro do Trabalho e Emprego Ricardo Berzoini assinou portaria que criou o cadastro dos empregadores que tenham mantido trabalhadores em condições semelhantes à de escravo. Na primeira lista, havia 55 nomes. Em julho de 2004, foi publicada a segunda lista, onde acrescentaram 49 novos sujeitos. Em janeiro de 2005 foi lançada a terceira lista do Ministério do Trabalho onde há o nome de 166 empresas ou empresários. A terceira lista, que hoje virou cadastro, é atualizada semestralmente. Em sua última divulgação foram acrescidos 65 novos infratores, o que corresponde a um aumento de 64% em relação à última lista onde havia 101 nomes. Os nomes só vão para a lista depois de ocorrido o processo administrativo. Até esta terceira edição, já havia o registro de mais de dez mil trabalhadores libertados durante as operações do grupo móvel. 61 Nomes de políticos como o do Deputado Federal Inocêncio Oliveira (PFL-PE) aparecem na lista. Em sua fazenda localizada no estado do Maranhão, foram encontrados 56 trabalhadores reduzidos a condição análoga à de escravo. Outro político que possui sua propriedade na lista é o Deputado Estadual do Estado do Rio de Janeiro pelo PMDB, Jorge Picciani. A fazenda do grupo empresarial do Deputado (Agropecuária Agrovás), localizada no município de São Felix do Araguaia – MT, foi incluída no cadastro após a localização de 39 trabalhadores na propriedade trabalhando em condições degradantes. O deputado pagou o valor de R$150.000,00 (Cento e cinqüenta mil reais) referente a dívidas trabalhistas. Os irmãos de Paulo César Farias8, o ex-deputado federal Augusto Farias e Cleuza Cavalcante Farias também figuram na lista. Os irmãos chegaram até a ser presos em fevereiro de 2003, mas no dia seguinte conseguiram habeas-corpus. O empresário Constantino de Oliveira, pai de Constantino de Oliveira Júnior, presidente da Gol Linhas Aéreas aparece na lista como reincidente. O empresário já estava na primeira lista em virtude de terem localizado na fazenda Colorado no estado do Pará, 23 trabalhadores em condição análoga à de escravo. A razão da reincidência e aparição na terceira lista é por terem sido libertados 259 trabalhadores na fazenda Tabuleiro, Bahia, em 2003. A inclusão no cadastro não é permanente. Para que o nome seja excluído da “lista suja”, as empresas ou empresário passam por um monitoramento durante o período de dois anos, não havendo nenhum débito trabalhista, nem reincidência, o nome é excluído. Os efeitos de ter o nome incluído no cadastro são vários, mas os principais são ter a imagem de sua atividade empresarial associada à utilização de mão-de-obra escrava e de perder o direito de manter relações comerciais com o governo, suas entidades e autarquias. O 8 Ex-tesoureiro da campanha à presidente de Fernando Collor de Mello. 62 empresário também perde o direito a obtenção de linhas de créditos junto aos fundos de financiamento do governo. Muitos fazendeiros, em razão disso, estão entrando com o pedido de liminares na justiça para terem o seu nome retirado da lista até o julgamento judicial. A Justiça Federal e mais recentemente a Justiça do Trabalho, já atenderam positivamente o pedido de nove empresários. 9 Os beneficiados com as liminares até o momento são todos grandes nomes do agronegócio como pode ser observado abaixo: 1. Fazenda Cabaceiras, da Empresa Jorge Mutran, no Pará. Principal atividade: gado; 2. Fazenda Peruano, de Evandro Mutran, no Pará. Principal atividade: gado e inseminação; 3. Fazenda Mutun, da Pinesso Agropastoril, em Mato Grosso. Principal atividade: algodão; 4. Fazenda Pantera, de Nivaldo Barbosa. Principal atividade: gado; 5. Fazenda São José, de João José de Oliveira. Principal atividade: gado; 6. Fazenda Malu, da Agromon S.A., no Mato Grosso; 7. Fazenda Marabá, de José Pupin, no Mato Grosso. Principal atividade: algodão; 8. Fazenda Sol Nascente, de Reinaldo Zucatelli, no Pará. Principal atividade: gado. Com o nome excluído da lista, o direito à obtenção a créditos volta, tornando enfraquecida as ferramentas de combate ao trabalho escravo. 9 Dados obtidos em fevereiro de 2005. 63 CONCLUSÃO Ao final do trabalho concluiu-se que a escravidão está diretamente ligada ao fator econômico e ao sentimento de impunidade que ainda persiste no Brasil. A escravidão contemporânea não está ligada a cor, raça ou etnia do indivíduo, mas a uma série de fatores sociais como a ausência de condições de subsistência do trabalhador e de sua família em sua região de origem. A falta de informações sobre seus direitos também contribui para que ocorra a exploração. Os escravocratas utilizam-se da mão-de-obra escrava com o objetivo único de ver aumentado cada vez mais seus lucros. A impunidade é apontada como outro fator que contribui para a continuação desta prática. A falta de penas eficientes como a perda da propriedade através da expropriação e a condenação a penas que cerceiem a liberdade do infrator final, tornará sem valor a edição de planos e campanhas de combate ao trabalho escravo. O meio mais eficiente de atingir o infrator é punindo os seus bens maiores: a propriedade e a liberdade. A aprovação do projeto de emenda constitucional que autoriza a expropriação da propriedade dos infratores seria uma grande ferramenta para pôr fim a esta barbaria que ainda permanece em nossos dias. Discussões sobre a qual a justiça competente para julgar o crime de plágio só torna mais lento o cumprimento da lei e a aplicação de sanções àqueles infratores. Medidas de inserção como a criação de cooperativas nas regiões de emigração, proporcionando a geração de renda aos trabalhadores e aos seus familiares, bem como a mobilização da sociedade para a persistência desta chaga, contribuirão para abolirmos de vez esta mancha presente em nossa história. 64 BIBLIOGRAFIA AMARAL, L. O advogado e o agronegócio. Justilex – Revista Jurídica, Brasília, DF, ano 4, n. 37, p. 20-23, jan. 2005. ANTUNES, R. Os sentidos do trabalho: ensaio sobre a afirmação e a negação do trabalho. 6. reimp. São Paulo: Boitempo, 2003. BARRETO, N. R. Trabalho escravo: nova arma contra a propriedade privada. São Paulo: Artpress, 2004a. ______. Reforma agrária: o mito e a realidade. 4. ed. São Paulo: Artpress, 2004b. BITENCOURT, C. R. Manual de direito penal: parte especial. 2. ed. rev. ampl. São Paulo: Saraiva, 2002. v. 2. BONAVIDES, P. Curso de direito constitucional. 16. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2002. BRASIL. Ministério Público da União. 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