FLÁVIO FILGUEIRAS NUNES1
A PERSISTÊNCIA DO TRABALHO ESCRAVO NO BRASIL2
Orientadores: Carlos Eduardo Paletta Guedes
Suzana Maria P. Guedes Moraes
Juiz de Fora
2005
1
Acadêmico do 5º ano do Curso de Direito da Faculdade Vianna Júnior, Juiz de Fora – Minas Gerais. Monitor do Núcleo de Pesquisa,
Ensino e Extensão da Faculdade Vianna Júnior. E-mail: [email protected] / [email protected]. Juiz de Fora – Minas Gerais.
2
Monografia de conclusão de curso apresentada à Faculdade de Ciências Jurídicas e Sociais Vianna Júnior em maio de 2005, como requisito
parcial para a obtenção do título de Bacharel em Direito.
Às pessoas mais importantes da minha vida é
que
dedico
todas
as
minhas
vitórias
e
conquistas. Minha mãe eterna incentivadora,
companheira e amiga de todas as horas. A
memória da minha “Vó Totonha”, suas preces
me guiam todos os dias, sua vida é exemplo de
luta, coragem e determinação.
2
AGRADECIMENTOS
A concretização de qualquer projeto não é possível sem apoio e auxílio. Este não foi diferente,
agradeço carinhosamente a todas as pessoas que contribuíram de alguma forma para a
realização deste trabalho, no entanto, faço questão de mencionar nominalmente aqueles que
contribuíram de forma mais direta.
Priscila de Oliveira Coutinho, companheira e incentivadora de todas as horas. Pessoa
responsável pela sugestão do tema abordado. Saiba que suas palavras, seu carinho e sua
dedicação serviram para acolher minhas dificuldades e incertezas. Por você sempre guardarei
carinho e admiração.
Aos amigos sempre presentes Pedro e Rogério Verardo. Vocês são exemplos de
companheirismo, lealdade e honestidade. A amizade com que me tratam e o apoio que me
deram na realização deste trabalho serão sempre lembrados.
Aos primos Dílson, Dilma, Daniel, Daniela. Edinho e Janete, demais familiares e amigos
agradeço a recepção e atenção dispensada quando da passagem por Brasília. Saibam que as
pesquisas e estudos realizados na capital contribuíram de forma significativa no
desenvolvimento do presente estudo.
Ao professor Jairo Lins de Albuquerque Sento-Sé, pela visita e palestra feita em Juiz de Fora
a meu convite. O auxílio despendido sempre que convocado foi algo admirável.
Aos membros do projeto de Combate ao Trabalho Escravo no Brasil da Organização
Internacional do Trabalho agradeço a recepção e a abertura de seu centro de informações. A
ajuda desta organização foi marcante no desenvolvimento do trabalho. A seriedade e o
empenho com que desenvolvem suas atribuições é exemplo a ser seguido por nós.
Por fim, menciono os professores Carlos Eduardo Paletta Guedes e Suzana Maria Paletta
Guedes
Moraes,
grandes
incentivadores
e
orientadores.
Sempre
que
motivados
corresponderam aos meus anseios.
3
Hino de Marco Zon Tônio
Poesia de autoria de Manoel.
Explicação, colhida por Sérgio Carvalho, do
Grupo Móvel de Fiscalização do Ministério do
Trabalho e Emprego.
Eu quis viver a minha vida
Saí por aí mas eu ti confeço
Que eu não consegui
Eu estou cançado
Deixar elmimentrar
Pressizo de um pouco de água,
Um pedasso di pão
Estou arrependido
Quero teu perdão
Hoje vinho aqui
Pra zente covessa...
Voltei pra ti pedir perdão
Dianti do teu dom
Pois quero tua prezenssa
Com migo de novo
Xora di alegria
Como eu jar xorei
Estou mermo arrependido
Eu vinho fôi pra ficar
A hondi eu estava, não era o meu lugar
Senti a tua falta
Polisso eu voltei
Mim alimentei di alimento
Que ningue queria
Passei fri i fome
I noitei mal dormida
Bebi água suja
Que ningue bebia
Di eu i embora sem motivo
E sei que eu errei
Estou arrependido di tudo que fiz
Senti tua falta
Polisso eu voltei.
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RESUMO
A expressão trabalho escravo traz a nossa mente lembranças das condições desumanas nas
quais antigamente trabalhadores eram submetidos com a finalidade de suprir os anseios
econômicos de seus senhores. Em 1888, foi assinada a Lei Áurea, que aboliu a escravatura no
Brasil, devolvendo a liberdade a todos os trabalhadores. Passado mais de 115 anos da entrada
em vigor da lei abolicionista persiste em nossos dias mais de 25 mil trabalhadores submetidos
a esta forma forçosa de trabalho. A escravidão atual se caracteriza por uma série de novos
fatores, como a carência de informações dos direitos, falsas promessas feitas pelo aliciador
como: bons salários; boa estrutura de trabalho e alojamento; ausência de emprego e condições
de manutenção própria e da família na região de origem. Os escravocratas contemporâneos
são em sua maioria produtores que possuem modernos e avançados recursos de produção, são
proprietários de latifúndios e conquistaram suas riquezas principalmente nos últimos trinta
anos. A persistência do trabalho escravo no Brasil é o tema do presente estudo, que buscou
através da abordagem dialética analisar os fenômenos políticos, sociais e econômicos como os
direcionadores primordiais das relações sociais, assim como a relação contraditória de todos
eles com o Direito, na busca de os adequar aos possíveis conflitos causados por tal
contradição. Ao final concluiu-se que a escravidão está diretamente ligada ao fator econômico
e ao sentimento de impunidade que ainda persiste. Apenas a edição de novas leis não basta se
não houver uma aplicação eficiente dos dispositivos existentes de forma a atingir o bem maior
desses criminosos: a propriedade. Medidas de inserção como a criação de cooperativas nas
regiões migratórias proporcionando a geração de renda aos trabalhadores e seus familiares,
bem como a mobilização da sociedade para a persistência desta chaga, contribuirá para
abolirmos de vez esta mancha que permanece em nossa história.
PALAVRAS CHAVES: Trabalho escravo. Trabalho forçado. Escravidão por dívida
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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ......................................................................................................................7
CAPÍTULO I
DOS NOMES AO CONCEITO ............................................................................................9
1.1 COMENTÁRIOS INICIAIS ..............................................................................................9
1.2 OS NOMES DA CHAGA..................................................................................................10
1.3 CONCEITUAÇÃO ............................................................................................................14
CAPÍTULO II
ABORDAGEM HISTÓRICA ...............................................................................................17
2.1 COMENTÁRIOS INICIAIS ..............................................................................................17
2.1 HISTÓRICO DA ESCRAVIDÃO NO MUNDO ..............................................................18
2.1 HISTÓRICO DO PROCESSO ESCRAVOCRATA NO BRASIL....................................22
CAPÍTULO III
TRABALHO ESCRAVO CONTEMPORÂNEO................................................................27
3.1 CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES ...........................................................................27
3.2 COMBATE INTERNACIONAL AO TRABALHO ESCRAVO ....................................28
3.3 TRABALHO ESCRAVO NO BRASIL RURAL ............................................................31
3.4 ESCRAVIDÃO POR DÍVIDA NO BRASIL...................................................................37
3.5 PERSISTÊNCIA FACE À IMPUNIDADE ....................................................................45
3.6 ASPECTOS DA ANTIGA E DA ESCRAVIDÃO CONTEMPORÂNEA......................48
CAPÍTULO IV
ASPECTOS JURÍDICOS POLÊMICOS SOBRE O TRABALHO ESCRAVO .............50
4.1 O PROJETO DE EMENDA CONSTITUCIONAL N. 438. ............................................50
4.2 A MUDANÇA DO ART. 149 DO CÓDIGO PENAL BRASILEIRO ............................52
4.3 CONFLITO JURISDICIONAL PARA JULGAR O DELITO DO ART. 149 DO
CÓDIGO PENAL BRASILEIRO ....................................................................................55
CAPÍTULO V
MEDIDAS GOVERNAMENTAIS PARA A ERRADICAÇÃO DO TRABALHO
ESCRAVO NO BRASIL .......................................................................................................58
5.1 PLANO NACIONAL PARA ERRADICAÇÃO DO TRABALHO ESCRAVO.............58
5.2 A “LISTA SUJA” DO MINISTÉRIO DO TRABALHO E EMPREGO .........................61
CONCLUSÃO ........................................................................................................................64
BIBLIOGRAFIA....................................................................................................................65
6
INTRODUÇÃO
A utilização contemporânea de mão-de-obra escrava foi o primeiro aspecto estudado.
Havia a necessidade de descobrir como e em qual grau essa prática é utilizada. Superado este
momento, buscou uma maior interação com a temática a ser abordada através da realização de
pesquisa de material bibliográfico capaz de induzir ao problema a ser debatido. Após os
primeiros estudos chegou-se à formulação do problema: quais os motivos para a persistência
do trabalho escravo no Brasil contemporâneo?
Diante dessas considerações, o objetivo do estudo foi obter através do uso da
dialética os fatores sociais, econômicos e políticos responsáveis pelo confronto com o campo
jurídico, chegando assim à formulação de resposta ao problema.
Para responder às indagações foi realizada pesquisa em doutrinas de campos
diversificados que enfocassem o tema. O autor participou de eventos, debates, bem como
pesquisas documentais no Tribunal Superior do Trabalho e na Organização Internacional do
Trabalho. Foi realizada ainda pesquisa junto a organizações não governamentais como AntiSlavery, Repórter Brasil e Carta Maior aumentando o substrato fático para o início da
abordagem.
O trabalho está dividido em cinco partes, cada qual discutindo aspectos distintos
dentro do tema proposto.
No primeiro capítulo “Dos nomes ao conceito” foi realizado o levantamento das
expressões utilizadas atualmente para indicar a exploração de mão-de-obra escrava,
apresentando a origem das nomenclaturas e qual será adotada pelo autor. Após é traçado o
conceito do instituto.
Na segunda etapa é feita uma apresentação da historicidade da escravidão, mostrando
sua ocorrência no mundo como um todo e depois especificamente no Brasil.
7
No momento posterior da abordagem, inicia-se o estudo do trabalho escravo
contemporâneo. Este é o capítulo mais longo do trabalho. Nesta etapa discorreu-se sobre o
combate internacional ao trabalho escravo, analisando principalmente os tratados e
convenções internacionais que o Brasil tenha ratificado. Em um segundo momento, ainda no
mesmo capítulo, é apresentado o problema do trabalho escravo no Brasil rural de hoje,
analisando o seu contexto através da abordagem das formas utilizadas para induzir o
trabalhador às áreas de emigração. É apresentado também o depoimento de trabalhadores e
matérias jornalísticas que narram bem a história vivenciada por estes homens. Chega-se ao
denominador de que a principal forma de escravização utilizada hoje é a persistência do
trabalho escravo em razão de dívida. A impunidade como fator determinante para a
continuação e o aumento da mancha da exploração humana foi tema de subitem próprio.
Finalizando o capítulo traçou-se a distinção entre a antiga e a nova escravidão.
O quarto capítulo faz a abordagem jurídica do problema, apresentando pontos
polêmicos existentes relacionados ao tema trabalho escravo e sua abordagem jurídica. Este
deverá ser o momento que despertará maior curiosidade àqueles estudiosos da área jurídica.
Por fim, foram apresentadas as medidas governamentais adotadas para a erradicação
do trabalho escravo, como o Plano Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo e o
cadastro de empresas e empresários autuados pelo Ministério do Trabalho e Emprego.
Através dos tópicos abordados buscaram-se respostas para às perguntas formuladas
no início do estudo, de forma a confronta-las com a realidade econômica, política e social do
país para depois chegarmos à solução jurídica almejada.
O presente trabalho é o inicio de um ciclo de estudos e pesquisas sobre o tema que
certamente dará ensejo à elaboração de novos trabalhos.
8
CAPÍTULO I
DOS NOMES AO CONCEITO
1.1 COMENTÁRIOS INICIAIS
Realizar a abordagem de determinado tema é tarefa árdua, que exige do preposto –
emissor - afinidade com o tema a ser pesquisado além de dominar o canal estabelecido com
espectador leitor – receptor. Espera-se que o mínimo de conhecimento possa ser levado ao
público, no entanto, mostra-se penosa a tarefa de escolha e até mesmo de criação de um canal.
Talvez não seja a mais feliz das escolhas, mas momentaneamente nos parece ser
coerente iniciar a abordagem e explanação do presente estudo através da análise dos nomes
utilizados nos diferentes meios, seja o jurídico, o jornalístico, ou até mesmo na sociedade,
com o ímpeto de demonstrar a importância do correto entendimento e até mesmo as histórias
que possam estar contidas nestes signos.
O professor e procurador do trabalho Jairo Lins de Albuquerque Sento-Sé em seus
escritos (2001, p. 16) citando a antropóloga Neide Esterci, já nos alertava para importância
deste estudo preliminar, deixando evidenciado que:
[...]identificar os significados dos diferentes usos dos termos é, portanto,
mais do que lidar com nomes: é desvendar as lutas que se escondem por
detrás dos nomes – lutas essas em torno da dominação, do uso repressivo da
força de trabalho e da exploração.
Outra importância deste prévio estudo é que a incorreta definição do trabalho escravo
vem causando empecilhos ao combate eficaz a esta chaga, fazendo com que muitas vezes o
infrator não venha a ser punido.
9
Superada a primeira proposta, buscará traçar o conceito do trabalho escravo
contemporâneo para somente depois aprofundarmos no estudo da temática.
1.2 OS NOMES DA CHAGA
Quando ecoa a expressão trabalho escravo é comum que seja lançada à mente de
muitos a imagem do negro africano que foi utilizado durante muitos anos de nossa história
como objeto para a realização de tarefas árduas visando o desenvolvimento econômico de seu
senhor. No entanto, fazer este tipo de associação em tempos atuais pode parecer um tanto
incoerente, visto que, como é sabido, este tipo de exploração é juridicamente proibida em todo
o mundo há algumas décadas.
Após a segunda guerra, constatou-se que em muitos países do mundo ainda era
encontrado o trabalho escravo de forma camuflada e com elementos diferentes do antigo, mas
com o mesmo desrespeito para com o a dignidade humana.
No Brasil, durante o regime militar, padres ligados a CPT (Comissão Pastoral da
Terra) começaram a denunciar a exploração, mas sem encontrar respaldo junto ao governo
federal. A militância de membros da igreja continuava, mas em passo desproporcional ao
crescimento da mancha que aumentava à medida que o governo brasileiro a alimentava com
políticas de incentivo a ocupação do centro-oeste e norte do país. O crescimento se deu de
forma desorganizada desmatando a mata local, explorando a mão-de-obra dos trabalhadores
locais e de regiões vizinhas que se deslocavam em busca de labor. A ausência de fiscalização
dos entes da administração corroborou para que muitas pessoas adquirissem terras de forma
ilegal utilizando subterfúgios como a grilagem.
Somente em 1995, durante evento das Nações Unidas, através de um relatório, foi
que o governo brasileiro reconheceu oficialmente a persistência do trabalho escravo no Brasil.
10
Após o alarde surgiram várias expressões para descrever a exploração de trabalhadores.
Escravidão nova, atual, contemporânea, moderna e branca, todos os adjetivos são utilizadas
corriqueiramente empregados. Exploração e super exploração do trabalhador são, juntamente
com trabalho forçado, degradante e análogo ao de escravo, outros nomes utilizados. Temos
ainda a escravidão amazônica e a boliviana. Mencionar aqui todos os diversos nomes
utilizados para narrar esta chaga poderia render várias laudas, no entanto, nos satisfaremos
com estes exemplos que já servirão para dar uma noção da dificuldade deste estudo inicial.
Pode-se concluir preliminarmente que todos os signos mencionados são utilizados
para descrever espécies de desrespeito aos direitos basilares dos trabalhadores, ainda que em
graus diferentes.
Os trabalhadores, urbanos e rurais, encontram seus direitos basilares tutelados nas
mais diversas fontes heterônomas e autônomas do ramo juslaboral. A não aplicação da
legislação, independente do grau, já é elemento para apontarmos como irregular a relação,
passível de autuação dos órgãos do Ministério do Trabalho e Emprego, no entanto, não é
suficiente para a caracterização da utilização de mão-de-obra escrava.
Fazendo a leitura de parte das reportagens circuladas na imprensa, observa-se que a
falta de respeito a alguns dos direitos trabalhistas, como - turno excessivo, salário inferior ao
da categoria, ausência do pagamento de horas extras, férias, etc – já foi tachado como
exploração da mão-de-obra humana, fazendo remissão como sendo tais práticas trabalho
escravo, o que não deve ser recebido. Uma utilização correta da nomenclatura se faz
necessário para não acabarmos tornando de menor importância o combate ao trabalho
escravo, não dizendo que seja de menor importância o combate a qualquer espécie de
desrespeito aos direitos trabalhistas.
Este tipo de confusão notabilizado pelos meios de comunicação já foi alertado pelo
professor Roberto A. O. Santos, em relatório brasileiro à 80ª Conferência Internacional do
11
Trabalho, realizado na Cidade de Genebra, Suíça, em junho de 1993 (apud SENTO-SÉ, 2001,
p. 19, 20):
os meios de comunicação ou seus informantes confundem, por vezes,
trabalho urbano forçado com outras formas de violação à lei. Recentemente,
um jornal do rio de Janeiro publicou notícia de ‘mão-de-obra escrava’ na
construção civil. E acrescentou: ‘Os operários foram atraídos por um
anúncio que prometia salários acima da média, carteira assinada e
alojamento com TV em cores, mesas de sinuca e alimentação farta. Nada
disso foi cumprido e o Sindicato dos Trabalhadores da Construção civil de
Duque de Caxias entrou na Justiça’ (Jornal O Globo, Rio de Janeiro, 4.4.93,
p. 18). A própria notícia omite qualquer dado do qual se depreenda
ocorrência de trabalho forçado, em vez de um descumprimento de contrato
caracterizador de espécie criminal distinta (ou uma violação simplesmente
trabalhista).
Termos como nova, atual, contemporânea, moderna e branca são também facilmente
encontrados. Todos são empregados livremente para caracterizar o desrespeito aos direitos do
trabalhador e a dignidade humana. Tais signos são empregados atualmente para demonstrar
que apesar de a “antiga” não existir desde a abolição da escravatura, podemos identificar
ainda hoje a utilização de mão-de-obra escrava como era antigamente, tendo como diferenças
básicas a não existência de exploração em razão da cor ou raça do indivíduo, ausência de
propriedade sobre o homem, mas por questões de degradação social e de endividamento
ocorrido durante a relação laboral.
Escravidão amazônica é outro termo utilizado com freqüência. Tal signo narra a
exploração de trabalhadores na região da floresta e de fronteira. São homens contratados para
a derrubada e desmatamento da mata, para o preparo de pasto e ou contrabando de madeiras
protegidas. O fluxo destes trabalhadores teve seu avanço ligado à política governamental dos
governos militares, que na década de 70 incentivaram a ocupação da região amazônica através
de financiamentos para a aquisição de terras.
12
Trabalhadores de origem Boliviana, que vêm para o Brasil em busca de emprego têm
sido submetidos à exploração. Os trabalhadores que em sua maioria estão em situação
irregulares no país, trabalham para exploradores que aproveitando a situação de
irregularidade, a dificuldade com o idioma nacional e a necessidade de subsistência,
submetem os estrangeiros a jornadas exaustivas (cerca de 16 horas diárias) em tecelagens nos
grandes centros brasileiros, onde os trabalhadores recebem cerca de cinqüenta centavos por
peça produzida. A esta espécie de exploração tem se dado o nome de senzala boliviana.
O nome trabalho forçado é um dos mais utilizado e defendido por muitos. O conceito
surgiu na Organização Internacional do Trabalho, que em suas convenções de n. 29 de 28 de
junho de 1930 e a de n. 105 de 25 de junho de 1957 utilizou tal expressão para tratar do tema
nesta ocasião debatido.
Em documento recente – Relatório Global do Seguimento da Declaração da OIT
relativa a Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho, entregue na Conferência
Internacional do Trabalho, 89ª Reunião, 2001 – a OIT manteve seu entendimento de ser
trabalho forçado o termo mais adequado para qualificar esta chaga contemporânea. Segundo a
organização (OIT, 2002, p. 1):
seria o trabalho forçado uma relíquia do passado? Infelizmente não. Embora
condenado em todo o mundo, o trabalho forçado vem revelando novas e
inquietantes facetas ao longo dos tempos. Formas tradicionais de trabalho
forçado, como a escravidão e a servidão por dívida, ainda perduram em
algumas regiões, e práticas antigas desse tipo continuam nos perseguindo até
hoje. Nas [sic] novas e atuais circunstâncias econômicas estão surgindo, por
toda parte, formas preocupantes como a do trabalho forçado em conexão
com o tráfico de seres humanos.
Observa-se que em certa passagem o texto faz a seguinte menção “formas
tradicionais de trabalho forçado, como a escravidão e a servidão por dívida [...]”, o que nos
alerta para a possibilidade de ser o trabalho forçado um super grupo (gênero), que é
13
alimentado por outros sub-grupos com características próprias (espécie). Esta constatação
será importante para o próximo estudo.
1.3 CONCEITUAÇÃO
Conceituar, verbo transitivo. O mesmo que ajuizar; avaliar; classificar. O ato ou ação
de classificar algo ou alguém é tido por muitos como uma tarefa intrincada e muitas vezes de
pouco valor, visto que com a evolução do instituto, novos argumentos surgem, tornando estes
superados por novos conceitos e também limitados em face do alargamento da esfera de
atuação. Contudo, ao nosso entendimento, se faz mister para a continuação da linha
metodológica traçada conceituar o trabalho escravo e firmar nossa opinião sobre qual
expressão de formar mais correta ilustra o instituto. Continuaremos o raciocínio que foi
iniciado no final do subitem anterior.
A OIT, em seus publicados vem utilizando a expressão trabalho forçado para
classificar o ato no qual alguém desrespeita os direitos do trabalhador, atingindo sua
integridade física e moral, sua dignidade e o seu direito à liberdade e auto-gestão. A expressão
trabalho forçado ou compulsório foi utilizada pela primeira vez na Convenção n. 29 da OIT,
onde em seu artigo 2º, número 1 (OIT, 2003, p. 27,28), definiu que a “expressão trabalho
forçado ou compulsório significará todo trabalho ou serviço exigido de um indivíduo sob a
ameaça de alguma punição e para o qual o dito indivíduo não se apresentou voluntariamente”.
Nota-se que com a evolução do instituto tal definição tornou-se ampla, genérica, não
acompanhando as formas que foram surgindo de exploração.
Analisando a expressão trabalho forçado ou compulsório e a sua definição, podemos
observar que se trata de um mega-grupo, um gênero, onde seguindo suas características
podemos classificar sub-grupos, espécies, com características próprias, mas com o núcleo
14
semelhante. Analisando novamente o trecho do relatório global da OIT transcrito em linhas
acima podemos observar que a própria OIT reconhece ser a expressão trabalho forçado e
compulsório é um gênero que possui várias espécies (OIT, 2002, p. 1):
embora condenado em todo o mundo, o trabalho forçado vem revelando
novas e inquietantes facetas ao longo dos tempos. Formas tradicionais de
trabalho forçado, como a escravidão e a servidão por dívida, ainda perduram
em algumas regiões, e práticas antigas desse tipo continuam nos perseguindo
até hoje. Nas [sic] novas e atuais circunstâncias econômicas estão surgindo,
por toda parte, formas preocupantes como a do trabalho forçado em conexão
com o tráfico de seres humanos.
Assim, ao utilizarmos a palavra trabalho forçado ou compulsório estaremos
comentando sobre o gênero. Utilizarmos desta expressão para caracterizar a chaga objeto
deste trabalho tornará o trabalho muito extenso, pois estaríamos analisando um mega-grupo,
com problemas que acontecem em várias localidades do mundo.
De acordo com a visão global apresentada no relatório da OIT podemos encontrar no
mundo atual várias espécies de trabalho forçado e compulsório como: o rapto de pessoas, a
participação compulsória em obras públicas, o trabalho forçado na agricultura e em zona
rurais remotas, os trabalhadores domésticos em situação de trabalho forçado, o trabalho em
regime de servidão, o trabalho forçado exigido por militares, trabalho forçado com relação ao
tráfico de pessoas e o trabalho forçado penitenciário. Entretanto, analisaremos apenas uma
dessas espécies, a que ocorre atualmente no Brasil de forma mais clara, o trabalho forçado na
agricultura e em zona rurais remotas.
O professor Jairo Sento-Sé, um dos maiores estudiosos do trabalho escravo
contemporâneo confessa ter defendido em outro tempo o uso da definição trabalho forçado
como a mais correta (2001, p. 20-22):
15
chegamos a asseverar anteriormente que a definição que melhor se adequaria
ao caso concreto seria “trabalho forçado”. [...] Embora formulada com
riqueza de detalhes, veremos que este com conceito não corresponde de
maneira convincente à associação firmada entre as propriedades deste objeto
(significado) e a expressão “trabalho forçado” (o significante). Com efeito,
esta não é a posição que passamos a esposar a partir de um exame mais
acurado da matéria. Ao contrário, o chamado “trabalho forçado” tem uma
dimensão bem mais ampla do que esta que ora se deseja apontar.
Como foi dito anteriormente, a utilização da expressão trabalho forçado não é a mais
adequada por referir se a um gênero. Imprensa, órgãos governamentais, entidades religiosas,
ONGs, etc, como foi visto no subitem anterior, utilizam também vários outros termos para
descrever a exploração do trabalho no Brasil atual. Das utilizadas a que nos parece mais
adequada para exteriorizar o objeto do estudo é a expressão trabalho escravo, ainda que
acompanhada de adjetivos como: novo, atual e contemporâneo.
Sento-Sé (2001, p. 27) define de forma brilhante e completa o trabalho escravo
contemporâneo como sendo:
aquele em que o empregador sujeita o empregado a condições de trabalho
degradantes, inclusive quanto ao meio ambiente em que irá realizar a sua
atividade laboral, submetendo-o, em geral, a constrangimento físico e moral,
que vai desde a deformação do seu consentimento ao celebrar o vínculo
empregatício, passando pela proibição imposta ao obreiro de resilir o vínculo
quando bem entender, tudo motivado pelo interesse mesquinho de ampliar os
lucros às custas da exploração do trabalhador.
O trabalho escravo contemporâneo possui a mesma violência aos direitos humanos
daquele do passado. A principal distinção é que no atual o trabalhador não integra mais o
patrimônio de seu senhor, persistindo como mola propulsora do interesse de angariar
vantagens econômicas. Outros fatores que contribuem para a persistência do trabalho escravo
em dias atuais serão alvos de estudos em capítulos posteriores.
Para entendermos melhor a diferença da antiga para atual e os motivos de sua
persistência, faremos um estudo histórico do objeto.
16
CAPÍTULO II
ABORDAGEM HISTÓRICA
2.1 COMENTÁRIOS INICIAIS
Neste capítulo será apresentado um breve histórico do processo de escravidão no
mundo. Analisaremos desde as primeiras notícias de escravidão até chegarmos aos relatos
ocorridos na segunda metade do século XVIII no Brasil onde temos o marco temporal do
estudo que é a data de 13 de maio de 1888, quando foi promulgada a Lei 3.353 (Lei Áurea)
que declarou extinta a escravidão no Brasil. Alertamos que se trata de uma síntese, visto que o
instituto da escravidão é complexo e muito extenso, tornando muito dificultoso fazer neste
momento um estudo pormenorizado.
É sabido que a escravidão é um processo antigo possuindo uma conotação com a
própria história do homem. Antigamente os guerreiros que perdiam sua honra nas batalhas
ficavam sob o julgo do vencedor que tinha o arbítrio de optar pela morte ou escravização do
derrotado. A escravidão recebeu ainda entendimentos, como o de Aristóteles que em sua
argumentação defendia que o conhecimento não era possível sem o ócio e que aqueles que
possuíam a luz do entendimento e da capacidade para o estudo deveriam ser servidos, pois a
própria natureza teria feito a diferenciação entre os que deveriam servir e os que seriam
servidos.
Atualmente a escravidão é interpretada de forma distinta daquela lecionada por
Aristóteles. O homem evoluiu o seu entendimento filosófico e social, rejeitando a existência
de submissão de um indivíduo por outro, visto que o homem tem sua vontade livre de ser e de
existir, tornando intolerável a escravidão em dias atuais.
17
Passemos a uma breve análise histórica do instituto da escravidão.
2.2 HISTÓRICO DA ESCRAVIDÃO NO MUNDO
Encontram-se relatos da existência do instituto da escravidão desde os tempos mais
antigos da história do homem. Na fase mais remota da pré-história, exatamente no paleolítico,
o homem, visando sua manutenção e subsistência, começou a se relacionar com outros
indivíduos e a formar as primeiras tribos. Por uma questão de necessidade e do instinto
agressivo desses homens, algumas tribos passaram a guerrear umas contra as outras.
Os
perdedores eram mortos e serviam de alimento para os vencedores. Mais tarde com o avanço
das técnicas de produção e com o desenvolvimento de instrumentos cortantes como
machados, lanças e facas, os primatas passaram a caçar, a pescar e a se alimentar de frutos.
Com isso, os derrotados passaram a ser escravizados com o objetivo de realizarem tarefas
árduas para os seus donos. Iniciava-se então a primeira forma de escravidão.
Na antigüidade, o trabalho escravo era considerado res (coisa), não possuindo os
mesmos direitos de uma pessoa. Os proprietários de escravo podiam dispor deles, vendendo
ou trocando. Podiam utilizá-los como melhor entendessem, até tirar suas vidas se fosse
necessário. É neste período que surge pela primeira vez a expressão escravo para indicar esse
tipo de exploração humana. A origem do termo é do grego bizantino “sklábos” referencia ao
homem de origem eslava que era aprisionado.
As civilizações antigas como a grega e a egípcia foram erguidas com base na
exploração da escravidão, onde estes homens eram incumbidos geralmente de realizarem
serviços materiais que necessitassem de grandes esforços causando fadiga e perda do
potencial físico do ser. Este tipo de exploração era algo tão cotidiano na época que até
mesmos grandes filósofos como Platão, Aristóteles, Xenofonte, Sêneca e Tácito defendiam
18
sua manutenção. Argumentavam que um homem para conquistar cultura necessitava ser nobre
(ter posses) e ocioso, não sendo possível à reunião dessas duas condições sem a existência do
escravo. Ainda segundo os filósofos, a natureza já teria discriminado os seres, pois uns teriam
sua existência pautada na condição de servir e outros nascidos para serem servidos.
Curiosamente os filósofos se classificavam como seres abençoados e detentores do direito de
serem servidos.
Até na Bíblia encontramos passagens onde há a narração de casos de escravidão.
José Anchieta Faleiros cita como exemplo o trecho (apud SENTO-SÉ, 2001, p. 30):
[...] de Cam, amaldiçoado por Nóe, condenando-o a ser escravo dos servos
de seus irmãos Sem e Jafé” ou o de José, filho de Jacob “[...] vendido a
comerciantes ismaelitas, levado para o Egito, onde foi cedido a Putifar, de
quem se tornou escravo; mais tarde levou todos os israelitas para o Egito,
onde habitaram por cerca de 430 anos, dos quais a maioria em condições de
servidão.
Na idade média outra espécie de exploração de mão-de-obra, denominada servidão,
foi utilizada. Ao contrário do que muitos pensam, a servidão não surge com o feudalismo. Nas
civilizações antigas já existia a conexão entre o servo e a terra. No entanto, após o declínio do
Império romano e a descentralização do poder estatal, com o surgimento da estrutura feudal
foi que esta exploração ganhou força.
Com a fragmentação do poder do estado antigo, os nobres e representantes da igreja
migraram e dominaram as regiões agrícolas, formando os latifúndios. Pedaços de terras eram
cedidos aos servos (ex-escravos, homens livres de baixa renda e artesãos) numa espécie de
comodato. Os servos tinham a posse, mas não a propriedade da terra. Pagavam aos senhores
feudais uma espécie de tributo para terem proteção e fazerem uso da terra. O servo era pessoa
ligada à terra, não integrando mais a propriedade de seu senhor. Possuía direitos, podendo até
19
transmitir aos seus sucessores a posse da terra, no entanto, transmitia também a condição de
servidão.
Posteriormente, por volta do século XI, com a Revolução Urbana, começa a ressurgir
as cidades e com elas o comércio, levando muitos trabalhadores a migrarem do campo para a
cidade enfraquecendo os feudos. Para agravar ainda mais a situação, a Europa foi atacada por
pestes que acabaram por dizimar grande parte de sua população. O já enfraquecido sistema
não resistiu e teve o seu fim decretado e com ele a exploração servil, no entanto, em algumas
regiões da Europa ele até persistiu, mas em menor escala.
Apesar de o sistema feudal ter sido dominante durante determinada época no
continente europeu, algumas regiões como a Itália, a Espanha e Portugal mantiveram a
exploração da mão-de-obra escrava como cita o professor Jairo Lins Sento-Sé (2001, p.31):
a escravidão ocorreu também em Portugal, onde eram feitos escravos tanto
os negros quanto os mouros. O detalhe é que não apenas os ricos os
possuíam, já que, em quase todas as casas lusitanas, havia, pelo menos, uma
escrava negra, envolvida com atividades domésticas.
A partir do século XV iniciaram as grandes navegações, e com elas as relações com
os continentes Africano e Americano. A Europa começou a utilizar a mão-de-obra do negro
africano e do índio americano, sendo aquela com maior ênfase. Os novos continentes serviam
como abastecedores de mercadorias escassas no continente Europeu. Começou então a
extração de ouro no México e a de madeira no Brasil e com ela a utilização de mão-de-obra
escrava indígena e negra. Na agricultura o trabalho escravo também foi muito empregado.
Durante o século XVIII, surgiu na Europa um importante movimento, denominado
Revolução Industrial, que acabou por marcar a história e influenciar de forma direta as
diretrizes do trabalho global. Com o levantar das indústrias houve um grande deslocamento de
homens do campo para as cidades em busca de lugar nos pátios das fábricas.
20
Nas indústrias os trabalhadores viviam uma realidade muito desfavorável. Eram
submetidos a fatigantes jornadas de trabalho, em locais em sua maioria sem condições para o
exercício da atividade e recebimento de baixos salários. Não havia por parte dos governos a
imposição de normas trabalhistas a serem observadas no desenvolvimento das atividades
econômicas.
Contemporaneamente ao movimento industrial, amadureceu no velho continente uma
corrente de novas filosofias e pensamentos, pregando conceitos abstratos de igualdade,
liberdade e fraternidade entre os homens. Tratava-se da Revolução Francesa. Por não possuir
conceitos concretos, somente genéricos, defendia uma menor intervenção do Estado nas
relações sociais e o liberalismo econômico, tais teorias acabaram por favorecer mais ao
explorador do que ao explorado.
Mesmo com campanhas como a do filósofo Hegel, a liberdade de muitos
trabalhadores encontrava obstáculos nos interesses econômicos das principais potências da
época. Portugueses, espanhóis, holandeses e ingleses continuaram a realizar o tráfico de
escravos.
Somente no século XIX, por motivos econômicos, é que a Inglaterra aboliu a
escravidão, passando a pregar a sua extinção em todo o mundo. O fim da exploração da mãode-obra escrava pela Inglaterra, apesar de justificada em questões humanitárias, estava ligada
a produção açucareira nas Antilhas britânicas. A Inglaterra cultivava açúcar com a utilização
de trabalhadores assalariados, enquanto os seus principais concorrentes, como o Brasil,
faziam o uso de mão-de-obra escrava o que acabava por interferir no preço final da
manufatura e atrapalhando a concorrência de mercado.
No final do século XIX, quase todos os países do mundo haviam abolido a
escravidão, no entanto, denúncias persistiam, levando a OIT, já no século XX a elaborar duas
21
convenções – n. 29 de 1930 e a n. 105 de 1957, visando a acabar de vez com a exploração
deste tipo de mão-de-obra.
No Brasil, a abolição da escravidão se deu no ano de 1888, entretanto, em pleno
século XXI, não raro, podemos acompanhar denúncias feitas por entidades ligadas aos
trabalhadores, bem como pelo Ministério Público do Trabalho e Ministério do Trabalho e
Emprego, de trabalhadores submetidos à escravidão. Analisemos a evolução histórica da
chaga no Brasil.
2.3 HISTÓRICO DO PROCESSO ESCRAVOCRATA NO BRASIL
Podemos apontar que o processo escravocrata no Brasil possui dois marcos
temporais extremos, o ano de 1500 e 1888, que serviram como guia para delimitarmos o
presente estudo histórico.
Ainda na primeira metade do século XV, após os primeiros movimentos de ocupação
do território noviço, Portugal iniciou o processo de colonização utilizando a mão-de-obra
escrava dos nativos para exportar madeiras e especiarias para a Europa. O escravo nativo
possuía algumas peculiaridades que acabavam por contribuir para a seu uso como a facilidade
de recrutamento e o baixo gasto em sua manutenção.
Inicialmente, para realizarem as atividades mercantis desejadas, os índios recebiam
pequenos bens de origem européia. A troca da mão-de-obra por objetos era conhecida como
escambo. Passada a fase de curiosidade, começou a ficar difícil a obtenção de nativos
dispostos a realizarem os trabalhos, fazendo com que os portugueses substituíssem a mão-deobra nativa pela a do negro africano. Outros fatores como econômico e religioso somaram-se
para que fosse substituída a espécie de mão-de-obra explorada. O primeiro era devido ao
maior lucro do governo português com a cobrança de tributos referente ao tráfico de escravos
22
advindos do continente africano, uma vez que os impostos devidos internamente na colônia
eram comumente sonegados. Entretanto, os lucros não ficavam concentrados apenas na mão
do governo português, visto que os traficantes e os comerciantes, também obtinham
excelentes vantagens. Já os fatores de ordem religiosa pautavam-se na pressão dos jesuítas
para o fim desta exploração, face ao interesse da igreja em catequizar os índios. Como é
asseverado por muitos autores havia ainda por parte da igreja outros interesses, como a
aquisição de terras, no entanto, não aprofundaremos os estudos nesta seara por não ser este
essencial para o estudo presente.
A partir deste contexto o escravo negro foi inserido no Brasil passando a labutar
inicialmente na lavora canavieira nordestina. Posteriormente a mão-de-obra foi utilizada
também nas Minas Gerais na extração de pedras preciososas.
Já no século XIX, a produção nacional de cana-de-açúcar começou a enfrentar
dificuldades em virtude do mercado das Antilhas que começava a se expandir. A principal
nação responsável pelo cultivo da cultura canavieira na região caribenha foi à Inglaterra. O
negro africano passou então a ser utilizado com mais intensidade no plantio e cultivo do café,
concentrado principalmente nos estados de São Paulo e Rio de Janeiro.
Apesar da expansão e do mercado crescente, o açúcar antilhano encontrava
problemas de mercado quando concorria com o brasileiro. O açúcar nacional, apesar de
possuir qualidade inferior tinha o preço reduzido, uma vez que a mão-de-obra utilizada no
cultivo era escrava, enquanto no Caribe era assalariada.
Diante do interesse econômico que encontrava disfarce no discurso humanitário, os
ingleses iniciaram um processo de difusão da necessidade de todos os paises do mundo
abolirem a escravidão.
23
Alguns autores argumentam sobre a existência de outros motivos como o interesse na
manutenção da mão-de-obra barata no continente africano para ser utilizada nos
empreendimentos britânicos, visto que a Inglaterra possuía várias colônias naquele continente.
Outro argumento utilizado foi que os ingleses tinham interesse no aumento do
mercado consumidor que iria ser expandido com o fim da escravidão e o conseqüente
aumento de trabalhadores assalariados. Essa proposição parece um tanto quanto incoerente,
visto que, como é sabido, o produto industrializado possuía valores que não era acessível a
maior parte da população, mesmo os homens livres e assalariados. Deste modo, a
argumentação sobre o interesse expansionista inglês não será aceita neste trabalho.
A interferência britânica no Brasil com o objetivo de dar fim à escravidão iniciou-se
ainda nos primeiros anos da independência, pois o governo inglês pôs entre as condições para
o reconhecimento da autonomia brasileira a extinção do tráfico de escravos.
As tensões entre os governos agravaram-se em 1844, quando o Brasil criou a tarifa
Alves Branco, que acabou com as vantagens alfandegárias que os ingleses tinham para entrar
no país e ainda aumentou os impostos sobre os produtos britânicos, diminuindo a importação
de mercadorias.
Em 1845, após a não renovação pelo Brasil do tratado de livre comércio com a
Inglaterra, foi decretado pelos ingleses a Bill Aberdeen (Lei que autorizava a marinha inglesa
reter os navios negreiros que navegassem pelo Atlântico em direção ao Brasil).
Na segunda metade do século XIX, surge no Brasil uma série de iniciativas ligadas a
fatores econômicos e sociais que podem ser apontadas como ensejadores do fim da
escravidão.
Em 1850, a corte brasileira acabou cedendo às pressões britânicas e no dia 04 de
setembro do corrente ano, foi editada a Lei n. 584, de autoria do então Ministro da Justiça
Euzébio de Queirós, que proibia a importação de escravos.
24
No mesmo ano entra em vigor a Lei n. 601 de 18 de setembro, conhecida como a Lei
de Terras, tornando obrigatório o registro de todas as terras ocupadas e impedia a aquisição
das terras devolutas. Seu objetivo era impedir o acesso de trabalhadores livres e imigrantes à
propriedade privada rural, favorecendo a manutenção dos latifúndios.
A guerra do Paraguai (1864-1870), apesar de ter sido encarada por muitos como um
grande negócio para o fim da escravidão, não teve resultados favoráveis. Os escravos que se
alistaram receberam a promessa de ao final da batalha ganharem a alforria. Os negros tiveram
a missão de ficarem na tropa de frente, servindo em muitos momentos como escudo, além de
terem que realizar as tarefas mais árduas no campo de concentração. A maior parte dos
escravos que participaram da guerra não voltaram, não tendo a chance de gozarem da
almejada liberdade. Os poucos que voltaram estavam tão debilitados que a morte foi só uma
questão de tempo.
No ano de 1871 entra em vigor a Lei n. 2.040, apelidada de Lei do Ventre Livre, ou
Rio Branco, dando liberdade os filhos de escravas que completassem 21 anos, ou 8 anos de
idade, desde que o Estado pagasse uma indenização ao seu dono e ainda, assumisse a criança,
colocando-a em uma instituição de caridade.
Posteriormente, no ano de 1885, é assinado o Decreto n. 3.270, a chamada Lei do
Sexagenário, que concedia liberdade aos escravos que completassem 60 anos de idade, no
entanto, eles teriam que trabalhar por mais 3 anos para o seu senhor com o fim de indenizá-lo.
Poderiam ainda atingir a liberdade os maiores de 60 anos que pagassem um valor em pecúnia
a título indenizatório ou os que atingissem 65 anos, não havendo neste caso a necessidade do
pagamento de compensação.
Em 1888, chegamos ao nosso marco fim. No dia 13 de maio foi assinada a Lei 3.353
pela princesa Isabel, governante interina do Brasil abolindo a escravidão no país e tornando
proibida a exploração do trabalhador em razão de sua cor, raça ou etnia.
25
A Lei Áurea criou a ferramenta jurídica necessária para o fim do desrespeito à
dignidade, liberdade e igualdade entre os indivíduos do país. O homem deixou de ser tratado
como coisa, como bem que incorporava o patrimônio dos escravocratas.
Passado mais de 115 anos da entrada em vigor da lei abolicionista, é comum
encontrarmos em nossos noticiários a narração de casos de trabalhadores encontrados em
condições análoga à de escravo. Assegurar apenas o direito à liberdade do ser não basta se não
forem criadas ferramentas eficientes para inibir e punir aquele que ainda utiliza-se da
degradação humana.
A chaga ainda persiste em nossos dias. Discorreremos agora sobre o trabalho escravo
contemporâneo.
26
CAPÍTULO III
TRABALHO ESCRAVO CONTEMPORÂNEO
3.1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS
Questionar sobre a existência em dias atuais de trabalhadores submetidos a condições
análogas à de escravidão não é mais pertinente. A persistência da chaga em tempos
contemporâneos é uma triste realidade que já foi admitida oficialmente no início dos anos
noventa pelo então Ministro do Trabalho Walter Barelli (apud SENTO-SÉ, 2001, p.43),
quando foi questionado sobre o conteúdo do relatório da OIT que narrava sobre a existência
da escravidão em nosso país: “[...] temos de reconhecer que isto existe e tomar providências.
Essa é a maior mancha da história brasileira”.
No ano de 1995 (FIQUEIRA, 2004, p.46) o então Presidente da República, Fernando
Henrique Cardoso, em entrevista transmitida a rádio mencionou que o que diferenciava a
antiga e a nova escravidão era o fato de que o escravo do passado sabia quem era o seu
senhor, já o atual desconhece.
Os meios de comunicação não cansam de noticiar a dura realidade que estes
trabalhadores enfrentam. Encontramos facilmente na mídia fatos ligados a exploração da
mão-de-obra como: a morte dos fiscais em Unaí – MG (janeiro de 2004), o assassinato da
irmã Dorothy Stang (fevereiro de 2005) e a condenação do senador da república João Ribeiro
a pagar R$760.000 (Setecentos e sessenta mil reais), referente à indenização por dano moral
em razão de ter submetido trabalhadores a condição análoga à de escravo (fevereiro de 2005).
27
Deixemos momentaneamente à margem os fatos mais recentes, com a promessa de
voltarmos ao debate mais tarde, para analisarmos o quadro que se instalou no mundo e no
Brasil após a Lei n. 3353 de 1888.
3.2 COMBATE INTERNACIONAL AO TRABALHO ESCRAVO
Ao final do século XIX, quase todos os países do mundo haviam abolido a
escravidão. No entanto, mesmo sendo ato atentatório ao ordenamento jurídico, muitos
trabalhadores permanecem submetidos a esta forma vergonhosa de trabalho no mundo
contemporâneo.
No ano de 1926, vislumbrando a necessidade de adoção de medidas de combate à
exploração da escravidão que continuava, foi proclamada, pela Sociedade das Nações,
convenção disciplinando sobre o combate à escravidão.
Mais tarde, em 1930, a Organização Internacional do Trabalho promoveu a
convenção n.29 que defendia a abolição do trabalho forçado e obrigatório. Segundo o art. 2º,
§1º da convenção, trabalho forçado ou obrigatório é “[...] todo trabalho ou serviço exigido a
um indivíduo, sob a ameaça de uma pena qualquer, e para o qual esse indivíduo não se
oferece voluntariamente”. O Brasil ratificou a convenção com a promessa de solucionar o
problema no menor espaço de tempo.
A Organização das Nações Unidas, em 1948, anunciou a Declaração universal dos
Direitos do Homem que pregava ao longo de seus artigos a liberdade, igualdade, fraternidade
e dignidade, no entanto, é o art. 4º que menciona especificamente sobre a escravidão,
alertando que “ninguém será mantido em escravidão ou servidão; a escravidão e o tráfico de
escravos serão proibidos em todas as suas formas”. O art. 5º diz que “ninguém será submetido
a [...] tratamento [...] desumano ou degradante”.
28
Já o art. 13, §1º declara que “toda pessoa tem direito à liberdade de locomoção e
residência dentro das fronteiras de cada Estado”. Por fim, o art. 23 menciona sobre os direitos
individuais do trabalhador.
Em 1953, na cidade de Nova York, foi assinado protocolo de emenda à convenção
n.29, sendo aprovado pelo Brasil no ano de 1966.
No ano de 1956 as Nações Unidas editou convenção suplementar sobre a abolição da
escravidão, tráfico de escravos e instituições e práticas semelhantes à escravidão. A
convenção foi promulgada pelo Brasil no ano de 1966 através do Decreto n.58.563 de 1º de
julho de 1966. O art. 7º definiu a escravidão para os fins da convenção como sendo “[...] o
estado ou a condição de um indivíduo sobre o qual se exercem todos ou parte dos poderes
atribuídos ao direito de propriedade, e ‘escravo’ é o individuo em tal estado ou condição”.
A OIT, no ano de 1957, elaborou convenção especial sobre a abolição do trabalho
forçado e obrigatório. Analisando o dispositivo da convenção n. 105 fica evidenciado que já
havia na época, por parte da entidade, preocupação com a abolição imediata da escravidão,
visto que quase todos os países do mundo haviam abolido esta forma forçosa de trabalho
desde o final do século XIX, porém, passado mais da metade do século sucessor, constatavase ainda a ocorrência de mão-de-obra escrava. A convenção proibia a exploração por parte
dos Estados membros, bem como a adoção de medidas que inibissem e punissem a utilização
por particulares. Menciona o art. 1º que:
todo o Membro da Organização Internacional do Trabalho que ratifique a
presente convenção compromete-se a suprimir o trabalho forçado ou
obrigatório e a não o utilizar sob qualquer forma:
a) Quer por medida de coerção ou de educação política, quer como sanção a
pessoas que tenham ou exprimam certas opiniões políticas ou manifestem a
sua oposição ideológica à ordem política, social ou econômica estabelecida;
b) Quer como método de mobilização e de utilização da mão-de-obra com
fins de desenvolvimento econômico;
c) Quer como medida de disciplina do trabalho;
29
d) Quer como punição, por ter participado em greves;
e) Quer como medida de discriminação racial, social, nacional ou religiosa.
Na data de 19 de dezembro de 1966, na cidade de Nova York, foi assinado o Pacto
Internacional sobre Direitos Civis e Políticos. O tratado prega principalmente o
reconhecimento dos direitos basilares do individuo, como a liberdade, a dignidade, o acesso à
justiça e o acesso ao trabalho. Reza o art. 8º que:
1. ninguém poderá ser submetido à escravidão; a escravidão e o tráfico de
escravos, em todos as suas formas, ficam proibidos.
2. ninguém poderá ser submetido à servidão.
3. a) ninguém poderá ser obrigado a executar trabalhos forçados ou
obrigatórios;
b) a alínea "a" do presente parágrafo não poderá ser interpretada no sentido
de proibir, nos países em que certos crimes sejam punidos com prisão e
trabalhos forçados, o cumprimento das penas de trabalhos forçados será
imposta por tribunal competente;
c) para os efeitos do presente parágrafo, não serão considerados "trabalhos
forçados ou obrigatórios":
i) qualquer trabalho ou serviço, não previsto na alínea "b", normalmente
exigido de um indivíduo que tenha sido encerrado em cumprimento de
decisão judicial ou que, tendo sido objeto de tal decisão, ache-se em
liberdade condicional;
ii) qualquer serviço de caráter militar e, nos países em que se admite a
isenção por motivo de consciência, qualquer serviço nacional que a lei venha
a exigir daqueles que se oponha ao serviço militar por motivo de
consciência;
iii) qualquer serviço exigido em casos de emergência ou de calamidade que
ameacem o bem-estar da comunidade;
iv) qualquer trabalho ou serviço que faça parte das obrigações cívicas
normais.
Posteriormente, no ano de 1969, durante a conferência de São José da Costa Rica, foi
elaborada a convenção Americana sobre Direitos Humanos. Com fulcro no art. 6º da acima
mencionada, fica proibida a utilização da escravidão e da servidão, não podendo ninguém ser
submetido a elas. Fica também proibida toda a espécie de tráfico, seja o de escravos ou
mulheres. Nenhum indivíduo poderá ser constrangido a executar trabalho forçado ou
obrigatório. O Brasil só ratificou a convenção no ano de 1992.
30
Nota-se que os referidos ditames internacionais visam um bem comum, qual seja, o
fim da utilização de mão-de-obra nas suas várias formas assumidas nos Estados-Membros, e
ainda, compelindo estes a evitarem que a exploração seja realizada por membros do poder
público ou por particulares.
O combate internacional ao trabalho escravo acabou por gerar novas e diversificadas
formas de exploração em todo o mundo. Podemos citar como exemplo a participação
compulsória em obras públicas, trabalho doméstico forçado, trabalho forçado exigido por
militares, trabalho forçado com relação ao tráfico de pessoas e trabalho forçado penitenciário.
Todas as espécies de trabalho forçado foram mencionadas no relatório global da OIT (OIT,
2002) apresentado na Conferência Internacional do Trabalho de 2001.
Diante do objetivo do presente trabalho, não analisaremos todas as espécies de
trabalho forçado, nos limitaremos apenas a explanar sobre o trabalho escravo na zona rural
brasileira.
3.3 TRABALHO ESCRAVO NO BRASIL RURAL
Como afirmado nos primeiros capítulos, o desenvolvimento econômico nacional
deu-se através do uso de mão-de-obra escrava, inicialmente a do índio nativo e posteriormente
do negro advindo do continente africano. O regime escravocrata perdurou por mais de 300
anos em nosso território, passando, a partir de 1888, a ser considerada prática ilegal a
utilização de mão-de-obra escrava.
Apesar de ter deixado de existir no campo da legalidade, a escravidão está presente
em nossos dias, passando a subsistir através da ilegalidade e de formas disfarçadas que
acabaram por contribuir com sua subsistência.
31
Os meios de comunicação vêm divulgando quase que constantemente casos em que
trabalhadores são resgatados por grupo de fiscalização móvel do Ministério do Trabalho e
Emprego. Segundo dados da OIT, a incidência do tema trabalho escravo na mídia vem
crescendo anualmente. Em 1995 – ano em que o Brasil assumiu oficialmente a existência de
trabalho escravo em território nacional – foram registradas 72 chamadas; no ano de 1996
foram somente 44; aumentando para 260 no ano de 2002 e atingindo o seu ápice no ano de
2003 quando foram registradas 1541 chamadas vinculadas ao tema. Seja gráfico abaixo.
Incidência do tema “trabalho escravo” na mídia
Fonte: Organização Internacional do Trabalho (2003).
A escravidão atual não se caracteriza através da compra de um trabalhador,
tampouco em razão da cor de sua pele, mas por uma série de outros fatores como carência de
informações dos direitos, ausência de condições de subsistência própria e da família na região
de migração, falsas promessas de bons salários e de locais com boa estrutura de alojamento e
trabalho. Esses trabalhadores são oriundos de vários estados, sendo Maranhão, Piauí,
Tocantins e Pará os que mais emigram. Gráfico abaixo.
32
Estados de origem dos resgatados
Fonte: Organização Internacional do Trabalho (2003).
Os escravocratas contemporâneos são em sua grande maioria empresários, donos de
latifundiários que tiveram sua ascensão financeira a partir da década de 70 beneficiados pelas
políticas adotadas durante os governos militares. Suas fazendas são equipadas com modernos
e avançados maquinários, tornando primoroso o plantio. O principal mercado de seus
produtos é o exterior. As principais atividades onde foi localizado trabalho escravo são:
pecuária com 43%; desmatamento com 28%; agricultura com 24%; madeireira com 4% e por
fim a carvoaria com 1%. Segue gráfico.
Incidência de trabalho escravo por atividade econômica
Fonte: Comissão Pastoral da Terra / Organização Internacional do Trabalho (2003).
33
Segundo dados levantados pela Procuradoria Federal dos direitos do cidadão, os
principais municípios de aliciamento dos trabalhadores libertados são: Redenção – PA, com
mais de 300 trabalhadores; em segundo Açailandia - MA, com quase 250 trabalhadores em
terceiro vem Marabá-PA, com mais de 200 trabalhadores. Seja gráfico.
Principais municípios de aliciamento dos trabalhadores que foram libertados
Fonte: Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (2003).
A mão-de-obra escrava é negociada através de empreiteiros conhecidos como gatos,
que na realidade são aliciadores de trabalhadores com a função de intermediar a relação entre
senhor e escravo, visando a excluir a responsabilidade do empregador em caso de eventual
fiscalização.
Analisando o trabalho escravo contemporâneo, vale ressaltar as palavras do
procurador do trabalho da 2ª região, Ronaldo Lima dos Santos (BRASIL, 2003a, p. 55,56),
que faz alguns apontamentos sobre o tema:
independentemente da denominação adotada – “trabalho escravo
contemporâneo”, “escravidão por dívida”, “trabalho forçado”, “trabalho
obrigatório”, “redução à condição análoga à de escravo” [...] – em todas as
hipóteses levantadas, constatamos flagrantemente a sempre presença de
vícios de vontade, seja no início da arregimentação do trabalhador, no
34
começo da prestação de serviços, no curso da relação de trabalho e até
mesmo por ocasião do seu término. Os mais diversos métodos de coação,
simulação fraude, dolo, indução a erro, são empregados para cercear a
vontade do empregado e obriga-lo à prestação de serviços contra a sua
vontade.
O professor Ronaldo Lima dos Santos (BRASIL, 2003a, p. 55) também aponta atos
que dão ensejo à existência do trabalho escravo contemporâneo no Brasil, quais sejam:
a) a constrição da vontade inicial do trabalhador em se oferecer à prestação
de serviços, sendo, por isso, constrangido à prestação de trabalhos
forçados sem sequer emitir sentimento volitivo neste sentido (geralmente
esta situação ocorre com os filhos de trabalhadores sujeitos a trabalho
escravo e seus familiares);
b) o aliciamento de trabalhadores em uma dada região com promessas de
bom trabalho e salário em outras regiões, com a superveniente contração
de dívidas de transportes, de equipamentos de trabalho, de moradia e
alimentação, cujo pagamento se torna obrigatório e permanente,
determinando a chamada escravidão por dívidas;
c) o trabalho efetuado sob ameaça de uma penalidade – como ameaças de
morte com armas – , geralmente violadora da integridade física ou
psicológica do empregador; modalidade que quase sempre segue a
escravidão por dívidas;
d) a coação, pelos proprietários de oficinas de costuras em grandes centros
urbanos – como São Paulo - de trabalhadores latinos pobres e sem
perspectivas em seus países de origem – geralmente bolivianos e
paraguaios -, que ingressam irregularmente no Brasil. Os empregadores
apropriam-se coativamente de sua documentação e os ameaçam de
expulsão do país, por meio de denúncias às autoridades competentes,
Obstados de locomoverem-se para outras localidades, diante da sua
situação irregular, os trabalhadores submetem-se às mais vis condições
de trabalho e de moradia (coletiva).
Desde o final da década de 70 e principalmente na década de 80 entidades ligadas
aos trabalhadores rurais já vinham denunciando esta prática abusiva, no entanto, somente na
metade da década de 90 foi que o governo brasileiro admitiu esta insultuosa verdade.
Os trabalhadores explorados têm sido localizados em diversas atividades como
pecuária, agricultura, desmatamento, mineração, carvoaria, etc. A OIT em seu Relatório
Global de 2001 (OIT, 2002, p. 27) apresenta quatro formas, ou melhor, grupos, vulneráveis ao
aliciamento dos gatos e a submissão à mão-de-obra escrava.
35
A primeira é quando os trabalhadores são agenciados pelos gatos, que vão até as
regiões de grande pobreza para realizar o recrutamento de trabalhadores. O transporte para a
região da exploração é realizado através de caminhões em péssimas condições, quase sempre
irregulares e em desacordo com o código nacional de trânsito. Os trabalhadores ao chegarem
nos locais de trabalho descobrem que a realidade é bem diferente da prometida, o transporte já
ingresso em sua dívida que mais tarde será aumentada com a compra de materiais necessários
para a realização do trabalho.
A segunda seria quando trabalhadores da zona rural que não possuem muita
qualificação (peões de trecho) perdem o contato com seu grupo familiar, passando a viver
entre a exploração de uma fazenda e outra. Quando não estão ligados a um aliciador,
permanecem em hospedarias, onde se alojam até conseguirem novo trabalho. Nos centros de
hospedagem os trabalhadores iniciam o seu ciclo de endividamento, pois não possuem
dinheiro para pagar os valores do pernoite e os alimentos consumidos, fazendo com que
permaneçam naquele recinto até que o “gato” chegue, compre sua dívida e o leve para a
propriedade onde irá laborar.
Outra forma de exploração é a realizada contra famílias inteiras com o objetivo de
produção de carvão. As famílias são obrigadas a construírem os fornos onde as árvores, que
são desmatadas por elas, serão queimadas até a produção do carvão vegetal. Esse tipo de
produção se dá em zonas remotas, o que acaba por dificultar a ocorrência de uma fiscalização
mais efetiva. Devido à distância do local os trabalhadores têm que comprar todos os utensílios
com o intermediário, o que acaba por favorecer a ocorrência da escravidão por dívida.
A última forma mencionada no relatório é a exploração dos povos indígenas. Diz o
documento (OIT, 2002, p. 27):
36
[...] os povos indígenas são particularmente vulneráveis às condições
coercitivas de trabalho quando fora de suas próprias comunidades. Embora
os povos indígenas representem uma proporção infinitamente menor da força
de trabalho do Brasil em comparação com alguns países vizinhos da
América Latina, suas condições de recrutamento têm sido motivo de
preocupação para os serviços de inspeção do trabalho.
Através da análise dos grupos apresentados, podemos apontar um aspecto comum
entre todos, a ocorrência da escravidão por intermédio do endividamento. Independentemente
do grupo atingido ou da forma de recrutamento, observamos a ocorrência do endividamento.
Os trabalhadores que se encontram nessa situação são forçados a trabalhar até quitar suas
dívidas, mas o que se observa é que o pagamento total nunca acontece, pois os peões quanto
mais laboram, mais endividados ficam.
As dívidas são de origem fraudulenta, em total desarmonia com as legislações
trabalhistas e a Constituição Federal. Outro fator que acaba por agravar o desrespeito é a
retenção de documentos de identificação pessoal e trabalhista, isso quando o trabalhador os
possui. Os trabalhadores que tentam fugir, ou desrespeitam as determinações impostas são
muitas vezes lesionados, quando não assassinados. Os empregadores, bem como os
intermediários que são identificados explorando mão-de-obra escrava, incorrem em delito
com previsão de pena em nosso ordenamento criminal.
O endividamento e o desrespeito ao ordenamento jurídico nacional, por serem temas
complexos, terão seus estudos divididos em partes especiais.
3.4 ESCRAVIDÃO POR DÍVIDA NO BRASIL
A escravidão por dívida é uma das formas mais antigas de submissão do ser. Ela teve
o seu início registrado na Babilônia, sendo também utilizada pelos gregos e romanos na
antigüidade.
37
No Brasil a escravidão através da contração de dívida iniciou ainda na segunda
metade do século XIX, após a adoção de medidas pelo governo brasileiro que inibindo o
tráfico de escravos, fazendeiros, principalmente do estado de São Paulo, passaram a contratar
mão-de-obra assalariada advinda da Europa.
Os trabalhadores europeus não sabiam, mas ao darem início a nova empreitada e se
deslocarem de seu continente para a nova terra, estavam assinando o seu testamento de
exploração e submissão ao escravocrata brasileiro. O adiantamento que recebiam para poder
embarcar rumo ao Brasil era incluído na lista de dívida, que era cobrada posteriormente,
acrescida de juros e correções. Posteriormente era cobrada a passagem. Visando pagar suas
dívidas os trabalhadores eram transferidos de um proprietário a outro, como se fosse um bem,
até que alcançassem pagamento total. O modelo monárquico aqui apresentado muito se
assemelha ao atual.
A degradação do explorado inicia-se ainda em sua localidade de origem, onde não
possui as mínimas condições de subsistência. Vê seus familiares passando necessidade,
quando não se encontram adoentados. No município, não enxergam a mínima expectativa de
trabalho, nem mesmo condições para explorarem o plantio familiar, pois as terras são
impróprias, além da falta de recursos para o preparo do solo e plantio. O homem não
consegue vislumbrar condições de melhoria para si e para seus familiares. Torna-se assim,
vulneráveis às promessas feitas pelos “gatos”. Na realidade, é difícil para nós, mero
expectador, tentar interpretar o pensamento do camponês. Trata-se mais de falta de opção do
que vulnerabilidade. O trabalhador vê à sua frente a seguinte opção, permanecer em sua
cidade, sem qualquer expectativa, ou tentar sorte melhor em outras regiões, ainda que corra o
risco de ver frustrada sua esperança. O ato de sair de sua região simboliza deixar para trás o
sofrimento. É romper com a dura realidade vivida diariamente. Quem sai, na verdade, queria
permanecer, mas não fica, pois continuar é aceitar a dor que lhe corrói.
38
O padre Ricardo Rezende (FIGUEIRA, 2004, p. 114), em pesquisa realizada na
cidade de Barras - PI, entrevistou uma mãe (Maria Branca) cujo filho e genro haviam partido.
Durante a entrevista há a participação de um terceiro (Raimundo) que acaba por contribuir na
colheita do depoimento:
Maria Branca: Quem quer sair, quer achar oportunidade. Aí sai, de qualquer
forma sai, ou que o pai queira ou que a mãe não queira. A necessidade dele é
que está obrigando ele sair. A gente, tudo pobre, não tem como sobreviver,
nem dar ao filho, não é? A gente, embora fique morrendo com a perda do
filho... Porque nós sabemos que os outros estão lá, estão adoecendo de
malária, estão comendo comidas irregulares, ficam sem almoçar. Mas isso
tudo é por causa da situação, porque, se o pai tivesse condição de sustentar
seu filho mesmo casado com a sua família ao lado, não deixaria que o filho
fosse para lugar nenhum. Outra, eu mesmo não me sinto bem. Mas o que eu
posso fazer? O nosso país não oferece oportunidade para que nós vivamos
aqui.
Raimundo: Conheço muita gente velha que está ruim de situação, como eu.
Maria Branca: Mas o velho, seu Raimundo, o verme deles é o mesmo verme
do outro também que nada tem. O verme é não ter.
O trabalhador então deixa sua região, sozinho, acompanhado de amigos ou até
mesmo acompanhado de alguns ou todos os familiares. Há dois meios de ir, como bem
salienta Rezende (FIGUEIRA, 2004, p.117), ou o trabalhador vai por conta permanecendo nas
hospedagens até que seja recrutado, ou já sai recrutado de sua cidade.
Muitos autores falam de tentadoras promessas que acabam iludindo os migrantes, o
que não posso concordar por completo. Concordo que aconteça o vício de consentimento,
tornando por quase sempre nulo o contrato, mas o que seria uma promessa tentadora para
quem não tem nada. O que seria um bom salário para quem não ganha nada e encontra-se em
estado de completa miséria?
Na verdade, a missão dos intermediários torna-se muito fácil em meio à ausência de
condições e expectativas. Intermediários, gatos, empreiteiros, zangões ou turmeiros, todos
39
estes termos servem para identificar os prepostos dos fazendeiros, cuja missão é a captação de
mão-de-obra. O padre Ricardo Rezende Figueira (2004, p. 17), assim classifica os “gatos”:
empreiteiro contratado para desflorestamento, feitura e conservação de
pastos e cercas ou outros serviços para fazendeiros e empresas agropecuárias
na Amazônia. Muitas vezes anda armado, trabalha com parentes e com uma
rede de “fiscais”, e são acusados de diversos crimes, inclusive homicídios.
Em geral os mais violentos gozam de prestígio, são considerados eficientes e
podem prestar serviço por anos consecutivos para as maiores empresas.
A escritora Alison Sutton (apud SENTO-SÉ, 2001, p. 44) narra bem o episódio da
captação e aliciamento de trabalhadores pelos gatos:
[...] estes homens chegam com um caminhão a uma área afetada pela
depressão econômica e vão de porta em porta ou anunciam pela cidade toda
que estão recrutando trabalhadores. Às vezes usam um alto-falante, ou o
sistema de som da própria cidade. [...] Em muitos casos, tentam conquistar a
confiança dos recrutados potenciais trazendo um peão, que pode já ter
trabalhado para eles, para reunir uma equipe de trabalhadores. O elemento de
confiança é importante, e sua criação é favorecida pela capacidade que tem o
gato de dar uma imagem sedutora do trabalho, das condições e do
pagamento que esperam os trabalhadores.
Sem melhores ou outras opções os trabalhadores acabam embarcando em caminhões,
que podem representar o início de uma nova vida ou a completa destruição daquela. Alguns
aliciadores acabam por adiantar algum dinheiro ao trabalhador para que ele possa deixar algo
para sua família, aumentando as esperanças desta em relação ao sucesso de seu membro que
agora se desloca. O que muitos não sabem é que o dinheiro que hoje alimenta, amanhã
aprisionará, tornando árdua a volta ao seio acolhedor.
Os trabalhadores que vão por conta acabam ficando em hospedarias nas regiões de
recrutamento, no entanto, sem as mínimas condições de fazerem o pagamento da hospedagem
e da alimentação. É neste momento que surgem os “gatos”, que negociam com o trabalhador o
40
pagamento de sua dívida e a sua ida para trabalhar em uma fazenda, dando inicio ao ciclo do
endividamento.
O recrutamento, a viagem, endividamento e a relação “peão” – “gato” foi muito bem
ilustrada em reportagem da Agência Folha, publicada na data de 23.04.2003 no jornal Folha
de São Paulo, que o padre Ricardo Rezende (FIGUEIRA, 2004, p. 121) transcreveu em sua
obra:
quatro ônibus com 235 trabalhadores em situação análoga à escravidão,
segundo o Ministério do Trabalho, foram apreendidos ontem à noite pela
Polícia Rodoviária Federal do Piauí. Entre os trabalhadores, havia seis
menores, de 16 e 17 anos. Eles haviam sido recrutados em Barras (PI) para
trabalhar na lavoura de cana-de-açúcar da empresa Pagrissa (Pará Pastoril e
Agrícola S. A.), em Ulianópolis, no Pará. Cada um dos trabalhadores teve de
pagar R$ 60 pela viagem. [...] Os ônibus viajavam clandestinamente por
estradas vicinais sem a certidão liberatória, que obrigatoriamente precisa ser
fornecida pelo Ministério do Trabalho para autorizar o transporte de
trabalhadores entre estados. [...] O gato (intermediador da contratações) José
Pereira dos Santos, que viajava com eles, foi preso e indiciado por
aliciamento.
O professor Jairo Lins de Albuquerque (SENTO-SÉ, 2001), com a maestria que lhe é
peculiar, faz uma série de menções sobre os caminhos percorridos e condições suportadas
pelos trabalhadores, vítimas da escravidão por dívida. Fazendo uso da linha de raciocínio de
Sento-Sé, tentaremos fazer uma abordagem sintética em conformidade com que fora
abordado, mas sem deixar de trazer os pontos fundamentais da narrativa.
Quando os trabalhadores chegam ao local de trabalho, deparam com uma realidade
diferente da que tiveram notícia e da que fazia parte de suas expectativas. Os equipamentos
mínimos necessários para o desenvolvimento do trabalho são entregues, sendo tudo cobrado e
anotado na caderneta3. No momento do recebimento do ordenado, percebem que o passivo é
bem maior que o ativo.
3
Livro utilizado pelos gatos para anotar toda a divida do trabalhador. Neste livrinho é encontrado todos os tipos
de anotações como: transporte, facão, óleo para serra elétrica, mantimentos e objetos de higiene pessoa.
41
O salário é pago quase todo in natura, com a cobrança pelo vestuário e equipamentos
necessários para o desenvolvimento da atividade. O ato do empregador é em completo
desrespeito à Constituição Federal (art. 7º e incisos), à CLT, em destaque o art. 458 caput e
§2º, bem como o §4º do Decreto n. 73.626 de 12.02.1974 que regulamentou a Lei n. 5.889/73.
Os gêneros alimentícios são vendidos pelo empregador a preços bem acima do de
mercado e anotados nas cadernetas para posterior desconto no salário do trabalhador. Essa
prática onde o empregador vende produtos de primeira necessidade para seus próprios
empregados a preços bem maiores que o comum é denominado barracão ou truck-system. O
detalhe é que o trabalhador não tem acesso aos valores e à quantidade consumida, fazendo
com que perca o controle do que foi consumido e de sua dívida.
A partir do endividamento o peão vê-se preso à terra e obrigado a trabalhar até que
seja quitado todo o valor, o que muitas vezes não ocorre, sendo libertado somente quando o
trabalho acaba ou torna-se indesejado por ser portador de alguma moléstia ou encontrar-se
inválido por algum motivo para o trabalho. Temos o conhecimento de casos, onde o
trabalhador fica mutilado devido ao manuseio incorreto de equipamentos não recebendo
qualquer atendimento médico, quando muito, analgésico para tentar amenizar a dor. Exemplo
é o ocorrido ao menor de 16 anos, libertado em 11 de fevereiro de 2004, na fazenda
Cabaceiras, no sul do Pará, após fiscalização do grupo móvel do Ministério do Trabalho e
Emprego.
Quando o trabalhador tenta fugir é coagido por seguranças armados à persistirem a
trabalhar, isso quando não são feridos. Outra forma de deter o trabalhador é através da
apreensão dos documentos pessoais.
A violência desferida contra trabalhadores não poupa a idade nem o sexo. Todos são
passíveis e vulneráveis. O ex-escravo Sebastião Paulo, de 17 anos, aliciado em julho de 1997
em Colinas-TO, teve sua história narrada por Sérgio Paulo Moreyra e transcrita por Rezende
42
(FIGUEIRA, 2004, p. 174) onde conta os momentos tensos que vivenciou na fazenda Flor da
Mara, no sul do Pará. O trabalhador viu:
uma cena perigosa de um companheiro (...) com idade de mais ou menos dez
anos que andava mais eu. Em uma sexta-feira ele tomou um botina
emprestada para ir ao trabalho, pois não queria comprar uma por preço de
vinte reais, tinha receio de ficar devendo e não poder mais ir embora, depois
disseram que ele tinha roubado a botina, então o gato Fogoió levou ele para
o mesmo barracão abandonado que ficamos quando chegamos na fazenda
Flor da Mata, e bateram nele de facão, depois pegaram uma arma calibre 38,
apontaram para ele e mandaram ele correr sem olhar para trás, e ele correu,
entrou na mata e eu não vi mais.
As jornadas são exaustivas em total desencontro com o que estipula a lei, fazendo
lembrar as jornadas a que os escravos do século XIX eram submetidos. O procurador do
trabalho Jairo (SENTO-SÉ, 2001, p. 47) abordou esta realidade vivida pelos trabalhadores que
chegam:
[...] a laborar até quatorze ou dezesseis horas por dia e sem a contraprestação
da gratificação extraordinária que lhes seria devida. As condições de
trabalho são também as mais nocivas e prejudiciais possíveis, o que, a todo
instante, põe em risco a saúde dos trabalhadores rurais, como comprovam os
casos de mutilação entre os que laboram nas regiões sisaleiras.
Observando os fatos narrados acima, podemos apontar uma série de fatores que
acabam por colidirem com a legislação nacional e com os regulamentos internacionais que o
Brasil ratificou.
A convenção n.95 da OIT de 1949 (SENTO-SÉ, 2001, p. 50), ratificada em 1958,
dispõe sobre a proteção ao salário em seu art. 7º, itens 1 e 2, fazendo as seguintes
considerações:
Art. 7º - 1. Quando em uma empresa forem instaladas lojas para vender
mercadorias aos trabalhadores ou serviços a ela ligados e destinados a fazer-
43
lhes fornecimentos, nenhuma pressão será exercida sobre os trabalhadores
interessados para que eles façam uso dessas lojas ou serviços.
2. Quando o acesso a outras lojas ou serviços não for possível, a autoridade
competente tomará medidas apropriadas no sentido de obter que as
mercadorias sejam fornecidas a preços justos e razoáveis, ou que as obras ou
serviços estabelecidos pelo empregador não sejam explorados com fins
lucrativos, mas sim no interesse dos trabalhadores.
O salário do trabalhador (BRASIL, 2003a, p. 59) protegido pelos princípios da
pessoalidade, intangibilidade e irredutibilidade, consagrados respectivamente nos art. 464 e
462, caput da CLT e art. 7º, inciso VI da Constituição – é diretamente afrontado pelos
intermediários e empregadores quando da utilização de mão-de-obra escrava. Outros direitos
trabalhistas são igualmente desrespeitados como o princípio da vedação à pratica do truck
system (§2º e 3º do art. 462 da CLT) e a orientação do pagamento da prestação em espécie do
salário em moeda corrente do país, art. 463 da CLT.
O professor Ronaldo Lima dos Santos (BRASIL, 2003a, p. 59) aponta ainda os
dispositivos penais em que os criminosos que exploram a mão-de-obra escrava incorrem:
além das normas trabalhistas infligidas, as condutas descritas tipificam os
crimes definidos no Código Penal, em seus arts. 149 (redução de alguém à
condição análoga à de escravo); 203 (frustração de direitos trabalhistas
mediante fraude ou violência); 132, parágrafo único (exposição da vida ou
da saúde de outrem a perigo direito e iminente decorrente do transporte em
condições ilegais); e 207 (aliciamento de trabalhadores, com o fim de levalos de uma para outra localidade do território nacional).
Ao analisarmos este terrível quadro não conseguimos enxergar os princípios que
regem o Estado Democrático de Direito. A dignidade da pessoa humana, o direito a proteção e
ao acesso ao trabalho são colocados à mercê, para que, intermediários e fazendeiros
aumentem cada vez mais os seus ganhos.
Tentar defender os agricultores, ou até mesmo levantar bandeiras com jargões
dizendo ser a agricultura a válvula propulsora da economia de nosso país é incoerente e
44
inescrupuloso, visto que, não podemos nem mesmo considerar como agricultores e ou
empresários, pessoas que com intuito único de enriquecer seus cofres, fazem com que persista
a mancha da exploração e da submissão em nossa sociedade.
Desenvolver nosso país à custa da desgraça de trabalhadores e famílias inteiras é algo
que não mais podemos aceitar.
3.5 A PERSISTÊNCIA FACE À IMPUNIDADE
A impunidade e a ausência de penas eficazes que tenham o condão de realmente
punir os escravocratas contemporâneos, bem como todos aqueles que de alguma forma
participam desta teia, é fator preponderante para a persistência da escravidão. A legislação
existente possui lacunas o que acaba por favorecer os criminosos, principalmente no aspecto
penal.
A reforma ocorrida no art. 149 do Código Penal brasileiro no final de 2003 foi
positiva para o combate. Porém não adianta apenas aplicação de penas na esfera criminal, pois
como já foi demonstrado, o principal criminoso, é quem contrata os intermediários. Os
verdadeiros autores, na maioria das vezes, não são condenado face à camuflagem que é
montada através da utilização de intermediário, verdadeiros testas-de-ferro.
Medidas eficientes poderiam ser tomadas a partir do momento em que a justiça
tivesse o poder de expropriar as terras onde fossem encontrados trabalhadores submetidos à
condição análoga à de escravo, destinando essa para a reforma agrária. A competência para
tratar da matéria é constitucional e só poderá ser feita através de emenda. Em nossa Carta
Magna já há a previsão de expropriação de terra, mas somente em casos em que forem
localizadas culturas ilegais de plantas psicotrópicas (art. 243). Há em trâmite no Congresso
45
Nacional proposta de emenda constitucional, a PEC n. 438, no entanto, esta encontra grande
dificuldade de aprovação, principalmente por causa das articulações da bancada ruralista.
Outra dificuldade é que geralmente os criminosos se confundem com o poder
político da região, o que acaba por dificultar o exercício regular e imparcial da atividade
policial. Podemos citar como exemplo os irmãos Noberto e Antério Mânica que são suspeitos
de serem os mandantes do assassinato de quatro servidores do Ministério do Trabalho em 28
de janeiro de 2004, na cidade de Unaí - MG. Antério Mânica foi eleito prefeito da cidade de
Unaí nas eleições de 2004, com mais de 70% dos votos válidos. O autor Jairo (SENTO-SÉ,
2001, p. 60) já destacava esta confusão:
normalmente, o detentor de grande propriedade na zona rural é também um
homem de forte influência política, ou seja, tem vínculos estreitos com o
poder político local. Daí, usualmente, contar com a indiferença das
autoridades policiais da região, que não manifestam qualquer reação ao
exercício desta abusividade. Pior ainda, costumam contar com o seu
beneplácito para trazer de volta o trabalhador fugitivo, a fim de que ele possa
“honrar” os compromissos provenientes da dívida não adimplida.
A Justiça, por sua fez, nem sempre tem agido com o rigor necessário. Muitos juízes,
por desconhecimento do instituto da escravidão contemporânea, de suas características e
formas, acabam não fazendo valer a legislação em vigor contra aqueles que a desrespeitam. A
reforma do art. 149 do CPB, ainda não tem mostrado seus efeitos nos tribunais.
A lista suja – nome dado ao arrolamento elaborado pelo Ministério do Trabalho e
Emprego com a discrição dos empresários e empresas que foram autuados por fazerem uso de
mão-de-obra escrava – que, no início, mostrou-se eficiente ferramenta no combate ao trabalho
escravo, vem sendo enfraquecida por determinações judiciais. Os agricultores penalizados
vêm recorrendo à justiça, através do pedido de liminares, para verem seus nomes excluídos da
lista suja e estão conseguindo alcançar os seus objetivos. Com a exclusão, ainda que
temporária, os agricultores voltam a ter direito a financiamento público para a gestão de seus
46
negócios, enfraquecendo o movimento pela erradicação do trabalho escravo, além de
contribuir com a impunidade.
Outra dificuldade é a questão da competência em razão da matéria criminal. Uns
defendem a competência da justiça estadual, outros da federal, o que acaba por dificultar e
tornar moroso o julgamento dos acusados. A discussão encontra-se atualmente no STF para
ser solucionado, mas com forte tendência que seja a justiça federal a competente, o que nos
parece mais correto.
O poder executivo vem desempenhando bem o seu papel, no entanto, medidas ainda
aclamam por serem tomadas. O aumento do número de fiscais e de policiais federais é
emergencial para que possam ocorrer inspeções do grupo de fiscalização móvel do Ministério
do Trabalho e Emprego em todos os cantos do país, por mais longínquo que seja.
Atualmente, os policiais federais vêm passando por problemas e dificuldades para
acompanharem as fiscalizações, visto que as diárias recebidas não dão para eles hospedaremse em locais seguros e ainda se alimentarem. Os policiais recebem hoje uma diária de
R$60,00 (Sessenta reis), o que segundo os fiscais do trabalho e os membros do Ministério
Público do Trabalho que acompanham as inspeções é realmente baixo, o que acaba colocando
em risco a vida de todos os que participam da jornada de fiscalização.
As missões, sem o amparo policial mínimo, tornam-se inviáveis. Cite-se como
exemplo o assassinato ocorrido em Unaí – MG.
Todo esse conjunto acaba por contribuir para a impunidade. A adoção de medidas
ainda para sanar os problemas apresentados e outros aqui não relacionados faz-se necessário
para o eficaz combate ao trabalho escravo.
47
3.6 ASPECTOS DA ANTIGA E DA ESCRAVIDÃO CONTEMPORÂNEA
A escravidão contemporânea na região rural do Brasil tem como principal
característica o cerceamento da liberdade, fruto de um suposto endividamento.
Antes de 1888, ano da abolição da escravidão no Brasil, o escravo não era sujeito de
direito, só de dever. O trabalhador era tratado como bem que compunha o patrimônio de seu
senhor. Atualmente, apesar de todas as garantias constitucionais asseguradas – dignidade;
liberdade; igualdade; acesso ao trabalho – a prática da escravidão persiste com a utilização de
um novo subterfúgio, o endividamento do trabalhador.
O sociólogo norte-americano Kevin Bales, em sua obra “Disposable people: new
slavery in the global economy”, traça um paralelo entre o novo e o antigo instituto. A
organização não governamental Repórter Brasil4, com base na obra do sociólogo, adaptou as
principais distinções para a realidade brasileira. Utilizaremos este estudo para traçarmos as
diferenças caso haja.
O escravo antigo incorporava-se ao patrimônio de seu senhor. Era considerado um
bem. Na nova, o escravo não faz parte da propriedade, não é comprado, mas adquirido através
da relação de endividamento estabelecida.
Na antiga, a aquisição, como a manutenção do escravo era mais onerosa. A riqueza
de uma pessoa muitas vezes podia ser estipulada através do número de escravos que ela
possuía. Na nova os custos são baixíssimos, pautado muitas vezes somente nos gastos como o
transporte e a comissão do intermediário. O trabalhador é tratado como peça descartável,
sendo substituído quando não mais necessário ou produtivo. Tal fato não era comum na antiga
devido aos altos custos para a aquisição de um novo.
4
Informações retiradas do site da ONG Repórter Brasil – www.reporterbrasil.com.br
48
A aquisição de um escravo antigamente era dificultosa, visto que dependia da oferta
dos traficantes. A partir de 1850, com a proibição do tráfico de escravos através da Lei n. 584,
ficou ainda mais oneroso. Kelvin Bales, afirma que o preço pago por um escravo, convertido
para moeda atual, poderia chegar a R$ 120.000,00 (Cento e vinte mil reais). Na atual há
abundância de disponibilidade, face à falta de estrutura social e econômica dos trabalhadores
das regiões de emigração. Segundo relatório da ONG, um trabalhador pode ser adquirido por
menos de R$ 100,00 (Cem reais) na Amazônia.
Os escravos atuais não possuem esta condição devido à etnia, como era fator
preponderante na antiga. Independentemente da cor da pele, homens são submetidos à mãode-obra no Brasil. Os escravos contemporâneos são pessoas que se encontram abaixo da linha
de pobreza, sem qualquer perspectiva de melhoria das condições de subsistência própria e de
sua família em sua cidade originária, ficando, assim, suscetível à exploração.
Antigamente a relação entre escravo-escravocrata era por período longo, muitas
vezes durando toda a vida do explorado. Na atual é por período curto, permanecendo, em sua
maioria, até o fim da empreitada.
Por fim, a escravidão, seja a antiga, ou a contemporânea, ambas utilizam os mesmos
subterfúgios para manterem o estado de submissão. Os trabalhadores sofrem ameaças,
violências psicológicas, coerções físicas, punições exemplares e até mesmo assassinato.
49
CAPÍTULO IV
ASPECTOS JURÍDICOS POLÊMICOS SOBRE O TRABALHO ESCRAVO
4.1 PROJETO DE EMENDA CONSTITUCIONAL N. 438
Para o real combate ao trabalho escravo torna-se necessária a adoção de medidas
eficazes, de forma a coibir a ocorrência desta prática.
As penalidades penais e administrativas não são muitas vezes por si só eficientes.
Criminalmente tem sido mostrada a dificuldade de punir o empregador, visto que na maioria
das vezes somente o intermediário recebe a condenação. As penas administrativas, por sua
vez, não são tão rigorosas para aqueles que possuem plenas condições de arcar com valores
altíssimos em pecúnia para pagar as multas arbitradas.
Diante do quadro apresentado, chegou-se à conclusão de que o eficaz combate ao
trabalho escravo estaria associada a adoção de medidas que pudessem atingir o bem maior do
escravocrata, a propriedade.
A nossa Carta Magna, em seu art. 184, prevê possibilidade de desapropriação do
imóvel rural que não esteja cumprindo sua função social, mediante prévia e justa indenização.
Nota-se que o artigo trata da possibilidade de desapropriação e não expropriação. Somente
por uma questão didática, chamamos a atenção que, na primeira, há o pagamento de
indenização ao proprietário quando a terra é tomada. Já na expropriação, quando a terra é
tomada por não atender aos preceitos constitucionais da função social da propriedade (art. 186
CFB), não há o pagamento de nenhum valor a título de indenização.
A desapropriação, nos casos de combate ao trabalho escravo é muito questionada,
sendo entendida como fator positivo e não negativo ao infrator. Parte dos atuais proprietários
50
de vastas dimensões de terra adquiriram suas propriedades de forma ilegal, através do uso da
grilagem5. Outros possuem propriedades cuja venda não é de fácil comercialização. Assim, o
pagamento de indenizações poderia ter efeito às avessas.
A adoção da expropriação através da alteração do art. 243 da Constituição seria
excelente ferramenta para o combate ao trabalho escravo no Brasil. Na sugestão de mudança
seria incluída de forma objetiva a possibilidade de expropriação das terras onde fosse
localizado trabalho escravo. A redação proposta pelo senador Ademir Andrade, autor do
projeto, é a seguinte:
Art. 243. As glebas de qualquer região do País onde forem localizadas
culturas ilegais de plantas psicotrópicas ou a exploração de trabalho escravo
serão imediatamente expropriadas e especificamente destinadas à reforma
agrária, com o assentamento prioritário aos colonos que já trabalhavam na
respectiva gleba, sem qualquer indenização ao proprietário e sem prejuízo de
outras sanções previstas em lei.
Parágrafo único. Todo e qualquer bem de valor econômico apreendido em
decorrência do tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins e da exploração
de trabalho escravo será confiscado e se reverterá, conforme o caso, em
benefício de instituições e pessoal especializado no tratamento e recuperação
de viciados, no assentamento dos colonos que foram escravizados, no
aparelhamento e custeio de atividades de fiscalização, controle e prevenção e
repressão ao crime de tráfico ou do trabalho escravo.
Segundo o juiz federal Flávio Dino de Castro e Costa (BRASIL, 2003a, p. 105),
“Trata-se de proposição plenamente justificada, inclusive sob a ótica da proporcionalidade das
sanções, uma vez que o trabalho forçado atinge, com enorme intensidade, princípios e direitos
fundamentais”.
A proposta de emenda à Constituição n. 438 teve anexado ao seu bojo outras duas
propostas que versam sobre o mesmo tema: PEC n. 232 de 1995 e seus apensos. Se
5
Grilagem é o ato no qual uma pessoa, com o fim de fazer prova de aquisição de terra, submete escritura falsa a
um processo de envelhecimento, onde é utilizado grilos por serem estes capazes de eliminar substância que dá
aparência de velho quando em contato com papel.
51
analisarmos o tempo que a proposta está para ser aprovada, com base na data que a PEC n.
232 teremos quase dez anos de espera.
O tempo aguardado é extremamente longo, principalmente quando tiramos como
base outras propostas de emenda cuja matéria é do interesse do governo.
A expropriação é uma importante ferramenta no combate ao trabalho escravo, no
entanto, sem a interferência direta do governo, através da cobrança de apoio junto aos seus
aliados, tornará lenta e até pouco eficiente face ao aumento contínuo da exploração do
homem.
4.2 A MUDANÇA DO ART. 149 DO CÓDIGO PENAL BRASILEIRO
Atendendo ao objetivo traçado pelo Plano Nacional para a Erradicação do Trabalho
Escravo, foi alterado no final de 2003, através da Lei n. 10.803/2003, o art. 149 do CPB.
A antiga redação, trazia em seu caput a seguinte menção: “reduzir alguém a condição
análoga à de escravo”. Surgia a questão sobre o que seria condição análoga a de escravo!
O antigo dispositivo era subjetivo por demasiado, dificultando muitas vezes a sua
aplicação e conseqüente condenação dos criminosos. A nova redação do art. 149 menciona:
reduzir alguém a condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a
trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições
degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua
locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto.
Observa-se que o dispositivo traz em seu caput a ação a ser praticada pelo criminoso
“reduzir alguém a condição análoga à de escravo” e as formas que o delito pode ser cometido
“quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio,
sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto”.
52
Nota-se que a nova redação se adequou à realidade do trabalho escravo
contemporâneo prevendo, dentre as formas de incorrer no delito, as práticas impostas pelos
criminosos ao fazerem uso de mão-de-obra escrava: submissão a jornadas exaustivas;
condições degradantes de trabalho como a ausência de alimentos, lugares impróprios para
alojamento, ausência de condições mínimas de higiene e saúde; e a proibição do trabalhador
deixar o local de trabalho em razão de uma suposta dívida adquirida, que na verdade não são
valores devidos pelo trabalhador, mas sim obrigações do tomador.
O parágrafo 1º da nova redação do art. 149 do CPB faz menção a outras duas
condutas que o sujeito ativo pode utilizar para praticar o crime:
I – cercear o uso de qualquer meio de transporte por parte do trabalhador,
com o fim de retê-lo no local de trabalho;
II – manter vigilância ostensiva no local de trabalho ou se apoderar de
documentos ou objetos pessoais do trabalhador, com o fim de retê-lo no
local de trabalho.
O bem jurídico tutelado é a liberdade individual e a dignidade do trabalhador. Aqui
pouco importa se há o consentimento do escravizado, o interesse é da sociedade, sendo
punido o infrator independente da existência do consentimento da vítima. O interesse do
criminoso na constituição da situação de fato é submeter alguém a realizar suas vontades e
não ter a propriedade sobre este. Não é condição para a ocorrência do delito o tratamento do
indivíduo como se fosse um bem da propriedade do escravocrata, mas suprimir o direito à
liberdade daquele atrelando-o a realizar suas determinações. Se o criminoso apenas privar a
liberdade do trabalhador cometerá o delito de seqüestro ou cárcere privado e não o descrito no
art. 149.
Qualquer um pode ser vítima e autor do delito, visto que é crime comum. Cezar
Roberto Bitencourt (2002, p. 455) comenta que se um funcionário público, no exercício de
sua função, privar a liberdade de alguém, submetendo-o a realizar seus mandos, incorrerá no
53
crime de abuso de autoridade previsto na Lei n. 4.898/65, pois “a relação que se estabelece
entre os sujeitos do crime não é, como diz no texto legal, análoga à existente entre o senhor e
o escravo, pois a liberdade deste paira sob o domínio do senhor e dono”.
O crime se consuma quando o agente pratica o tipo penal, reduzindo alguém a
condição análoga a de escravo, utilizando-se de alguma das formas previstas no caput ou
parágrafo 1º do dispositivo penal. A vítima tem que estar submetida à vontade de outrem,
ainda que tenha se apresentado voluntariamente. Segundo Bitencourt (2002, p. 458) não há a
configuração do delito se a redução for rápida, instantânea ou momentânea, podendo,
conforme o caso, ocorrer à tentativa.
A tentativa é possível por se tratar de crime material. Segundo Damásio de Jesus
(JESUS, 2004, p. 264) exemplo de tentativa seria quando o indivíduo está sendo transportado
para servir como se fosse escravo, e é interrompido ainda no momento do transporte.
A doutrina classifica o delito como sendo crime comum, simples, comissivo,
permanente, material e de forma livre.
A pena continua sendo de dois a oito anos de reclusão, no entanto, a Lei n.
10.803/2003 cumulou multa. A ação é pública incondicionada.
A nova redação dada pela Lei n. 10.803/2003 ao art. 149, inovou ao prever no
parágrafo 2º a possibilidade de aumento da pena nos casos em que o crime for cometido
“contra criança ou adolescente” (inciso I) e ou por “motivo de preconceito de raça, cor, etnia,
religião ou origem” (inciso II).
Certamente as modificações e inovações trazidas pela nova redação irão em muito
contribuir para o combate ao trabalho escravo. Esperamos que a atenção tida pelo legislador
seja correspondida nos tribunais. Campanhas e ações governamentais pouco adiantaram sem o
respaldo de nossos Tribunais.
54
A aplicação penal encontra atualmente problema na seara processual. Há um impasse
criado sobre qual a justiça, estadual ou federal, é a competente para julgar o delito do art. 149
do CPB.
4.3 CRIME DE PLÁGIO E O CONFLITO JURISDICIONAL
Uma das questões mais polêmicas na erradicação do trabalho escravo é o conflito de
competência. A discussão pauta-se no questionamento de ser a justiça estadual ou federal a
competente para julgar o delito previsto no art. 149 do CPB.
O artigo 69 do código de processo penal divide a competência através da observância
de três aspectos: a natureza do crime (ratione materiae), a qualidade das pessoas (ratione
personae), o local onde o delito foi praticado ou consumou-o, e ainda, a residência do autor.
Os delitos que a justiça federal tem competência para julgar estão previstos no art.
109 e incisos da constituição federal.
A discussão sobre a competência inicia-se logo quando se faz o estudo do art. 109.
Menciona o inciso VI do referido artigo que os crimes contra a organização do trabalho é de
competência federal. Pois bem, analisando exclusivamente tal inciso, fica claro que a
competência é dessa. Porém o STF, já definiu que o delito previsto no art. 149 do código
penal brasileiro não afeta a organização do trabalho, mas sim a liberdade individual. Aquele
Tribunal se manifestou quanto à temática em 1979, através da apreciação do recurso
extraordinário n. 90.042-SP. Segue a ementa:
conflito de competência. Interpretação do artigo 125, VI da Constituição
Federal. A expressão ‘crimes contra a Organização do trabalho’, utilizada no
referido texto constitucional, não abarca o delito praticado pelo empregador
que, fraudulentamente, viola direito trabalhista de determinado empregado.
Competência da Justiça Estadual. Em face do art. 125, VI, da Constituição
Federal, são da competência da Justiça Federal apenas os crimes que
ofendam o sistema de órgãos e instituições que preservem, coletivamente, os
direitos e deveres dos trabalhadores. Recurso extraordinário não
reconhecido.
55
Completando o entendimento já manifestado anteriormente, o antigo e extinto
Tribunal Federal de Recursos, em 1982 sumulou (súmula 115) que:
compete à Justiça Federal processar e julgar os crimes contra a organização
do trabalho, quando tenham por objeto a organização geral do trabalho ou
direitos dos trabalhadores considerados coletivamente.
Prosseguindo no estudo, e continuando a interpretar o art. 109 da constituição
federal, menciona o inciso III que a justiça federal compete julgar “as causas fundadas em
tratado ou contrato da União com Estado estrangeiro ou organismo internacional”. Ora a
proteção ao trabalhador, bem como a proibição de submeter pessoa humana à escravidão é
prevista nas convenções n. 29 e 105 da OIT, as quais o Brasil é signatário. Além das
mencionadas citamos ainda a Convenção sobre Escravatura de 1926 emendada pelo Protocolo
de 1953 e a Convenção Suplementar sobre a Abolição da Escravatura de 1956, todas
promulgadas pelo Decreto n. 58.563 de 1º de junho de 1966. Assim, fica novamente
evidenciada como sendo a justiça federal a competente.
A aceitação da justiça federal como a adequada, fica mais reforçada quando
observamos o disposto no inciso n. IV, do artigo 109 da carta maior:
os crimes políticos e as infrações penais praticadas em detrimento de bens,
serviços ou interesse da União ou de suas entidades autárquicas ou empresas
públicas, excluídas as contravenções e ressalvada a competência da Justiça
Militar e da Justiça Eleitoral.
O delito previsto no art. 149 do código penal brasileiro afronta o interesse da União
no momento que não observa direitos garantidos pela constituição como: a dignidade da
pessoa humana (art. 1º, III); os valores sociais do trabalho (art. 1º, inciso IV); o exercício livre
de qualquer trabalho, ofício ou profissão (art. 5º, inciso XIII); além de atentar contra a função
social da propriedade (art.5º, XXIII).
56
Outra observação que deve ser feita é que a expressão “crimes contra a organização
do trabalho” utilizada no art. 109 da constituição federal foi utilizada de forma ampla, para
que ao ser interpretada pudesse ser utilizada de forma ampla e não restrita, pois, se fosse de
interesse do poder constituinte restringir, já o teria feito.
O Supremo Tribunal Federal, devido à discussão que vem sendo travada com relação
ao tema, está analisando o recurso extraordinário impetrado pelo Ministério Público Federal
(RE n. 398041) contra acórdão do Tribunal Regional Federal da 1ª Região que declarou
incompetente a justiça federal para julgar o delito previsto no art. 149 do código penal
nacional. Até a data de 22 de março de 2005 o julgamento do recurso encontrava-se suspenso
após o pedido de vista feita pelo Ministro Gilmar Mendes durante sessão do dia 03 de março
de 2005. Até o presente momento há quatro votos pelo reconhecimento do recurso
extraordinário, devolvendo para o julgamento final da apelação contra dois votos pelo não
reconhecimento. De acordo com os votos momentâneos, o STF deve confirmar como sendo a
justiça federal a competente.
57
CAPÍTULO V
MEDIDAS GOVERNAMENTAIS PARA A ERRADICAÇÃO DO TRABALHO
ESCRAVO NO BRASIL
5.1 PLANO NACIONAL PARA ERRADICAÇÃO DO TRABALHO ESCRAVO
Em 11 de março de 2003, visando atender a compromissos assumidos por governos
anteriores, o presidente Luís Inácio Lula da Silva lançou o Plano Nacional para Erradicação
do Trabalho Escravo.
O plano foi elaborado pela Comissão Especial do Conselho de Defesa dos Direitos
da Pessoa Humana, concentrando em seu bojo 76 medidas a serem tomadas para a erradicação
do trabalho escravo no Brasil.
As propostas apresentadas estão alocadas em 7 grupos, divididos em conformidade
com a matéria e a área de atuação. Trata-se de medidas a serem cumpridas a curto e médio
prazo pelos diversos órgãos dos poderes executivo, legislativo e judiciário, bem como pelo
ministério Público e entidades da sociedade civil brasileira.
O Plano Nacional para Erradicação do Trabalho Escravo, apresenta uma série de
medidas a serem tomadas das quais destaca-se:
I. priorizar como metas do governo a erradicação e a repressão ao trabalho escravo;
II. incluir as principais cidades de emigração de mão-de-obra escrava no programa
do governo federal “Fome Zero” como forma de melhorar as condições de
subsistência do trabalhador e de sua família;
58
III. aumentar a pena dos crimes de sujeição de alguém à condição análoga à de
escravo e de aliciamento, além de incluir tais práticas penais entre o rol dos
crimes hediondos;
IV. aprovar a PEC 438/2001 que altera o art. 243 da Constituição Federal, passando
a autorizar a expropriação de terras onde forem encontrados trabalhadores
submetidos a condições análogas à de escravo;
V. aprovar o Projeto de Lei n. 2.022/1996, que proibe a contratação pelos órgãos
públicos, bem como entidades da administração pública, empresas e
estabelecimentos que utilizem direta ou indiretamente mão-de-obra escrava;
VI. impedir a obtenção e manutenção de crédito rural e de incentivos fiscais junto às
agências de financiamento quando comprovada a utilização de trabalho escravo
ou degradante;
VII. criar e manter banco de dados com informações para identificar empregado e
empregadores envolvidos, locais de aliciamento e ocorrência do crime e
identificar se os imóveis estão em área pública ou particular, se é produtiva ou
não a terra;
VIII. melhorar a estrutura administrativa do grupo de fiscalização móvel;
IX. melhorar a estrutura administrativa da ação policial;
X. melhorar a estrutura administrativa do Ministério Público Federal e do
Ministério Público do Trabalho;
XI. implementar política de reinserção social dos trabalhadores libertados de forma
que eles não voltem a ser escravizados;
XII. contemplar as vítimas com seguro desemprego e outros benefícios sociais em
caráter temporário;
59
XIII. implantar a Justiça do Trabalho itinerante nas cidades de imigração nos estados
do Pará, Mato Grosso e Maranhão;
XIV. informar aos trabalhadores sobre seus direitos e sobre a utilização de mão-deobra escrava, através dos meios de comunicação local, regional e nacional;
XV. incluir o tema de direitos sociais nos parâmetros curriculares nacionais.
Estas e outras medidas compõem o Plano Nacional para a Erradicação do Trabalho
Escravo. Muitas das propostas já foram e estão sendo executadas. Porém, algumas medidas,
cujo prazo para a realização previsto no plano foi curto, por tratar de matéria emergencial,
como a aprovação da PEC n. 438/2001, não foram realizadas.
A melhoria da estrutura administrativa da ação policial encontra-se em aguardo.
Reclamações por parte dos policiais engajados na causa surgem a todo o momento. As
principais reivindicações são em torno dos valores das diárias recebidas. Policiais relatam que
recebem apenas o valor de R$60,00 (Sessenta reais) por dia, para despesas durante a
fiscalização. O presente valor, segundo ainda informações dos próprios policiais, não cobre
nem o valor de hospedagem em pousadas de pouca infra-estrutura, colocando em risco a
segurança dos agentes, fazendo com que muitos completem do próprio bolso os valores
necessários.6
A proposta inicial do governo federal de erradicar o trabalho escravo até o final de
seu mandato (final de 2006) dificilmente será cumprida. Muitas medidas aclamam por serem
realizadas. Entidades de várias partes do mundo, como a ONG Anti-Slavery, já começaram a
cobrar atitudes mais eficientes do governo nacional em virtude dos compromissos assumidos
por este em 2003. A ONG, em seu site oficial7 criou um link onde os navegadores podem
mandar sua carta de protesto e cobrança ao governo Lula. O endereço de destinatário é o do
palácio do planalto.
6
7
Informação obtida em fevereiro de 2005.
ONG Anti-Slavery – www.antislavery.com
60
A mesma expectativa apresentada pelas entidades internacionais é a do povo
brasileiro. Espera-se que as promessas deixem de ser apenas promessas para passarem a ser
realidade.
5.2 A “LISTA SUJA” DO MINISTÉRIO DO TRABALHO E EMPREGO
Em novembro de 2003, o Ministério do Trabalho e Emprego, atendendo a
compromisso firmado no Plano Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo, editou uma
lista com o nome de empresários e empresas que utilizam mão-de-obra escrava. O objetivo é
informar aos órgãos públicos, entidades civis e à sociedade como um todo, sobre a forma de
trabalho utilizada nestas propriedades durante o desenvolvimento de suas atividades
econômicas.
Em outubro de 2004, o Ministro do Trabalho e Emprego Ricardo Berzoini assinou
portaria que criou o cadastro dos empregadores que tenham mantido trabalhadores em
condições semelhantes à de escravo.
Na primeira lista, havia 55 nomes. Em julho de 2004, foi publicada a segunda lista,
onde acrescentaram 49 novos sujeitos.
Em janeiro de 2005 foi lançada a terceira lista do Ministério do Trabalho onde há o
nome de 166 empresas ou empresários. A terceira lista, que hoje virou cadastro, é atualizada
semestralmente. Em sua última divulgação foram acrescidos 65 novos infratores, o que
corresponde a um aumento de 64% em relação à última lista onde havia 101 nomes. Os nomes
só vão para a lista depois de ocorrido o processo administrativo. Até esta terceira edição, já
havia o registro de mais de dez mil trabalhadores libertados durante as operações do grupo
móvel.
61
Nomes de políticos como o do Deputado Federal Inocêncio Oliveira (PFL-PE)
aparecem na lista. Em sua fazenda localizada no estado do Maranhão, foram encontrados 56
trabalhadores reduzidos a condição análoga à de escravo. Outro político que possui sua
propriedade na lista é o Deputado Estadual do Estado do Rio de Janeiro pelo PMDB, Jorge
Picciani. A fazenda do grupo empresarial do Deputado (Agropecuária Agrovás), localizada no
município de São Felix do Araguaia – MT, foi incluída no cadastro após a localização de 39
trabalhadores na propriedade trabalhando em condições degradantes. O deputado pagou o
valor de R$150.000,00 (Cento e cinqüenta mil reais) referente a dívidas trabalhistas.
Os irmãos de Paulo César Farias8, o ex-deputado federal Augusto Farias e Cleuza
Cavalcante Farias também figuram na lista. Os irmãos chegaram até a ser presos em fevereiro
de 2003, mas no dia seguinte conseguiram habeas-corpus.
O empresário Constantino de Oliveira, pai de Constantino de Oliveira Júnior,
presidente da Gol Linhas Aéreas aparece na lista como reincidente. O empresário já estava na
primeira lista em virtude de terem localizado na fazenda Colorado no estado do Pará, 23
trabalhadores em condição análoga à de escravo. A razão da reincidência e aparição na
terceira lista é por terem sido libertados 259 trabalhadores na fazenda Tabuleiro, Bahia, em
2003.
A inclusão no cadastro não é permanente. Para que o nome seja excluído da “lista
suja”, as empresas ou empresário passam por um monitoramento durante o período de dois
anos, não havendo nenhum débito trabalhista, nem reincidência, o nome é excluído.
Os efeitos de ter o nome incluído no cadastro são vários, mas os principais são ter a
imagem de sua atividade empresarial associada à utilização de mão-de-obra escrava e de
perder o direito de manter relações comerciais com o governo, suas entidades e autarquias. O
8
Ex-tesoureiro da campanha à presidente de Fernando Collor de Mello.
62
empresário também perde o direito a obtenção de linhas de créditos junto aos fundos de
financiamento do governo.
Muitos fazendeiros, em razão disso, estão entrando com o pedido de liminares na
justiça para terem o seu nome retirado da lista até o julgamento judicial. A Justiça Federal e
mais recentemente a Justiça do Trabalho, já atenderam positivamente o pedido de nove
empresários. 9
Os beneficiados com as liminares até o momento são todos grandes nomes do agronegócio como pode ser observado abaixo:
1. Fazenda Cabaceiras, da Empresa Jorge Mutran, no Pará. Principal atividade:
gado;
2. Fazenda Peruano, de Evandro Mutran, no Pará. Principal atividade: gado e
inseminação;
3. Fazenda Mutun, da Pinesso Agropastoril, em Mato Grosso. Principal
atividade: algodão;
4. Fazenda Pantera, de Nivaldo Barbosa. Principal atividade: gado;
5. Fazenda São José, de João José de Oliveira. Principal atividade: gado;
6. Fazenda Malu, da Agromon S.A., no Mato Grosso;
7. Fazenda Marabá, de José Pupin, no Mato Grosso. Principal atividade:
algodão;
8. Fazenda Sol Nascente, de Reinaldo Zucatelli, no Pará. Principal atividade:
gado.
Com o nome excluído da lista, o direito à obtenção a créditos volta, tornando
enfraquecida as ferramentas de combate ao trabalho escravo.
9
Dados obtidos em fevereiro de 2005.
63
CONCLUSÃO
Ao final do trabalho concluiu-se que a escravidão está diretamente ligada ao fator
econômico e ao sentimento de impunidade que ainda persiste no Brasil.
A escravidão contemporânea não está ligada a cor, raça ou etnia do indivíduo, mas a
uma série de fatores sociais como a ausência de condições de subsistência do trabalhador e de
sua família em sua região de origem. A falta de informações sobre seus direitos também
contribui para que ocorra a exploração. Os escravocratas utilizam-se da mão-de-obra escrava
com o objetivo único de ver aumentado cada vez mais seus lucros.
A impunidade é apontada como outro fator que contribui para a continuação desta
prática. A falta de penas eficientes como a perda da propriedade através da expropriação e a
condenação a penas que cerceiem a liberdade do infrator final, tornará sem valor a edição de
planos e campanhas de combate ao trabalho escravo. O meio mais eficiente de atingir o
infrator é punindo os seus bens maiores: a propriedade e a liberdade.
A aprovação do projeto de emenda constitucional que autoriza a expropriação da
propriedade dos infratores seria uma grande ferramenta para pôr fim a esta barbaria que ainda
permanece em nossos dias.
Discussões sobre a qual a justiça competente para julgar o crime de plágio só torna
mais lento o cumprimento da lei e a aplicação de sanções àqueles infratores. Medidas de
inserção como a criação de cooperativas nas regiões de emigração, proporcionando a geração
de renda aos trabalhadores e aos seus familiares, bem como a mobilização da sociedade para a
persistência desta chaga, contribuirão para abolirmos de vez esta mancha presente em nossa
história.
64
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