UNIVERSIDADE ESTADUAL VALE DO ACARAÚ
ESCOLA SUPERIOR DE MAGISTRATURA DO ESTADO DO CEARÁ
Curso de Especialização em Administração Judiciária
Lira Ramos de Oliveira
GESTÃO DO PROCESSO – CONCILIAÇÃO NAS VARAS CÍVEIS
COMO ALTERNATIVA DE SOLUÇÃO DE CONFLITOS
FORTALEZA – 2008
Lira Ramos de Oliveira
GESTÃO DO PROCESSO – CONCILIAÇÃO NAS VARAS CÍVEIS
COMO ALTERNATIVA DE SOLUÇÃO DE CONFLITOS
Monografia apresentada à Escola Superior da Magistratura
do Estado do Ceará como requisito parcial para a obtenção
do Título de Especialista em Administração Judiciária, sob
a orientação do professor, Flávio José Moreira Gonçalves.
Fortaleza – 2008
Lira Ramos de Oliveira
GESTÃO DO PROCESSO – CONCILIAÇÃO NAS VARAS CÍVEIS
COMO ALTERNATIVA DE SOLUÇÃO DE CONFLITOS
Monografia apresentada à Escola Superior da Magistratura do Estado do Ceará como
requisito parcial para a obtenção do Título de Especialista em Administração Judiciária, sob a
orientação do professor, Flávio José Moreira Gonçalves.
Monografia aprovada em: ______/_____/_____
Orientador: ______________________________________________________
Prof. Ms. Flávio José Moreira Gonçalves (UFC)
1º Examinador: ___________________________________________________
Prof. Esp. Francisco de Assis Filgueira Mendes (UFC)
2º Examinador: ___________________________________________________
Prof. Dra. Lília Maia de Morais Sales (UNIFOR)
Coordenador do Curso:
___________________________________________________
Prof. Dr. Pedro Carvalho de Oliveira Neto
Dedico este trabalho à minha filha
Ingra, esperança de um ser melhor.
AGRADECIMENTOS
Em primeiro lugar e acima de tudo, agradeço a Deus.
A Flávio José Moreira Gonçalves, orientador deste trabalho.
Aos amigos: Francisco de Assis Filgueira Mendes, Desembargador e Professor
Universitário; Francisco Artunani Martins, Mestre em Direito e Escritor; ä a amiga e comadre,
Herbene Nunes Moita e a uma amiga Keyvylane Abreu da Costa.
Aos meus irmãos Leblisvar, Leudo; Leuda e a meus sobrinhos Francileuda, Noeme
Karla, Ronaldo Ramos, Emilian, Leilton, Leonildo, Juliana, Ramon, Ramônia, Amélia, Roni,
C harles, Carlos Ramos
Á minha filha Ingra Técia Ramos Tavares, objetivo maior da minha própria vida e ao
seu pai Raimundo Júlio Tavares, amigo de todas as horas.
Ao Desembargador Rômulo Moreira de Deus, Diretor do Fórum Clóvis Beviláqua e VicePresidente do Tribunal de Justiça, pelo reconhecimento do trabalho Forense que compete a mim e
a minha equipe.
Á minha família laboral: Carlos Robério Tabosa Pinto, Juarez Aires Pereira Filho Paulo
José de Carvalho, José Willam Farias Sares, João Carlos Pires de Carvalho, Yara Ayres Abreu
Rocha e Francisco Roberto de Mendonça (conciliador voluntário).
Como acontece com este trabalho, não sei como concluir estes agradecimentos, dada a
vontade de referir tantas outras pessoas que, mesmo eventualmente, estimularam-me no
prosseguimento da missão.
“O que vale na vida não é o ponto de partida e
sim a caminhada. Caminhando e semeando
[...] no fim ter-se-á o que colher.”
(Cora Coralina)
“Ou nós encontramos um caminho, ou abrimos
um”
(Aníbal)
RESUMO
As críticas contra a morosidade da Justiça resultaram na criação dos Juizados Especiais Cíveis
e Criminais, mais céleres e eficazes, visando romper com a Justiça tradicional, com vertente
conciliatória na resolução dos conflitos de menor complexidade, desafogando a Justiça
comum. Ocorre que, por ser opção legal do autor da ação, na prática, essas ações estão sendo
ajuizadas de preferência na Justiça comum, nas varas cíveis, acarretando um acervo maior de
processos, dada a falta de celeridade dos Juizados Especiais.. A autora deste trabalho defende
que a competência para essas causas de menor complexidade deveria ser exclusiva dos
Juizados Especiais Estaduais, a exemplo dos Juizados Especiais Federais. Assim, as varas
cíveis tornaram-se híbridas, fazendo as vezes de Juizados Especiais, exigindo, pois, condições
de trabalho e a presença da figura de um conciliador. Não será apenas a reforma da lei que
solucionará o problema da morosidade; a verdadeira reforma passa pela mudança de
mentalidade dos operadores do Direito e dos jurisdicionados, com uso de meios alternativos
para solução dos conflitos, como a conciliação, mais eficaz que o modelo tradicional da
sentença. Não se deve esquecer que a solução para a morosidade da justiça passa,
necessariamente, pela adoção de um modelo adequado da gestão
Palavras-chave: Morosidade. Juizados Especiais. Gestão. Varas Cíveis. Conciliação.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO........................................................................................................................ 10
1 DEFINIÇÃO DE CONCILIAÇÃO....................................................................................13
1.1 FUNDAMENTOS DA CONCILIAÇÃO.................................................................. 14
1.1.1
Fundamentos antropológicos......................................................................... 14
1.1.2
Fundamentos filosóficos: a ética do discurso de Habermas ..........................17
1.2 CONCILIAÇÃO NO BRASIL..................................................................................19
1.3 CONCILIAÇÃO NO DIREITO COMPARADO ..................................................... 20
1.4 PRINCÍPIOS NORTEADORES DAS PRÁTICAS CONCILIATÓRIAS:
ORALIDADE, INFORMALIDADE, CELERIDADE, ECONOMIA
PROCESSUAL, SIMPLICIDADE, PRIMAZIA DA REALIDADE (CONFLITO
REAL VERSUS APARENT)....................................................................................24
2
1.4.1
Oralidade ....................................................................................................... 25
1.4.2
Informalidade ................................................................................................ 27
1.4.3
Celeridade...................................................................................................... 27
1.4.4
O princípio da primazia da realidade (conflito real versus aparente)............ 28
MEIOS ALTERNATIVOS DE SOLUÇÃO DE CONFLITOS......................................... 30
2.1
NEGOCIAÇÃO......................................................................................................... 31
2.2
ARBITRAGEM......................................................................................................... 32
2.3
MEDIAÇÃO.............................................................................................................. 34
3.4 CONCILIAÇÃO........................................................................................................35
3
GESTÃO DO PROCESSO ................................................................................................ 37
3.1 CRISE DA ADMINISTRAÇÃO DA JUSTIÇA.......................................................40
9
3.2 A EMENDA CONSTITUCIONAL N°. 45/2004: O TEMPO RAZOÁVEL DO
PROCESSO ...............................................................................................................45
3.3 CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA E A CONCILIAÇÃO............................. 48
3.4 CONCILIAÇÃO NA VARA CÍVEL........................................................................49
CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................................................55
REFERÊNCIAS ....................................................................................................................... 58
INTRODUÇÃO
O curso de Especialização em Administração Judiciária proporcionou uma visão
multidisciplinar aos participantes, especialmente aos magistrados, fazendo estes últimos
saírem do isolado munus de julgador e levando-os a atentar também para o de administrador.
Decorrência natural, a autora adere à discussão de temas alusivos à formação de magistrados,
os quais rompem com a tradicional forma de resolução de conflitos, via sentença judicial,
orientada para decisão, mas oferecendo alternativas outras, como a conciliação.
A escolha do tema vincula-se às funções de Juíza da autora, permitindo contrapor ou
justapor à teoria a prática emergente dos casos concretos. O tema escolhido tem aspectos
transdisciplinares, exigidos pela nova visão do mundo globalizado. Dessa forma, além de sua
utilidade para partes litigantes, segundo suas vontades, o presente estudo tem também
relevância no processo de redução da morosidade da Justiça, na medida em que ousa ofertar
mecanismos informais, em substituição ao formalismo burocrático que eiva o processo
judicial de atos e despachos protelatórios, infindos, dificilmente conclusivos.
A autora do presente trabalho tem afinidade com práticas conciliatórias na qualidade de
Juíza de Direito, durante seis anos na 6ª Unidade do Juizado Especial Cível e Criminal
alencarino, continuando essa prática em Vara Cível.
Como reforço a essa nova visão de um processo-meio (nunca um fim em si mesmo), a
Constituição Federal determinou a criação dos Juizados Especiais, em cujo funcionamento
inseria-se a conciliação como etapa anterior e, conforme o caso, substitutiva da sentença, em
sua função tradicional. Tem sido assim, desde 1995, com a criação dos Juizados Especiais
Estaduais, ensejando o apelo crescente à conciliação, sobretudo porque sua utilização
contribui significativamente para redução da morosidade dos serviços judiciários. Ocorre que,
por ser opção legal do autor da ação, na prática, essas ações estão sendo ajuizadas de
preferência na Justiça comum, nas varas cíveis, acarretando um acervo maior de processos,
dada a falta de celeridade dos Juizados Especiais
11
A conciliação faz surgir um novo horizonte, um novo modelo de solução para os
conflitos, baseado no consenso, no diálogo, e no uso do bom-senso.
Seja por seu caráter inovador, seja pelo ineditismo dos seus encargos, o Conselho
Nacional de Justiça também tem desencadeado muitas alterações no universo do Judiciário,
repercutindo no próprio comportamento de cada magistrado, ao instituir em todo país, a
Semana Nacional de Conciliação (dia 3 a 8 de dezembro/2007), como forma de estimular as
práticas conciliatórias.
Com a mudança de mentalidade dos operadores do Direito, será quebrado o paradigma
de que a sentença é a única forma de resolução de conflitos, sendo hora de assunção e
compreensão de outra faceta, qual seja a missão do juiz conciliador, para promoção de uma
cultura de paz social.
A morosidade da Justiça, confrontada com a quebra de paradigma de que a sentença é a
única forma de solução de conflitos, fez com que surgissem formas alternativas para a busca
de solução, tais como: negociação, mediação e arbitragem (no âmbito extrajudicial), às quais
se adiciona a conciliação, como forma judicial de solução de conflitos. Deve-se entender,
contudo, que o uso dessas formas alternativas também pode ajudar a desafogar o Judiciário,
não a esvaziá-lo ou substituí-lo.
Pode-se oferecer à reflexão dos que, direta ou indiretamente, ligam-se à Administração
Judiciária, a seguinte afirmativa: o grande vilão da morosidade da justiça é o próprio processo
judicial, jungido a uma extensa variedade de regras formais, burocráticas, visando, muito
mais, à entronização desse mesmo processo como um fim em si mesmo.
O ponto crucial deste trabalho é descobrir fórmulas de conciliação aplicáveis aos
conflitos apresentados em varas cíveis. É lógico e natural esperar que as pessoas se entendam
de forma racional, não apenas sentimental, dando-se conta de que dispõem de mecanismos
para solução mais rápida dos conflitos, mediante o uso do diálogo e a evolução para a
conciliação. Daí convém entender ou reconhecer que não é, unicamente, a justiça a
responsável pela morosidade processual. O juiz decide sobre conflitos em casos concretos,
não podendo, contudo, responder pelos aspectos psicológico, sociológico e político.
O ponto crucial deste trabalho é descobrir fórmulas de conciliação aplicáveis aos
conflitos apresentados em varas cíveis. É lógico e natural esperar que as pessoas se entendam
12
de forma racional, não apenas sentimental, dando-se conta de que dispõem de mecanismos
para solução mais rápida dos conflitos, mediante o uso do diálogo e a evolução para a
conciliação. Daí convém entender ou reconhecer que não é, unicamente, a justiça a
responsável pela morosidade processual.
Os objetivos do presente trabalho, centram-se no seguinte: exame da conciliação,
analisando seus fundamentos e enfatizando-a como alternativa para solução dos conflitos a
partir da nova mentalidade de justiça consensual. Visa-se, aqui, à quebra de paradigma para a
nova forma de resolução dos conflitos, tendo em vista a deficiência nesta seara nos campos
cultural, antropológico, filosófico, político, econômico e social.
Neste trabalho, foram utilizados levantamento bibliográfico e casos concretos
vivenciados pela autora, em sua função de magistrada. Para alargar as referências,
inicialmente, foram feitas consultas à legislação, à doutrina, a dissertações, jornais e revistas.
Dividiu-se o trabalho em três capítulos. O primeiro, sobre definição de conciliação e
seus fundamentos antropológicos e filosóficos; histórico da conciliação e princípios
norteadores das práticas conciliatórias. O segundo trata dos meios alternativos de solução de
conflitos: negociação, arbitragem, mediação e conciliação. No terceiro, aborda-se a gestão do
processo, enfocando aspectos da morosidade da Justiça; a Emenda Constitucional 45/2004 (o
tempo razoável do processo); Conselho Nacional de Justiça e a Conciliação nas Varas Cíveis.
1
DEFINIÇÃO DE CONCILIAÇÃO
Os romanos denominavam conciliatrix a senhora que aproximava os esposos separados;
juridicamente, o vocábulo conceitua a autocomposição do conflito de interesses, graças à
colaboração de um terceiro, chamado conciliator, limitando-se à aproximação das partes para
que se encontre a solução amigável, ou indo além, fazendo ele mesmo uma proposta concreta
de conciliação, a qual, uma vez aceita pelos interessados, porá fim ao conflito.
Por ‘Conciliação’, palavra derivada do latim conciliatio, de conciliare (atrair,
harmonizar, ajuntar), entende-se o ato pelo qual duas ou mais pessoas, desavindas a
respeito de certo negócio, põem fim à divergência amigavelmente. Entretanto,
tecnicamente, tanto pode indicar o acordo amigável, como o que se faça
judicialmente mediante transação, que termina o litígio. 1
No Direito Internacional Público, a conciliação é definida por Saint-Seine como um
modo de solução pelo qual está confiada a um órgão especialmente designado para tal fim,
que, após esclarecer as questões litigiosas, se esforçará por conciliar as partes e proporá uma
solução. Existem cinco meios fundamentais para resolver conflitos internacionais: arbitragem,
solução judiciária, mediação, procedimento especial perante a Sociedade das Nações e o
recurso a uma condição de investigação e de conciliação.
Couture define conciliação como forma de procurar acordo amigável para evitar o
processo.
Conciliar significa harmonizar, pôr em acordo, o que constitui o objetivo de quem se
dispõe a pacificar duas ou mais pessoas em conflito. A conciliação é, também, uma
forma de resolução de controvérsias na relação de interesses, administrada por um
conciliador, a quem compete aproximá-las, controlar as negociações, aparar as
arestas, sugerir e formular propostas, apontar vantagens e desvantagens, objetivando
sempre a composição do conflito pelas partes. A conciliação tem suas próprias
características onde, além da administração do conflito por um terceiro, este mesmo
concilador, diferentemente do mediador, tem a prerrogativa de poder sugerir um
possível acordo, após uma criteriosa avaliação das vantagens e desvantagens. Na
conciliação o acordo é buscado com a presença e o diálogo das partes. 2
1
DE PLÁCIDO E SILVA. Vocabulário Jurídico. Rio de Janeiro: Forense, 1982. v. I.
COUTURE apud LEITE, Eduardo de Oliveira (Coord.). Grandes temas da atualidade. Mediação, Arbitragem
e conciliação. Rio de Janeiro: Forense, 2008. p.25- 26.
2
14
1.1 FUNDAMENTOS DA CONCILIAÇÃO
O ponto crucial deste trabalho é descobrir fórmulas de conciliação aplicáveis aos
conflitos apresentados em varas cíveis. É lógico e natural esperar que as pessoas se entendam
de forma racional, não apenas sentimental, dando-se conta de que dispõem de mecanismos
para solução mais rápida dos conflitos, mediante o uso do diálogo e a evolução para a
conciliação. Daí convém entender ou reconhecer que não é, unicamente, a justiça a
responsável pela morosidade processual. O juiz decide sobre conflitos em casos concretos,
não podendo, contudo, responder pelos aspectos psicológico, sociológico e político.
1.1.1 Fundamentos antropológicos
Nas sociedades primitivas, os chefes das famílias eram, ao mesmo tempo, pontífices e
jurisconsultos, confundindo-se religião e direito. A solução amigável surgia em função dos
interesses religiosos e políticos. Era a própria religião aplicada às relações dos homens entre
si.
No campo antropológico, analisa-se o ser humano nas facetas masculina e feminina,
pois conforme ensina Maria Helena de Paula Osterne e Maria do Socorro Ferreira, nessas
áreas notam-se influências ideológicas pela produção sociológica e antropológica sobre a
multiplicidade do homem: “a família tem uma influência ideológica, demonstrada pela
produção sociológica e antropológica sobre sua multiplicidade. [...] Sua identidade parece
estar muito mais em seu sexo do que no que ele é, ou seja, como ele pensa, age e sente”. 2
Ora, urge perquirir os aspectos masculino e feminino no ato de julgar; como aplicar leis
recentes e inovadoras (por exemplo: Lei Maria da Penha) com a mentalidade machista?
Abraham H. Maslow aduz que:
[...] a agressão, a hostilidade, a discórdia, o conflito, a crueldade, o sadismo, são
experiências comuns e, talvez, universais. Suponho que o comportamento agressivo
possa ser encontrado em todas as pessoas, seja como realidade ou possibilidade.
Suponho que a qualidade de agressão mude acentuadamente, quando progredirmos
da imaturidade. [...] para a maturidade pessoal e a liberdade, a qualidade dessa
agressão transforme-se em indignação reativa ou justa e em auto-afirmação,
resistência à exploração e dominação, em paixão pela justiça.3
2
OSTERNE, Maria Helena de Paula; FERREIRA, Maria do Socorro. Família, gênero e geração: temas
transversais. Fortaleza: UECE, 2004. p.33.
3
MASLOW, Abraham H. apud CHARNY, Israel W. Anatomia do Genocídio. Uma psicologia da agressão
humana. Tradução de Ruy Jungmann. Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos, 1998. p. 101.
15
A maior tentação do homem é o poder. A autoridade é inerente ao poder; daí vem a
fragilidade e inconstância humana. Impõe-se a necessidade de as instituições imporem limites,
ordem e paz social, evitando o caos.
Ensina Fabio Nadal, sobre as necessidades das instituições, elencando-as em familiares,
educativas, econômicas, políticas e culturais:
No enfoque antropológico, o ser humano necessita criar instituições para coordenar
suas ações. O ser humano, portanto, vivencia, simultaneamente, dois mundos: o
mundo da natureza (ordem do ser) e o mundo da cultura, ordem do dever ser. A
incompletude ontogenética, associada a abertura (cognitiva) para o mundo, impõe-se
ao ser humano, a necessidade das instituições como base a um consenso sobre o
certo ou o errado, o justo e o injusto, o que vale e não vale; garantindo a segurança
nas relações entre os homens, para evitar o arbítrio na sociedade, são estatuídas as
instituições. As condutas humanas somente serão consideradas relações sociais se,
no processo de interação social, houver um compartilhamento de sentidos de molde
a propiciar a coerência significativa do diálogo, atitudes e atuações dos atores. A
ausência das instituições eliminaria a possibilidade de sociabilidade e remeteria os
seres humanos à desorientação, à anomia, à crise de identidade, à desrealização.4
A abordagem holística apresenta uma visão integral do homem, relacionando-o a todas
as formas de vida. Nessa esteira, o Direito é visto relacionado com a ética em seus aspectos
mais amplos. Paulo Roney Ávila Fagúndez, diz:
a visão holística traz uma postura crítica, mas, ao mesmo tempo, uma nova visão de
mundo. O Direito somente terá futuro se aproximar da ética, promover a estética,
enfim, se humanizar [...] Ou o homem do terceiro milênio estará comprometido com
a natureza ou não se terá mais vida. O modelo racional da ciência se esgotou. O
modelo newtoniano-cartesiano se acabou, mas não significa que haja a necessidade
de um outro, para substituí-lo. O sistema jurídica necessita, pois, de mudança de
postura de seus atores. Devem-se deixar de lado os modelos, sentir a vida. Domá-la
é impossível. Para isso é preciso resgatar uma pedagogia total, uma pedagogia do
novo, uma pedagogia existencial do processo educacional. O holismo surge como a
mais completa leitura da realidade da vida, sem no entanto, desconsiderar as partes
do grande corpo. É sobretudo, o casamento da racionalidade com a poesia, da
ciência com o misticismo [...]. O que se busca é o resgate da sensibilidade, o
reconhecimento do desejo, a consciência de que a racionalidade é útil, mas não pode
ser endeusada. Enfim, de que somos seres que sonham, que sofrem, que procuram a
loucura da poesia. A ética holística tem um compromisso com o futuro da
humanidade para um mundo melhor, para que possamos viver em paz. Para isso
precisamos romper com o positivismo. Até parece que a poesia é desnecessária, ou
que a racionalidade é suficiente para que sejamos felizes. Mas, ma realidade, somos
atores, poetas, pobres sonhadores sem espaço para sonhar. A ética nova contribui
para que se tenha uma ciência livre, mais espiritualizada, mais comprometida com as
nossas utopias. Enfim, uma ciência de totalidade, que veja o homem inteiro, vale
dizer, umbilicalmente ligado ao cosmos comprometido com a sua completude.5
4
NADAL, Fábio. A Constituição como mito: O mito como discurso ligitimador da Constituição. São Paulo:
Método, 2006.
5
MONDARDO, Dilsa; FAGÚNDEZ, Paulo Roney Ávila (Org.). Ética holística aplicada ao direito.
Florianópolis: OAB/SC, 2002. p. 11-15.
16
Levando em conta o fator primordial do ser humano, que é a educação continuada,
lembra Claudino Piletti:
A filosofia, como reflexão radical sobre todos os domínios da existência humana,
coloca primeiro, no que concerne à educação, estas questões fundamentais: O
homem necessita ser educado? Pode ser educado? O que é a educação? A educação
pode ser instrumento de libertação do homem? [...]. Não há coisa mais nobre que
educar. Sou educador porque sou apaixonado pelo homem. A educação é a base de
uma sociedade democrática. [...] A educação, sem dúvida alguma, também integra o
processo de dominação. E não é só através do currículo explícito (referente à
transmissão do saber do aluno), mas principalmente através do currículo oculto
(referente à transmissão de valores) que a escola integra o processo de dominação.
Mas a escola, por outro lado, pode integrar o processo de resistência a essa
dominação e de sua superação, contribuindo significativamente para uma prática
social que seja transformadora. 6
Assim, a educação está na raiz de todos os problemas. A profissão de magistrados, entre
outras, como o magistério, exige quase sempre uma atuação devotada, podendo trazer
dificuldades para quem a desempenha sem a vocação. O ensino, em geral, é voltado para a
informação e não para formação do homem.
Henrique L. M. Torres7, ressalta a importância do acordo como forma de
relacionamento social. Psicologia e Direito confundem-se quando o tema é acordo. A relação
da Psicologia com o Direito é mais do que colaborar como um instrumento de perícia na
produção de uma sentença. A realidade é a primeira grande lei à qual temos de nos submeter”.
O homem, então, aceita o limite à satisfação de seus desejos, para, continuar tendo tais
desejos atendidos dentro da realidade. É um grande acordo. Um mau acordo entre essas
partes, provoca neurose, distúrbio patológico. Portanto, saúde mental é o resultado de um bom
acordo entre desejo e fantasia, de um lado, e lei e limite, de outro.
Levando–se em conta o aspecto psicológico, encontra-se em Lídia Reis de Almeida
Prado, bibliografia poucas vezes encontrada nos meios jurídicos, um aspecto psicológico do
juiz no ato de julgar.
Degundo Frank, as normas gerais seriam apenas um dos ingredientes presentes na
sentença. É que, enquanto o juiz não se pronunciar sobre o processo, não se pode
dizer que se tenha ou não direito sobre o objeto da ação. Portanto, o Direito
aperfeiçoa-se, adquire realidade, não devido à exclusiva interpretação de velhas
regras abstratas, mas também pela ação de seres humanos concretos, cuja mente
funciona como a dos demais seres humanos [...]. O aspecto importante na sentença,
embora não o único – continua o autor -, é a personalidade do juiz, sobre a qual
influem a educação em geral, a educação jurídica, os valores, os vínculos familiares
6
PILETTI, Claudino. Filosofia da educação. São Paulo: Ática, 1991. p.20 - 21.
TORRES, Henrique L. M. Apresentação. In: SOUSA NETO, João Baptista de Mello e. Mediação em juízo:
Abordagem prática para obtenção de um acordo justo. São Paulo: Atlas, 2000.
7
17
e pessoais, a posição econômica e social, a experiência política e jurídica, a filiação
e a opinião política, os traços intelectuais e temperamentais. Pode controlar as
indevidas influencias desses fatores, se forem inconscientes, a boa disposição que os
juízes tiverem para se auto-analisarem, adquirindo consciência de cada um deles
[...]. É evidente que a uniformidade e a certeza do direito se debilitam na medida em
que as personalidades dos juízes não são idênticas, e na medida em que os juízes não
têm iguais hábitos mentais e emocionais.8
Face a tal entendimento, é de suma importância o perfil e a experiência do magistrado
para a aplicação do ordenamento jurídico.
No plano sociológico, a própria Lei de Introdução ao Código Civil, artigo 5º, aduz que
“na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem
comum”..
Atualmente, na perspectiva do pós-positivismo e da constitucionalização do Direito, os
quais ressaltam que a Constituição e as Leis são apenas textos que têm validade jurídica no
caso concreto conforme a aplicação, combate-se o positivismo de Kelsen ao dizer que o
Direito é aquilo proferido pelo Juiz, enfocando-o como Legislador. Realmente, o magistrado
exerce papel legisferante, quando, utilizando a interpretação da tópica, aplica a lei no caso
concreto.
1.1.2 Fundamentos filosóficos: a ética do discurso de Habermas
Segundo a Ética do Discurso ou comunicativa, na visão de Habermas, o critério da
verdade é o consenso dos que argumentam. Ele denomina regras pragmáticas as regras da
linguagem que fazem, especialmente, parte da comunicação e, sobretudo, do discurso, para
diferenciá-las das regras de semântica (regras de significado).
[...] a ação comunicativa em diferença com a ação teleológica, orienta-se por normas
intersubjetivamente válidas, que vinculam as expectativas recíprocas de
comportamentos dos sujeitos inseridos num processo de interação. O que caracteriza
uma ação comunicativa é que ela se executa pressupondo a validade da fala. Ora, é
precisamente a aceitação recíproca de pretensões de validade que gera o consenso
indispensável ao processo de entendimento mútuo, no desenvolvimento da reflexão
consciente teórica e prática do homem.9
Tratando da abordagem holística aplicada à Magistratura, Carlos Alberto Pereira de
Castro, ensina:
8
PRADO, Lídia Reis de Almeida. O juiz e a emoção. 3. ed. Campinas: Millennium, 2005. p.18.
OLIVEIRA, Manfredo Araújo de. Ética e racionalidade moderna. São Paulo: Loyola, 1993. p.28. Coleção
Filosofia.
9
18
a concretização do ideal de justiça depende da mudança de postura dos juízes
perante a realidade social. O Juiz com visão holística não vê no Direito
compartimentos fragmentados do conhecimento. Compõe-se numa visão mais
ampla, não só o Direito como norma formal, nem mesmo os princípios que norteiam
a ordem jurídica, mas também as noções fundamentais de ciências ligadas, de uma
forma ou de outra, à concepção do justo, como a sociologia, a história, a psicologia,
a economia. Compõe-se seus estudos não somente da doutrina dogmática e da
jurisprudência, mas assenhora-se de ensinamentos filosóficos, e está em sintonia
com o seu tempo, a fim de manter a sensibilidade aos fatos sociais e às relações
humanas. Não é um mero aplicador do Direito. Em cada caso concreto visa, antes de
mais nada, de forma paciente, à composição amigável, conclamando os demais
operadores a auxiliá-lo nessa missão. Não obtendo êxito, instrui o feito, imbuído no
espírito de busca da verdade real, aplicando a justiça ao caso concreto, e não
somente na lei escrita, como forma de pacificação social, e não de perenização do
conflito.10
Os fundamentos da conciliação passam pela teoria da ética do discurso por intermédio
da interação verbal; caminha-se para o diálogo. O alvo da conciliação não é o acordo, mas a
verdade real do conflito, perseguida até pelo desabafo. Conciliador faz as vezes de terapeuta,
pois as pessoas vão ao terapeuta para desabafarem; o desabafo alivia a alma e, embora não
haja acordo, as partes contam sua história e pela via da argumentação, eliminam-se fatores
que poderiam perturbar o diálogo, colocando-se as pessoas em situações iguais, diante de um
observador imparcial.
A ética do discurso não aponta apenas as condições restritivas da realização individual e
coletiva da felicidade, mas também as ideais condições à compreensão e à cooperação entre
os indivíduos e os grupos, à proporção que indica uma regulação discursivo-consensual dos
problemas. Neste sentido, é uma ética universalista, a partir de consideração dos homens
participantes de iguais direitos e deveres, refletindo as formas de vida individuais e coletivas.
A conciliação também tem suas raízes filosóficas na maiêutica socrática, permitindo que as
partes resolvam suas querelas e, assim, alcancem a satisfação, em vez de aderirem ao modelo
tradicional, conflitual.
O instituto milenar do direito chinês, baseado na filosofia de Confúcio, sob o nome de
shuo full, que presume a persuasão pelo diálogo, que tem início no lar, chega à rua, ao bairro,
e se transforma numa grande assembléia, visando demover os litigantes, pois que apenas as
pessoas despidas de bom-senso é que recorrem ao Judiciário.11
10
CASTRO, Carlos Alberto Pereira de. Falando sobre Ética. In: MONDARDO, Dilsa; FAGÚNDEZ, Paulo
Roney Ávila (Org.). Ética holística aplicada ao Direito. Florianópolis: OAB/SC, 2002. p.130.
11
LAGRASTA NETO, Caetano. Mediação, conciliação e suas aplicações pelo Tribunal de Justiça de São Paulo.
In: GRINOVER, Ada Pelegrini; WATANABE, Kazuo; LAGRASTA NETO, Caetano (Coord.). Mediação e
gerenciamento do processo: revolução na prestação jurisdicional. Guia prático para a instalação do setor de
conciliação e mediação. São Paulo: Atlas, 2007. p. 2.
19
1.2 CONCILIAÇÃO NO BRASIL
A Constituição Imperial de 1824, previa a conciliação, em seu artigo 161, verbis: “sem
se fazer constar que se tem intentado o meio da reconciliação, não se começará processo
algum”, e em seu artigo 162: “para esse fim, haverá Juízes de Paz”, cargos criados por lei, em
1827, para conciliar as partes. Os termos de conciliação passaram a ter força de sentença, com
decreto de 1829.
O Regulamento nº. 737, de 25.11.1850, admitiu a importância da conciliação, nos arts.
23 a 38. Nenhuma causa comercial será proposta em juízo sem que previamente se tenha
tentado a conciliação, por ato judicial ou por comparecimento voluntário das partes.
O Decreto nº. 359, de 26.04.1890, no governo Deodoro da Fonseca, aboliu a
conciliação.
A Constituição de 1967 determinou o surgimento dos Juizados de Pequenas Causas,
criados pela Lei 7.244 de 1984. Em 1982, magistrados gaúchos já haviam criado conselhos de
conciliação e arbitragem.
O preâmbulo da Constituição atual expressa compromisso, no âmbito interno e
internacional, com a solução pacífica de controvérsias.
A atual Constituição, em seu art. 98, inciso I, determina a criação dos Juizados
Especiais Cíveis e Criminais, para conciliação de causas cíveis de menor complexidade (até
quarenta salários mínimos) e infrações penais de menor potencial ofensivo. O inciso II, do
referido artigo, menciona que, na forma da lei, o juiz de paz poderá exercer atribuições
conciliatórias, sem caráter jurisdicional, além de outras previstas na legislação. Ainda não
existe Lei sobre juiz de paz.
O Código de Processo Civil menciona a conciliação em seus artigos 125, 331 e 447.
Ressalte-se que, com a novel redação da Lei 10.444, foi acrescentado o parágrafo 3º ao art.
331, não havendo mais a obrigatoriedade da audiência preliminar para tentar conciliar as
partes, dependendo da apreciação do juiz do caso concreto.
20
1.3 CONCILIAÇÃO NO DIREITO COMPARADO
A conciliação é idéia muito antiga, exercitada, já, entre sumerianos, hebreus, gregos e
romanos. 12
Sebastião de Souza diz que o instituto já vigorava no direito português, antes das
Ordenações. No direito anterior às codificações reinícolas, nas normas estabelecidas nos
forais, já se encontrava a figura do aviador, que exercia funções semelhantes às dos juízes de
paz.
Situa-se a conciliação, primeiramente, na Suméria antiga, civilização erguida na
Mesopotâmia, aproximadamente cinco mil anos antes de Cristo, hoje região que abrange Irã e
Iraque, na Ásia. A Suméria foi dominada por Hamurabi, no ano 2800 antes de Cristo.
Conforme o costume, o povo conquistado recebia o direito do conquistador, donde a
imposição do Código de Hamurabi: “cada caso era primeiramente submetido a um arbitrador
público, cuja função consistia em reconciliar as partes”.
O episódio bíblico de Jacó e Labão (Gênesis XXX: 24-43, XXXI: 1-31) além dos
poderes conferidos a Moisés, revela a existência da conciliação entre os Hebreus. No livro do
apóstolo Mateus está: "entra em acordo, sem demora, com o teu adversário, enquanto estás
com ele a caminho, para que o adversário não te entregue ao Juiz, o Juiz ao oficial de justiça e
sejas recolhido à prisão".
A Grécia recebe o instituto da conciliação da Suméria, pois entre os gregos existiam
funcionários com o "encargo de examinar os fatos motivadores do litígio e tentar convencer as
partes de que deviam transigir eqüitativamente suas diferenças".
Na obra de Homero - A Ilíada- as disputas entre os guerreiros acabavam por meio da
conciliação: Aquiles, herói lendário, reconcilia-se com os chefes gregos, após decidir vingar a
morte do amigo Pátroplo. Em Esparta, havia vários tipos de conciliadores: Amorsini,
encarregado de vigiar os costumes das damas; Predononi fiscalizava os jovens; Empelori
fiscalizava junto aos mercados; e os Diéteti, juizes públicos chamados para solucionar os
conflitos.
12
CARDOSO, Antônio Pessoa. Justiça Alternativa: Juizados Especiais (Anotações da lei nº. 9.099/95 (Aborda
a Origem da Conciliação). Belo Horizonte: Nova Alvorada, 1996. p.94-95.
21
A Lei das Doze Tábuas diz: “se as partes entrarem em acordo, em caminho, a causa está
encerrada.”
Platão apontava a conciliação como recurso para diminuir e abreviar as lides,
recomendando-a como meio de substituir a ira pela mansidão, o ódio pelo amor, a incerteza
pela tranqüilidade, assegurando a paz e a ordem aos cidadãos e às famílias.
Cícero, célebre orador latino, afirmava ser a paz o primeiro desejo do coração, ali
estando depositada a felicidade humana. Dizia que o homem honesto e racional, seguidor das
leis de seu país, pensa primeiramente em compor possíveis desavenças com seu adversário.
Entendia o grande tribuno ser a conciliação um ato de liberdade.
Em Roma, o monumento mais belo, levantado em memória de César, foi uma coluna,
aos pés da qual, em nome do pai da pátria, o povo acudia para dirimir, amigavelmente, os
litígios.
Calígula, extravagante imperador romano, deu golpe no instituto da conciliação, ao criar
o imposto de 40% (quarenta por cento) sobre o valor das causas, espécie de taxa judiciária
destinada a punir a solução amigável dos litígios, classificando-a como contravenção, fraude
contra o erário. Tencionava conter a grande crise econômica de seu governo, arrecadando
mais, mediante custas judiciais.
As Ordenações Afonsinas, nos antigos Códigos de leis dos portugueses e as Manuelinas
recomendavam aos juízes, buscar, junto às partes, a concórdia, não de necessidade, mas de
honestidade.
Modernamente, a Holanda foi o primeiro país a instituir oficialmente a conciliação em
suas leis.
No sistema norte-americano, diferentemente do brasileiro, há júri para as causas cíveis.
Na Califórnia, nos tribunais de pequenas causas, Colorado, Idaho, Ilinois, Kansas, Michigan,
Minnesota, Nebraska, Washington e outros Estados, não é permitida a assistência de
advogados, enquanto em Nova Iorque é opcional. Taylor esclarece: a intervenção do julgador
supera a eventualidade de que uma parte possa ser incapaz de expor sua própria versão dos
fatos e, na realidade, as partes se expressam bem, uma vez que se sintam à vontade e
envolvidas no procedimento. Não obtendo conciliação, um dos árbitros decide o litígio, sem
possibilidade de recurso, salvo se as partes não abrirem mão da reapreciação, caso recurso,
22
que não excede a 1% (um por cento). A execução é processada extrajudicialmente, por meio
de funcionário municipal, Sheriff's Office. Grande é o número de decisões que não poderão
ser satisfeitas e, aí, reside a falha do juizado. A conciliação é proposta no início da audiência
e, não logrando êxito, seguir-se-á arbitragem ou sentença. Somente pessoas físicas, maiores
de dezoito anos, têm acesso, na condição de reclamante, à Small Claims Court, apesar de
alguns Estados permitirem o acesso de empresas. O impedimento é em função da natureza
popular da corte, a fim de evitar o acúmulo de causas. Ademais, a pessoa jurídica tem
condições econômicas para acesso à justiça comum. Na audiência, o Juiz explica o
funcionamento e objetivo do juizado, convida as partes para acordo ou, se for o caso, aceitarem a
arbitragem.
Na Alemanha, o juizado de pequenas causas é para apreciar questões de menor
expressão econômica das decisões proferidas pela corte local a que concorrem recursos para a
corte distrital. A experiência na justiça alemã, denominada Modelo de Stuttgart, desde a
década de 60, busca a solução para o litígio por meio de diálogos em audiências entre
advogados e juízes, sobre matérias de fato e de direito. A decisão ocorre normalmente em seis
meses e funciona da seguinte forma: a reclamação do autor é recebida e imediatamente
transmitida ao réu, para responder em três semanas; designada a data de debate oral, com a
participação das partes, advogado, juízes e testemunhas, membros do Tribunal retiram-se para
exame da questão, oferecendo, a seguir, sua opinião, por meio de um projeto de sentença.
Debatem e chegam, em 80% dos casos, a uma composição.
No Japão, após a Segunda Guerra Mundial, foram criadas as Summary Courts, em
substituição às Country Courts, com competência para causas de valores inferiores a 300000
yens. Desnecessária a presença de advogado, e a inicial é apresentada oralmente. As
comunicações, citações, intimações são feitas por qualquer meio idôneo. Predomina o
princípio da oralidade, residindo a inovação no depoimento testemunhal, que pode ser feito
por escrito, dispensado o comparecimento à corte. O julgamento é feito, não necessariamente,
por Juiz togado, mas por alguém que terá de ser bacharel em Direito, auxiliado por um leigo,
denominado comissário judicial. No Japão existem cortes de conciliação compostas de três
membros, sendo dois leigos e um Juiz. Um dos litigantes pode requerer a conciliação ou um
Juiz pode enviar a questão à corte. Cada tribunal cria sua junta de conciliação para resolver
questões de família e de acidentes com veículos, com pleito indenizatório.
23
No México, o juizado das pequenas causas data de 1913. A lei orgânica dos tribunais foi
reformada em 1975, quando se fixou competência para litígios cujo valor não exceda o limite
de cinco mil pesos. Jueces menores ou justiça de paz é, na verdade, a justiça de mínima
quantia mexicana. O Juiz de paz é representado por qualquer cidadão, bacharel em Direito, e
nomeado pelo Tribunal Superior de Justiça. O Juiz é auxiliado por dois secretários, bacharéis
em Direito, encarregados da tentativa de acordo. O procedimento é oral e gratuito. Antes de
proferir a sentença, o Juiz pode tentar a conciliação. A participação de advogado não é
obrigatória, salvo nos casos de direito de família. As sentenças são executadas no próprio
Juízo, sendo permitida nova tentativa de conciliação. A justiça de paz mexicana atua também
na área criminal, regulando-se pelo máximo da pena de prisão, que não pode ser superior a
um ano. Indispensável a participação de advogados nos processos criminais.
Na França, a Assembléia Constituinte criou os juizes de paz (juges de paix) e a
Constituição Francesa de 1791, no capítulo V, artigo 6º, dizia que "os tribunais ordinários não
podem receber nenhuma ação civil sem que lhes seja certificado que as partes compareceram,
ou que o demandante fez citar a parte adversa para tentar a conciliação". No direito processual
francês, unificado pelo decreto 75-1123 de 05.12.1975, a oportunidade de conciliação fica a
critério das partes e do Juiz. A conciliação, na França, alcança todas as questões cíveis; era
exercida pelos juízes de paz, abolidos em 1958, sobrevindo os conciliadores de vizinhança,
competentes para solucionar conflitos de forma eqüitativa, podendo até mesmo ouvir
testemunhas. São nomeados pelo presidente da corte de apelação, pelo prazo de um ano,
renovável por mais dois anos. Não possuindo necessariamente cultura jurídica, exercem a
atividade sem remuneração. Não seguem este rito as causas que envolvem particulares e a
administração pública, arrendamentos rurais, conflitos de trabalho e litígios sobre o estado
civil das pessoas. Matéria criminal de menor complexidade e que trata de reparação de danos
também chega aos conciliadores, cidadãos altamente respeitados na comunidade.
O Código de Processo Civil italiano de 1940 contempla a conciliação. Obriga o
magistrado a promover a conciliação na primeira audiência, e a convenção serve de título
executivo. O giudice conciliatore é órgão da justiça, tendo sua competência limitada pelo
valor, em matéria civil, sem, entretanto, limites de competência, quando solicitado pelas
partes, para promover o entendimento. O Juiz, italiano, como na França, não é magistrado de
carreira, mas nomeado pelo Conselho Superior da Magistratura.
24
Portugal adota a conciliação nos arts. 508 e 509 da reforma de 1967 do Código
Processual, apesar de não admitir a audiência preliminar. Aberta a audiência, o juiz procurará
conciliar as partes, tendo em vista uma solução de eqüidade.
Na Espanha, trata-se a conciliação como sendo obrigatória, sendo exigida a tentativa de
conciliação, antes do ingresso em juízo de qualquer demanda.
A China segue os ensinamentos de Confúcio, segundo os quais o homem inteligente resolve
seus conflitos amigavelmente. A utilização do juízo contraditório é humilhante e induz à
crença de ser o cidadão inferior e insensível. Existe mais de um milhão de conciliadores que
tratam mais de litígios de vizinhança. Somente após esgotar todos os recursos do diálogo, é
procurada a justiça.
No Uruguai, não se pode iniciar a questão na Justiça, sem que, previamente, se tente a
conciliação mediante ajuda do juiz de paz. É matéria Constitucional. O art. 255 do Código
General Del Processo prevê a conciliação na primeira oportunidade em que as partes se
encontram, ou seja, logo após a contestação, em audiência designada para tal fim.
1.4 PRINCÍPIOS NORTEADORES DAS PRÁTICAS CONCILIATÓRIAS:
ORALIDADE, INFORMALIDADE, CELERIDADE, ECONOMIA
PROCESSUAL, SIMPLICIDADE, PRIMAZIA DA REALIDADE
(CONFLITO REAL VERSUS APARENT)
Plácido e Silva define princípio, o qual deriva do latim principium (origem, começo);
em sentido vulgar, quer exprimir o começo da vida ou o primeiro instante em que as pessoas
ou as coisas começam a existir. No sentido jurídico, notadamente no plural, quer significar as
normas elementares ou os requisitos primordiais instituídos como base, como alicerce de
alguma coisa. Desse modo, exprime sentido mais relevante que o da própria norma ou regra
jurídica. Mostra-se a própria razão fundamental de ser das coisas, convertendo-se em perfeitos
axiomas.13
Canotilho diferencia as regras dos princípios, salientando que ambos são espécies do
gênero normas.
Esta distinção é fundamental para analisarmos as regras estabelecidas à luz de
determinados princípios, sobretudo na qualidade de verdadeiras normas,
qualitativamente distintas das outras categorias de normas: as regras jurídicas. As
13
DE PLÁCIDO E SILVA. Vocabulário jurídico. Rio de Janeiro: Forense, 1982. v.I.
25
diferenças qualitativas são: os princípios são normas jurídicas impositivas de uma
otimização, compatíveis com vários graus de concretização, consoante os
condicionamentos fáticos e jurídicos; as regras são normas que prescrevem
imperativamente uma exigência (impõe, permite ou proíbe) que é ou não é
cumprida; a convivência dos princípios é conflitual; a convivência das regras é
antinômica. Excluem-se, conseqüentemente, os princípios; ao constituírem
exigências de otimização, permitem o balanceamento de valores e interesses; não
obedecem, como as regras, à lógica do tudo ou nada, consoante o seu peso e a
ponderação de outros princípios eventualmente conflitantes; as regras não deixam
espaço para qualquer outra solução, pois se uma regra tem validade, deve cumprir-se
na exata medida das suas prescrições, nem mais nem menos; em caso de conflito
entre princípios, estes podem ser objetos de ponderação, de harmonização, pois eles
contêm apenas exigências que, em primeira linha, devem ser realizados; as regras
contêm fixações normativas definitivas, sendo insustentável a validade simultânea
de regras contraditórias.14
O juiz, ao interpretar o direito, deve alicerçar-se no teor do principio lógico de valores
tendo como baluarte a Constituição, em face da lei infraconstitucional, máxime os princípios
hauridos da Constituição Federal, do estado democrático de direito, destinado a garantir a
segurança, o bem-estar, enfim, o princípio da proporcionalidade e da razoabilidade, valores
superiores para julgar o caso concreto de forma mais justa, com relevo na dignidade humana.
1.4.1 Oralidade
A escrita, como bem diz Sócrates, segundo Platão, é coisa morta, e só nos fala por um
lado, isto é, por meio daquelas idéias que, por sinais, nos despertam o espírito. "Não nos
satisfaz plenamente a curiosidade, não responde às nossas dúvidas, não nos apresenta os
infinitos aspectos possíveis da coisa mesma. Na viva voz fala também a fisionomia, os olhos,
a cor, o movimento, o tom da voz, o modo de dizer, e tantas outras pequenas circunstâncias
diversas, as quais modificam e desenvolvem o sentido das expressões gerais e Ihes
subministram outros indícios a favor ou contra a afirmação da palavra. Essa linguagem muda,
a eloqüência do corpo, para valer-se da frase de Túlio, assim como é mais interessante, assim
como também é mais verídica do que as palavras, e consegue menos ocultar a verdade. Todos
os sinais indicados se perdem na escrita muda e faltam ao juiz os mais seguros argumentos. 15
A oralidade, com a prevalência da palavra, não exige a exclusão da escrita como meio
de exprimir o pensamento. O certo é que o emprego da voz, mediante fala e argumentos,
possibilita ao juiz uma orientação mais segura, para apreciar as declarações da querela. Vale
salientar que o pensamento é forjado, quando se passa da fala para a escrita, uma vez que o
14
CANOTILHO, Gomes José Joaquim. Direito constitucional. Coimbra: Coimbra Editora, 1994. p.167-168.
CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de direito processual civil. Tradução de Paolo Capitanio. São Paulo:
Bookseller, 1998. v. III. p.5.
15
26
falar é mais fácil do que o escrever. Escrever é uma traição do pensamento. A palavra tem
força. A escrita é entropia, pois não traduz o pensamento com exatidão.
Do princípio da oralidade são corolários: a imediação, a concentração e a identidade
física do Juiz.
Segundo o princípio da imediação, cabe ao juiz seu convencimento com contato direto
com as partes, apreciando as declarações das pessoas, baseado na impressão imediata, que
delas teve, e não em informações de outros, achando-se o referido princípio conjugado ao da
oralidade. A identidade física do juiz da causa decorre dos princípios da oralidade e
imediação, evitando que a causa seja decidida por outro juiz. É como se o processo fosse um
quadro, uma estátua, um edifício que um artista pode esboçar e o outro não pode concluir.
Outro princípio decorrente da oralidade é o da concentração, principal característica exterior
do processo oral, predominando o debate, diferenciando-se o processo oral do escrito.16
É de suma importância para o juiz o contato verbal com as partes para colher a verdade
material que se manifesta na fisionomia, no tom da voz, principalmente fitar nos olhos das
pessoas envolvidas na quezila.
A oralidade, a imediação e a concentração são princípios estreitamente relacionados
com os poderes do juiz. O juiz conserva no processo uma atitude meramente passiva, de tal
modo que o livre convencimento se despoja de toda importância e a missão do magistrado se
restringe a verificar o resultado das experiências probatórias e certificar-se de sua
regularidade formal. O regime feudal concorreu para reforçar o caráter individualista do
processo e a indiferença do juiz ao andamento dos feitos. Tudo isso mudou, hoje,
radicalmente, com a restaurada importância do livre convencimento do juiz no processo
moderno. Faz-se mister, portanto, assegurar o juiz uma posição que o torne partícipe ativo na
relação processual e no exercício de suas funções, pondo-se em contato imediato e continuado
com as partes, eliminando as dúvidas. Ora, o exercício de poderes tais só é possível no
processo oral, visto que só este permite o contato contínuo e imediato do juiz com as partes e
seus representantes.17
Chiovenda procurou demonstrar que o princípio da oralidade consiste em um conjunto
de princípios distintos, embora intimamente associados entre si. Esse conjunto de princípios
16
17
Ibid., 1998. p.59 - 60.
Ibid., 1998. p.75 - 76 e 103.
27
Chiovenda resumia nos seguintes: prevalência da palavra falada sobre a escrita; imediatidade
entre o juiz e as pessoas inseridas nos autos; identidade fisica do juiz, ou seja, o juiz que
colher a prova é o que deve julgar a causa; da concentração do trabalho de coleta da prova,
discussão da causa e seu julgamento em uma única audiência, para que se mantenham vivas
as impressões do julgador.18
1.4.2 Informalidade
Pelo princípio da informalidade, fica afastado o rigorismo formal Observe-se, contudo,
que não estará o juiz isento de observar um mínimo de formalidades essenciais para a prática
de determinados atos processuais, de modo a resguardar os princípios constitucionais da
ampla defesa, do contraditório e, em síntese, do devido processo legal. “Informalidade não
quer dizer ausência de forma, que é garantia legal, mas, sim, redução do valor das formas ao
mínimo essencial à garantia, vale dizer, banimento da burocracia estéril. Princípio da informal
idade simplifica a burocracia”.19
1.4.3 Celeridade
Segundo Rui Portanova, o princípio da celeridade ou brevidade, em que o processo deve
ter o andamento mais célere possível, é uma das quatro vertentes que constituem o princípio
da economia processual. As outras são economia de custo, economia de atos e eficiência da
administração judiciária. Em busca da celeridade, a Constituição Federal oportunizou uma
quebra no princípio de competência da União para legislar sobre direito processual (CF, inc. I,
art. 22). O inc. XI do art. 24 atribui aos Estados e ao Distrito Federal competência para
legislar em concorrência com a União sobre procedimento em matéria processual. Não tem
sido fácil valer-se de tal permissivo. A maior dificuldade reside em encontrar-se o espaço
adequado para a legislação estadual, porquanto não é absolutamente tranqüila a distinção
entre processo e procedimento. Por outro lado, não parecem suficientes meras mudanças
legislativas processuais, sem que venham acompanhadas da mudança de mentalidade. Enfim,
como ensina Justino Magno Araújo, trata-se de “problema dos mais delicados e que deve
18
19
Ibid., 1998.
ANDRIGHI, Nancy Fátima. Juizados Especiais Cíveis e Criminais. Belo Horizonte: Del Rey, 1996. p.112.
28
merecer a mais profunda meditação pelos processualistas, pois, nem sempre, a melhor justiça
corresponde à rapidez nos julgamentos”.20
Muitos procedimentos ordinários terminam em tempo bastante razoável,
considerando-se a complexidade que encerram. Outros - com procedimento
especialíssimo - têm logrado as benesses legislativas de um andamento mais célere.
Nesta última hipótese, a lei faz verdadeiro privilégio a determinados valores
especialmente guardados pelo sistema capitalismo. É o caso das legislações
específicas que atribuem rápidos procedimentos aos interesses das instituições
financeiras. O exemplo é o Decreto-Lei 911/69, que viabiliza busca e apreensão
liminar com a só prova da mora, diminui o prazo para resposta e limita os temas
contestacionais. Aliás, tão grande é a preocupação com a celeridade de alguns
decretos-leis, "coincidentemente editados em época ditatorial", que "delineiam-se, à
primeira vista, inconstitucionais". Reconhece-se que o processo é moroso. Contudo,
as peculiaridades necessárias ao processo e os princípios do devido processo legal,
da ampla defesa, do contraditório, não estão em consonância com a exigência de um
procedimento célere. No entanto, apesar da exigência da solução dos conflitos a
curto prazo, também é garantido que as decisões finais não podem afastar-se de
garantias processuais.21
Presta-se, também, para abreviar o tempo de duração do feito, o estigma de processado
e a incerteza do final do processo. A Convenção Européia dos Direitos do Homem, em seu
artigo sexto, estampa: qualquer pessoa tem o direito que sua causa seja examinada,
eqüitativamente e publicamente, num prazo razoável, por um tribunal independente e
imparcial
O princípio da celeridade, veio minorar o grande mito da morosidade que tem
desprestigiado o Poder Judiciário. No entanto, a forma de processamento de um fato para o
Judiciário não é a mesma forma para outras ciências. Veja-se, por exemplo, o caso da
imprensa, trabalha com o fato em sua instantaneidade, enquanto o processo judicial busca a
verdade do fato numa relação dialética e contraditória, não podendo prescindir da duração
temporal. A demora é um ônus para quem busca o processo para a solução de um litígio.
1.4.4 O princípio da primazia da realidade (conflito real versus aparente)
O principio da primazia da realidade é do âmbito do Direito do Trabalho, utilizando-o
com analogia no Processo Civil, auspiciada no art. 4º da Lei de Introdução ao Código Civil.
Dá-se relevo à realidade dos fatos emergentes dos casos na prática, desmacarando o conflito
aparente, dando-se ênfase ao conflito real.
20
PORTANOVA, Rui. Princípios do processo civil. Porto Alegre: Livraria do Advogado,1997. p.37, 174.
TUCCI, Lauria Rogério; TUCCI E CRUZ Rogério José. Constituição de 1988 e Processo: regramentos e
garantias constitucionais do processo. São Paulo: Saraiva, 1989. p.57.
21
29
De la Cueva sustenta que o contrato de trabalho é um contrato-realidade, vinculada à
relação de trabalho, que extrai de Melitor:
Existe uma diferença essencial entre o contrato de trabalho e os contratos de direito
civil. Nestes, a produção dos efeitos jurídicos e a aplicação do direito somente
dependem do acorde de vontades, enquanto no de trabalho é necessário o
cumprimento mesmo da obrigação contraída; essa diferença distingue o contrato da
relação de trabalho, ou seja, o simples acordo de vontades para a prestação de um
serviço, não seja senão a condição para que o trabalhador, como disse Molitor, fique
vinculado na empresa do patrão, e que por sua vez, determina que a formação da
relação do trabalho e, consequentemente, a produção dos efeitos normais que o
Direito do Trabalho atribui, menos ao contrato do que à prestação do serviço. O
contrato de trabalho se distingue dos contratos de direito civil, pelo fato real de seu
cumprimento, e de que é a prestação do serviço, e não o acordo de vontades. O
contrato de trabalho em sua acepção de relação de trabalho, é um contrato realidade,
posto que existe nas condições reais de prestação dos serviços, independentemente
do que tenha sido pactuado. O contrato de trabalho deixaria de ser consensual a
partir do momento em que, para surgir, não bastasse o simples acordo de vontade,
uma vez que as estipulações pactuadas não correspondem à realidade, mas requer-se
a prestação efetiva da tarefa.22
Na prática, o princípio da primazia da realidade fática prevalece sobre a aparência do
contrato. Consequentemente, deve-se utilizar mecanismos informais, como a conciliação, para
decifrar o real conflito em detrimento do aparente.
Semelhantemente, deve o magistrado na atividade judicante, mormente na conciliatória,
buscar discernir o conflito real utilizando-se de mecanismos informais do diálogo. A autora
do presente trabalho, no seu labor judicante, sente que, regra geral, o que está nos autos é o
conflito aparente, não o real. Na semana da conciliação (3 a 8) de dezembro/2008, um dos
processos veiculados, referente a obrigação de fazer, objetivava a retirado de um dos sócios
de uma empresa. Na audiência conciliatória, constatou-se que o conflito real dizia respeito à
amante de um dos sócios, a qual trabalhava na empresa.
22
RODRIGUEZ, Américo Plá. Princípios do direito do trabalho. Tradução de Wagner D. Giglio. São Paulo:
LTr: Universidade de São Paulo, 1978. p.211-212.
2
MEIOS ALTERNATIVOS DE SOLUÇÃO DE CONFLITOS
Os meios alternativos de solução de conflitos são todos os instrumentos
disponibilizados para a pacificação social que não estejam englobados na usual forma
jurisdicional. São meios alternativos: negociação, arbitragem, mediação e conciliação.
Aduz o Desembargador Francisco de Assis Filgueira Mendes, por ocasião da
apresentação do livro Mediação familiar: um estudo histórico-social das relações de conflitos
nas famílias contemporâneas, das autoras Lília Maia de Morais Sales e Mônica Carvalho
Vasconcelos:
o aumento insistente da demanda no judiciário evidencia a impossibilidade de
adequado atendimento, quando deixa visíveis deficiências crônicas na prestação
jurisdicional, abrangendo toda a pletora insatisfação do povo, seja pela dificuldade
do acesso a justiça, seja pela demora das demandas que lhe são apresentadas. Ante
esse quadro dantesco, de verdadeira falência da máquina estatal, especialmente, no
que tange à prestação jurisdicional, em boa hora, começam a ser utilizadas soluções
advindas do direito norte americano, conhecida como altenative dispute resolucion
(ADR), quais sejam o juízo arbitral, a conciliação e a mediação.1
Acrescenta o eminente processualista que a lei 9099/95, dos Juizados Especiais Cíveis e
Criminais, o Juízo de Conciliação tem apresentado resultados satisfatórios, mas não a ponto
de absorver as inúmeras querelas que continuam sendo levadas à consideração judicial. Na
esteira dessa busca de melhoria, para o deslinde de disputas interpessoais, o CPC em seus
artigos 125 e 447, confere ao juiz o múnus de permanente conciliador. Mesmo com o advento
da lei 10.444/02, que ampliou, mais ainda, a função endoprocessual da conciliação, os
resultados alcançados revelam-se ainda inexpressivos. A mediação surge, assim, como melhor
instrumento para soluções de questões familiares, na medida em que possibilita que nenhuma
das partes envolvidas saia, no final, derrotada.
Parafraseando Lília Maia de Morais Sales e Mônica Carvalho Vasconcelos, pode-se
estabelecer a distinção entre negociação, arbitragem, mediação e conciliação: são todos os
1
SALES, Lília Maria de Morais; VASCONCELOS, Mônica Carvalho. Mediação familiar: um estudo
histórico-social das relações de conflitos nas famílias contemporâneas. Fortaleza: Expressão, 2006.
31
instrumentos nos quais compete ressaltar o diálogo. Na negociação, o diálogo é direto entre as
partes. Na mediação e conciliação, na impossibilidade do diálogo direto, as partes, utilizam-se
de um terceiro para auxiliá-las ou para decidir por elas. O mediador não oferece abertamente
sugestões, mas, com a utilização de técnicas, torna o diálogo mais efetivo, incentivando a
criação de possíveis acordos pelos mediados. O conciliador interfere no mérito da questão,
sugerindo soluções às partes, que podem acatá-las ou não. Esses meios alternativos de solução
de conflitos não são apenas para desafogar o Poder Judiciário, mas, além disso, possibilitam
uma diminuição do acervo processual judicial, resolvidas pelas próprias partes, via diálogo, a
partir da conscientização dos envolvidos, em detrimento do sistema tradicional da decisão
judicial.
2.1 NEGOCIAÇÃO
A negociação é uma forma de resolução de conflitos pela quais os próprios envolvidos
apresentam soluções, discutindo-as mutuamente. Diz Lília Maia de Morais Sales:
A negociação é um procedimento muito comum na vida do ser humano. As pessoas
estão sempre negociando, a qualquer tempo e lugar [...]. Antes de a negociação ser
um fato jurídico, ela é um acontecimento natural. Na negociação, as partes chegam à
resolução do conflito satisfatoriamente por meio do método da autocomposicão. Na
negociação não há qualquer participação de terceiros, apenas as partes em conflito
buscam, por elas mesmas, a solução da dissidência [...]. O cumprimento das decisões
apresentadas através da negociação não é obrigatório. As partes são livres para
cumpri-las ou não. É certo que, tendo as partes negociado conscientemente, a
conseqüência natural é a do cumprimento da decisão. Há de ressaltar que, quando a
negociação é atribuída à validade jurídica, como um contrato, o cumprimento é
obrigatório.. Para a negociação apresentar-se eficaz, impõe-se a existência da
vontade das partes envolvidas para a solução do problema [...]. Para que haja uma
boa negociação são necessários quatro elementos básicos: a separação das pessoas
do problema, a concentração nos interesses e não nas posições, a criação de uma
variedade de possibilidades antes da decisão padrão, objetivo que sustente o
resultado.2
Cristopher W. Moore aduz:
a negociação é composta de uma série de atividades ou movimentos complexos que
as pessoas realizam para resolver suas diferenças e pôr fim ao conflito. Cada
movimento ou ação que um negociador realiza envolve uma tomada de decisão
racional em que as ações possíveis são avaliadas em relação aos seguintes fatores: os
movimentos das outras partes; seus padrões de comportamento; seus estilos; sua
perceptividade e habilidades; suas necessidades e preferências; sua determinação; a
quantidade de informações que o negociador possui sobre o conflito; os atributos
pessoais do negociador; recursos disponíveis. 3
2
SALES, Lília Maria de Morais. Justiça e mediação de conflitos. Belo Horizonte: Del Rey, 2004. p.36-37.
MOORE apud SOUSA NETO, João Baptista de Mello e. Mediação em juízo: Abordagem prática para
obtenção de um acordo justo. São Paulo: Atlas, 2000. p.47.
3
32
2.2 ARBITRAGEM
A Lei 9307/96 estabeleceu a arbitragem como meio alternativo de solução de litígios,
cabendo às partes escolher um árbitro de sua confiança para decidir o conflito, no âmbito
extrajudicial.
A Lei da Arbitragem, em caso de direito patrimonial disponível, não se reporta mais à
transação (arts. 1.035 do Código Civil de 1916 e 1.072 do Código de Processo Civil).
A Constituição de 1988, art. 114, parágrafo 1º, estabelece que “frustrada a negociação
coletiva, as partes poderão eleger árbitros”
O Código de Defesa do Consumidor, art. 51, VII, considera abusivas as cláusulas que
“determinam a utilização compulsória de arbitragem”. A Convenção de Arbitragem está
prevista no art. 3º, verbis: “As partes interessadas podem submeter a solução de seus litígios
ao juízo arbitral mediante convenção de arbitragem, assim entendida a cláusula
compromissória e o compromisso arbitral”
A principal inovação da Lei 9.307/97 foi a de conceder eficácia e efetividade à cláusula
compromissória, desativando o antigo sistema francês que a qualificava apenas como um précontrato. Agora, é possível instaurar-se a arbitragem independentemente de compromisso
arbitral.4 Ressalte-se o art. 301, IX, parágrafo 4º, do CPC, que determina que o juiz não
poderá conhecer de ofício a existência de compromisso arbitral, não sendo mencionado sobre
a outra modalidade de convenção arbitral (cláusula com promissória), principalmente os
contratos de adesão, hipótese em que deverá ser extinto o processo sem resolução do mérito.
Explica Carlos Alberto Carmona sobre a cláusula compromissória cheia (art. 5°) e a
cláusula compromissória vazia (art. 6º): na cláusula compromissória cheia, os contratantes
elegem o órgão arbitral e se obrigam a aceitar as normas por ele impostas, todas preexistentes
e do seu pleno conhecimento. Desnecessária intervenção judicial, prevista no art. 7º, para
firmar o conteúdo do compromisso arbitral, ou seja, este dispositivo vale para a chamada
cláusula compromissória vazia, que só prevê a arbitragem como meio de solução de
controvérsia, sem definir o órgão arbitral e a submissão às suas regras, de que os autos não
4
CARMONA, Carlos Alberto. Arbitragem e processo: um comentário à Lei 9.307/96. 2. ed. São Paulo: Atlas,
2006. p. 102.
33
cuidam.5 Havendo cláusula compromissória vazia e não tendo as partes atingido acordo, nos
termos do art. 6º da Lei, poderá a parte mais diligente solicitar ao Poder Judiciário que faça
valer a vontade previamente manifestada na cláusula, qual seja, a de fazer solucionar litígio
decorrente de determinada relação jurídica através da arbitragem.6 Carlos Alberto Carmona
afirma:
O notório recrudescimento da crise do processo e da crise do Poder Judiciário deu
impulso considerável para que a arbitragem vicejasse: de fato, apesar das seguidas
reformas implantadas no Código de Processo Civil, estamos longe de obter um
mecanismo judicial que possa ser considerado funcional e eficaz para resolver os
litígios, sendo certo também que a organização judiciária do país aguarda a tão
prometida e decantada reforma que possa dar algum alento a quem precisa de tutela.
Por enquanto o processo judicial continua sendo uma antevisão da eternidade, e é
preciso encontrar, nas vias alternativas, fórmulas de solucionar controvérsias que
dependam cada vez menos da intervenção estatal (e aí enquadra-se não apenas a
arbitragem, mas também a mediação, a conciliação e a negociação.(p.18). A
experiência acabou por demonstrar que a arbitragem jamais poderia substituir a
atividade jurisdicional protagonizada pelo Estado.(p.20). A sobrecarga de processos
que sufoca o Poder Judiciário, criou-se o art. 25 da Lei 7.277/84, depois substituída
pelo art. 24 da Lei 9.9009/95, para utilização do juízo arbitrar nos juizados
especiais.(p.21) Trata-se de mecanismo privado de solução de litígios, através do
qual um terceiro, escolhido pelos litigantes, impõe sua decisão, que deverá ser
cumprida pelas partes. A solução arbitral é um meio heterocompositivo de solução
de controvérsias diferente da mediação e da conciliação, meios autocompositivos de
solução de litígios, de tal sorte que não existirá decisão a ser imposta às partes pelo
mediador ou pelo conciliador. 7
O árbitro é juiz leigo e sua decisão arbitral não se submete a homologação judicial, nem
cabe recurso, pois o cumprimento da decisão é obrigatório. O árbitro deve ser um perito no
assunto. Na arbitragem, ao contrário da negociação e da mediação, as partes não possuem o
poder de decisão, o qual fica a cargo do árbitro.
Todavia, no Brasil, a Lei da Arbitragem não tem sido bem aceita pela sociedade. Em
Fortaleza, onde funcionam alguns tribunais de arbitragem, pratica-se arbitragem de forma
distorcida, como o fato de mandar correspondência a pessoas para comparecerem a audiência,
fazendo com que as mesmas assumam um compromisso arbitral, sem a devida informação.
Isso tem causado dissabores, levando pessoas a buscarem a instância judicial, para anulação
do ato, abarrotando mais ainda a via judiciária. Não se tem, ademais, dados positivos sobre
arbitragem no Brasil; em outros países, é muita utilizada, sendo os resultados acompanhados
e avaliados. Nos Estados Unidos, a arbitragem tem reconhecida sua vantagem em relação à
5
Ibid., 2006. p.130.
Ibid., 2006. p.135.
7
Ibid.,2006. p.51-52.
6
34
solução judicial dos conflitos individuais de trabalho mais utilizado entre empregados
sindicalizados e empregadores.
2.3 MEDIAÇÃO
A mediação é uma das formas de solução de conflitos, por via dialogal, entre os
interessados, com um terceiro facilitador, para chegarem a um acordo, ou seja, as próprias
partes administram seus conflitos, com poderes de decisão, fazendo as vezes de juízes delas
próprias, tendo um mediador como facilitador da via da avença, do entendimento, objetivando
aliviar o conflito da alma em busca da paz. Ensina Lília de Morais Sales que:
Mediação procede do latim mediare, que significa mediar, dividir ao meio ou
intervir. Estes termos expressam o entendimento do vocábulo mediação, que se
revela um procedimento pacífico de solução de conflitos. A mediação apresenta-se
como uma forma amigável e colaborativa de solução das controvérsias que busca a
melhor solução pelas próprias partes. É um procedimento em que e através do qual
uma terceira pessoa age no sentido de encorajar e facilitar a resolução de uma
disputa, evitando o antagonismo, porém sem prescrever a solução. As partes são as
responsáveis pela decisão que atribuirá fim ao conflito [...]. É um mecanismo de
resolução de controvérsias pelas próprias partes, construindo estas uma decisão
ponderada, eficaz e satisfatória para ambas. Essa decisão construída possui o
mediador como facilitador dessa construção por meio do restabelecimento do
diálogo pacífico. As partes, no processo de mediação, detêm a gestão de seus
conflitos e, consequentemente, o poder de decidir, tendo o mediador como auxiliar,
diferentemente da jurisdição estatal em que o poder de decidir cabe ao Estado [...].
Dessa forma, a mediação é considerada um processo complexo que transcende o
conflito a ser resolvido [...]. De algo negativo, o conflito passa a compreender o
caminho para o entendimento, para a harmonia entre as partes. assim, o conflito é
entendido de maneira positiva e a sua solução torna-se mais simples.8
A mediação não visa substituir a atividade judicante, exclusiva do Poder Judiciário. De
todo modo, poderá diminuir o acervo processual judicial, e, consequentemente, mitigar a
morosidade da justiça. Muitos tribunais do país já adotam a mediação dentro de seus
procedimentos; assim, os tribunais de Justiça de Santa Catarina, de São Paulo, do Rio Grande
do Sul e do Ceará.
A mediação vem sendo utilizada, com maior freqüência, na área de família, em
situações preponderantemente ligadas a casos violência doméstica. Lira Ramos de Oliveira
diz:
a violência chegou a patamares insuportáveis atingindo o próprio refúgio do lar. Não
existem definições corretas de violência. A máxima é a redução do sofrimento
humano [...]. Não me anima alertar que, apesar das homenagens à Lei 9.099/95, com
efeito despenalizador, no caso de representação da lesão corporal leve e culposa,
8
SALES, Lília de Morais, op. cit., 2004. p.23-25.
35
sentes-se que as vezes as vítimas não saem satisfeitas da audiência. Reconheço que o
relevo da Lei em pauta foi a celeridade e não a lesividade do bem jurídico. A
despenalização da lesão corporal leve, que de incondicionada passou a ser
condicionada à representação inibiu a vítima de se dirigir à delegacia para notícia do
crime de lesão corporal, vez que pode ser ameaçada de morte [...]. Minha visão de
professora da Universidade de Fortaleza – UNIFOR, convenço-me cada vez mais
que a mediação é o meio mais adequado dos conflitos domésticos, ou seja, da
família como fito de conscientização de uma cultura de diálogo para compreensão,
cooperação e solidariedade para decidir sua próprias controvérsias, visando à paz
familiar. Essa é uma das soluções para mitigar a violência geral. No Laboratório
jurídico da UNIFOR, a maior parte dos casos de mediação refere-se a problemas
familiares [...]. A mediação é uma alternativa à solução da violência doméstica [...].
O mediador deve ter maturidade [...]. Em primeiro lugar, ser humilde sem ser servil.
Não ser arrogante e diante do caso concreto, deve se aproximar da Justiça na
vertente da cosmovisão da realidade fática, nos aspectos sociológico, psicológico,
político. Nesse mister deve ser imparcial, mas sem o mito da neutralidade [...]. Na
qualidade de juíza, vejo a mediação não como antagonismo ao processo judicial,
muito menos como um substitutivo, mas como cooperação ao Poder Judiciário,
mormente, os conflitos familiares, desafogando o Poder Judiciário em que a sua
lentidão é um câncer para o qual ainda não há remédio para solucioná-lo.9
3.4 CONCILIAÇÃO
A conciliação foi considerada própria das sociedades primitivas e tribais, enquanto o
processo jurisdicional significou conquista da civilização. Hoje, inverteram-se os papéis; a
educação, a compreensão, o desenvolvimento e o equilíbrio social foram fatores que
determinaram o retorno ao uso de práticas conciliatórias.
Conta-se que poderoso latifundiário determinou que fosse espancado um cigano, autor
de erro desaprovado por influente homem. O andarilho foi surrado e rogou pragas ao senhor
de terras: Deus lhe dê demandas, ainda que as vença. Não quis o cigano a morte ou outra
praga; quis a peste das questões na justiça, porque é sabida a verdadeira “via crucis” que
atravessam as partes envolvidas em litígios.
Meio alternativo de dirimir conflitos, a conciliação beneficia, além da parte, o próprio
sistema jurídico, pois são evitadas sobrecargas de serviço, cortados os gastos excessivos do
Estado com o sistema, mitigando, ademais, a morosidade da justiça. Tal forma alternativa de
solucionar litígios mostra-se mais eficaz do que decisões judiciais; enquanto aquela se
alicerça no consenso das partes, estas violam a vontade de um dos litigantes, declarando um
vencedor e outro vencido. Evitando-se o sentimento destruidor de “vencer/ vencer”, surge
uma solução sem perdedor nem vencedor.
9
OLIVEIRA, Lira Ramos de. Violência doméstica e medição. In: SALES, Lília Maia de Morais (Org.), op. cit.,
2003. p. 142,152-154.
36
O Tribunal de Justiça do Estado do Ceará tem um setor de conciliação e o Fórum tem
uma central de conciliação, integrada por desembargadores e juízes aposentados.
A conciliação, instrumento há muito previsto no campo processual, de repente ganha
realce, com o Conselho Nacional de Justiça, ao determinar no país datas de práticas de
conciliação. Com isso, desencadeia processo de mudança de mentalidade dos operadores do
Direito e dos jurisdicionados.
No entanto, essa pretensa satisfação das partes com a conciliação, por meio de um
acordo, não deixa de ser um mito, de que mais vale um mau acordo de que uma boa demanda,
decorrendo daí que, se há um mau acordo, não há satisfação das partes na solução da
controvérsia, e, se isso não ocorre, é melhor uma demanda judicial. Não adianta a solução dos
litígios apenas pela questão da celeridade, pois o alvo deve ser alcançado, em nível cada vez
mais aproximado do ideal, da satisfação das partes, inclusive valendo-se de momentos de
desabafo.
O uso da conciliação é obrigatório nos Juizados Especiais. Não obstante, a via
conciliatória deveria alargar-se para solução de litígios nas demais áreas judiciais. Mesmo
assim, na rotina processual de varas cíveis, segundo o art. 33, § 3º, modificado pela lei nº
10.444/04, a audiência preliminar deixou de ser obrigatória. Fica, assim, ao alvedrio do juiz,
em cada caso, tentar conciliar as partes, fixar os pontos controvertidos, subordinando-se tudo
à sensibilidade do magistrado.
3
GESTÃO DO PROCESSO
César Asfor Rocha, Ministro do Superior Tribunal de Justiça, afirmou que a
morosidade do Poder Judiciário deve ser atribuída à falta de gestão. Os juízes precisam, antes
de tudo, ser excelentes administradores de varas, para que não haja acúmulo de processos.
Magistrados, de modo geral, têm sido educados para julgar, não para gerir. Ele explica que o
Conselho Nacional de Justiça tem como finalidade estabelecer estratégias e opções de gestão.1
O Desembargador Rômulo Moreira de Deus, por sua vez, ressalta que a solução para a
crise da morosidade da justiça reside na gestão. Ocorre que, na Comarca de Fortaleza, por
exemplo, a gestão administrativa de Diretor Fórum Clóvis Beviláqua é exercida por um
Desembargador, cumulativamente com a função de Vice-Presidente do Tribunal de Justiça do
Ceará, e sem dispor de autonomia financeira, ficando a mercê do Presidente do Tribunal de
Justiça, para provimento de recursos humanos e materiais, no aviamento de suas complexas
atividades.
Além da administração a cargo do Diretor do Foro, cada vara tem sua própria
administração, criando-se verdadeiras ilhas, muitas vezes incomunicáveis, funcionando
segundo as idiossincrasias de cada juiz, com preponderância da função judicante, em
detrimento da administrativa. Desse modo, pouco se tem de gestão, com tendência à formação
do caos na administração judiciária. O desembargador Vladimir Passos de Freitas diz:
A visão administrativa dos tribunais para a atuação de um Judiciário gestor de
políticas públicas, mostrou aspectos do Brasil antes e depois da Reforma do
Judiciário. A Justiça não pode administrar como no passado. A posição antiga era
distante e conservadora, atualmente deve ser moderna, atualizada e engajadora, com
tendência menos hierárquica. Para ser um bom juiz é diferente de ser um bom
administrador, sendo que o bom administrador deve ter relevante experiência e
liderança caracterizada no planejamento e integração entre as pessoas. Tem que
assumir riscos, valorizar as boas lideranças e pequenas iniciativas, a melhoria das
práticas, a humanidade e proporcionar um bom ambiente de trabalho, motivador
para todos, com responsabilidade social e transparência.2
1
JORNAL O POVO. 8 fev. 2008. p.2.
FREITAS, Vladimir Passos de. A efetividade na administração da Justiça. Revista Leis & Letras, nº. 11, p. 8,
2007.
2
38
A administração da Justiça não é apenas a concentração isolada de providências nos
casos concretos em litígio, mas, também, a aplicação de políticas inovadoras à gestão
processual, como o uso da conciliação, mais célere, pois o que é mais questionado nos
procedimentos judiciais é o tempo. È necessário criar novas rotinas procedimentais, em busca
da decantada celeridade.
O Desembargador Francisco de Assis Filgueira Mendes, por ocasião de sua posse, em
entrevista no Informativo do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará, diz:
[...] procurarei desempenhar meu trabalho, primando para que a Justiça venha a se
adaquar às novas exigências da sociedade [...] que quer um juiz preparado,
assistindo bem às partes. A sociedade reclama por uma prestação jurisdicional mais
rápida e uma das alternativas, muitas vezes, é a profilaxia (prevenção) dos litígios
através dos meios alternativos de resolução, principalmente a Conciliação e a
Mediação, que devem ocorrer também nos Fóruns e nos Tribunais.3
Sua idéia é a de que as Escolas da Magistratura devem ser mais direcionadas para a
melhor qualificação dos juízes e servidores, estes responsáveis pelas atividades-meio. Ele
ressalta que, para ser um bom juiz, a pessoa dever ser, primeiro, vocacionada, gostar do que
faz e abraçar a causa com amor e dedicação, atendendo bem às partes, procurando agilizar os
procedimentos, enfim, disponibilizando bons serviços na área jurisdicional.
A crença na Justiça também passa pela melhor qualidade da prestação jurisdicional e
pelo aprimoramento do nível intelectual de seus agentes, representando, em última escala, o
encurtamento das distâncias históricas entre um Judiciário mais sensível e uma sociedade
carente de justiça. Ada Pellegrini Grinover, lembra:
Não há dúvida de que o renascer das vias conciliativas é devido, em grande parte, à
crise da Justiça. É sabido que ao progresso científico do direito processual não
correspondeu o aperfeiçoamento do aparelho judiciário e da administração da
Justiça. A morosidade dos processos, seu custo, a burocratização na gestão dos
processos, certa complicação procedimental; a mentalidade do juiz, que nem sempre
lança mão dos poderes que os códigos lhe atribuem; a falta de informação e de
orientação para os detentores dos interesses em conflitos; as deficiências do
patrocínio gratuito, tudo leva à obstrução das vias de acesso à justiça e ao
distanciamento entre o Judiciário e seus usuários. O que não acarreta apenas o
descrédito na magistratura e nos demais operadores do direito, mas tem como
preocupante conseqüência a de incentivar a litigiosidade latente, que frequentemente
explode em conflitos sociais, ou de buscar vias alternativas violentas ou de qualquer
modo inadequadas. [...] Por outro lado, o elevado grau de litigiosidade, próprio da
sociedade moderna, e os esforços rumo à universalidade da jurisdição [...]
constituem elementos que acarretam a excessiva sobrecarga de juízes e tribunais. E a
solução não consiste exclusivamente no aumento do número de magistrados, pois
quanto mais fácil for o acesso à Justiça, quanto mais ampla a universalidade da
3
MENDES, Francisco de Assis Filgueira. Informativo do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará, Nº. 73, p.
3, jun. 2006.
39
jurisdição, maior será o número de processos, formando uma verdadeira bola de
neve. A crise da Justiça, representada principalmente por sua inacessibilidade,
morosidade e custo, põe imediatamente em realce o primeiro fundamento das vias
conciliativas: o fundamento funcional.4
Ocorre que há poucos juízes e funcionários, parcos instrumentos de trabalho e
burocracia nos procedimentos judiciais. Desse modo, a gestão não é funcional. Além das
reformas das leis, da insuficiência de recursos humanos e materiais, também é necessária,
para uma boa gestão, a mudança de mentalidade dos operadores do direito, dos servidores e
dos jurisdicionados, com relevo na agilidade nos trâmites procedimentais com soluções
ousadas para gestão do processo, tais como, a conciliação, os princípios da informalidade,
simplicidade, oralidade, poderes instrutórios do juiz, criando rotinas mais céleres, qualificação
e motivação dos servidores. Não adianta melhorar apenas a estrutura dos recursos materiais; o
principal é investir em recursos humanos, que constituem a matéria prima.
A administração Judiciária há de ser transparente, com juízes independentes, éticos,
competentes, corajosos; que prestem bom atendimento aos jurisdicionados, com simplificação
da linguagem; com servidores conscientes de suas funções, assíduos, que otimizem as rotinas
e racionalizem o uso do tempo, de modo a tornar os procedimentos mais céleres, melhorando
a qualidade das informações prestadas, reduzindo o consumo de materiais,
para evitar
desperdícios.
A lentidão dos procedimentos judiciais é algo enraizado, de origem cultural, que não
consegue ser banido apenas mediante reformais legais e estruturais. O caminho para solução
progressiva desse impasse, antes de depender de novas regras, passa pela transformação dos
juízes em administradores, fazendo espraiar sua ação gerencial sobre os demais servidores e
alcançando, inclusive, outros operadores do Direito e as partes. Aparelhar o organismo
judiciário, com vistas a uma melhor utilização do tempo e, em conseqüência, ao atingimento
de níveis satisfatórios de eficácia, antes de ser simples forma de aprimoramento da estrutura
judiciária, é forma de buscar o alvo de toda atividade judicante, qual seja, a atribuição da
Justiça aos jurisdicionados, em tempo adequado.
4
GRINIVER, Ada Pelegrini; WATANABE, Kazuo; LAGRASTA NETO, Caetano (Coord.), op. cit., 2007. p.2.
40
3.1 CRISE DA ADMINISTRAÇÃO DA JUSTIÇA
A crise do Judiciário percute também o Poder Legislativo, com leis mal elaboradas, e o
Poder Executivo, que, ao descumprir as decisões do Judiciário, estará dando mau exemplo à
sociedade. No Poder Executivo, há precatórios com mais de dez anos, e a justiça é quem leva
a culpa, pela falta de informação precisa dos pagamentos dos precatórios, que merecem
críticas pela lentidão e descaso, inclusive os de caráter alimentar.
As críticas ao Judiciário culminaram com a proposta da reforma desse Poder, tendo
como pontos controvertidos a súmula vinculante e o controle externo do Judiciário, com a
criação do Conselho Nacional de Justiça.
Constitui um truísmo afirmar que a Justiça é morosa e ineficiente. A percepção da
justiça como hermética, lenta ou arbitrária parece universal. Múltiplas são as causas
dessa morosidade (estruturais, conjunturais e operacionais). Cabe considerar, em
primeiro lugar, que nem sempre as leis são bem elaboradas (nos últimos anos, os
vários planos econômicos, por exemplo, contribuíram bastante para a sobrecarga da
Justiça, incrementando particularmente os litígios tributários e atinentes ao
inquilinato); de qualquer modo, certo é que a tarefa do juiz é interpretar a lei e
buscar solução jurídica adequada para o problema; a falta de leis boas nem sempre
pode servir-lhe de escusa para a morosidade. 5
Segundo José de Albuquerque Rocha:
é inegável a grande influência da crise do Judiciário como um poderoso estímulo à
busca de uma saída para superar seus efeitos. Em outros termos, as disfunções do
Judiciário, principalmente a lentidão dos processos, seus custos e o formalismo
excessivo, desencadearam movimento de crítica que contribuiu para conscientizar as
pessoas da necessidade de adotar soluções para a crise. 6
A morosidade da Justiça é a maior mazela atribuída ao Judiciário. De acordo com tal
presunção, para amenizar tal óbice foi ponto relevante o surgimento da Lei nº. 9.099/95, dos
Juizados Especiais Cíveis e Criminais, com ênfase no princípio da celeridade.
Entrementes, o magistrado é qual um maestro, que precisa da orquestra para exercer seu
mister. Essa orquestra são os outros operadores do direito, os serventuários da justiça, a
autoridade policial, os advogados, o Representante do Ministério Publico e as próprias partes.
Ora, a grande quantidade de demanda processual é a vilã da morosidade da justiça.
Todavia, existem mecanismos para minorar esta crise, tais como a Tutela Antecipada, art. 273
5
GOMES, Luiz Flávio. A dimensão da magistratura: no Estado Constitucional e Democrático do Direito:
independência judicial, controle judiciário, legitimação da jurisdição, politização e responsabilidade do juiz. São
Paulo: RT, 1997. p.170-171.
6
ROCHA, José de Albuquerque. A Lei de arbitragem: uma avaliação crítica. São Paulo: Malheiros, 1998. p.20.
41
do CPC; a Tutela Específica, art. 461 do CPC; e as recentes reformas do CPC, ressaltando a
Conciliação, no art. 331 do mesmo diploma legal. Todavia, não se sabe precisar o tempo de
demora do processo, pois o mesmo pode necessitar de perícias, provas testemunhais, inclusive
com precatórias, o que faz tardar a resolução judicial.
Ademais, o trabalho do Magistrado, em regra, só é reconhecido pela estatística do
número de despachos, audiências e sentenças prolatadas, não se registrando o atendimento aos
jurisdicionados e aos advogados, ou seja, o atendimento ao público. Os magistrados não são
reconhecidos pelo atendimento que prestam aos jurisdicionados e aos advogados, pois,
mesmo com as diversas formas de informações, as partes acreditam é no próprio Magistrado,
o que tira, deste, tempo que poderia ser utilizado na resolução material dos processos, não
podendo deixar de prestar as devidas informações garantidas na própria Constituição e na Lei
de Organização dos Magistrados – LOMAM.
Acrescente-se a isso o descrédito no Judiciário, mormente pela falta de cumprimento
das decisões judiciais, em que, mesmo a sentença sendo procedente, a parte ganha mas não
leva, ou seja, no momento da execução, cria-se uma via crucis, pela ausência de bens, pela
cultura do inadimplemento do mau pagador, e é essa falta de cultura das pessoas que constitui
um fatia da morosidade da justiça, por falta da cooperação das partes e dos advogados,
inclusive deixando de implementar a conciliação para realização mais rápida dos litígios.
O labor judicante exige resolver litígios alheios, sem resolver os seus próprios; urge,
desse modo, uma verdadeira vocação para fazer justiça, exigindo do magistrado que sinta
amor pelo que faz, amenizando as agruras do ofício.
O juiz tem suas emoções ao prolatar a sentença, podendo-se citar o exemplo de uma
ação de Acidente de Trânsito, em que o promovente vinha em uma bicicleta e a parte
promovida, um motorista de ônibus, que não efetuou a devida abertura para convergir...,
ficando a parte promovente embaixo do ônibus, fato que lhe custou a bexiga, os testículos e o
pênis; no azo, a vítima alegou
que não era mais “homem”, por falta de virilidade; e, sem
abandonar sua condição de magistrada, a autora não deixou de sentir a dor do jurisdicionado,
irmanando-se a ele. Ensina Lídia Reis de Almeida Prado:
[...] é no relacionamento afetivo que o magistrado encontra uma grande
oportunidade de melhorar o seu envolvimento com o arquétipo da sombra. Tais
relacionamentos podem ocorrer com os amigos de ambos os sexos, a esposa, os
filhos, os parentes. O importante é que haja amor e o julgador seja atingido através
de prismas diferentes daqueles colocados nas relações com as pessoas que o cercam
42
no seu ambiente de trabalho. Desse modo, de volta à própria vida, que talvez
abandonara para investir energia apenas no fato de ser juiz, poderá realizar um bom
Direito [...]. O arquétipo da anima, por meio de suas manifestações, pode ser um
importante aliado (embora não seja domesticável), porque alivia a pressão das
tensões afetivas e dos estados de ânimo desenvolvendo no homem a habilidade para
os relacionamentos, por possibilitar que cada um seja visto como realmente é.
Quanto aos juizes, a integração dos predicados desse arquétipo viabiliza que as
partes sejam consideradas em sua humanidade e com o mínimo de preconceitos.
Penso ser relevante para o estudo do fenômeno tratado por este livro analisar a
função da anima como atenuante das tensões dos magistrados, provavelmente
advindas, como ressaltei, do desgaste psíquico ocasionado pelo peso de uma
atividade que tem como matéria-prima a ambição, a dor, as desavenças e o
sofrimento. 7
Diz, ainda, a mesma autora:
[...] como a juizite costuma ser mais freqüente entre magistrados em princípio de
carreira – embora, lamentavelmente, possa persistir em alguns julgadores com mais
anos de idade -, acredito que a Escola de Magistratura seria um ótimo local para que
os recém-admitidos no Judiciário pudessem, desde o inicio, refletir sobre esse
problema. Decorre daí o fato de ter sugerido, como tema a ser examinado nas
Escolas, as possíveis conseqüências do uso do poder na judicatura. 8
Desde 1995, com a instalação da Escola Superior da Magistratura do Estado do CearáESMEC, não se contava com participação efetiva e freqüente dos magistrados. A crescente
afluência de juízes a eventos da ESMEC ocorreu somente após a E.C. 45/2004. com a
inclusão de participação em cursos de formação e aperfeiçoamento de magistrados, como
critério para promoção por merecimento. José Renato Nalini aduz:
[...] A via adequada para a sensibilização da consciência e para uma vivência ética
de um dever funcionar é a reformulação do sistema de recrutamento e o
investimento num projeto conseqüente de contínua e incessante educação judicial. A
ênfase na formação integral do juiz parte de uma constação que não é nova, nem
desconhecida: a incoerência crescente do direito, que participa de dois sistemas
inconciliáveis, na medida em que a coerência formal não pode conviver bem com a
realidade viva e múltipla. A formação dogmática e positivista está na raiz da
chamada crise da Justiça. Ela tem uma face que não é apreensível pela ciência
jurídica, pois envolve questões políticas, sociais, econômicas, históricas e até
psicológicos. [...] Por fim, a reflexão em torno ao papel confiado ao juiz numa
democracia nascente, as perspectivas de uma nova solidariedade reforçada pelos
laços simbólicos do Direito do qual ele, juiz, é o principal aplicador, suscitaria uma
saudável rebelião.[...] Rebelião no melhor sentido que se pudesse atribuir a tal
verbete. Reação à inércia. Repúdio ao imobilismo. Recusa a uma função subalterna a
inúmeros fatores externos e impedientes da realização de uma justiça humana mais
aproximada ao ideal nutrido pelo homem comum. Rebelião de que derivasse uma
aproximação mais sentida do que pressentida, mais vivenciada do que desejada pela
comunidade. Aproximação real entre direito e justiça, entre funcionamento da
máquina judicial e satisfação dos reclamos levados aos tribunais, entre jurisdição e
pacificação consensual da sociedade. 9
7
PRADO, Lídia Reis de Almeida. O juiz e a emoção: aspectos da lógica da decisão judicial. 3. ed. Campinas:
Millennium, 2005. p.49, 71.
8
Ibid., p.111.
9
NALINI, José Renato. A rebelião da toga. Campinas: Millennium, 2006.
43
O magistrado moderno tem que exercer, além de sua função judicante, a administrativa,
utilizando-se da administração organizacional que remonta aos tempos do “Código
Beneditino de Liderança”.10
Em sua função judicante e administrativa, a autora tem enfrentado desafios de gestão,
tendo, inclusive, instalado uma sala de conciliação, com um conciliador voluntário, uma vez
que as varas cíveis são híbridas, ou seja, fazem as vezes de Juizados Especiais, por ser opção
legal do autor, urgindo as mesmas condições para realizar as conciliações dos processo menos
complexos, quebrando o paradigma da tradicional justiça, apenas por decisão, em busca de
soluções alternativas por via conciliatória, mais célere e eficaz.
Nesta seara, na prática da magistratura, sente-se que os conflitos plasmados no
Judiciário são enraizados em problemas familiares, emergentes do fato de as pessoas em seu
lar não usarem o diálogo como solução para suas querelas, abarrotando o Judiciário, quando,
se as mesmas tivessem mais consciência, colocando-se umas no lugar das outras, todo esse
acúmulo poderia ser amenizado.
O magistrado não deve deixar de exercer, além da função judicante, também a
administrativa, sendo um gestor-líder, pois é seu dever conduzir sua equipe com respeito
mútuo, transparência e disciplina, ouvindo o funcionário e analisando a opinião, com o fito de
melhorar a organização da vara para uma prestação jurisdicional célere e eficiente,
contribuindo para a administração da justiça, com redução da morosidade tão decantada.
Para quebrar o paradigma do modelo arcaico, de que o mais importante é a decisão
judicial pela sentença, urge ampliar a utilização dos meios alternativos de solução de
conflitos, tais como: arbitragem, mediação e conciliação. Hunter ensina:
Existe a diferença entre gerência e liderança. Você gerencia coisas e lidera pessoas.
Liderança é habilidade de influenciar pessoas para trabalharem entusiasticamente
visando atingir objetivos identificados como sendo para o bem comum. [...]. Faz
ainda a diferença entre poder e autoridade. Poder é a faculdade de forçar ou coagir
alguém a fazer sua vontade por causa de sua posição ou força, mesmo que a pessoa
preferisse não o fazer. Autoridade é habilidade de levar as pessoas a fazerem de boa
vontade o que você quer por causa de sua influência pessoal. [...]. A autoridade diz
respeito a quem você é como pessoa, a seu caráter, à influência que estabelece sobre
as pessoas [...]. A chave para a liderança é executar as tarefas enquanto se constroem
relacionamentos [...]. Paradigmas são padrões psicológicos, modelos ou mapas para
10
GALBRAITH, Craig S.; GALBRAITH, Oliver. O Código Beneditino de Liderança: Organização e
gerenciamento de empresas de resultados. Tradução de Carolina Caíres Coelho. 2. ed. São Paulo: Landscape,
2005.
44
navegar na vida, mas podem se tornar perigosos se os tomarmos como verdades
absolutas, sem aceitarmos qualquer possibilidade de mudança [...]. Nesse caso, uma
vontade é simplesmente um anseio que não considera as conseqüências físicas ou
psicológicas daquilo que se deseja. Necessidade por outro lado é uma legítima
exigência física ou psicológica para o bem estar do ser humano. Um novo
empregado tem uma série de necessidades diferentes de alguém que trabalha há
vinte anos e conhece suas tarefas. Pessoas diferentes têm necessidades diferentes e
por isso acho que o líder precisa ser flexível.11
Como se vê, a liderança é uma conquista, não uma imposição de seu líder; uma quebra
do paradigma de que o líder não impõe, mas serve. O maior líder do mundo que pode ser
citado é Jesus Cristo, que veio, segundo ele próprio, para servir e não ser servido. Ser líder
não é satisfazer as vontades particulares, mas as da coletividade, do grupo da instituição, da
equipe, dentro dos limites, fazendo o que se necessita e não o que se quer.
A referida obra, O Monge e o Executivo, faz um alerta sobre a sensibilidade das
necessidades do outro, perpassando pelo poder e autoridade que exercem influência sobre as
pessoas. O que mais as pessoas esperam da família sanguínea e laboral é o respeito, o
reconhecimento, o incentivo e a consideração, para se sentirem estimulados nos seus
desempenhos. Mas o modelo administrativo não se deve deixar envolver por bajuladores ou
pessoas passivas.
Vale ressaltar, ainda, a necessidade de mudança de mentalidade, de cooperação dos
outros setores, como representantes do Ministério Público, Defensores Públicos, advogados e
jurisdicionados.
No labor judicante, a autora deste trabalho tem constatado que os advogados, muitas
vezes estressados, exigem atendimento urgente pelos servidores e juízes. No entanto, eles
próprios não colaboram para a celeridade processual, usando de meios protelatórios que a lei
lhes permite, e, muitas vezes, não colaboram com a conciliação entre as partes. Ao invés,
criam obstáculos, sendo responsáveis diretos pela lentidão da justiça.
É preciso fé e coragem para viver. O magistrado, em suas funções judicante e
administrativa, tem que dar exemplo de humildade, equilíbrio e coragem, merecendo citação
conhecido samba que diz; “aquilo que eu chorei, qualquer um chorava/ dar a volta por cima
meu bem/ quero ver quem dava/ um homem de coragem não fica no chão/ nem deixa que a
11
HUNTER, James C. O monge e o executivo. Tradução de Maria da Conceição Fornos Magalhães. Rio de
Janeiro: Sextante, 2004. p.25-27, 34, 42, 53.
45
mulher venha lhe dar a mão/ reconhece a queda, mas não desanima/ levanta sacode a poeira e
dá volta por cima”. Enquadrar-se-á, assim, na poética concepção de Khalil Gibran, no livro O
Profeta: “O trabalho é o amor feito visível”.12
O juiz tem o dever de reconhecer a dignidade humana, conferir a todos idêntico
respeito, mas, acima de tudo, o juiz há se respeitar e saber dizer um não, quando precisar, sob
pena de perder a credibilidade.
3.2 A EMENDA CONSTITUCIONAL N°. 45/2004: O TEMPO RAZOÁVEL
DO PROCESSO
A Emenda Constitucional nº. 45, acrescentou o inciso LXXVIII ao artigo 5º da
Constituição Federal, in verbis: “a todos, no âmbito judicial ou administrativo, são
assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua
tramitação”. Ensinam Tereza Arruda Alvim Wambier et al.:
Antes mesmo da inserção do inciso LXXVIII ao artigo 5º da CF/88, pela Emenda
constitucional 45/2004, a doutrina já defendia a garantia constitucional da tutela
jurisdicional tempestiva decorrente do inciso XXXV in verbis: ‘a lei não excluirá da
apreciação do poder judiciário, lesão ou ameaça a direito’.13
No mesmo sentido, Cruz e Tucci:
Impende reconhecer que a garantia da ampla defesa e o respectivo direito à
tempestividade da tutela jurisdicional no artigo V, XXXV, exprime a tutela
jurisdicional efetiva, adequada e tempestiva, consagrando o maior bem jurista justa
[...]. A tutela jurisdicional tem como finalidade manter a paz jurídica, mas com
exceção do inciso XXXVII, todos os indivíduos passam a ter constitucionalmente
assegurado, de maneira expressa, que a prestação da tutela jurisdicional seja
tempestiva.14
A morosidade do Judiciário vincula-se o fator tempo; na prática, o que se vê é uma
peregrinação do processo, pela permissividade legal de vários recursos judiciais, como
afirmou o Ministro do Superior Tribunal de Justiça, Gilson Dipp, por ocasião de um
seminário sobre a justiça e a sociedade, ocorrido na ESMEC, no dia 26 de Outubro de 2007.
Argüiu que fora feito um concurso para verificar quem seria capaz de aferir, em processo de
12
GIBRAN apud NALINI, José Renato et al. Uma nova ética para o juiz. São Paulo: RT, 1994. p.96-97 e 102.
WAMBIER, Tereza Arruda Alvim et al. Reforma do Judiciário: primeiras reflexões sobre a Emenda
Constitucional nº. 45/200. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. p.34.
14
CRUZ E TUCCI, José Rogério. Garantias constitucionais do processo civil. São Paulo: Saraiva, [s.d.]. p.32.
13
46
cobrança, quantos recursos cabiam, tendo sido vencedor o candidato que apresentou 53
recursos numa simples ação de cobrança.
Outro fator da morosidade da justiça é a falta de cooperação das partes e dos advogados,
operadores do Direito, e finalmente, a falta de recursos materiais e humanos, em contrate com
a grande demanda de ações dentro do Judiciário, tornando-o impotente para resolver em curto
prazo.
Ora, a tutela jurisdicional tempestiva é amparada pela Constituição Federal como direito
fundamental e, conseqüentemente, a demora do processo é inconstitucional, ferindo, portanto,
o direito fundamental do tempo razoável do processo.
O ponto nodal da questão é saber o tempo razoável do processo, ou seja, qual seria o
tempo que o processo levaria para findar, pois não há como perquirir qual o tempo de um
processo. A opinião desta autora, aplicando-se o princípio da razoabilidade e da
proporcionalidade, em busca da tutela tempestiva, é de que, na prática, o Judiciário não tem
condições de atender à grande demanda, decorrendo daí uma tutela intempestiva e
inconstitucional, cabendo até Mandado de Segurança, mas se tornará inócua a medida, por
que é publico e notório o grande numero de processos para cada juiz, impotente para o desafio
constitucional da tutela tempestiva, cabendo a cada um fazer sua parte, mas que não depende
só dele. Não se pode negar que a longa duração de um processo, a tão decantada morosidade
da justiça causa injustiça. Fernando da Fonseca Gajardoni tentando explicar o prazo razoável
de um processo diz:
[...] apesar de corrermos o risco de ser taxados ortodoxos, o tempo ideal do processo
é aquele resultante do somatório dos prazos fixados no Código de Processo Civil, de
todos os atos que compõe o procedimento, mais o tempo de trânsito em julgado dos
autos, justificando o quebramento da previsão da norma processual a alegação de
excesso de demanda. A duração razoável do processo pelo procedimento ordinário a
começar pela conclusão dos autos no artigo 190 do CPC é 24 horas; despacho do
juiz, 2 dias, art. 189, I do CPC; cumprimento do despacho, 48 horas, art. 190 do
CPC; audiência de instrução, 30 dias; alegações finais, 20 dias; sendo prazo razoável
para julgamento no procedimento ordinário, a princípio é de 131 dias, podendo este
prazo ser estendido com a demora da publicação, das intimações, a necessidade de
prova pericial, oitivas de testemunhas por cara precatória, argüição de incidentes
processuais com efeito suspensivo, enfim, o procedimento ordinário, no juízo a quo,
deveria ser julgado em menos de um semestre para ser considerado tempestivo e
constitucional.15
15
GAJARDONI, Fernando da Fonseca. Técnicas de aceleração do processo. São Paulo: Lemos & Cruz, 2003.
p.37-38.
47
Todavia, os meios que garantem a celeridade do processo não deixam de depender da
criatividade quase heróica dos magistrados, no seu múnus da hermenêutica, encarando as
demandas com a coragem de aplicar, por exemplo, a litigância de má fé, na apresentação de
expedientes protelatórios pelas partes, bem como apreciar a tutela antecipada, albergada nos
artigos 273 e 461 do CPC e 84 do CDC, garantindo a celeridade. Outro matiz, inserido no
ordenamento jurídico para combater a morosidade, foi a criação dos juizados especiais, com
relevo no princípio da informalidade, celeridade e economia processual.
A tempestividade do processo envolve questões dos prazos processuais, bem quanto o
compromisso de o Poder Judiciário estruturar-se com recursos materiais e humanos, além de
maior consciência dos operadores do direito em busca de uma mudança de mentalidade,
migrando para outras formas de solução do conflito, como a conciliação, para minorar a
morosidade judiciária, pois, conforme Rui Barbosa,: justiça tardia é injustiça. Assim, o tempo
razoável do processo, referido na Emenda Constitucional 45/2004, não resolverá o problema
da morosidade da justiça, pois esta depende de uma nova mentalidade dos operadores do
Direito, dos jurisdicionados, mormente do Poder Público, que é o maior cliente do Judiciário,
responsável pelo excesso de demandas. Na Comarca de Fortaleza, por exemplo, nas sete
varas da Fazenda Pública existentes, a demanda para cada uma gira em torno de 10.000
processos, decorrente do descumprimento da lei e das decisões judiciais. Áurea Pimentel
Pereira, logo no prefácio, ensina:
[...] a solução do problema da morosidade da Justiça depende de fatores diversos,
que passam pela necessidade de uma reformulação mais completa da legislação
processual, de modo a garantir rapidez à tramitação dos processos e a instituição de
um sistema de divisão de trabalho mais humano para os juízes que, atualmente, em
número insuficiente no país, encontram-se assoberbados de serviço, para atender à
enorme demanda dos que recorrem a Justiça, para a restauração de direitos violados
[...]. A proposta do legislador constituinte derivado, feita na E.C. 45/2004, de
introduzir na Carta Magna disposições que, na sua visão, seriam capazes de
assegurar maior celeridade na distribuição da Justiça, é, em princípio, merecedora de
aplausos. Severa crítica, porém, deve ser feita à Emenda, quando instituiu, para o
Poder Judiciário – e só para este Poder, frise-se – um órgão de controle (Conselho
Nacional de Justiça), que tendo em sua composição, ao lado de magistrados, pessoas
estranhas ao referido Poder, desconsidera o princípio da tripartição dos Poderes, na
Carta Magna consagrada, anotando-se que constituiu, ademais, absoluta atecnia
incluí-lo no artigo 92 da C.F., dentre os órgãos integrantes do Poder Judiciário.16
Por sua vez, o Desembargador Sergio Cavalieri Filho ao fazer a apresentação do
referido livro diz:
16
PEREIRA, Áurea Pimentel. A reforma da Justiça na Emenda Constitucional 45/2004. Rio de Janeiro:
Renovar, 2006.
48
a verdadeira reforma do Judiciário não é da Constituição, mas sim de gestão de
programa de informatização. Quanto ao Conselho Nacional de Justiça a questão
nodal a ser enfrentada, é o controle da consciência do juiz nas suas decisões, mas
ninguém consegue controlar a consciência do verdadeiro juiz na hora de julgar.
Quem tem fome e sede de justiça, e essa é a maior necessidade da sociedade, não
aceita ser julgado por juízes dependentes, subordinados, controlados ou serviçais dos
outros poderes. Veementemente, diante da morosidade da justiça, buscam-se outros
caminhos que possam propiciar uma prestação jurisdicional mais rápida, sem
prejuízo de sua eficiência, e, como a implantação dos juizados especiais se deu
homenagem à efetividade do processo, resgatando a confiança na justiça, devendo o
juiz ter mentalidade aberta e flexível a novas concepções.17
Ademais, retrate-se a lei 9099/95 como um apelo da mídia às críticas dirigidas ao
Judiciário, mormente pela morosidade da justiça que precisa mudar a estrutura arcaica, o
formalismo e a mentalidade dos juízes, com o fito de uma mais efetiva prestação jurisdicional.
Saliente-se que a aludida lei não solucionou plenamente o problema da morosidade, vez
que, por trás da crise do Judiciário, existe outra mais abrangente, política, social e econômica,
que dificulta vislumbrar o Estado Democrático de Direito e o resgate da cidadania e da
dignidade humana.
No entanto, os juizados cíveis e criminais dimanam esperança quanto ao atingimento de
uma justiça mais célere, eficiente e democrática, acessível à classe menos favorecida.
3.3 CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA E A CONCILIAÇÃO
A Emenda Constitucional 45/04 alterou o artigo 92 da CF/88, acrescentando o inciso Ia, incluindo no elenco dos órgãos do Poder Judiciário o Conselho Nacional de Justiça, o qual
não tem função jurisdicional. O Conselho é composto de 15 membros com mais de 35 anos e
menos de 65 anos, com mandato de 2 (dois) anos, admitida uma recondução, assim distribuída
sua composição: um Ministro do STF; um Ministro do STJ; um Ministro do TST, todos
indicados pelos respectivos tribunais; um Desembargador de Tribunal de Justiça, indicado
pelo STF; um juiz estadual, indicado pelo STF; um juiz do TRF, indicado pelo STJ; um juiz
federal, indicado pelo STJ; um juiz do TRT, indicado pelo TST; um juiz do trabalho, indicado
pelo TST; um membro do Ministério Público da União, indicado pelo Procurador Geral da
República; um membro do MPE, escolhido pelo Procurador Geral da República; dois
advogados, indicados pelo Conselho Federal da OAB, dois cidadãos de notável saber jurídico
e reputação ilibada, indicados uma pela Câmara dos Deputados e outro pelo Senado. Áurea
Pimentel Pereira, acrescenta:
17
Ibid., 2006. p.8
49
A criação para o Poder Judiciário de um órgão de controle com dimensões
nacionais, mas o artigo 103-b, inserido pela emenda Constitucional 45/04 compôs o
Conselho Nacional de Justiça, pessoas estranhas ao poder judiciário, que foram
investidas de poderes censsórios em relação ao poder. A competência do Conselho
Nacional de Justiça, nos termos dos parágrafos 4º e 5º, tendo expedido resoluções
tais como: a extinção das férias coletivas; novas regras de promoções de magistrados
pelo critério do merecimento; proibiu a pratica do nepotismo; estipulou o recesso
forense do dia 20 de Dezembro a 06 de Janeiro, garantido atendimentos urgentes,
novos ou incursos por meio de plantões; a competência do Conselho Nacional de
Justiça é o controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário.18
Vale destacar, a investida do Conselho Nacional de Justiça, que determinou a
conciliação como meio inicial da solução célere dos conflitos, criando para isso um dia
nacional, 08/12/2006, para a efetiva arrancada conciliatória no país, sendo tal dia modificado,
no ano de 2007, para uma semana no período de 3 a 8 de dezembro. Esse movimento nacional
de práticas conciliatórias desencadeou a criação de um processo de mudança de mentalidade
dos operadores do Direito e dos jurisdicionados, objetivando um novo modelo cultural de
diálogo, adotado para a solução dos litígios, quebrando o paradigma da Justiça tradicional da
solução de litígios por via decisória, mitigando a crise da justiça com meios alternativos, no
caso, a conciliação, ou seja, a justiça consensual.
3.4 CONCILIAÇÃO NA VARA CÍVEL
A conciliação foi inserida no artigo 98, I, da CF/88, para os Juizados Especiais
Estaduais, sendo obrigatória a audiência de conciliação no rito sumaríssimo. Daí, originou-se
a lei 9099/95, de formação dos Juizados Especiais Estaduais, para as causas de valores até 40
salários mínimos e em relação à matéria, consoante o artigo 275 do CPC, expressando a lei
ser opção do autor ajuizar ação no Juizado ou na Justiça comum, enquanto os Juizados
Federais, com causas até 60 salários mínimos, não comportam a opção do autor, o que
deveria ser, também, obrigatório, vez que nas varas cíveis podem ser acionadas as mesmas
ações dos Juizados Especiais, pelas pretensas alegações de serem os Juizados Especiais
Estaduais, opção do autor, sobrecarregando tais varas, inclusive tendo que engendrar
posicionamentos e procedimentos para implementar a conciliação. Diga-se, mais: os Juizados
Especiais Estaduais estão abarrotados e, na prática, as pessoas estão procurando a justiça
comum, causando engarrafamento maior nas varas cíveis, que deveriam ser mobilizadas para
julgar causas de maior complexidade.
18
Ibid., 2006. p.88.
50
Ora, em sendo opção do autor intentar as mesmas ações nos Juizados Especiais ou nas
varas cíveis, os juízes destas passam a ter vital função de facilitador, logo, assumindo o
múnus de conciliador, enquanto nos Juizados Especiais o conciliador pode ser leigo ou Juiz
togado, sendo obrigatória a audiência de conciliação. Se, nas varas cíveis, não há esse tipo de
estrutura- confundindo-se na função do Juiz a de conciliador- obrigam-se, os Juízes, a adquirir
condições técnicas específicas para exercerem papel de conciliadores.
É aconselhável a implantação da conciliação em todos os âmbitos, para minorar a
morosidade da justiça, sendo este o único meio palpável para afastar essa quase proverbial
condição crítica do Judiciário. Ademais, fórmulas de conciliação poderão atender ao ditame
constitucional no prazo razoável do processo, não apenas a conciliação pela conciliação, mas
a tentativa do diálogo para o entendimento entre as pessoas, tornando mais eficaz o consenso
do que a tradicional sentença, ou seja, instituindo a avença espontânea.
João Baptista de Mello e Sousa Neto acredita na conciliação como meio de atribuir-se
justiça aos envolvidos, como modo rápido e prático de solução do problema. Sousa Neto
lembra:
Despido o magistrado do preconceito contrário, quanto a se dedicar francamente à
tarefa de obter a conciliação e, também ele, desprovido da vaidade de ver sua ‘bela’
sentença elogiada pelos Tribunais, estará livre para perceber, na fase de conciliação,
o que significa incorporar a lei. A fala inicial do Magistrado nas audiências de
conciliação penetra a consciência dos envolvidos e com eles mantém contato direto.
É um desperdício perder esse momento por ignorar sua importância e eficácia.19
Forçoso é concordar com o referido autor, vez que os juízes de varas cíveis de
Fortaleza, quando se reúnem, informalmente, na Cantina dos Magistrados do Fórum Clóvis
Beviláqua, reclamam, amiúde, o acúmulo de processos e a impotência para solvê-los, por
conta da grande quantidade demandada, decorrendo, daí, o decantado estresse da função
judicante, vendo como um dos meios de solução prática, a conciliação, na esperança de
mitigar a lentidão processual e, conseqüentemente, a referida demanda.
Hoje, o juiz há de assumir nova postura, passando da passividade para a atividade, com
criatividade responsável e evidente competência técnica, no intuito de promover celeridade
processual. Atuando, circunstancialmente, como conciliador, o juiz sairá do comodismo da
solução tradicional, por meio de sentença, ensejando uma justiça mais célere e eficiente,
mediante a racionalização do tempo.
19
SOUSA NETO, João Baptista de Mello e, op. cit., 2000. p.48.
51
É notório que a conciliação nas varas cíveis é muito difícil, diferentemente da
conciliação nos Juizados Especiais, devido à complexidade das causas. No entanto, apesar
desta dificuldade, é possível desenvolver um serviço paulatino e positivo, conscientizando os
jurisdicionados e os operadores do Direito, no ato audiencial, sobre a probabilidade de as
próprias partes entabularem um acordo para a solução do conflito, por intermédio do diálogo,
embasado na teoria do discurso de Habermas, quebrando o paradigma da existência de um
vencedor (evoluindo para vencedores), de modo a abranger o entendimento, retirando o
ambiente de stress criado pela demanda judicial.
Um caso prático, ocorrido na 25ª Vara Cível da Comarca de Fortaleza, deu-se no
interregno de uma audiência em uma ação de cobrança de containeres, por ocasião da criação
do porto do Pecém, em que não se estava recebendo os containeres no porto do Mucuripe e a
parte promovida disse que ia tentar entabular o acordo porque o processo ia demorar muito e a
empresa iria ter prejuízo, alegando, portanto, o tempo do processo.
É difícil realizar um acordo porque falta às pessoas a cultura do diálogo, da
compreensão (ou seja, colocando-se um no lugar do outro) da cooperação e da solidariedade,
deixando tudo para o juiz resolver, tendo, assim, o jurisdicionado uma parcela de culpa pela
morosidade da Justiça.
A conciliação está prevista no art. 331, CPC, apesar de, pelo parágrafo 3º do referido
artigo, modificado pela Lei 10.444, não ter mais caráter obrigatório. A conciliação ainda está
prevista no art. 447 e na Lei dos Juizados Especiais Estaduais e Federais.
A conciliação é de grande valia para solução alternativa dos conflitos, em face das
decisões judiciais e da realidade social da morosidade da justiça, pois, no plano concreto,
existe um divisor de águas entre o conflito real e o aparente, ou seja, o que está nos autos é
diferente do real conflito. Assim, a conciliação, como meio alternativo de solução de
conflitos, não é apenas para desafogar o Judiciário, quanto à redução dos processos, mas,
além disso, forma de criar uma cultura do diálogo e da responsabilidade de as próprias partes
serem juízes, para solucionarem seus conflitos.
Na prática, o conciliador precisa ouvir os dois lados, deixando que as pessoas
desabafem. Nesse sentido, o juiz é um terapeuta, dando oportunidade de as partes falarem
sobre o real problema, de modo a se observarem os mal entendidos, quando da explicação
sobre o que há por trás da querela, fazendo com que uma parte se coloque no lugar da outra,
52
para que se tenha uma real posição sobre o caso e, posteriormente, possam chegar a um
acordo, expurgando os preconceitos. Desta forma, quantos processos judiciais poderiam ser
evitados, simplesmente, se as pessoas se posicionassem no lugar das outras e vissem, dessa
forma, como está sendo entendida a querela pela outra parte!
O filme “Terminal” retrata a dissensão entre a lei e o bom senso. É o exemplo de um
homem que estava precisando comprar um remédio e, se não o tomasse em 24 horas,
morreria. Ao tentar comprá-lo, não pôde fazê-lo, porque não estava com a receita. O vendedor
ainda retrucou que, se fosse para animais irracionais, poderia ser feita a venda sem a
prescrição médica. Daí, a lição do bom senso, de que a lei é feita para o homem e não o
homem para a lei; a vida está acima da lei.
Nos termos do artigo 5º da Lei de Introdução ao Código Civil, o juiz exerce uma
função social. Na prática da judicatura, a autora deste trabalho costuma observar, durante as
audiências, o quanto o corpo fala, principalmente por intermédio dos olhos, quando um gesto
vale mais do que uma palavra. Quantas pessoas já foram prejudicadas por uma decisão
judicial, pois a lei é diferente da justiça e, em nome da lei, quantas injustiças se cometem
dentro do Poder Judiciário! Por isso, o juiz deve ser um hermeneuta da mens legis, deixando
de ser o frio aplicador da lei.
No ato audiencial, o Juiz deve fazer um trabalho de formiguinha, conscientizando,
fazendo com que as pessoas tentem uma conciliação, não apenas um acordo; que, através do
diálogo, tenham uma satisfação pela discussão do real conflito, de modo a levar a um estado
de felicidade as partes antes em litígio, pois o alvo é descobrir o conflito real por meio do
desabafo, embora não ocorra o acordo. Com isso, quebra-se o paradigma de que mais vale um
mau acordo do que uma boa questão. O mais importante é que as partes saiam satisfeitas e
não façam um acordo simplesmente por fazer.
Na busca do acordo, deve-se criar um ambiente harmônico, desarmando os advogados e
as partes, explicando que o próprio magistrado não é dono da verdade. É comum, em
audiência, os advogados quererem mostrar conhecimento diante de seus clientes, discutindo o
Direito; enquanto isso, são alertados para o fato de que, na conciliação, não se pode sequer
reconhecer a culpa, pois há um Princípio Geral do Direito que aduz: ninguém poderá alegar a
própria torpeza.
53
Nesse tom descontraído, em que uma parte ouve a outra, colocando-se em seu lugar, e
vice-versa, torna-se mais fácil o acordo. É notório que nas varas cíveis é difícil um acordo; a
propósito, vem a lume um caso de uma ação de embargo de obra, em que se estava a discutir
três palmos e meio que iria adentrar no muro da autora, A audiência ocorreu na Semana da
Conciliação (3 a 8 de dezembro de 2008), determinada, em todo país, pelo Conselho Nacional
de Justiça. No momento da audiência, a parte autora fez a proposta de 13.000.00(treze mil
reais), enquanto a parte promovida, fez a de 3.000.00 (três mil reais). A autora deste trabalho
perguntou quanto valia o terreno, chegando-se a um valor total de 10.000,00(dez mil reais).
Demonstrou-se que a autora tentava utilizar o Poder Judiciário para enriquecimento ilícito, o
que não era permitido. Finalmente, as partes fizeram acordo, em torno do valor sugerido pela
parte promovida.
A prática conciliatória quebra o paradigma de que a sentença é a única forma de solução
de conflitos. Ademais, a Emenda Constitucional Nº. 45/2004, implementou a duração
razoável do processo, para o combate à morosidade da justiça A autora rende-se, acima de
tudo, ao caráter instigante do instituto da conciliação, pois por ser o juiz facilitador do
primeiro entendimento e, conseqüentemente, das avenças, desenvolve prática que evita o
mero corte das desavenças, deixando um vitorioso e outro derrotado.
Ocorre que a Lei 9099/95, que criou os Juizados Especiais Estaduais, menciona ser
opção do autor ajuizar suas ações específicas, tanto nos Juizados Especiais Estaduais quanto
nas varas cíveis, com o que não se pode concordar, por ser inconstitucional, já que o
procedimento sumaríssimo foi criado pela Constituição para os referidos Juizados Especiais,
com suas características principiológicas: simplicidade, oralidade, celeridade, informalidade,
o que não condiz com o procedimento ordinário das varas cíveis; acrescente-se que as causas
atinentes aos Juizados Especiais Federais são obrigatórias; assim, porquanto, as dos Juizados
Especiais Estaduais também deveriam ser.. A autora defende que a competência para essas
causas de menor complexidade deveria ser exclusiva dos Juizados Especiais Estaduais, como
ocorre no âmbito dos Juizados Especiais Federais.
Defende-se que o juiz assuma a gestão do processo, pois, na prática, o processo, após
entrar no labirinto judicial, tem uma saída sempre complicada e difícil, a partir da morosidade
dos procedimentos; numa das vias alternativas, que é a conciliação, segue-se a determinação
do CPC (art. 331), realizando audiência conciliatória, etapa do procedimento ordinário.
Causas de procedimento sumário (art. 277, CPC), com alçada até sessenta salários mínimos,
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assim como as dos juizados especiais, que estejam tramitando nas varas cíveis, ensejam
audiência prévia de conciliação, com conciliador, formado em Direito, como já ocorre nos
juizados especiais. Assim, é lícito defender-se a criação da função de conciliador para os
demais feitos que tramitam nas varas cíveis.
Verdade é que, mantida a estrutura atual de funcionamento das varas cíveis, faltam
condições para que estas abarquem os mesmos ritos e procedimentos aplicáveis às questões de
competência dos juizados especiais, somente por conta da letra fria da Lei 9.099/95, que
garante a prevalência da opção do autor.
Nessa esteira, nas varas cíveis, o juiz exerce a função de conciliador, com o fito de
buscar a satisfação das partes para as avenças, instituindo a cultura do diálogo, mais
satisfatória que o modelo tradicional sentencial, com a vitória de um e a derrota do outro.
Persiste, contudo, a falta de prontidão para a celeridade processual, presente nos Juizados
Especiais.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A administração da Justiça não é apenas a concentração isolada de providências nos
casos concretos em litígio, mas, também, a aplicação de políticas inovadoras à gestão
processual, como o uso da conciliação, mais célere, carência (ou ausência) tão questionada
nos procedimentos judiciais. . É necessário criar novas rotinas procedimentais, em busca da
decantada celeridade.
No entanto, a Administração Judiciária continua a sofrer a carência de recursos
humanos e materiais, a disponibilidade de parcos instrumentos de trabalho e o excesso de
formalismo e burocracia nos procedimentos judiciais.
Pode-se afirmar, pois, que a gestão das atividades judiciárias não é funcional. Antes
mesmo de apelar para as necessárias (e sempre tardias) reformas da legislação e para a
adequação (qualitativa e quantitativa) dos recursos humanos e materiais, uma boa gestão não
pode prescindir da mudança de mentalidade dos operadores do direito, assim considerados
juízes, promotores, advogados, demais serventuários do Poder Judiciário e os próprios
jurisdicionados.
Simultaneamente ao estabelecimento de uma política sistemática de renovação do
“pensamento” no que pertine à aplicação do Direito, devem ser amiudados os esforços em
busca da agilização dos trâmites procedimentais e a adoção de soluções ousadas – mas jamais
meramente “criativas” ou heróicas - para gestão do processo, adotados ou assumidos
princípios basilares, como os da informalidade, da simplicidade, da oralidade, dos quais fluirá
certamente o da celeridade.
A tempestividade do processo envolve questões dos prazos processuais, bem quanto o
compromisso de o Poder Judiciário estruturar-se com recursos materiais e humanos, além de
adequada consciência dos operadores, na adoção das mudanças, migrando para outras formas
de solução do conflito, como a conciliação, para mitigar a morosidade judiciária.
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A crença na Justiça depende, necessariamente, da melhor qualidade da prestação
jurisdicional, e passa pelo aprimoramento do nível intelectual de todos os operadores do
direito (não incluídos, evidentemente, os jurisdicionados), viabilizando, na ponta da linha, o
encurtamento das distâncias históricas, entre um Judiciário mais sensível e uma sociedade
carente de justiça.
Antes de qualquer propositura de uma política efetiva de aprimoramento e adequação
dos recursos humanos de Poder Judiciário, para condução da necessária “mudança de
mentalidade” – condição sine qua non para a eliminação progressiva da morosidade quase
crônica dos feitos judiciais – é necessária uma rápida digressão sobre a influência das
decisões judiciais junto à comunidade. Relevado o fato de o chamado “acesso à Justiça”
continuar sendo algo distante, quase impensável, sob a ótica da maioria dos cidadãos, a
maioria avassaladora dos que buscam solução para seus conflitos pela via judiciária
conforma-se com a decisão do juízo singular, de primeira instância. O recurso a instâncias
superiores, colegiadas é privilégio de uma parcela mínima dos cidadãos, representada pelos
mais favorecidos, economicamente.
Sob outro ângulo, o caminho para o colegiado da Organização Judiciária de cada Estado
começa a ser trilhado – com a participação de advogados e representantes do Ministério
Pùblico, na composição dos tribunais – por juízes singulares, desde sua nomeação para a
função, em comarca de 1ª entrância, em pequeno município interiorano.
Diante de tais considerações, é possível estabelecer uma ilação, de modo algum abusiva
ou irresponsável: providências da Administração Judiciária, visando à criação de novas
mentalidades, à formação de juízes polivalentes, aparelhados para exercerem funções
múltiplas de julgadores, administradores, consultores, conciliadores, enfim, de agentes de
mudanças, devem ser concentradas, sistemática e periodicamente, em juízes singulares,
durante toda sua vida profissional, antes de serem alçados, se for o caso, ao patamar da
desembargadoria.
O Poder Judiciário foi o último componente da Administração Pública a aderir à criação
de programas, entidades e mecanismos de capacitação, aperfeiçoamento e especialização do
componente humano, a partir da reforma que criou a Escola Nacional de Magistratura,
paulatinamente descentralizada para as congêneres, em organizações judiciárias estaduais.
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Todas as dificuldades de um jovem magistrado – entregue à sina de juiz-substituto, em
longínquo município interiorano, munido do diploma de bacharel em Direito, de algum
certificado de pós-graduação lato sensu, sem nenhuma experiência de vida ou atividade
judicante – poderão ser contornadas ou eliminadas, desde que a Organização Judiciária ponha
à sua disposição:cursos de formação, posteriores à aprovação no concurso para juiz, mas
anteriores à assunção da função, na comarca de primeira entrância; programas
interdisciplinares de treinamento, que possibilitem aos juízes evoluírem, da condição de frios
aplicadores da lei a situações litigiosas, para a de gestores de feitos judiciais, conciliadores e
agentes de mudanças; realização de eventos periódicos, visando à educação continuada dos
operadores do direito, preparando-os para o permanente desafio que a evolução do
conhecimento exige; Corregedoria aparelhada para acompanhamento sistemático das
atividades judiciais, mediante avaliação destas e ajustamentos progressivos. A Corregedoria
deixaria de ser uma “máquina estatística” das quantidades (!) de atos praticados pelos juízes,
debruçando-se sobre seus problemas funcionais e pessoais, e garantindo-lhes assistência
individualizada, nas eventualidades.
Para os que não acreditam na crença de juízes em processos de desenvolvimento pessoal
(especialmente daqueles que atuam, já, na última entrância), à vista das dificuldades
anteriores, para formação de turmas em cursos da ESMEC, a exigência constitucional (E.C.
45/2004) de critérios objetivos, para promoção de juízes por merecimento, reverteu, em parte,
esse desinteresse, levando boa parte dos magistrados a voltar a freqüentar cursos regulares e a
procurar produzir, intelectualmente.
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Monografia Lira Ramos de Oliveira