Conteúdo
1 Preliminares
5
1.1 Polinómios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 5
1.2 Extensões de Corpos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9
1.3 Teoria de Galois . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 20
25
2 Sn como grupo de Galois
2.1 Preliminares . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 25
2.2 Elementos algebricamente independentes sobre Q . . . . . . . 26
2.3 Polinómios cujo grupo de Galois é Sn . . . . . . . . . . . . . . 30
3 Números Construtíveis
35
3.1 Preliminares . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 35
3.2 Extensões quadráticas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 39
4 Polinómios com raízes não exprimíveis por radicais
45
4.1 Extensões por radicais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 45
4.2 Polinómios sem zeros exprimíveis por radicais . . . . . . . . . 54
5 Problema Inverso de Galois
59
5.1 Extensões das Séries Formais de Laurent . . . . . . . . . . . . 60
5.2 Extensões de K(x) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 70
3
4
CONTEÚDO
CONTEÚDO
1
Em 1830, Galois associa um grupo, o qual é hoje conhecido como sendo
o grupo de Galois, a uma dada equação polinomial f (x) = 0. Dado f (x) =
xn + an−1 xn−1 + ... + a0 , com coeficientes a0 , a1 , ..., an−1 ∈ K e raízes α1 , ..., αn
nalguma extensão de K, formamos um corpo ∆ tal que ∆ é o menor corpo
que contém K e α1 , ..., αn . Assim construído, a ∆ dá-se o nome de corpo de
decomposição de f (x). O grupo de Galois de f sobre K é o grupo de todos
os K-automorfismos de ∆ e nota-se por G(∆ : K). Mostra-se que é, a menos
de isomorfismo, um subgrupo de Sn , o grupo simétrico em n elementos.
Um grupo é simples se não tem subgrupos normais. Um subgrupo H de
um grupo G é normal se para todo g ∈ G, gHg −1 = H. Nota-se por H ≤ G
o facto de H ser subgrupo de G e por H E G o facto de H ser subgrupo
normal de G. Todo o grupo finito pode ser expresso da forma
id = H1 E H2 E ... E Hr = G,
onde cada Hi /Hi−1 é simples. Se cada um dos grupos quocientes simples
obtidos for cíclico, então G diz-se solúvel. Se para G tomarmos o grupo
G(∆ : K), onde ∆ e f são como acima, dizemos que equação
f (x) = 0
é resolúvel por radicais se é possível calcular os zeros de f (x) a partir dos
coeficientes de K através um números finito de adições, diferenças, produtos,
quocientes e extracções de raízes. Galois demonstra que a equação f (x) = 0 é
resolúvel por radicais se e só se G(∆ : K) é um grupo solúvel. Galois observa
que o grupo simétrico S5 não tem essa propriedade, o que explica o facto
de a equação geral do 5◦ grau não ser resolúvel por radicais, ou, por outras
palavras, de não existir uma fórmula resolvente geral com radicais para as
equações do 5◦ grau. A teoria dos grupos, criada por Galois no decurso
da sua investigação sobre a resolubilidade de equações, teve posteriormente
enorme desenvolvimento noutras áreas. Também a teoria dos corpos e das
suas extensões se veio a revelar fundamental noutras áreas da matemática.
A dificuldade em calcular o grupo de Galois de certos polinómios é um dos
aspectos desta teoria que se mantém insatisfatório. Assim, a correspondência
entre equações polinomiais de grau n e subgrupos de Sn só é viável para
valores muito pequenos de n. Como é impossível compreender completamente
esta correspondência, para todo n, é natural levantar a seguinte questão:
Será que todos os subgrupos de Sn ocorrem, pelo menos uma vez, nesta
correspondência, isto é, será que todo o subgrupo de Sn corresponde a algum
2
CONTEÚDO
polinómio de grau n? Esta questão é uma formulação do Problema Inverso da
Teoria de Galois. Hilbert foi pioneiro no estudo deste problema. Ele começou
por mostrar, através do seu teorema da irredutibilidade, que é suficiente que
grupos ocorram como grupos de Galois de polinómios sobre o corpo Q(x).
O facto de existirem várias extensões de Galois de determinado tipo não
isomorfas leva à introdução do conceito de rigidez. Este garante-nos que,
sob determinadas condições, um dado grupo finito ocorre como grupo de
Galois sobre Q, e que a extensão de Galois associada é única, a menos de
isomorfismo.
Começamos no capítulo 1, por rever alguns conceitos básicos sobre polinómios,
extensões e teoria de Galois necessários para o desenvolvimento do trabalho.
A maioria das demonstrações será omitida.
No capítulo 2, será demonstrado que, para todo o inteiro positivo n, existe
um polinómio em Q cujo grupo de Galois é isomorfo a Sn . Neste capítulo
será essencial a utilização do Teorema de Hilbert. Este permite-nos, dado um
polinómio irredutível f (x1 , x2 , ..., xn , y) em n + 1 variáveis sobre Q, concluir
que existem valores racionais para x1 , x2 , ..., xn para os quais o polinómio
resultante em y seja irredutível sobre Q.
Os números construtíveis são a base do capítulo 3. Um número real α
diz-se construtível se existe um segmento de comprimento |α| obtido a partir de um segmento de recta unitário num número finito de passos usando
apenas uma régua não graduada e um compasso. Veremos que, sendo α um
real construtível, então o seu grau sobre Q, degQ α, é uma potência de 2.
No entanto, também será visto que esta não é uma condição suficiente, uma
vez que existem reais α tais que degQ α é uma potência de 2 e α não é construtível. A demonstração deste teorema assentará no Teorema demonstrado
no capítulo 2.
No capítulo 4 será dada uma condição necessária e suficiente para um dado
polinómio ser resolúvel por radicais. Mostra-se também que, para todo n ≥ 5,
existem polinómios em que nenhuma das suas raízes pode ser exprimível por
radicais.
No capítulo 5 começamos por introduzir o conceito de pontos de ramificação e de classes de conjugação de uma dada extensão de Galois. Introduzimos à custa destes conceitos certas classes de equivalência, formadas por um
grupo de Galois, os pontos de ramificação e o conjunto das classes de conjugação associadas aos pontos de ramificação, e demonstra-se que, a menos de
isomorfismo, para cada classe de equivalência dada, existe uma única extensão de Galois finita de C(x). A existência de tais extensões é-nos garantida
CONTEÚDO
3
pelo teorema de Riemann, o qual será apenas enunciado, não se conhecendo
demonstração algébrica.
4
CONTEÚDO
Capítulo 1
Preliminares
Começamos por relembrar alguns conceitos importantes para o trabalho.
Neste capítulo muitas das demonstrações serão omitidas. Os resultados podem ser encontrados em [3], [4] e [8].
1.1
Polinómios
Todos os anéis considerados neste trabalho são unitários e associativos. Um
anel comutativo A diz-se um domínio de integridade se, para todo a, b ∈
A, sempre que ab = 0 então a = 0 ou b = 0.
Relembramos agora o conceito de característica.
Definição 1.1.1 Seja A um anel. Consideremos o conjunto
An = {a ∈ A : na = 0} ,
para cada n ∈ N. Se para qualquer natural n, se tem An 6= A, diz-se que
A tem característica zero e escrevemos car(A) = 0. Caso contrário, se
existe algum natural n tal que An = A, então a característica de A é o
menor natural n0 tal que An0 = A e escrevemos car(A) = n0 .
Definição 1.1.2 Dizemos que K é um corpo se K é um anel comutativo
onde K\ {0} é não vazio e (K\ {0} , ·) é um grupo abeliano.
Definição 1.1.3 Seja A um anel comutativo com identidade. Designamos
por polinómio em A na incógnita x a expressão
n
P
f (x) = an xn + an−1 xn−1 + ... + a0 = ai xi ,
i=i
5
6
CAPÍTULO 1. PRELIMINARES
onde ai ∈ A e n ∈ N. Aos elementos ai (i = 0, 1, ..., n) chamamos coeficientes de f (x). Ao maior expoente de x que tem coeficiente não nulo em
f (x) chamamos o grau de f (x) e escrevemos deg f(x) para designar este
grau. Dizemos que o polinómio nulo tem grau −∞. Seja n o maior inteiro tal
que an 6= 0. Ao elemento an chamamos coeficiente principal. Se an = 1,
dizemos que f (x) é um polinómio mónico.
É fácil verificar que o conjunto de todos os polinómios com coeficientes
num anel A numa incógnita x forma um anel, o qual notaremos por A[x], o
anel de polinómios em x com coeficientes em A.
Dado D um domínio de integridade, D[x] também o é. O seu corpo das
fracções é
½
¾
f (x)
D(x) =
: f (x), g(x) ∈ D[x], g(x) 6= 0 .
g(x)
O teorema seguinte permite-nos a divisão de polinómios semelhante à divisão
conhecida para os naturais.
Teorema 1.1.4 (Teorema da Divisão) Sejam K um corpo e f (x), g(x) ∈
K[x], com f (x) 6= 0. Então existem polinómios únicos q(x), r(x) ∈ K[x], com
deg r(x) < deg f (x) tais que
g(x) = q(x)f (x) + r(x).
Demonstração [3, Teoema I.2.5] ¤
Definição 1.1.5 Sejam K um corpo e f (x), g(x) ∈ K[x].
(a) Dizemos que f (x) divide g(x) se existe q(x) ∈ K[x] tal que g(x) =
q(x)f (x). Neste caso escrevemos f (x) | g(x); caso contrário, f (x) g(x).
(b) Dizemos que d(x) é um máximo divisor comum em K[x] de f (x) e
de g(x) se d(x) divide f (x), d(x) divide g(x) e, se, sempre que algum
h(x) ∈ K[x] divida f (x) e g(x), então h(x) divide d(x). Neste caso,
escrevemos m.d.c(f(x),g(x)) = d(x).
(c) Dizemos que f (x) e g(x) são primos entre si se 1 é o máximo divisor
comum de f (x) e g(x), isto é, se m.d.c(f (x), g(x)) = 1.
1.1. POLINÓMIOS
7
Definição 1.1.6 Sejam A um anel comutativo com identidade e f (x) ∈ A[x]
tal que deg f (x) ≥ 1. Dizemos que f (x) é um polinómio irredutível em
A[x] se não existem g(x), h(x) ∈ A[x] tais que deg g(x), deg h(x) < deg f (x)
e f (x) = g(x)h(x).
Relembramos que se f (x) ∈ D[x] for um polinómio mónico sobre um
domínio de integridade D de grau ≥ 1, f (x) é irredutível em D[x] se e só se
é irredutível em F [x] onde F é o corpo das fracções de D.
Definição 1.1.7 Sejam K um corpo e f (x) ∈ K[x]. Dizemos que um elemento α ∈ K é uma raiz de f (x) em K se f (α) = 0.
Lema 1.1.8 Sejam K um corpo e f (x) ∈ K[x]. Um elemento α ∈ K é uma
raiz de f (x) se e só se x − α divide f (x).
Demonstração Suponhamos que x − α divide f (x). Então,
f (x) = (x − α)g(x),
para algum g(x) ∈ K[x]. Assim,
f (α) = (α − α)g (α) = 0,
isto é, α é raiz de f (x).
Por outro lado, suponhamos que f (α) = 0. Pelo Teorema da Divisão
(Teorema 1.1.4) existem polinómios únicos q(x), r(x) ∈ K[x], tais que
f (x) = q(x)(x − α) + r(x)
com deg r(x) < deg (x − α) = 1. Logo, r(x) é um polinómio constante em
K[x], digamos r. Assim,
0 = f (α) = q(α)(α − α) + r.
Portanto r = 0, de onde concluímos que x − α divide f (x). ¤
Definição 1.1.9 Dizemos que α é uma raiz de multiplicidade m de f(x)
se (x − α)m | f (x) mas (x − α)m+1 - f (x). Se α for raiz de multiplicidade m
onde m ≥ 2, dizemos que α é uma raiz múltipla de f (x).
8
CAPÍTULO 1. PRELIMINARES
Definição 1.1.10 Dizemos que um corpo K é algebricamente fechado se
todo o polinómio f (x) ∈ K[x] de grau positivo admite uma raiz em K.
O teorema que se segue será de maior importância no próximo capítulo;
se um polinómio em n + 1 variáveis sobre Q for irredutível então podemos
construir a partir deste um polinómio irredutível em Q[x]. A demonstração
é feita por indução em n e será omitida; pode no entanto ser encontrada em
[7, Teorema 36].
Teorema 1.1.11 (Hilbert) Seja f (t1 , t2 , ..., tn , x) um polinómio irredutível
sobre Q em n + 1 variáveis. Então, existe um número infinito de conjuntos
de valores racionais α1 , α2 , ..., αn tais que f (α1 , α2 , ..., αn , x) é irredutível em
Q[x].
Recorde-se que um domínio de factorização única (DFU) é um domínio
de integridade, no qual todo o elemento não nulo e que não seja invertível pode ser escrito como produto de primos a menos do produto por uma
unidade e que esta decomposição é única a menos da ordem dos factores.
Relembramos agora um critério importante que nos garante a irredutibilidade de alguns polinómios.
Teorema 1.1.12 (Critério de Eisenstein) Seja K um corpo quociente de
um domínio de factorização única A e p(x) = an xn + an−1 xn−1 + ... + a1 x + a0
um polinómio sobre A de grau n. Se existe um primo p ∈ A tal que
1. p não divide an ,
2. p divide a0 , a1 , ..., an−1 ,
3. p2 não divide a0
então p(x) é um polinómio irredutível sobre K.
Demonstração [14, Teorema 37.5] ¤
1.2. EXTENSÕES DE CORPOS
1.2
9
Extensões de Corpos
Neste parágrafo revemos conceitos da teoria de corpos que serão necessários.
Definição 1.2.1 Sejam K, L corpos. Dizemos que L é uma extensão de K
se K é um subcorpo de L. O símbolo L/K designa a extensão L de K.
O lema seguinte é óbvio atendendo à definição de característica:
Lema 1.2.2 Seja K um corpo de característica zero. Então qualquer extensão L de K também tem característica zero.
Definição 1.2.3 Sejam K, L corpos tais que L é uma extensão de K. O
grau da extensão L/K é a dimensão de L quando considerado como espaço
vectorial sobre K e escrevemos [L : K] para designar este grau. Dizemos que
L é uma extensão finita de K se o grau [L : K] for finito. Caso contrário,
dizemos que L é uma extensão infinita de K.
Dados K e F subcorpos de um corpo E tais que F ⊂ K ⊂ E e v1 , v2 , ..., vn
uma base de E sobre K e u1 , u2 , ..., um uma base de K sobre F, facilmente se
demonstra que
{ui vj : i = 1, 2, ..., m; j = 1, 2, ...n}
é base de E sobre F. Temos assim que :
Teorema 1.2.4 Sejam K e F subcorpos de um corpo E tais que F ⊂ K ⊂ E.
Se E é uma extensão finita de K e K é uma extensão finita de F, então
[E : F] = [E : K] [K : F] .
Demonstração [3, Teorema II.1.5] ¤
Definição 1.2.5 Seja L uma extensão do corpo K e seja λ ∈ L. Dizemos que
λ é algébrico sobre K se λ é raiz de algum polinómio não nulo p (x) ∈ K [x];
caso contrário, dizemos que λ é transcendente sobre K.
Definição 1.2.6 Seja L uma extensão do corpo K. Dizemos que L é uma
extensão algébrica de K se todo o elemento de L é algébrico sobre K. Caso
contrário, dizemos que L é uma extensão transcendente de K.
10
CAPÍTULO 1. PRELIMINARES
Proposição 1.2.7 Seja L uma extensão do corpo K e seja α ∈ L um elemento algébrico sobre K. Existe um e um só polinómio irredutível mónico
f (x) ∈ K[x] tal que f (α) = 0, ou seja, tal que α é raiz de f (x). Tem-se ainda
que qualquer polinómio de K[x] que admita a raiz α é múltiplo de f (x), isto
é, f (x) é o polinómio de grau mínimo entre os polinómios que admitem a
raiz α.
Definição 1.2.8 Seja L uma extensão do corpo K e seja α ∈ L um elemento
algébrico sobre K. O polinómio mínimo de α sobre K é o único polinómio
mónico mα (x) ∈ K[x] de grau mínimo de α sobre K.
Definição 1.2.9 Seja mα (x) ∈ K[x] o polinómio mínimo de α sobre K.
Define-se grau de α sobre K como sendo o grau de mα (x), isto é,
degK α := degK mα (x)
Dado um corpo e uma sua extensão construímos agora subcorpos intermédios.
Definição 1.2.10 Seja L uma extensão do corpo K e S um subconjunto de
L. Ao menor subcorpo de L que contém K ∪ S dá-se o nome de subcorpo de
L gerado por K ∪ S e representa-se por K(S).
Definição 1.2.11 Seja α ∈ L ⊃ K e uma aplicação ψ : K[x] −→ L dada
por ψ (p (x)) = p(α). Então designamos ψ (K [x]) por K [α].
A aplicação introduzida na definição 1.2.11 é um homomorfismo de anéis.
Como K [α] é, por definição, a imagem de K [x] por um homomorfismo de
anéis, K [α] é um anel. Mais, podemos demonstrar que K [α] é o menor anel
que contém K∪ {α}.
Definição 1.2.12 Seja L uma extensão de K. Dizemos que L é uma extensão simples de K se existe α ∈ L tal que L = K (α).
Teorema 1.2.13 Seja L uma extensão do corpo K e seja α ∈ L. Então
K[α] = {f (α) : f (x) ∈ K[x]}
e
½
¾
p(α)
K(α) =
: p(α), q(α) ∈ K[x], q(α) 6= 0 .
q(α)
Tem-se também que K(α) é o corpo das fracções de K[α].
1.2. EXTENSÕES DE CORPOS
11
Demonstração A imagem da aplicação
ψ : K[x] −→ L
f (x) 7−→ f (α)
é um subanel de L. Seja R um subanel de L que contém K e α. Então, por ser fechado para a adição e para a multiplicação, f (α) ∈ R, para
todo f (x) ∈ K[x]. Deste modo, {f (α) : f (x) ∈ K[x]} está contido em todos os subanéis de L que contêm K e α. Como K ⊆ Im ψ e α ∈ Im f ,
K[α] = {f (α) : f (x) ∈ K[x]}. O ocorpo das fracções de K[α] é o conjunto
n
p(α)
: p(α), q(α) ∈ K[x], q(α) 6= 0 , que está contido em qualquer subcorpo
q(α)
de L que contenha K[α], logo é igual a K(α). ¤
A proposição seguinte dá-nos uma descrição de K(α) quando α ∈ L ⊇ K
é um elemento algébrico sobre K.
Proposição 1.2.14 Seja α ∈ L ⊃ K um elemento algébrico sobre K, α ∈
/K
e mα (x) o seu polinómio mínimo sobre K. Então:
(a) K(α), o subcorpo de L gerado por K e α, é isomorfo ao corpo das
fracções K[x]/ hmα (x)i;
(b) K(α) ' K [α];
(c) K(α) é o conjunto dos elementos da forma an−1 αn−1 + ... + a1 α + ao ,
onde n é o grau de mα (x).
Proposição 1.2.15 Se L é uma extensão de K e α ∈ L é transcendente
sobre K, então K(α) ' K[x] como anéis.
A proposição seguinte indica-nos o grau de uma extensão simples e algébrica:
Proposição 1.2.16 Seja K(α) uma extensão simples do corpo K, onde α é
algébrico com polinómio mínimo mα (x) sobre K. Então, {1, α, α2 , ..., αn−2 , αn−1 }
é uma base de K(α) sobre K e [K (α) : K] = deg mα (x).
Demonstração [3, Corolário II.2.5] ¤
Relacionamos agora o conceito de extensão algébrica com o de extensão
finita.
12
CAPÍTULO 1. PRELIMINARES
Proposição 1.2.17 Toda a extensão finita é algébrica.
Demonstração Seja L/K uma extensão finita. Então, por definição de
extensão finita, [L : K] = n < ∞, isto é, L tem dimensão finita quando
visto como espaço vectorial sobre K. Assim, o conjunto de quaisquer n + 1
vectores não nulos é linearmente dependente. Seja α ∈ L e consideremos
1, α, α2 , ..., αn . Então, existem c0 , c1 , ..., cn ∈ K, não todos nulos, tais
P
P que
ci αi = 0. Deste modo, α é raiz do polinómio não nulo f (x) =
ci xi .
Logo α é algébrico sobre K. ¤
Observação 1.2.18 O recíproco da Proposição 1.2.17 é falso.
Tem-se que toda a extensão finita é algébrica. Extensões da forma K(α1 , α2 , ..., αn )
onde os αi ’s são algébricos sobre K são finitas.
Proposição 1.2.19 Se L = K(α1 , α2 , ..., αn ) onde os αi ’s são algébricos sobre K então [L : K] é finita.
Demonstração [3, Lema II.2.6] ¤
Combinando as Proposições 1.2.17 e 1.2.19 obtém-se:
Proposição 1.2.20 A extensão L/K é finita se e só se L é algébrico sobre
K e existem n ∈ N e α1 , ..., αn ∈ L tais que L = K(α1 , ..., αn ).
Demonstração [3, Lema II.2.6] ¤
Definição 1.2.21 Seja K uma extensão de F. Dizemos que K é um fecho
algébrico de F se
(i) K/F é uma extensão algébrica, e
(ii) K é algebricamente fechado.
Neste caso, escrevemos K = F.
1.2. EXTENSÕES DE CORPOS
13
A existência dos fechos algébricos é-nos garantida por [4, Corolário 7.3.5],
sendo que a existência das extensões algebricamente fechadas de F são asseguradas por [4, Teorema 7.3.4].
Mostramos agora que, dado um elemento algébrico α sobre um corpo K,
raiz de um polinómio f (x) ∈ K[x], podemos construir um novo polinómio
cujos coeficientes pertencem ao anel gerado pelos coeficientes de f (x), mónico, que admite uma raiz do tipo an α que gera a mesma extensão simples que
α.
Lema 1.2.22 Seja α algébrico sobre um corpo L e f (x) =
n
P
ai xi um polinómio
i=0
sobre L de grau n > 0 tal que f (α) = 0. Então
n
g(x) = x +
n−1
X
ai an−i−1
xi
n
i=0
é um polinómio mónico de grau n tal que g(an α) = 0. Tem-se que ainda que:
a) L(α) = L(an α);
b) se f for irredutível, g também o é.
Demonstração Seja α algébrico sobre L, e f e g tais como na hipótese do
Lema. Uma vez que
g(an α) =
ann αn +
n−1
X
ai an−i−1+i
αi
n
i=0
=
ann αn
=
an−1
n f (α),
+
an−1
n
n−1
X
ai αi
i=0
g(an α) = 0. Como an ∈ L e α ∈ L(α), L(an α) ⊆ L(α). Como α = a−1
n an α,
por argumento análogo tem-se a restante inclusão. Se f for irredutível, α é
algébrico sobre L de grau n, logo
n = [L(α) : L] .
14
CAPÍTULO 1. PRELIMINARES
Como L(α) = L(an α), n = [L(an α) : L], isto é, an α tem grau n sobre L.
Como g(x) é de grau n sobre L, é mónico e g(an α) = 0, g é irredutível sobre
L. ¤
Introduzimos agora um novo conceito necessário:
Definição 1.2.23 (a) Dizemos que um polinómio irredutível f (x) ∈ K[x]
é separável quando não tem raízes múltiplas em qualquer corpo de
decomposição.
(b) Dizemos que um polinómio qualquer é separável sobre K quando todos os seus factores irredutíveis o são.
(c) Seja L/K uma extensão de corpos. Um elemento α ∈ L algébrico
sobre K diz-se separável sobre K quando o seu polinómio mínimo o é.
(d) Uma extensão algébrica L diz-se separável sobre K quando todos os
seus elementos são separáveis sobre K.
Teorema 1.2.24 Seja K um corpo de característica zero e f (x) um qualquer
polinómio irredutível sobre K[x]. Então f (x) não tem raízes múltiplas em
qualquer extensão de K.
Demonstração Suponhamos que f (x) tem uma raiz múltipla α. Então,
numa certa extensão de K, poderíamos escrever
f (x) = (x − α)2 q(x),
para algum polinómio q(x) com coeficientes nessa extensão. Assim, a derivada do polinómio f (x),
f 0 (x) = 2(x − α)q(x) + (x − α)2 q 0 (x),
admite α como raiz. Seja p(x) o polinómio mínimo de α sobre K. Dado que
α é raiz de f (x) e de f 0 (x), p(x) divide ambos os polinómios. Ora, sendo f (x)
irredutível, assim como p(x), temos que p(x) = ²f (x), para algum ² ∈ K\ {0}
e, deste modo, f (x) | f 0 (x). No entanto, f 0 (x) tem grau inferior a f (x), logo
f 0 (x) = 0. Considerando
f (x) = c0 + c1 x + ... + cn xn ,
1.2. EXTENSÕES DE CORPOS
15
com cn 6= 0, temos que
f 0 (x) = c1 + 2c2 x + ... + ncn xn−1 .
Então, ncn = 0 com n ∈ N. Como K tem característica zero e qualquer sua
extensão também a tem, chegamos a uma contradição. Portanto, f (x) não
pode ter raízes múltiplas. ¤
Uma vez que o corpo Q tem característica zero, o corolário seguinte é
consequência imediata do Teorema anterior:
Corolário 1.2.25 Seja f (x) um polinómio irredutível em Q[x]. Então, f (x)
não tem raízes múltiplas em qualquer extensão de Q.
Demonstramos agora que uma extensão finita e separável é uma extensão
simples:
Teorema 1.2.26 (Teorema do Elemento Primitivo) Seja E uma extensão finita de um corpo F de característica zero. Então, existe α ∈ E tal que
E = F(α).
Demonstração Seja E = F(α1 , ..., αn ). Para demonstrar que E é uma extensão simples de F usaremos indução em n. Se n = 1, E = F(α1 ), logo
não há nada a provar. Suponhamos que E1 = F(α1 , ..., αn−1 ). Por hipótese
de indução podemos admitir que E1 é uma extensão simples de F, isto é,
que E1 = F(β), para algum β ∈ E1 . Então, E = E1 (αn ) = F(β, αn ). A
demonstração fica assim reduzida ao caso em que n = 2. Digamos que E é
gerado por dois elementos α e β. Sejam f (x) e g(x) os polinómios sobre F irredutíveis que admitem as raízes α e β, respectivamente, e seja E0 o corpo de
decomposição destes polinómios. Sejam α = α1 , ...αm e β = β 1 , ..., β n as suas
raízes. Pelo Teorema 1.2.24, as raízes αi ’s são todas distintas. Consideremos
as seguintes equações em x
αi + xβ j = α + xβ,
com 1 ≤ i ≤ m e 2 ≤ j ≤ n. Estas equações têm exactamente uma solução
em F,
α − αi
.
x=
βj − β
16
CAPÍTULO 1. PRELIMINARES
Seja k um elemento de F que não seja solução destas equações e tomemos
γ = β + kα. Demonstramos de seguida que a extensão E é gerada pelo
elemento γ = β + kα, isto é, vamos ver que F(α, β) = F(γ). Ora, uma vez
que γ ∈ F(α, β), temos que F(γ) ⊂ F(α, β). Para mostrar que F(α, β) ⊂ F(γ)
basta mostrar que α, β ∈ F(γ). Comecemos por ver que β ∈ F(γ). Para tal,
iremos ver que α é raiz de um polinómio de grau 1 sobre F(γ). Consideremos
os polinómios f (x) e g(x) como anteriormente. Temos que f (x) e h(x) =
g(γ − kx) são polinómios sobre F(γ) (note-se que g(x) ∈ F[x] ⊂ F(γ)[x]).
Dada a forma como k, g(x) e h(x) foram escolhidos, α é raiz de ambos os
polinómios. Assim, o máximo divisor comum destes polinómios é divisível
pelo factor x − α em F[x], admitindo portanto a raiz α. Como f (x) não tem
raízes múltiplas, o seu máximo divisor comum também não as tem, ou seja,
a raiz α aparece apenas uma vez. Mas, pela escolha de k, os polinómios f (x)
e g(γ − kx) não têm outra raiz em comum, dado que as raízes de f (x) são
da forma αi , com 1 ≤ i ≤ m, e γ − kαi 6= β j , para todo o j. Portanto, o
máximo divisor comum de f (x) e g(γ − kx) tem grau 1. Mas, o máximo
divisor comum é um polinómio sobre F(γ), o corpo dos coeficientes de f (x)
e g(γ − kx). Portanto, α é a raiz de um polinómio de grau 1 sobre F(γ), ou
seja, α ∈ F(γ). Como F(γ) é um corpo e β = γ − kα, β ∈ F(γ). Portanto,
F(α, β) = F(γ). ¤
Definição 1.2.27 Seja L um corpo. Dizemos que o polinómio f (x) ∈ L[x] se
decompõe em L se f (x) = λ(x−α1 )...(x−αn ), para alguns λ, α1 , ..., αn ∈ L.
Definição 1.2.28 Seja f (x) um polinómio com coeficintes num corpo K.
Um corpo de decomposição de f(x) é uma extensão L de K em que:
(a) f (x) se decompõe em L num produto de termos de grau 1, e
(b) L = K(α1 , ..., αn ) onde α1 , ..., αn são as raízes de f (x) em L.
O teorema seguinte garante-nos a existência de um corpo de decomposição
de um polinómio f (x) ≥ K[x] de grau n ≥ 1, onde K é um corpo.
Teorema 1.2.29 Seja K um corpo e f (x) um polinómio de grau n ≥ 1.
Existe uma extensão L de K que é um corpo de decomposição de f (x).
1.2. EXTENSÕES DE CORPOS
17
Demonstração [4, Teorema 7.3.1] ¤
Os corpos de decomposição de polinómios sobre corpos K não são necessariamente únicos, no entanto, quaisquer corpos de decomposição de um
mesmo polinómio sobre um corpo são isomorfos.
Proposição 1.2.30 Seja f (x) um polinómio sobre um corpo K. Dois corpos
de decomposição de f (x) são isomorfos.
Demonstração [4, Teorema 7.4.3] ¤
Pela Proposição 1.2.20 concluímos que dado um polinómio f (x) sobre
um corpo K o seu corpo de decomposição é uma extensão finita de K. A
proposição seguinte diz-nos que o grau dessa extensão é necessariamente inferior a n!, onde n é o grau do polinómio.
Proposição 1.2.31 Seja K um corpo e seja L um corpo de decomposição
sobre K do polinómio f (x) ∈ K[x]. Então, L é uma extensão finita de K e
[L : K] ≤ (deg f )!
Demonstração [3, Lema III. 1.4] ¤
Definição 1.2.32 Seja L uma extensão do corpo K. Dizemos que L/K é
uma extensão normal se cada polinómio irredutível f (x) ∈ K[x] que tem
pelo menos uma raiz em L se decompõe em L.
O teorema seguinte caracteriza algumas extensões normais.
Teorema 1.2.33 A extensão L/K é finita e normal se e só se L é um corpo
de decomposição de algum polinómio sobre K.
Demonstração [3, Teorema III.1.10] ¤
Proposição 1.2.34 Seja L uma extensão finita e normal de um corpo K e
M um corpo intermédio. Então L é uma extensão finita e normal de M.
18
CAPÍTULO 1. PRELIMINARES
Demonstração Pelo Teorema 1.2.33, L é o corpo de decomposição de algum
polinómio em K[x], f (x). Mas f (x) ∈ M[x], pois K ⊂ M ⊂ L. Assim, L é o
corpo de decomposição de f (x) ∈ M[x]. ¤
Introduzimos agora a noção de discriminante de um polinómio sobre K.
Este conceito dá-nos uma forma de verificar se o polinómio tem raízes múltiplas.
Definição 1.2.35 Dado p(x) ∈ K[x] de grau n e mónico com raízes r1 , ..., rn
nalguma extensão de K, define-se o discriminante de p(x) como sendo o
produto
Y
Dp(x) =
(ri − rj )2
i<j
A proposição seguinte é óbvia atendendo à definição de discriminante:
Proposição 1.2.36 Seja K um corpo, p(x) ∈ K[x] um polinómio irredutível
e α1 , ..., αn as raízes de p(x) em alguma extensão de K. Então Dp(x) = 0 se
e só se p(x) tem raízes múltiplas.
Note-se que a Proposição anterior é equivalente a dizer que Dp(x) = 0 se
e só se p(x) não é um polinómio separável.
Introduzimos agora o conceito de polinómio simétrico.
Definição 1.2.37 Dizemos que um polinómio em n variáveis f (x1 , x2 , ..., xn ) ∈
K[x1 , x2 , ..., xn ] é simétrico se se mantém invariante através das n! permutações das suas variáveis.
Existem polinómios simétricos fáceis de identificar: os polinómios simétricos elementares.
Definição 1.2.38 Seja D um domínio de integridade e x1 , x2 , ..., xn n variáveis sobre D. Chamamos polinómios simétricos elementares nas incógnitas x1 , x2 , ..., xn aos polinómios ei ∈ D[x1 , x2 , ..., xn ] definidos do seguinte
modo
e1 (x1 , x2 , ..., xn ) = x1 + x2 + ... + xn ,
e2 (x1 , x2 , ..., xn ) = x1 x2 + x1 x3 + ... + x1 xn + x2 x3 + ... + xn−1 xn ,
..
.
en (x1 , x2 , ..., xn ) = x1 x2 ...xn .
1.2. EXTENSÕES DE CORPOS
19
Dado um domínio de integridade D, podemos, em D[x1 , x2 , ..., xn ], escrever todos os polinómios simétricos à custa dos elementares definidos antes:
Teorema 1.2.39 (Teorema Fundamental de Polinómios Simétricos)
Seja D um domínio de integridade. Então cada polinómio simétrico em
D[x1 , x2 , ..., xn ] pode ser escrito como um polinómio sobre D nos polinómios
simétricos elementares e1 , e2 , ..., en .
Demonstração [3, Teorema I.6.3] ¤
Lema 1.2.40 Seja K um corpo e seja f (x) = xn + a1 xn−1 + ... + an ∈ K[x].
Sejam α1 , α2 , ..., αn as raízes de f (x) numa extensão L de K, pelo que f (x) =
(x − α1 ) (x − α2 ) ... (x − αn ) ∈ L[x]. Então,
ai = (−1)i ei (α1 , α2 , ..., αn ),
onde as funções e1 (α1 , α2 , ..., αn ) representam o i-ésimo polinómio simétrico
elementar nas incógnitas α1 , α2 , ..., αn .
Proposição 1.2.41 Seja f (x) um polinómio sobre F de grau n com raízes
α1 , α2 , ..., αn . Se f (x1 , x2 , ..., xn ) é um polinómio simétrico sobre F em n
variáveis, então f (α1 , α2 , ..., αn ) é um elemento de F.
Demonstração Pelo Teorema 1.2.39, o polinómio f (α1 , α2 , ..., αn ) pode ser
escrito como um polinómio sobre F nos polinómios simétricos elementares.
Se f (x) = an xn + an−1 xn−1 + ... + a0 , então demonstra-se facilmente pelo
Lema 1.2.40 que
ei (α1 , ..., αn ) = ±an−i /an ∈ F.
Consequentemente, f (α1 , α2 , ..., αn ) ∈ F. ¤
Usando o Lema 1.2.40, o Teorema Fundamental de Polinómios simétricos
e um raciocínio da demonstração da Proposição 1.2.41 pode-se demonstrar
que:
Proposição 1.2.42 Seja K um corpo e p(x) ∈ K[x] de grau n. Tem-se que
Dp(x) ∈ K. Mais, se K for o corpo de fracções de um domínio de integridade
R e p(x) ∈ R[x], então Dp(x) ∈ R.
Demonstração [14, página 567] ¤
20
1.3
CAPÍTULO 1. PRELIMINARES
Teoria de Galois
Neste parágrafo revemos alguns resultados bem conhecidos da teoria de Galois. A partir de extensões de corpos formamos grupos; os grupos de Galois
associados a uma extensão. As propriedades dos grupos de Galois dependem
das propriedades das extensões.
Definição 1.3.1 Sejam L e M duas extensões de um corpo K. Um Kisomorfismo de M para L é um isomorfismo de corpos ϕ : M → L tal que
ϕ (k) = k, para todo k ∈ K. Um K-automorfismo de L é um K-isomorfismo
ϕ : L → L.
Duas extensões F e F0 de K dizem-se isomorfas se existir um K-isomorfismo
entre elas.
Consideramos agora o conjunto de todos os K-automorfismos de uma
extensão L do corpo K.
Teorema 1.3.2 Seja L uma extensão de um corpo K. O conjunto de todos
os K-automorfismos de L é um grupo, relativamente à operação de composição de aplicações.
Definição 1.3.3 O grupo constituído por todos os K-automorfismos de L é
designado por grupo de Galois da extensão L de K, e será denotado por
G(L : K).
Definição 1.3.4 Seja G um grupo de automorfismos de um corpo K. O
conjunto de elementos de K que ficam fixos por todos os automorfismos de
G formam um subcorpo, chamado o corpo fixo de G. Este corpo fixo será
denotado por KG :
KG = {α ∈ K : ϕ(α) = α, para todo ϕ ∈ G} .
Definição 1.3.5 Seja f (x) um polinómio sobre F e E o seu corpo de decomposição sobre F. Dizemos que G(E : F) é o grupo de Galois de f sobre
F.
Definição 1.3.6 Seja L uma extensão do corpo K. Dizemos que L/K é uma
extensão de Galois se for uma extensão finita, normal e separável sobre
K.
1.3. TEORIA DE GALOIS
21
A proposição seguinte relaciona extensões de Galois, corpos de decomposição e corpos fixos:
Proposição 1.3.7 Seja L uma extensão de K e G o grupo de K-automorfismos
de L. As seguintes afirmações são equivalentes:
1. L é uma extensão de Galois de K;
2. L é um corpo de decomposição de um polinómio separável sobre K;
3. LG = K.
Se qualquer uma destas condições se verifica, então |G(L : K)| = [L : K].
Demonstração [4, Proposição 7.7.4] ¤
Proposição 1.3.8 Seja f (x) ∈ K[x] um polinómio de grau n. Então, o seu
grupo de Galois é isomorfo a um subgrupo de Sn .
Demonstração [3, Proposição V.1.6] ¤
A seguir enunciamos a correspondência existente entre subgrupos de determinadas extensões de um corpo K, as de Galois, e os corpos intermédios
dessa mesma extensão. A bijecção existente permite-nos caracterizar corpos
intermédios que são extensões normais de K em função dos subgrupos de
alguns grupos de Galois.
Teorema 1.3.9 (Teorema da Correspondência de Galois) Seja L/K uma
extensão de Galois e consideremos
S(G(L : K)) = {G : G ≤ G(L : K)} , o conjunto dos subgrupos de G(L : K)
e
CI(L/K) = {M : K ⊂ M ⊂ L} , o conjunto dos corpos intermédios entre K e L.
Considerem-se também as aplicações
e
G(L : ) : CI(L/K) −→ S(G(L : K))
M
7→
G(L : M), ∀M : K ⊂ M ⊂ L
f ix() : S(G(L/K)) −→ CI(L/K)
G
7→ f ix(G), ∀G : G ≤ G(L : K).
22
CAPÍTULO 1. PRELIMINARES
(a) As aplicações são bijecções, cada uma inversa uma da outra, que invertem inclusões.
(b) Tem-se que |G(L : K)| = [L : K] e |G| = |L : f ix(G)|, ∀M ∈ CI(L/K), ∀G ∈
S(G(L : K)).
1. Tem-se que G E G(L : K) se e só se a extensão f ix(G)/K é
normal; e
2. Tem-se que a extensão M/K é normal se e só se G(L : M) E
G(L : K).
(c) Se a extensão M/K for normal então G(L : K)/G(L : M) ' G(M : K).
Demonstração [3, Teorema V.2.6] ¤
Teorema 1.3.10 (Artin) Seja K um corpo e seja G um grupo finito de
automorfismos de K, de ordem n. Seja L = KG o corpo fixo de G. Então
K/L é uma extensão de Galois e o seu grupo de Galois é G. Tem-se que
[K : L] = n.
Demonstração [8] ¤
Como aplicação da teoria de Galois podemos demonstrar propriedades do
discriminante de um dado polinómio sobre um corpo K.
Proposição 1.3.11 Seja K um corpo e p(x) ∈ K[x] um polinómio separável
e irredutível. Sejam α1 , ..., αn as raízes de p(x) num corpo de decomposição
E de p(x). Então Dp(x) ∈ K.
¡
¢
Demonstração Seja σ ∈ G = G(E : K). Note-se que σ Dp(x) = Dp(x) , logo
Dp(x) ∈ EG . Como E é corpo de decomposição de um polinómio separável
sobre K, pela Proposição 1.3.7, EG = K, deduzindo-se o pretendido. ¤
Proposição 1.3.12 Seja K um corpo e p(x) ∈ K[x] um polinómio separável
e irredutível. Sejam α1 , ..., αn as raízes de p(x) num corpo de decomposição
E. Então Dp(x) é um quadrado perfeito em K se e só se o grupo de Galois
de p(x), G(E : K), é um subgrupo de An .
1.3. TEORIA DE GALOIS
Demonstração Seja σ ∈ G = G(E : K) e d =
23
p
Q
Dp(x) =
(ri − rj ).
i<j
Pela Proposição 1.3.8 podemos pensar em σ como sendo uma permutação
do conjunto dos zeros de p(x). Tal como na demonstração da Proposição
1.3.11, EG = K. Tem-se então que d ∈ K se e só se d ∈ EG , isto é, se e só se
σ(d) = d. Mas tal só acontece se σ for uma permutação par, logo, G é um
subgrupo de An . ¤
24
CAPÍTULO 1. PRELIMINARES
Capítulo 2
Sn como grupo de Galois
Neste capítulo demonstramos que dado n ∈ N e Sn , o grupo simétrico em n
elementos, existe um polinómio em Q[x] cujo grupo de Galois é isomorfo a
Sn (Teorema 2.3.5).
Começamos por verificar na secção 1 que dado um corpo K, se o grupo de
Galois de um polinómio f (x) ∈ K[x] de grau n é isomorfo a Sn , então f é irredutível sobre K. Na secção 2 estudamos elementos α1 , ..., αn algebricamente
independentes sobre Q. Mostramos que dado n elementos algebricamente
independentes sobre Q, as suas n! permutações induzem Q-automorfismos
na extensão gerada por estes elementos. Finalmente na secção 3 tomamos
elementos α1 , ...αn algebricamente independentes sobre Q e à custa destes
definimos f (x) e b1 , ..., bn ∈ Q(α1 , ..., αn ) que permitirão demonstrar o resultado pretendido.
2.1
Preliminares
Sabemos pela Proposição 1.3.8 que o grupo de Galois de um polinómio f de
grau n sobre um corpo K é isomorfo a um subgrupo de Sn . Por definição, o
corpo de decomposição de f não é mais que Λ = K(α1 , ...αn ) onde α1 , ..., αn
são as raízes de f (x). Sabemos também que zeros de factores irredutíveis
de f (x) são transformados sob acção de elementos de G(Λ : K) em zeros
desses mesmos factores. Note-se ainda que os automorfismos de G(Λ : K)
são determinados pelas imagens das raízes de f (x).
Definição 2.1.1 Seja E uma extensão algébrica de um corpo F. Dois elementos α1 , α2 ∈ E dizem-se conjugados se são zeros do mesmo polinómio
25
26
CAPÍTULO 2. SN COMO GRUPO DE GALOIS
irredutível de F[x].
Proposição 2.1.2 Seja f (x) um polinómio de grau n sobre um corpo K cujo
grupo de Galois é isomorfo a Sn . Então f é irredutível sobre K.
Demonstração Seja f (x) um polinómio nas condições do enunciado e suponhamos, por redução ao absurdo, que f (x) não é irredutível, isto é, que se pode
escrever como produto de dois polinómios distintos não constantes. Assim,
podemos tomar num corpo de decomposição do polinómio duas raízes, ai e
aj , que pertencem a factores irredutíveis distintos, não sendo portanto conjugadas. Consequentemente, o grupo de Galois de f (x) sobre K não conteria
nenhum automorfismo que envia ai em aj , uma vez que este envia raízes de
factores irredutíveis em raízes desses mesmos factores. Deste modo não poderia conter todas as permutações dos zeros de f (x), logo não seria isomorfo a
Sn . ¤
2.2
Elementos algebricamente independentes
sobre Q
Na secção 1.2. introduzimos a definição de elemento algébrico. Dada F
extensão de Q e α ∈ F, dizemos que α é algébrico sobre Q se existir p(x) ∈
Q[x], não nulo, tal que p(α) = 0. Podemos agora demonstrar que o conjunto
dos elementos algébricos sobre Q é numerável, isto é, que existe uma bijecção
entre este conjunto e N.
Proposição 2.2.1 O conjunto dos números algébricos sobre Q é númerável.
Demonstração Notemos que todo o número algébrico é a raiz de algum
polinómio de coeficientes inteiros. Comecemos por ver que o conjunto de tais
polinómios é numerável. Consideremos a sequência de primos p1 , p2 , p3 , ....
A cada polinómio an xn + an−1 xn−1 + ... + a0 não trivial associamos o racional
n
. Atendendo à decomposição dos naturais como propositivo pa10 pa21 pa32 ...pan+1
duto de potências de primos, estabelecemos uma bijecção entre os racionais
positivos diferentes de 1 e o conjunto dos polinómios sobre Q. Como o conjunto dos racionais positivos diferentes de 1 é numerável, o conjunto dos
polinómios com coeficientes inteiros é numerável, podendo os polinómios ser
2.2. ELEMENTOS ALGEBRICAMENTE INDEPENDENTES SOBRE Q27
listados como f1 , f2 , f3 , ... . Para obter o conjunto dos números algébricos em
Q, basta listar as raízes de f1 , de f2 , e assim sucessivamente, obtendo-se no
final um conjunto numerável. ¤
Definição 2.2.2 Dizemos que n elementos a1 , a2 , ..., an são algebricamente
independentes sobre Q se não existe um polinómio p(x1 , x2 , ..., xn ) ∈ Q[x1 , x2 , ..., xn ]
tal que
p(a1 , a2 , ..., an ) = 0,
ou seja, se não existe uma relação algébrica entre eles.
Lema 2.2.3 Para todo o n, existem n elementos algebricamente independentes sobre Q.
Demonstração Comecemos por reparar que, pelo Lema 2.2.1, o conjunto
dos números algébricos sobre Q é numerável. Uma vez que C não é numerável, sabemos que existe um número a1 transcendente sobre Q, isto é, tal que
a1 não é raiz de qualquernpolinómio de Q[x].
o
(a1 )
:
f
(x)
,
g
(x)
∈
Q[x],
g
(x)
=
6
0
e f (a1 ), g(a1 ) 6=
Note-se que Q (a1 ) = fg(a
1)
0 uma vez que a1 é transcendente sobre Q. Assim, cada elemento é da forma
αn an1 + αn−1 an1 + ... + α0
m−1
β m am
+ ... + β 0
1 + β m−1 a1
Logo, Q (a1 ) é um conjunto numerável.
Portanto, tal como anteriormente, podemos escolher um elemento a2
transcendente sobre Q(a1 ); de seguida um elemento a3 transcendente sobre Q(a1 , a2 ) e assim sucessivamente, até obtermos uma sequência a1 , a2 , ...,
an , onde an é transcendente sobre Q(a1 , a2 , ..., an−1 ).
Vejamos agora, por redução ao absurdo, que os elementos encontrados
são algebricamente independentes sobre Q. Para tal, suponhamos que existe
um polinómio em Q[x1 , x2 , ..., xn ] tal que p(a1 , a2 , ..., an ) = 0. Seja k o maior
índice que aparece nesta relação (1 ≤ k ≤ n). Então, ak seria algébrico
sobre Q(a1 , a2 , ..., ak−1 ), o que é uma contradição, atendendo à escolha dos
ai ’s. Portanto a1 , a2 , ..., an são algebricamente independentes sobre Q como
se pretendia demonstrar. ¤
Mostramos agora, de que modo permutações de elementos algebricamente
independentes sobre Q originam automorfismos das extensões geradas por
esses elementos.
28
CAPÍTULO 2. SN COMO GRUPO DE GALOIS
Lema 2.2.4 Sejam a1 , a2 , ..., an n elementos algebricamente independentes
sobre Q e E = Q(a1 , a2 , ..., an ). Então, cada uma das n! permutações do
conjunto a1 , a2 , ..., an induz um automorfismo em E que mantém fixo Q.
Demonstração Note-se que toda a permutação (a1 a2 ... an ) se pode escrever
como uma sequência de transposições (a1 an )(a1 an−1 )...(a1 a2 ).
Como a composição de automorfismos é um automorfismo, basta mostrar
que toda a transposição (c, d) do conjunto {a1 , ..., an } induz um automorfismo
de Q(c, d) que mantém Q fixo.
Note-se que a extensão E obtida de Q se mantém invariante, quando
trocamos a ordem dos ai ’s. Consideremos a transposição que permuta ai
e aj , e K a extensão de Q gerada por todos os outros ai ’s, isto é, K =
Q(a1 , ..., ai−1 , ai+1 , ..., aj−1 , aj+1 , ..., an ). Assim, E = K(ai , aj ).
Sejam c = ai e d = aj . Então E ( = K(c, d)) pode ser representado por
¾
½
p(c, d)
: p, q ∈ K[x1 , x2 ]; q 6= 0 .
q(c, d)
O candidato natural para o automorfismo induzido pela transposição que
permuta os elementos c e d é a aplicação
φ : K(c, d) −→ K(c, d)
p(c,d)
7−→ p(d,c)
.
q(c,d)
q(d,c)
Verificamos agora que esta aplicação está bem definida, que é bijectiva,
que preserva a adição e a multiplicação e que mantém os elementos de Q
invariantes.
Com vista a mostrar que φ está bem definida, consideramos
p2 (c, d)
p1 (c, d)
=
∈ K.
q1 (c, d)
q2 (c, d)
(1)
Queremos ver que as imagens por φ destas duas representações são iguais,
isto é, que
p2 (d, c)
p1 (d, c)
=
.
(2)
q1 (d, c)
q2 (d, c)
Da equação (1) tem-se que x = c e y = d é solução da equação polinomial
p1 (x, y)q2 (x, y) − p2 (x, y)q1 (x, y) = 0
2.2. ELEMENTOS ALGEBRICAMENTE INDEPENDENTES SOBRE Q29
Como (c, d) são algebricamente independentes, não poderá existir um
polinómio não trivial p ∈ K[x1 , x2 ] tal que p(c, d) = 0. Portanto,
p1 (x, y)q2 (x, y) − p2 (x, y)q1 (x, y)
terá de coincidir com o polinómio nulo. Assim, qualquer par ordenado
é solução desta equação. Em particular, (d, c) também é solução deste
polinómio, ou seja, p1 (d, c)q2 (d, c) − p2 (d, c)q1 (d, c) = 0, deduzindo-se assim
a equação (2).
Para mostrar que φ é injectiva, isto é, que
µ
p1 (c, d)
φ
q1 (c, d)
¶
µ
p2 (c, d)
=φ
q2 (c, d)
¶
=⇒
p1 (c, d)
p2 (c, d)
=
q1 (c, d)
q2 (c, d)
ou seja, que
p2 (d, c)
p1 (c, d)
p2 (c, d)
p1 (d, c)
=
=⇒
=
,
q1 (d, c)
q2 (d, c)
q1 (c, d)
q2 (c, d)
basta usar um argumento análogo ao anterior.
Atendendo à forma como φ está definida, φ é obviamente sobrejectiva.
(c,d) p2 (c,d)
, q2 (c,d) ∈ K quaisquer. Tem-se que
Sejam pq11(c,d)
φ
³
p1 (c,d)
q1 (c,d)
e que
φ
³
+
p2 (c,d)
q2 (c,d)
p1 (c,d)
q1 (c,d)
×
´
=
=
p2 (c,d)
q2 (c,d)
³
p1 (c,d)q2 (c,d)+p2 (c,d)q1 (c,d)
q1 (c,d)q2 (c,d)
p1 (d,c)q2 (d,c)+p2 (d,c)q1 (d,c)
q1 (d,c)q2 (d,c)
p1 (d,c)
(d,c)
+ pq22(d,c)
q1 (d,c)
= φ
´
=
=
=
³
´
´
2 (c,d)
φ pq11 (c,d)p
(c,d)q2 (c,d)
p1 (d,c)p2 (d,c)
q1 (d,c)q2 (d,c)
p1 (d,c)
(d,c)
× pq22(d,c)
,
q1 (d,c)
assim φ preserva a adição e a multiplicação.
Para concluir apenas notamos que esta aplicação mantém os elementos de
Q invariantes uma vez que só impõe transformações a c e d, que são elementos
de E\Q. ¤
30
2.3
CAPÍTULO 2. SN COMO GRUPO DE GALOIS
Polinómios cujo grupo de Galois é Sn
Consideremos n elementos a1 , a2 , ..., an algebricamente independentes sobre
Q e seja f (x) o polinómio definido do seguinte modo
f (x) =
n
Q
i=1
n
(x − ai )
= x + b1 xn−1 + ... + bn ,
onde os bi ’s são dados por:
b1 = −(a1 + ... + an )
b2 = a1 a2 + ... + an−1 an
..
.
bi = (−1)i × (soma de todos os produtos de i diferentes ai ’s)
..
.
bn = (−1)n a1 a2 ...an ,
isto é,
bi = (−1)i ei (a1 , ..., an )
onde ei é a i-ésima função simétrica de n variáveis.
Então:
Lema 2.3.1 O polinómio f (x) definido antes é irredutível sobre Q (b1 , b2 , ..., bn ) .
O grupo de Galois de f (x) sobre Q (b1 , b2 , ..., bn ) é isomorfo a Sn .
Demonstração Seja E = Q(a1 , a2 , ..., an ) e K = Q (b1 , b2 , ..., bn ). Note-se
que, atendendo à definição de f e dos bi ’s, E é o seu corpo de decomposição.
Pelo Lema 2.2.4, cada permutação dos ai ’s induz um automorfismo de E
que fixa todos os elementos K = Q (b1 , b2 , ..., bn ), e portanto, induz um elemento de G(E : K), pelo que, |G(E : K)| ≥ n!. Uma vez que o grupo de Galois do polinómio f , de grau n, é isomorfo a um subgrupo de Sn (Proposição
1.3.8), temos que
G(E : K) ' Sn .
Pela Proposição 2.1.2, f é irredutível sobre K. ¤
Como E = Q(a1 , a2 , ..., an ) é uma extensão finita de K = Q (b1 , b2 , ..., bn ),
E é uma extensão simples de K. No próximo lema mostramos de forma
simples tal facto.
2.3. POLINÓMIOS CUJO GRUPO DE GALOIS É SN
31
Lema 2.3.2 Sejam a1 , a2 , ..., an algebricamente independentes sobre Q e E =
Q(a1 , a2 , ..., an ). Então existem inteiros m1 , m2 , ..., mn tais que E = K(m1 a1 +
m2 a2 + ... + mn an ).
A soma m1 a1 + m2 a2 + ... + mn an assume n! valores distintos, que correspondem às n! permutações possíveis dos ai ’s, onde K = Q (b1 , b2 , ..., bn ).
Demonstração Uma vez que E é corpo de decomposição do polinómio
f (x) ∈ K[x], pela Proposição 1.3.7, E é extensão de Galois de K, logo
finita. Note-se que atendendo à definição dos bi ’s, E = Q(a1 , a2 , ..., an ) =
K (a1 , a2 , ..., an ). Pelo Teorema do Elemento Primitivo (Teorema 1.2.26), esta extensão pode ser escrita como uma extensão simples. NoµTeorema¶1.2.26
n
P
demonstra-se que existem inteiros m1 , ..., mn tais que E = K
mi ai . Pei=1
lo Lema 2.3.1 e Teorema 1.3.9,
Assim, o grau de
sobre K do qual
n
P
i=1
n
P
[E : K] = |G(E : K)| = n!.
mi ai sobre K é n!, ou seja, o grau do menor polinómio
mi ai é raiz é n!. Então,
i=1
os quais não são mais do que imagens de
n
P
i=1
de G(E : K). Tais automorfismos associam a
n
P
mi ai terá n! conjugados
i=1
mi ai pelos n! automorfismos
n
P
mi ai somas idênticas com
i=1
os ai ’s permutados. Estes conjugados são todos distintos, uma vez que são
raízes de polinómios irredutíveis que, pelo Teorema 1.2.24, não podem ter
raízes múltiplas. Portanto, todas estas somas são distintas. ¤
Denotemos por c1 , c2 , ..., cn! os n! valores distintos obtidos de
n
P
mi ai
i=1
permutando os ai ’s.
n!
Q
Seja g(x) = (x−ci ). Note-se que as permutações dos ai ’s correspondem
i=1
a permutações dos ci ’s, não alterando portanto g(x). Portanto, os coeficientes
de g(x) são polinómios simétricos avaliados em (a1 , a2 , ..., an ). Como estes
ai ’s são raízes de um polinómio sobre K, por 1.2.41, os coeficientes de g(x)
pertencem a K. O corpo de decomposição de g(x) será então K(c1 , ..., cn ).
Pela demonstração do Lema 2.3.2, K(c1 , ..., cn ) = E, logo o grupo de Galois
de g(x) é G(E : K) ' Sn . Assim, pela Proposição 2.1.2, g (x) é irredutível.
32
CAPÍTULO 2. SN COMO GRUPO DE GALOIS
Lema 2.3.3 O grupo de g(x) sobre K é isomorfo a Sn e o polinómio g(x) é
irredutível sobre K = Q (b1 , b2 , ..., bn ).
Acábamos de ver que tanto o grupo de Galois de f como o de g sobre K
são isomorfos a Sn .
Construímos agora dois polinómios F (t1 , t2 , ..., tn , x) e G(t1 , t2 , ..., tn , x)
de n + 1 variáveis sobre Q. O grau de cada um destes polinómios será n e
n!, respectivamente, tal como f e g.
Comecemos por tomar n variáveis s1 , s2 , ..., sn e definir n funções ti do
seguinte modo:
ti = (−1)i ei (s1 , s2 , ..., sn ) ,
onde ei corresponde ao i-ésimo polinómio simétrico de (s1 , s2 , ..., sn ).
Definamos também n! funções ui da seguinte forma
ui =
n
P
mi si
i=1
e todas as somas obtidas permutando os si ’s.
Construímos agora F e G;
F (t1 , t2 , ..., tn , x) = xn + t1 xn−1 + ... + tn
n
Q
=
(x − si )
i=1
e
G(t1 , t2 , ..., tn , x) =
n!
Q
i=1
(x − ui ) .
Enquanto que para a função F temos uma representação explícita em
termos de t1 , t2 , ..., tn e x, para G não temos. Sabemos que os coeficientes
das potências de x em G podem ser escritas como polinómios em si ’s e que
são simétricos como funções dos si ’s. Assim, pelo Teorema Fundamental
dos Polinómios Simétricos (Teorema 1.2.39) sabemos que G representa uma
função nas variáveis t1 , t2 , ..., tn e x. Note-se que F (b1 , b2 , ..., bn , x) = f (x) e
G(b1 , b2 , ..., bn , x) = g(x).
Lema 2.3.4 Os polinómios F e G são irredutíveis em Q.
Demonstração Consideremos os polinómios G(t1 , t2 , ..., tn , x) e F (t1 , t2 , ..., tn , x)
sobre Q definidos anteriormente.
2.3. POLINÓMIOS CUJO GRUPO DE GALOIS É SN
33
Suponhamos que F não é irredutível sobre Q, isto é, que existem polinómios
R e S não triviais de coeficientes racionais tais que
F (t1 , t2 , ..., tn , x) = R(t1 , t2 , ..., tn , x)S(t1 , t2 , ..., tn , x).
Esta factorização, a existir, seria válida para quaisquer valores de t1 , t2 , ..., tn ,
em particular, para ti = bi = (−1)i ei (a1 , a2 , ..., an ). Tendo R e S graus em
x não inferior a um, esta substituição resultaria numa factorização de f ,
contrariando o facto de, pelo Lema 2.3.1, f ser irredutível sobre Q(b1 , ..., bn ).
Suponhamos agora que S tem grau 0 em x. Neste caso,
S(t1 , t2 , ..., tn , x) = s(t1 , t2 , ..., tn ).
Então, o coeficiente de xn no produto RS será dado por r(t1 , t2 , ..., tn )s(t1 , t2 , ..., tn ),
sendo r(t1 , t2 , ..., tn ) o coeficiente de xn de R(t1 , t2 , ..., tn , x). Mas como
F (t1 , t2 , ..., tn , x) tem coeficiente de xn igual a 1, o grau do polinómio r(t1 , t2 , ..., tn )s(t1 , t2 , ..., tn )
terá de ser nulo. Visto que o grau do produto de polinómios corresponde à
soma dos graus de cada factor, concluimos que r e s têm ambos grau zero
em qualquer uma das variáveis, ou seja, r e s reduzem-se a constantes não
nulas. Mas, neste caso, S também é uma constante e portanto a factorização
F = RS é uma factorização trivial, ou seja, F é irredutível em Q.
Um argumento análogo prova a irredutibilidade de G. ¤
Demonstramos agora o resultado principal deste capítulo.
Teorema 2.3.5 Para todo o inteiro positivo n, existe um polinómio em Q
cujo grupo de Galois é isomorfo a Sn .
Demonstração Seja n ∈ N e G(t1 , t2 , ..., tn , x) =
n!
Q
i=1
(x − ui ) o polinómio so-
bre Q construído antes. Pelo Teorema de Hilbert (Teorema 1.1.11), podemos
escolher racionais β 1 , β 2 , ..., β n tais que o polinómio
e
G(x)
= G(β 1 , β 2 , ..., β n , x)
é irredutível em Q[x].
Pretendemos demonstrar que o grupo de Galois de
Fe(x) = F (β 1 , β 2 , ..., β n , x) = xn + β 1 xn−1 + ... + β n
é isomorfo a Sn .
34
CAPÍTULO 2. SN COMO GRUPO DE GALOIS
Sejam α1 , α2 , ..., αn as raízes de Fe. Então, m1 α1 + m2 α2 + ... + mn αn
pertence ao corpo de decomposição de Fe, Q(α1 , α2 , ..., αn ). Por definição de
G e de F , m1 α1 + m2 α2 + ... + mn αn é um zero de G, o qual é um polinómio
irredutível de grau n! sobre Q. Assim existe em Q(α1 , α2 , ..., αn ) um elemento
de ordem n! sobre Q. Logo [Q(α1 , α2 , ..., αn ) : Q] ≥ n!. Portanto, o grupo de
Galois de Fe tem ordem não inferior a n!.
Como este grupo corresponde ao conjunto das permutações dos α1 , α2 , ..., αn ,
a sua ordem poderá ser, no máximo, n!.
Deste modo, o grupo de Galois de Fe terá, precisamente, ordem n!, ou
seja, é isomorfo a Sn . ¤
Capítulo 3
Números Construtíveis
Um dos problemas da geometria clássica consistia no traçado de diversas figuras e na realização de diversas construções, tendo como únicos instrumentos
uma régua (não graduada) e um compasso. Um número real α diz-se construtível se for possível construir um segmento de recta de comprimento |α|
a partir de um segmento de recta unitário num número finito de passos usando apenas uma régua e um compasso. Nesta secção, sempre que usarmos
o verbo “construir” estaremos a falar em construir usando apenas régua e
compasso.
Neste capítulo demonstramos que dado um real α, para que ele seja
construtível é necessário que o grau de α sobre Q seja uma potência de
2. A condição obtida não é no entanto suficiente tal como é demonstrado na
proposição 3.2.7. Para tal consideramos um polinómio sobre Q cujo grupo
de Galois é isomorfo a Sn . A existência deste polinómio é-nos garantida pelo
Teorema 2.3.5.
3.1
Preliminares
Dada uma régua (não graduada) e um compasso as operações que podemos
realizar com estes instrumentos são chamadas construções fundamentais e
são:
1. Dados dois pontos, podemos traçar uma recta que passa pelos dois
pontos e prolongá-la até ao infinito nas duas direcções;
35
36
CAPÍTULO 3. NÚMEROS CONSTRUTÍVEIS
2. Dados dois pontos podemos traçar o segmento de recta que une os dois
pontos;
3. Dado um ponto e um segmento de recta, podemos traçar a circunferência com centro nesse ponto e raio igual ao comprimento do segmento
de recta.
O lema seguinte diz-nos que a soma e o produto de números reais construtíveis ainda é um número construtível.
A sua demonstração será omitida mas demonstração análoga é feita em
3.1.3.
Lema 3.1.1 Dados segmentos de comprimentos 1, α e β, com α > β e
β 6= 0, é possível construir segmentos de comprimentos α + β, α − β, αβ e
α/β.
Definição 3.1.2 Dizemos que um número real α é construtível se, dado
um segmento de comprimento 1, é possível construir, num número finito de
passos, um segmento de comprimento |α|.
Pelo Lema 3.1.1 podemos concluir que todos os números racionais são
construtíveis.
A proposição seguinte é apenas uma reformulação deste Lema usando o
conceito de números reais construtíveis:
Proposição 3.1.3 Sejam α e β dois reais construtíveis. Então também
α + β, α − β, αβ e α/β
são construtíveis.
Demonstração Consideremos dois reais construtíveis α e β, com α > β.
Traçamos sobre uma recta s um segmento [AB] de comprimento α e um
segmento de recta [CD] de comprimento igual a β de modo que B coincida
com C. Construa-se uma circunferência com centro em B e raio CD. A
circunferência intersecta a recta s nos pontos D e E tais que B está entre A
e D e E está entre A e B. Então, o comprimento de [AD], AD, é α + β e o
de [AE] é α − β, concluindo-se que α + β e α − β são construtíveis.
3.1. PRELIMINARES
A
37
E
B=C
D
s
Figura 3.1: Construção da soma e da diferença de dois reais construtíveis
Com vista a demonstrar a segunda parte da Proposição, marcamos sobre
uma recta dada s um segmento de recta [AB] de comprimento igual a α.
Por A, traçamos outra recta r, concorrente com a anterior. Em r marcamos
a partir de A um segmento unitário, digamos [AC], e o segmento [AD] de
comprimento igual a β. De seguida traçamos a recta t que contém os pontos
B e C e construímos a recta t0 paralela a t que passa por D. Seja P o ponto
de intersecção das rectas t0 e s.
Então o comprimento de [AP ], AP = αβ, uma vez que, pelo Teorema de
Tales,
AC
AB
=
AD
AP
isto é,
1
α
.
=
β
AP
Concluímos assim que αβ é construtível.
Nas mesmas condições do caso anterior, traçamos a recta t que contém
os pontos B e D e construímos por C a recta t0 paralela a t que intersecta a
recta s no ponto Q.
Então AQ = α/β uma vez que
AC
AQ
=
,
AD
AB
isto é,
1
AQ
=
.
β
α
38
CAPÍTULO 3. NÚMEROS CONSTRUTÍVEIS
r
t'
t
D
C
A
P
B
s
Figura 3.2: Construção do produto de dois reais construtíveis
¤
Mostramos agora que se α é construtível,
√
α também o é.
Lema 3.1.4 Dados segmentos√de comprimentos 1 e α é possível construir
um segmento de comprimento α.
Demonstração Consideremos sobre uma recta s o segmento unitário [AB]
e o segmento [BC] de comprimento BC = α. Seja M o ponto médio do
segmento [AC] e construa-se uma semicircunferência com centro em M e
diâmetro AC. De seguida construa-se a perpendicular s0 a s pelo ponto B e
seja D o ponto de intersecção da recta s0 com a semicircunferência.
√
Então, [BD] é um segmento de comprimento α já que
BC
BD
=
,
BD
AB
isto é,
α
BD
=
,
1
BD
concluindo-se o pretendido. ¤
3.2. EXTENSÕES QUADRÁTICAS
39
r
t
t'
D
C
s
A
Q
B
Figura 3.3: Construção do quociente de dois reais construtíveis
Definição 3.1.5 Seja F um corpo. Designamos por plano de F o conjunto
dos pares ordenados (x, y), com x, y ∈ F.
Entende-se por recta de F a recta que passa por dois pontos distintos do
plano de F e por circunferência de F a circunferência cujo centro e algum
ponto da circunferência pertencem ao plano de F.
Lema 3.1.6 Toda a recta do plano de F pode ser representada por uma
equação do tipo
ax + by + c = 0,
com a, b, c ∈ F.
Toda a circunferência pode ser representada por uma equação do tipo
x2 + y 2 + ax + by + c = 0,
com a, b, c ∈ F.
3.2
Extensões quadráticas
Relacionamos agora o conceito de número construtível com a existência de
certas extensões. Começamos por introduzir o conceito de extensão quadrática de um corpo.
40
CAPÍTULO 3. NÚMEROS CONSTRUTÍVEIS
s'
D
A
B
M
C
s
Figura 3.4: Extracção da raiz quadrada de um real construtível
Definição 3.2.1 Seja F um corpo. Dizemos que F(k) é uma extensão
/ F.
quadrática de F se k2 ∈ F e k ∈
Lema 3.2.2 O ponto de intersecção de duas rectas de F pertence a F. Os
pontos de intersecção de uma recta com uma circunferência de F, assim com
os pontos de intersecção de duas circunferências de F pertencem ao plano de
F ou ao plano de alguma extensão quadrática de F.
Demonstração O caso da intersecção das duas rectas de F equivale à solução
das duas equações
a1 x + b1 y + c1 = 0
a2 x + b2 y + c2 = 0,
com a1 , a2 , b1 , b2 , c1 , c2 ∈ F (Lema 3.1.6). É óbvio que a resolução deste
sistema envolve operações racionais, estando as soluções x e y em F, ou seja,
(x, y) pertence ao plano de F, {(x, y) : x, y ∈ F}.
O caso da intersecção de uma recta com uma circunferência em F reduz-se
à solução do sistema de equações em F
½
a1 x + b1 y + c1 = 0
x2 + y 2 + a2 x + b2 y + c2 = 0,
3.2. EXTENSÕES QUADRÁTICAS
41
com a1 , a2 , b1 , b2 , c1 , c2 ∈ F. Como os coeficientes a1 e b1 não podem ser
simultâneamente zero, a primeira equação pode ser resolvida em ordem a
qualquer uma das duas variáveis. Sem perda de generalidade consideremos
a equação resolvida em ordem a y:
y=−
c1 a1
− x.
b1
b1
Substituindo na segunda equação obtemos uma equação do segundo grau
em x com coeficientes em F. Sabemos
que, utilizando a fórmula resolvente,
√
obtemos soluções do tipo A ± B k, com A, B, k ∈ F e k ≥ 0. Substituindo
estas soluções
na primeira equação obtemos uma
√ solução para y do tipo
√
0
0
0
0
A ± B k, com A , B , k ∈ F. Assim,
√ quando k ∈ F os pontos pertencem
a F. Caso
contrário, isto é, quando k ∈
/ F, os pontos pertencem ao plano
√
de F( k).
No caso da intersecção de duas circunferências, as equações:
x2 + y 2 + a1 x + b1 y + c1 = 0
x2 + y 2 + a2 x + b2 y + c2 = 0
podem ser subtraídas, obtendo-se uma equação linear com coeficientes em F.
A equação obtida pode ser resolvida em simultâneo com uma das equações
da circunferência, reduzindo este caso ao caso anterior. ¤
Lema 3.2.3 Seja E uma extensão quadrática de F. Então [E : F] = 2.
√
Demonstração Pela√definição de extensão√ quadrática,
E
=
F(
k), para
√
/ F. Uma vez√que k e − k não pertencem a F, o
algum k ∈ F tal que k ∈
polinómio x2 − k é irredutível. Assim k é raiz de um polinómio irredutível
de grau 2 sobre F. Pela Proposição 1.2.16, [E : F] = 2. ¤
Lema 3.2.4 Dado α, se existe uma sequência finita de corpos Q = F0 ⊂
F1 ⊂ ... ⊂ FN , tal que α ∈ FN , e tal que para todo o j, 0 ≤ j ≤ N − 1, Fj+1
é uma extensão quadrática de Fj , então α é construtível.
Demonstração A demonstração faz-se por indução em N.
Se N = 0, F0 = Q, α é racional e portanto construtível.
42
CAPÍTULO 3. NÚMEROS CONSTRUTÍVEIS
Suponhamos que a afirmação se verifica para um dado n. Queremos ver
que então também se verifica para n + 1. Se α ∈ Fn+1 , como Fn+1
√ é uma
extensão quadrática de Fn , α pode ser escrito na forma an + bn kn , com
an , bn , kn ∈ Fn . Por hipótese de indução, an , bn ,√
kn são construtíveis. Pelos
Lemas 3.1.1 e 3.1.4, conclui-se que α = an + bn kn é construtível como se
desejava demonstrar. ¤
O resultado seguinte caracteriza os números construtíveis como sendo
aqueles para os quais existe uma sequência finita de extensões quadráticas de
Q (podemos chamar extensão multi-quadrática a uma extensão deste tipo).
Teorema 3.2.5 Um número α é construtível se e só se existe uma sequência
de corpos Q = F0 ⊂ F1 ⊂ ... ⊂ FN , com α ∈ FN , tal que para todo o j,
0 ≤ j ≤ N − 1, Fj+1 é uma extensão quadrática de Fj .
Demonstração Consideremos os pontos (0, 0) e (1, 0) no plano cartesiano e
α um número construtível. Por definição, pode ser construído um segmento
de comprimento |α|. É claro que podemos usar este segmento, o ponto (0, 0) e
a recta que passa pelos pontos (0, 0) e (1, 0) para construir o ponto P = (α, 0).
É portanto suficiente mostrar que o ponto P pertence ao plano de um corpo
FN que verifica as condições do enunciado, isto é, um corpo obtido a partir
de Q através de uma sequência finita de extensões quadráticas.
A construção do ponto P envolve um número finito de passos de construções fundamentais, cada um dando origem a um número finito de pontos
novos resultantes de intersecções. Listemos todos estes pontos segundo a ordem da sua construção. Se no i-ésimo passo da construção resultarem, pela
primeira vez, mais do que um ponto, suponhamos m pontos, estes são listados na i-ésima, i + 1-ésima, etc. posição por qualquer ordem. No i + 1-ésimo
passo da construção os pontos são listados começando agora na posição i+m.
Suponhamos que o ponto P se encontra na t-ésima posição. Temos então
P1 , P2 , ..., Pt−1 , Pt = P .
Verificamos agora que existe um corpo F, que se pode obter a partir de Q
através de uma sequência de extensões quadráticas, tal que P1 , P2 , ..., Pt−1 , Pt
pertencem ao plano de F. Como P1 e P2 são os dois pontos de partida, (0, 0)
e (1, 0), estes pertencem desde logo ao plano de Q, estando a afirmação
provada para t = 1 e t = 2. Suponhamos que um dado Pt−1 construtível
pertence a uma extensão quadrática. Para mostrar que a afirmação é válida
3.2. EXTENSÕES QUADRÁTICAS
43
para qualquer t, recordemos que a construção de Pt apenas envolve figuras
construídas usando os pontos P1 , P2 , ..., Pt−1 , e portanto, por hipótese de
e que pode ser
indução, figuras que pertencem ao plano de algum corpo F
obtido de Q através de uma sequência de extensões quadráticas.
No entanto,
√
e
e
pelo Lema
√ 3.2.2, Pt pertence ao plano do corpo F ou F( k), para algum
e
e Em cada um dos casos, Pt , assim como os outros Pi ’s,
k ∈ F e k ∈
/ F.
pertencem ao plano de um corpo do tipo pretendido.
Com o Lema 3.2.4 conclui-se o resultado. ¤
A partir da existência de extensões quadráticas de um dado número real construtível, demonstra-se que o grau desse número sobre Q será uma
potência de 2.
Teorema 3.2.6 Seja α um real construtível. Então degQ α é uma potência
de 2.
Demonstração Seja α um número construtível. Então, existe uma sequência de corpos
Q = F0 ⊂ F1 ⊂ ... ⊂ FN
tais que α ∈ FN e para cada j, Fj+1 é uma extensão quadrática de Fj . Deste
modo, para cada j, [Fj+1 : Fj ] = 2. Aplicando sucessivamente o Teorema
1.2.4,
[FN : Q] = 2N .
Como α ∈ FN , Q(α) ⊂ FN . Deste modo,
[FN : Q] = [FN : Q(α)] [Q(α) : Q]
2N = [FN : Q(α)] [Q(α) : Q] .
Assim, nenhum dos factores do membro direito pode ter factores ímpares.
Portanto, [Q(α) : Q] é uma potência de 2, que pela Proposição 1.2.16 iguala
a degQ α. ¤
Usando o Teorema 2.3.5 podemos demonstrar que existe um número α cujo grau sobre Q é uma potência de 2 mas que não é construtível. Demonstrase assim que o resultado obtido em 3.2.6 não é suficiente.
Proposição 3.2.7 Para todo m ≥ 2, existe um número α, tal que
degQ α = 2m ,
e tal que α não é construtível.
44
CAPÍTULO 3. NÚMEROS CONSTRUTÍVEIS
Demonstração Seja n = 2m , para algum m ∈ N \ {1}. Pelo Teorema
2.3.5, podemos considerar f (x) um polinómio sobre Q cujo grupo de Galois é
isomorfo a Sn . Pela Proposição 2.1.2, f (x) é irredutível. Assim, pelo Teorema
1.2.24, f (x) não tem raízes múltiplas de onde, cada uma das suas raízes tem
grau n = 2m sobre Q.
Suponhamos que todas estas raízes eram construtíveis. Então, todo o
elemento do corpo de decomposição E de f (x) seria construtível, uma vez
que todos os elementos de E poderiam ser definidos através de combinações
racionais das raízes de f (x). O grau de [E : Q] é n!, uma vez que é igual à
ordem do grupo de Galois. Se escrevermos E como uma extensão simples de
Q, E = Q(α), então degQ α = n!. Mas m ≥ 2 pelo que n ≥ 4. Assim, n!
contém o factor ímpar 3, ou seja, n! não é uma potência de 2. Pelo Teorema
3.2.6, α não é construtível.
Portanto, pelo menos uma das raízes de f não é construtível. Seja α essa
raiz. ¤
Capítulo 4
Polinómios com raízes não
exprimíveis por radicais
As raízes de um polinómio f (x) = ¡ax2 + bx
grau com coefi√ + c de segundo
¢
2
cientes reais são dadas pela fórmula −b ± b − 4ac /2a. A mesma fórmula
é válida para um polinómio f (x) ∈ F[x] onde F é um corpo de característica
diferente de 2.
Sobre
Q, o polinómio x2 + 2x − 2 ∈ Q[x] tem como raízes ou zeros
√
¡√ ¢
−2± 4+4·2
∈
Q
2 . A questão que se pode pôr é se fórmulas análogas
2
podem ser encontradas para polinómios de grau maior que 2 com coeficientes
em Q, isto é, fórmulas que envolvam uma sequência de operações racionais
e extracções de raízes. A resposta é afirmativa para polinómios de terceiro e
quarto grau com coeficientes em Q. Já para polinómios de grau 5 tal nem
sempre é possível. Mostrar-se-á que para cada n ≥ 5, existem polinómios
de grau n tais que nenhuma das suas raízes pode ser calculada da forma
desejada.
4.1
Extensões por radicais
Começamos por formalizar a ideia de um elemento se conseguir obter de
elementos de um dado corpo usando sequências finitas de somas, diferenças,
produtos, quocientes e extracções de raízes.
Definição 4.1.1 Um corpo E é uma extensão por radicais de um corpo
F se existem elementos α1 , ..., αn ∈ E e inteiros positivos n1 , ..., nj tais que:
45
46CAPÍTULO 4. POLINÓMIOS COM RAÍZES NÃO EXPRIMÍVEIS POR RADICAIS
1. E = F(α1 , ..., αn )
2. αn1 1 ∈ F
3. αni i ∈ F(α1 , ..., αi−1 ) para 1 < i < n.
Um polinómio f (x) ∈ F[x] diz-se resolúvel por radicais sobre F se o
seu corpo de decomposição sobre F está contido numa extensão por radicais
de F.
De acordo com a definição anterior um polinómio f (x) ∈ F[x] é resolúvel
por radicais sobre F se conseguirmos obter todos os zeros de f (x) usando
uma sequência finita de somas, diferenças, produtos, quocientes e n-ésimas
raízes começando o processo com elementos de F.
Definição 4.1.2 Um elemento β diz-se exprimível por radicais sobre F
quando existem α1 , ..., αm tais que F(α1 , ..., αm , β) é uma extensão radical de
F.
Mostramos agora que relações existem entre um polinómio ser resolúvel
por radicais e o grupo de Galois desse polinómio; demonstrar-se-á no fim
desta secção que
Teorema 4.1.3 Um polinómio é resolúvel por radicais se e só se o seu grupo
de Galois for solúvel.
Relembramos que um grupo G se diz solúvel se existir uma sequência de
subgrupos G = H0 ⊇ H1 ⊇ ... ⊇ HN = {id} tal que cada Hi+1 é um subgrupo
normal de Hi , para cada 0 ≤ i ≤ N − 1 e |Hi | / |Hi+1 | é primo. A uma
sequência como a indicada antes dá-se o nome de série de decomposição
de G com factores primos.
Caso nada em contrário seja dito, nesta secção consideramos o polinómio
f (x), F o menor corpo que contém os coeficientes de f (x) e E o seu corpo de
decomposição.
Relembramos agora um resultado importante da teoria de grupos; demonstrase que Sn , para n ≥ 5, não é solúvel. Necessitamos porém do seguinte lema:
Lema 4.1.4 Se N é um subgrupo normal de um grupo H com índice primo
p, então para quaisquer elementos φ, ψ ∈ H, φ−1 ψ −1 φψ ∈ N.
4.1. EXTENSÕES POR RADICAIS
47
Demonstração Sejam N, H, φ, ψ nas condições do enunciado do Lema.
Se φ ∈ N, como N E H, ψ −1 φψ ∈ N . Como φ ∈ N e N é subgrupo de
−1 −1
H, é fechado para o produto, logo
© kφ ψ φψ ∈ N. ª
e = φ n : n ∈ N, k ∈ Z . Facilmente se verifica
Se φ ∈
/ N, considere-se N
e é um subgrupo normal de H. Pelo Teorema de Lagrange, como
que N
¯ ¯
¯ e¯
e
N ≤ N, |N| é divisor de ¯N
¯, isto é,
¯ ¯
¯ e¯
¯N ¯ = q |N|
¯ ¯
¯ e¯
para algum q. Mas ¯N
¯ | |H| e |H| = p |N|. Logo p |N| = aq |N|, para algum
e já
a. Como p é primo, conclui-se que q = 1 ou q = p. Como φ ∈
/ N, N 6= N
e Logo q 6= 1. Portanto q = p e N
e = H. Podemos assim escrever
que φ ∈ N.
ψ ∈ H na forma
ψ = φk n
para alguns k ∈ Z e n ∈ N. Mas então
φ−1 ψ −1 φψ = φ−1 n−1 φ−k φφk n = φ−1 n−1 φn
e uma vez que N E H, φ−1 n−1 φ ∈ N. Como n ∈ N, deduz-se que
φ−1 n−1 φn ∈ N,
logo φ−1 ψ −1 φψ ∈ N. ¤
Proposição 4.1.5 Se n ≥ 5, então Sn não é solúvel.
Demonstração Suponhamos, com vista a um absurdo, que Sn é solúvel.
Assim, existe uma cadeia de subgrupos
Sn = G = H0 ⊃ H1 ⊃ ... ⊃ HN = {id}
tal que para cada j ∈ {0, ..., N − 1}, Hj+1 é um subgrupo normal de índice
primo de Hj . Mostrar-se-á, por indução em N, que para todo o j, Hj contém
todos os ciclos de comprimento 3. Isto contraria o facto de HN = {id}. Se
N = 0, então G = H0 = Sn e H0 contém, em particular, todos os ciclos
de comprimento 3. Suponhamos agora que Hj contém todos os ciclos de
comprimento 3. Mostraremos que Hj+1 também os contém. Seja (ijk) um
48CAPÍTULO 4. POLINÓMIOS COM RAÍZES NÃO EXPRIMÍVEIS POR RADICAIS
ciclo de comprimento 3 arbitrário. Uma vez que n ≥ 5, podemos escolher
i, j, k, l, m ∈ N todos distintos. Sejam φ = (mji) e ψ = (ilk). Pela hipótese
de indução sabemos que φ, ψ ∈ Hj . Assim, pelo Lema anterior,
φ−1 ψ −1 φψ ∈ Hj+1 .
Mas φ−1 ψ −1 φψ = (ijm)(kli)(mji)(ilk) = (ijk). Portanto, (ijk) ∈ Hj+1 .
Como este ciclo era arbitrário, concluímos o pretendido. ¤
Atendendo à definição de polinómio resolúvel tem-se o seguinte:
Corolário 4.1.6 Todo o polinómio cujo grupo de Galois é isomorfo a Sn ,
para algum n ≥ 5, não é resolúvel por radicais.
Apresentamos agora vários lemas que nos irão permitir demonstrar o resultado desejado.
Lema 4.1.7 Seja F um corpo de característica zero e f (x) ∈ F[x] irredutível
tal que o seu grupo de Galois é solúvel. Então existe uma sequência de corpos
F = F0 ⊂ F1 ⊂ ... ⊂ FN = E tal que, para cada j, 0 ≤ j ≤ N − 1, Fj+1 é
extensão normal de Fj de grau primo.
Demonstração Por hipótese, existe uma sequência de subgrupos
G = H0 ⊇ H1 ⊇ ... ⊇ HN = {id}
tais que cada Hj+1 é um subgrupo normal de Hj de índice primo.
Tomem-se os corpos fixos de E por cada um dos Hj ,
F = F0 ⊂ F1 ⊂ ... ⊂ FN = E
onde Fj = EHj . Como E é corpo de decomposição de f (x), E é extensão
normal de F logo, pela Proposição 1.2.34, é também uma extensão normal
de cada um dos corpos Fj . Assim, Hj = G(E : Fj ) (já que E é uma extensão
normal e separável de Fj ). Como Hj+1 é um subgrupo normal de Hj , pelo
Teorema 1.3.9 (Teorema da Correspondência de Galois) Fj+1 é uma extensão
normal de Fj cujo grau é
|Fj+1 : Fj | =
=
=
=
=
[E : Fj ] / [E : Fj+1 ]
|G(E : Fj )| / |G(E : Fj+1 )|
|Hj | / |Hj+1 |
|Hj : Hj+1 |
p, primo,
4.1. EXTENSÕES POR RADICAIS
49
como se desejava demonstrar. ¤
Mostrar-se-á que todo o elemento de uma extensão normal de grau primo
de um corpo K, pode ser obtido a partir de K usando apenas operações
racionais e extracções de p-ésimas raízes.
Lema 4.1.8 Seja L uma extensão normal de grau primo p sobre um corpo
K de característica zero que contém as p-ésimas raízes da unidade. Então
existe uma família de p − 1 elementos a1 , ..., ap−1 tais que para cada i, api ∈ K
e L ⊂ K(a1 , ..., ap−1 ).
Demonstração Considere-se G(L : K). Como L é normal sobre K e L é
separável sobre K, |G(L : K)| = p, logo como p é primo, G(L : K) é cíclico.
Seja φ um seu gerador. Pelo Teorema 1.2.26, podemos tomar r ∈ L tal que
L = K(r). Como L é normal, todos os conjugados de r estão em L. Sabemos
também que os automorfismos φ de G = G(L : K) transformam r nos seus
conjugados. Seja ri = φi (r) para cada 1 ≤ i ≤ p. Se i, j ∈ {1, ..., p}, com
i 6= j, então φi 6= φj , pelo que ri 6= rj .
Como [L : K] = p, r tem exactamente p conjugados. Seja g o polinómio
mínimo de r sobre K, r1 , ..., rp as suas raízes e w uma p-ésima raiz primitiva
da unidade. Consideremos, para 0 ≤ j ≤ p − 1,
aj = r1 + wj r2 + w2j r3 + ... + w(p−1)j rp ,
isto é,
a0 = r1 + r2 + r3 + ... + rp ,
a1 = r1 + wr2 + w2 r3 + ... + w(p−1) rp ,
a2 = r1 + w2 r2 + w4 r3 + ... + w2(p−1) rp ,
..
.
2
ap−1 = r1 + wp−1 r2 + w2(p−1) r3 + ... + w(p−1) rp .
Podemos considerar estas equações como um sistema linear de p equações
em p incógnitas r1 , ..., rp . Note-se que a0 ∈ K uma vez que podemos pensar
em a0 como um polinómio simétrico elementar nas incógnitas r1 , ..., rp , que
são as raízes de g sobre K. Verificamos agora que, para 0 ≤ j ≤ p − 1, os
(aj )p são invariantes por G(L : K) e que (aj )p ∈ K. Tem-se que, para cada
50CAPÍTULO 4. POLINÓMIOS COM RAÍZES NÃO EXPRIMÍVEIS POR RADICAIS
0 ≤ j ≤ p − 1 e para cada φ ∈ G(L : K),
φ [(aj )p ] = [φ (aj )]p
£
¤p
= φ (r1 ) + wj φ (r2 ) + w2j φ (r3 ) + ... + w(p−1)j φ (rp )
£
¤p
= r2 + wj r3 + w2j r4 + ... + w(p−1)j r1
£
¤p
= w−j aj
= (aj )p ,
portanto (aj )p ∈ K.
Calculemos agora o determinante da matriz dos coeficientes do sistema
de equações acima:
¯
¯
2
3
p−1
¯ 1
¯
1
1
1
·
·
·
1
¯
¯
2
3
p−1
¯ 1 w
¯
w
w
···
w
¯
¯
2
3
p−1
2
2
2
¯ 1 w2
¯
(w
)
(w
)
·
·
·
(w
)
¯
¯
¯ ..
¯
¯ .
¯
¯
¯
2
3
p−1
¯ 1 wp−1 (wp−1 ) (wp−1 ) · · · (wp−1 )
¯
O que se obtém é o determinante de Vandermonde o qual é
Y
¡ j
¢
w − wi .
0≤i<j≤p−1
Este determinante é não nulo uma vez que wj 6= wi , quando 0 ≤ i < j ≤ p−1.
Assim, como a matriz é não singular, pela regra de Cramer, os ri ’s podem ser
obtidos a partir dos aj ’s e de w através de operações racionais. Deste modo,
para cada i, ri ∈ K(a1 , ..., ap−1 ), de onde L = K(r) ⊂ K(a1 , ..., ap−1 ). ¤
Lema 4.1.9 Seja K um corpo de característica zero. Se L é uma extensão
normal e radical de K então G(L : K) é um grupo solúvel.
Demonstração Seja L = K(α1 , ..., αn ), com αn1 1 ∈ K e αni i ∈ K(α1 , ..., αi−1 ),
para alguns n1 , ..., nn ∈ N. É fácil demonstrar que podemos, sem perda de
generalidade, supor que todos os expoentes ni são primos.
Seja p um primo tal que αp1 ∈ K. A demonstração efectua-se agora por
indução em n. Se n = 0, L = K e G(L : K) = {id}, logo solúvel.
Suponhamos agora o resultado para extensões radicais da forma K(β 1 , ..., β j )
tal que β ni i ∈ K(β 1 , ..., β i−1 ) e j < n. Se α1 ∈ K então L = K(α2 , ..., αn ) e o
4.1. EXTENSÕES POR RADICAIS
51
resultado é válido por hipótese de indução. Supomos agora que α1 ∈
/ K. Seja
f (x) o polinómio mínimo de α1 sobre K. Assim deg f (x) ≥ 2 e como L é uma
extensão normal de K, f (x) decompõe-se em factores lineares em L[x]. Como
K é um corpo de característica zero, pelo Teorema 1.2.24, todas as raízes de
f (x) são distintas. Seja β 6= α1 uma raiz de f (x). Como αp1 ∈ K (onde
p = n1 , primo), α1 é raiz de xp − a, para algum a ∈ K. Consequentemente,
f (x) divide xp − a. Como β é um zero de f (x),
β p − a = 0.
Logo
µ
α1
β
¶p
= 1.
Como p é primo e β 6= α1 , αβ1 tem ordem prima p no grupo (L − {0} , ·) e
³ ´2
³ ´p−1
1, αβ1 , αβ1 , ..., αβ1
são as p raízes distintas do polinómio g(x) = xp − 1
em L. O corpo M = K( αβ1 ) ⊆ L é um corpo de decomposição de g(x) sobre
K. Obtemos assim a seguinte cadeia
K ⊆ M = K(
α1
) ⊆ M(α1 ) ⊆ L.
β
Uma vez que as raízes de xp − αp1 são da forma εα1 , onde ε ∈ M é raiz de
xp − 1 (ver, por exemplo, [4, Proposição 7.6.10]), tem-se que M(α1 ) é corpo
de decomposição de xp − αp1 sobre M. Mais, cada M-automorfismo de M(α1 )
é determinado pela imagem do elemento α1 ; para cada ϕ ∈ G(M(α1 ) : M)
ϕi (α1 ) = εi α1 ,
onde εi é raiz de xp − 1. Assim, G(M(α1 ) : M) é abeliano. Uma vez que M
é corpo de decomposição de xp − 1, existem p raízes distintas e o conjunto
das raízes do polinómio constitui um grupo cíclico para o produto. Sendo α
um gerador do grupo das raízes, qualquer K-automorfismo fica determinado
pela sua imagem, a qual será αj para j ∈ {0, ..., p − 1}. Assim G(M : K) é
cíclico.
Temos que L = K(α1 , ..., αn ) = M(α1 , ..., αn ) = M(α1 )(α2 , ..., αn ) é extensão normal e radical de M(α1 ), logo por hipótese de indução, G(L : M(α1 ))
é solúvel.
52CAPÍTULO 4. POLINÓMIOS COM RAÍZES NÃO EXPRIMÍVEIS POR RADICAIS
Como L é uma extensão finita, normal e separável de K, o mesmo acontece
a M, pela Proposição 1.2.34. Pelo Teorema 1.3.9 tem-se que
G(M(α1 ) : M) ∼
=
G(L : M)
.
G(L : M(α1 ))
Como G(M(α1 ) : M) é abeliano e G(L : M(α1 )) é solúvel, G(L : M) é
solúvel [11, Teorema 4.11.14]. Aplicando agora o Teorema 1.3.9 à sequência
de extensões
K⊂M⊂L
tem-se
G(L : K)
G(M : K) ∼
.
=
G(L : M)
Como G(M : K) é abeliano e G(L : M) é solúvel, deduz-se que G(L : K) é
solúvel como se pretendia, [11, Teorema 4.11.14]. ¤
Introduzimos agora uma nova definição necessária para o desenrolar do
trabalho
Definição 4.1.10 Seja L uma extensão algébrica de K. Dizemos que uma
extensão N de L é um fecho normal de L se:
1. N é uma extensão normal de K;
2. Se M é um corpo tal que L ⊂ M ⊂ N e M é extensão normal de K,
então M = N.
Estão agora reunidos os requisitos necessários para demonstrar o Teorema
pretendido
Demonstração do Teorema 4.1.3 Seja f (x) um polinómio sobre um corpo
F de característica zero, E o seu corpo de decomposição e suponhamos que
G(E : F) é solúvel. Pelo Lema 4.1.7 existe uma sequência de corpos tais que
F = F0 ⊂ F1 ⊂ ... ⊂ FN = E,
|Fj+1 : Fj | = pj e Fj+1 é extensão normal de Fj . Para cada j ∈ {0, ..., N − 1}
seja wj uma pj -ésima raiz primitiva da unidade e considere-se Fj (wj ) e
Fj+1 (wj ). Sabemos que |Fj (wj ) : Fj | = degFj (wj ) ≤ pj − 1 e
|Fj+1 (wj ) : Fj+1 | |Fj+1 : Fj | = |Fj+1 (wj ) : Fj |
= |Fj+1 (wj ) : Fj (wj )| |Fj (wj ) : Fj | .
4.1. EXTENSÕES POR RADICAIS
53
Como p = |Fj+1 : Fj | e |Fj (wj ) : Fj | ≤ pj − 1, das igualdades anteriores
conclui-se que p | |Fj+1 (wj ) : Fj (wj )|. Portanto, |Fj+1 (wj ) : Fj (wj )| ≥ p.
Mas,
|Fj+1 (wj ) : Fj+1 | = degFj+1 wj ≤ degFj wj = |Fj (wj ) : Fj | .
Logo, |Fj+1 (wj ) : Fj (wj )| ≤ p, de onde |Fj+1 (wj ) : Fj (wj )| = p.
Como Fj+1 = Fj (aj ) para algum aj , seja gj o polinómio mínimo de aj
sobre Fj . Então Fj+1 (wj ) é o corpo de decomposição de gj (x)(xpj − 1) sobre
Fj (note-se que Fj+1 é extensão normal de Fj ). Logo Fj (wj ) ⊂ Fj+1 (wj ) é uma
extensão normal de grau p. Pelo Lema 4.1.8, Fj+1 ⊆ Fj (wj , aj1 , ..., ajpj −1 ) tal
p
que para cada i, aj j ∈ Fj . Considere-se
E0 = F(w0 , a0,1 , ..., a0,p0 −1 , ..., wN−1 , aN−1,1 , ..., aN−1,pN −1 −1 )
extensão por radicais de F. Como E = FN = FN−1 (wN−1 , aN −1,1 , ..., aN−1,pN −1 −1 ),
demonstra-se, atendendo à construção dos aji , que E ⊆ E0 . Mas então, f (x)
é resolúvel por radicais.
Reciprocamente, suponhamos que f (x) é resolúvel por radicais. Por
definição, o corpo de decomposição de f (x) sobre F está contido numa extensão de F por radicais, E. Seja M uma extensão radical de F, com F ⊆ E ⊆ M,
G = G(E : F), K = EG e N um fecho normal da extensão K. Assim,
F ⊆ K ⊆ E ⊆ M ⊆ N.
Como M é uma extensão radical de K, por definição, M = K(α1 , ..., αr ),
com αn1 1 ∈ K e αni i ∈ K(α1 , ..., αi−1 ). Seja fi (x) o polinómio mínimo de αi
sobre K para cada i ∈ {1, ..., r}. É fácil verificar que sendo N o fecho normal
de M sobre F, N é o corpo de decomposição do polinómio f1 (x) · ... · fn (x).
Sejam β ij os zeros de fi (x), para cada i ∈ {1, ..., r}. Para cada β ij podemos
estabelecer um isomorfismo
σ ij : K(αi ) −→ K(β ij ).
o qual se estende a um K-automorfismo de N. Como cada αi é exprimível
por radicais sobre K, β ij também o é. Logo, N é uma extensão radical de K.
Pelo Lema 4.1.9, G(N : K) é solúvel.
Como E é uma extensão normal de K (E é corpo de decomposição de um
polinómio sobre K), pelo Teorema 1.3.9,
G(N : K)
G(E : K) ∼
.
=
G(N : E)
54CAPÍTULO 4. POLINÓMIOS COM RAÍZES NÃO EXPRIMÍVEIS POR RADICAIS
Assim, G(E : K) é solúvel. Por [11, Teorema 4.11.14], uma vez que G(E :
F) = G(E : K), tem-se o pretendido. ¤
4.2
Polinómios sem zeros exprimíveis por radicais
Pretendemos agora construir polinómios cujos zeros não sejam exprimíveis
por radicais. Começamos por verificar que todos os zeros de polinómios de
terceiro e quarto graus podem ser expressos por radicais.
Considere-se a equação
ax3 + bx2 + cx + d = 0
onde a, b, c, d ∈ F corpo de característica zero. Vemos agora que todas as
equações do terceiro grau são resolúveis por radicais. Sem perda de generalidade podemos supor que a = 1. Assim,
x3 + bx2 + cx + d = 0.
Aplicando a seguinte mudança de variável
x=y+L
para algum L ∈ F, obtém-se a equação
¡
¢
y 3 + (3L + b) y 2 + 3L2 + 2bL + c y + L3 + bL2 + cL + d = 0.
Fazendo L = −b/3, obtém-se uma equação do tipo
y 3 + By + C = 0,
para alguns B, C ∈ F.
Se C = 0, a resolução é evidente. Se C 6= 0, y = 0 não é solução da
equação. Fazendo a substituição y = z + K/z, para algum K, tem-se
z 6 + (3K + B) z 4 + Cz 3 + (3K + B) Kz 2 + K 3 = 0.
Neste caso, dois coeficientes anulam-se quando se substitui K por −B/3,
resultando a equação
z 6 + Cz 3 + K 3 = 0.
4.2. POLINÓMIOS SEM ZEROS EXPRIMÍVEIS POR RADICAIS
55
Esta equação pode agora ser resolvida do mesmo modo que uma equação
quadrática, considerando
¡ 3 ¢2
¡ ¢
z
+ C z 3 + K 3 = 0.
Demonstra-se assim que
Lema 4.2.1 Seja F um corpo de característica zero. Então, todo o polinómio
p(x) = ax3 + bx2 + cx + d ∈ F [x] é resolúvel por radicais.
Demonstramos que um resultado análogo é válido para equações de grau
4.
Lema 4.2.2 Seja F um corpo de característica zero. Então, todo o polinómio
p(x) = ax4 + bx3 + cx2 + dx + e ∈ F[x] é resolúvel por radicais.
Demonstração Se a = 0 estamos nas condições do Lema 4.2.1.
Se a 6= 0, podemos, sem perda de generalidade, supor que a = 1. Assim,
x4 + bx3 + cx2 + dx + e = 0.
Da mudança de variável
x=y−
b
4
resulta uma equação do tipo
y 4 + Cy 2 + Dy + E = 0.
Somando a ambos os membros da equação anterior o termo y 2 t +
é um elemento do corpo F, obtemos
µ
¶2 ∙
¸
t
t2
2
2
y +
− y (t − C) − Dy + − E = 0.
2
4
t2
,
4
onde t
De forma a que
t2
−E
4
seja um quadrado perfeito, escolhemos t tal que o binómio discriminante da
2
equação y 2 (t − C) − Dy + t4 − E = 0 seja nulo, isto é,
¶
µ 2
t
2
(−D) − 4 (t − C)
− E = 0,
4
y 2 (t − C) − Dy +
56CAPÍTULO 4. POLINÓMIOS COM RAÍZES NÃO EXPRIMÍVEIS POR RADICAIS
obtendo a equação do terceiro grau
−t3 + Ct2 + 4Et + D2 − 4CE = 0.
Pelo Lema 4.2.1 esta equação é resolúvel por radicais. Seja t0 uma das suas
raízes. Então,
µ
¶2
t20
D
2
.
y (t0 − C) − Dy + − E = (t0 − C) y −
4
2(t0 − C)
Assim,
µ
µ
¶2
¶2
t0
D
2
y +
− (t0 − C) y −
= 0.
2
2 (t0 − C)
Usando a diferença do quadrado,
µ
µ
∙
¶¸ ∙
¶¸
p
p
D
D
2
2
y + t0 /2 − t0 − C y −
y + t0 /2 + t0 − C y −
= 0.
2 (t0 − C)
2 (t0 − C)
Igualando cada termo a zero obtemos y em função de radicais, e consequentemente x, como era pretendido. ¤
No lema seguinte demonstramos que se alguma raiz de um dado polinómio
irredutível pode ser obtida por radicais, então todas podem.
Lema 4.2.3 Seja f (x) ∈ F[x] irredutível e r uma raiz de f (x) exprimível
por radicais. Então f (x) é solúvel por radicais.
Demonstração Seja f (x) ∈ F[x] irredutível e r uma raiz de f (x) exprimível
por radicais. Então existem α1 , ..., αm+1 tais que
1. αn1 1 ∈ F,
2. αni i ∈ F(α1 , ..., αi−1 ),
3. r ∈ F (α1 , ..., αm+1 ),
para alguns n1 , ..., nm , m ∈ Z. Seja Fi = F (α1 , ..., αi−1 ). Assim, Fj+1 =
Fj (αj ) e r ∈ F (α1 , ..., αm , αm+1 ). Tome-se αm+2 = r.
n
Seja bj = αj j ∈ Fj−1 e sejam bj = bj1 , bj2 , ..., bjmj os conjugados de bj em
Fe
gj (x) = (xnj − bj1 )(xnj − bj2 )...(xnj − bjmj ).
4.2. POLINÓMIOS SEM ZEROS EXPRIMÍVEIS POR RADICAIS
57
Assim definido, g(x) é um polinómio cujos coeficientes são os polinómios
simétricos avaliados em bj1 , bj2 , ..., bjmj . Assim, para cada j, gj (x) ∈ F[x].
Considere-se
m+1
Q
h(x) =
gj (x) ∈ F[x]
j=1
e E o seu corpo de decomposição sobre F. Assim,
E = F(b11 , ..., b1m1 , b21 , ..., b2m2 , ..., bm+1,1 ..., bm+1,mm+1 )
e E é uma extensão por radicais de F. Como E é corpo de decomposição de
um polinómio, E é normal. Uma vez que r ∈ E, todas as raízes de f (x) estão
em E. Consequentemente, f (x) é resolúvel por radicais. ¤
Mostra-se assim que se uma raiz de um polinómio irredutível pode ser
exprimível por radicais, todas podem.
Caracterizamos agora o grupo de Galois de um polinómio de grau primo
sobre Q dependendo do número das suas raízes reais.
Lema 4.2.4 Seja f (x) ∈ Q[x] um polinómio irredutível de grau primo p. Se
f (x) tem duas e só duas raízes complexas não reais, então o grupo de Galois
de f (x) é o grupo simétrico Sp .
Demonstração Seja L (⊆ C) o corpo de decomposição de f (x) sobre Q e G
o grupo de Galois de f (x) sobre Q. Uma vez que Q tem característica zero,
p(x) tem exactamente p raízes distintas, logo |G| ≤ p!.
Note-se que, por construção de corpo de decomposição, p divide [L : Q].
Pelo Teorema 1.3.9, p divide |G|, logo, pelo Teorema de Cauchy, G tem um
elemento de ordem p, isto é, um ciclo de comprimento p.
Consideremos o Q-automorfismo de L induzido pela conjugação dos números
complexos. Assim, este mantém invariante os p − 2 zeros reais de f (x) e que
permuta os dois zeros não reais. Então, G contém uma transposição.
Uma vez que G contém um ciclo de comprimento p e uma transposição
G = Sp . ¤
Usando o Lema anterior podemos agora construir um polinómio de grau
5 resolúvel por radicais sobre Q.
Consideremos o polinómio
p(x) = x5 − 6x + 3.
58CAPÍTULO 4. POLINÓMIOS COM RAÍZES NÃO EXPRIMÍVEIS POR RADICAIS
Pelo critério de Eisenstein, Teorema 1.1.12, p(x) é um polinómio irredutível
em Q[x]. Tem-se que
p(−2) = −17
p(−1) = 8
p(1) = −2
p(2) = 23
e uma vez que p0 (x) = 5x4 − 6 tem dois zeros reais, resulta que p(x) tem
exactamente três raízes reais. Uma vez que Q tem característica zero, p(x)
não pode ter raízes múltiplas. Portanto p(x) tem duas raízes complexas não
reais. Pelo Lema 4.2.4, o grupo de Galois de p(x) será S5 , que não é um
grupo solúvel. Logo, pelo Teorema 4.1.3, o polinómio p(x) não é resolúvel
por radicais sobre Q.
Multiplicando o polinómio p(x) por xk , obtemos um polinómio de grau
5+k o qual não é resolúvel por radicais. Mostra-se assim o Teorema de Abel.
Teorema 4.2.5 (Teorema de Abel) Para cada n ≥ 5, existem polinómios
de grau n não resolúveis por radicais.
Isto é, mostra-se a existência de polinómios de grau n, para cada n ≥ 5,
para os quais existe pelo menos uma raiz não exprimível por radicais. Notese que os polinómios construídos para a demonstração do Teorema de Abel
resultam do produto de um polinómio de grau 5 por uma potência adequada
de x, logo não são irredutíveis.
Usando o Teorema 2.3.5 demonstra-se, para cada n ≥ 5, a existência de
polinómios sobre Q de grau n tal que nenhuma das suas raízes é exprimível
por radicais.
Teorema 4.2.6 Para cada n ≥ 5, existe um polinómio sobre Q de grau n
tal que nenhum dos seus zeros pode ser exprimível por radicais.
Demonstração Seja n ≥ 5. Pelo Teorema 2.3.5, existe um polinómio p(x)
sobre Q cujo grupo de Galois é Sn . Pelo Lema 4.1.5, Sn não é solúvel.
Assim, pelo Teorema 4.1.3, p(x) não é resolúvel por radicais. Porém, como o
grupo de Galois de p(x) é Sn , pela Proposição 2.1.2, p(x) é irredutível. Pelo
Lema 4.2.3, conclui-se que nenhuma das suas raízes pode ser exprimível por
radicais. ¤
Capítulo 5
Problema Inverso de Galois
O problema inverso da teoria de Galois consiste em descobrir em que condições
podemos encontrar uma extensão de um corpo K com um dado grupo de Galois. Por outras palavras, dado G um grupo finito e K um corpo, a questão
é: será que existe uma extensão de Galois L/K, finita, tal que o grupo de
Galois da extensão é isomorfo ao grupo G?
Neste capítulo estudaremos extensões de Galois do tipo C(x) ⊂ L, ou,
mais geralmente, do tipo K(x) ⊂ L, onde K é um corpo algebricamente
fechado de característica zero. Pelo Teorema do Elemento Primitivo (Teorema 1.2.26) existe y ∈ L tal que L = C(x)(y) e y é algébrico sobre C(x).
Assim, existe F (x, z) ∈ C(x)[z] tal que F (x, y) = 0. Tenta-se encontrar y
que seja uma série de potências em x, C[[x]]. Começamos por caracterizar
extensões finitas de K((t)) = Λ, corpo de fracções de K[[t]].
Na segunda secção trabalhamos com extensões de Galois de K(x) e a estas
associamos dois invariantes, o índice de ramificação e a classe de conjugação.
Fixado um grupo G finito, um subconjunto finito de P1C e uma família C de
classes de conjugação não triviais indexadas por P , ao terno Γ = [G, P, C]
damos o nome de tipo de ramificação. A uma extensão de Galois fazemos
corresponder um tipo de ramificação, já que demonstramos que os pontos
de ramificação são finitos. O Teorema da Existência de Riemann (Teorema
5.2.13) será apenas enunciado, uma vez que não é conhecida alguma demonstração algébrica. Este teorema dá-nos condições necessárias e suficientes
para que existam extensões de Galois de C(x) de determinado tipo. A secção
e o capítulo é terminado com a demonstração da unicidade de extensões de
Galois de C(x) de determinado tipo. Para tal introduzimos o conceito de
tipo (fracamente) rígido.
59
60
CAPÍTULO 5. PROBLEMA INVERSO DE GALOIS
5.1
Extensões das Séries Formais de Laurent
Seja K um corpo algebricamente fechado de característica zero. Nesta secção
construímos Λ o corpo das séries formais de Laurent sobre K e demonstramos
algumas das suas propriedades. Em particular, descrevemos as suas extensões
finitas. Começamos por definir o conjunto de certas sequências em K:
Definição 5.1.1 Seja K um corpo. Definimos Λ como sendo o conjunto das
sequências (ai )i∈Z , com ai ∈ K tal que existe um inteiro n ∈ Z tal que ai = 0,
para todo i < n.
Em Λ, define-se uma adição e uma multiplicação da seguinte forma:
(ai ) + (bi ) = (ai + bi )
e
(ai ) . (bj ) = (cn ) =
Ã
X
i+j=n
ai bj
!
.
Lema 5.1.2 Seja K um corpo. O conjunto Λ definido na definição 5.1.1,
algebrizado com as operações definidas antes, é um corpo.
Demonstração O conjunto Λ é um anel comutativo, cujo elemento neutro
da adição é a sequência formada apenas por zeros e cujo elemento neutro da
multiplicação é a sequência
½
1 se i = 0
(ai ) =
0 se i 6= 0
.
Seja (ai )i∈Z ∈ Λ um elemento não nulo. Então existe um inteiro N ∈ Z
tal que ai = 0 para i < N e aN 6= 0. Seja bj = 0 para j < −N e b−N = a−1
N .
Então, a equação
X
ai bj = 0, n = 1, 2, ...
i+j=n
pode ser resolvida em bj indutivamente fazendo,, j = −N + 1, −N + 2, .... A
sequência (bi ) será o elemento inverso de (ai ). As restantes propriedades são
facilmente demonstráveis, deduzindo-se que Λ é de facto um corpo. ¤
5.1. EXTENSÕES DAS SÉRIES FORMAIS DE LAURENT
61
Podemos considerar K um subcorpo de Λ através do seguinte mergulho:
K →
a
Λ
7−→ (ai ) :=
½
a0 = a
.
ai = 0, se i 6= 0
Seja t := (ti ) a sequência tal que
t := (ti ) =
½
t1 = 1
ti = 0, i 6= 1
e K[t] o subanel de Λ gerado por K e t. K[t] é o anel de polinómios sobre
K na variável t cujos elementos são da forma
M
X
ai ti ,
(ai ) =
i=0
com ai = 0 se i < 0 ou i > M.
Dado (ai )i∈Z ∈ Λ tal que ai = 0 se i < n para algum n ∈ Z, podemo-lo
escrever da seguinte forma
∞
X
(ai ) =
ai ti .
i=n
Assim, chamamos a Λ o corpo das séries formais de Laurent sobre K
e notamos Λ = K((t)).
Ao subanel de Λ
(∞
)
X
i
K[[t]] :=
ai t ∈ Λ
i=0
dá-se o nome de anel das séries de potências formais sobre K.
O lema seguinte relaciona-nos os vários anéis introduzidos até ao momento:
Lema 5.1.3 Seja K um corpo. Tem-se que K(t) ⊆ K((t)), K(t) é o corpo
das fracções de K[t] e Λ = K((t)) é o corpo das fracções de K[[t]].
Proposição 5.1.4 K[[t]] é um domínio de factorização única e y n − t é
irredutível em K((t))[y] qualquer que seja n ∈ N.
62
CAPÍTULO 5. PROBLEMA INVERSO DE GALOIS
Demonstração Note-se que em K[[t]] todo o elemento da forma
∞
P
ai ti com
i=0
a0 6= 0 é invertível e que t é primo. É então fácil concluir que K[[t]] é um
domínio de factorização única. Como t é primo e K[[t]] é DFU, pelo critério
de Eisenstein ( [4, exercício 3.8.3]) y n − t é irredutível em K((t))[y] qualquer
que seja n ∈ N. ¤
A aplicação
K[[t]] −→ K
∞
P
ai ti 7−→ a0
ϕ:
i=0
é um homomorfismo de anéis. Dado F (y) ∈ K[[t]][y] um polinómio com
coeficientes em K[[t]] na incógnita y, podemos construir F0 (y) ∈ K[y] da
seguinte forma; se
Ã
!
M
∞
P
P
ai,j tji y i ,
F (y) =
i=0
F0 (y) =
M
P
i=0
ϕ
Ã
∞
P
ji =0
ai,j tji
!
yi =
M
P
ji =0
ai,0 y i , isto é, estendemos ϕ a um homo-
i=0
morfismo de K[[t]][y] em K[y].
A proposição seguinte permite-nos relacionar factorização em K[y] com
factorização em K[[t]][y].
Proposição 5.1.5 (Lema de Hensel) Seja F um polinómio mónico na variável y com coeficientes em K [[t]]. Suponhamos que o polinómio associado
a F (y), F0 (y) ∈ K [y] se factoriza
F0 = gh,
para g, h ∈ K [y] polinómios mónicos tais que m.d.c (g, h) = 1. Então,
F = GH,
com G, H polinómios mónicos na variável y e com coeficientes em K [[t]] tais
que G0 = g, H0 = h.
5.1. EXTENSÕES DAS SÉRIES FORMAIS DE LAURENT
63
Demonstração Seja F tal como nas hipóteses do enunciado do Lema. Podemos escrever
∞
P
F = Fi ti
i=0
com Fi ∈ K[y]. Seja M := deg(F ) = deg(F0 ). Então, deg(Fi ) < M para todo
i > 0. Seja r = deg(g) e s = deg(h). Pretendemos encontrar
G=
∞
P
Gi ti e H =
i=0
∞
P
Hi ti
i=0
com G0 = g, H0 = h e Gi , Hi ∈ K[y] de graus inferiores que r e s, respectivamente.
A condição F = GH é equivalente ao sistema de equações
P
Fn =
Gi Hj ,
i+j=n
para cada n = 0, 1, .... Estas equações serão resolvidas por indução. Por
hipótese, para n = 0, F0 = gh = G0 H0 . Suponhamos que para dado n > 0
se tem para qualquer m ∈ {1, ..., n − 1},
P
Fm =
Gi Hj .
i+j=m
Então da n-ésima equação
Fn =
P
Gi Hj
i+j=n
deduz-se que
Fn −
Seja Un = Fn −
n−1
P
i=1
n−1
P
Gi Hn−i = G0 Hn + H0 Gn
(1)
i=1
Gi Hn−i . Assim definido, Un ∈ K[y] e tem grau inferior
a m. Como, por hipóteses, (G0 , H0 ) = 1, o ideal gerado por eles é K[y]. Logo,
existem polinómios P, Q ∈ K[y] tais que
G0 P + H0 Q = Un .
Pelo algoritmo da divisão, podemos escrever
P = H0 S + R
64
CAPÍTULO 5. PROBLEMA INVERSO DE GALOIS
para alguns polinómios R, S ∈ K[y], tais que deg(R) < deg(H0 ) = s. Sejam
Hn = R e Gn = Q + G0 S. Então, de (1) tem-se
G0 R + H0 (Q + G0 S) =
=
=
=
G0 R + H0 Q + H0 G0 S
G0 (H0 S + R) + H0 Q
G0 P + H0 Q
Un
com deg(Hn ) = deg(R) < s. Uma vez que deg(G0 ) = r, deg(Hn ) < s,
m = rs e
H0 Gn = Un − G0 Hn
deduz-se que
deg(H0 Gn ) < m.
Logo, deg(Gn ) < r. ¤
Note-se que K[[y]] é um anel local completo (é de facto a completação mádica com m = hyi em K[y], com K algebricamente fechado de característica
zero cujo ideal maximal é hyi). A Proposição 5.1.5, exactamente com o
mesmo enunciado, é válida para anéis locais completos (em vez de K[[t]] e
em vez do homomorfismo ϕ usamos A[y] −→ (A/m) [y] onde m é o ideal
maximal do anel local, [2, Exercício 9]).
Deduzimos agora algumas consequências do Lema de Hensel (Proposição
5.1.5) que serão necessárias para o desenvolvimento do trabalho.
Corolário 5.1.6 Seja K um corpo algebricamente fechado de característica
zero e F um polinómio com coeficientes em K [[t]] na variável y de grau
superior a 1. Se o coeficiente de F0 , de grau n, em y n−1 é zero e F0 (y) 6= y n ,
então F factoriza-se em F = GH, com G, H polinómios mónicos na variável
y com coeficientes em K [[t]].
Demonstração Como K é um corpo algebricamente fechado, o polinómio
F0 ∈ K[y] decompõem-se num produto de polinómios mónicos lineares. Suponhamos que estes factores lineares não são todos iguais. Então, F0 = gh, onde
g, h são polinómios não constantes e (g, h) = 1 em K[y]. Neste caso, o resultado segue do lema anterior.
5.1. EXTENSÕES DAS SÉRIES FORMAIS DE LAURENT
65
Por outro lado, se os factores em que F0 se decompõe forem todos iguais,
podíamos escrever
F0 = (y − a)n , a ∈ K
= y n − nay n−1 + ...
Como, por hipótese, o coeficiente do termo y n−1 é zero, teríamos que a =
0, dado que K é um corpo de característica zero. Deste modo teríamos
F0 = y n , o que contraria a hipótese inicial. Logo, F = GH, para alguns
G, H ∈ K[[t]][y] mónicos. ¤
Corolário 5.1.7 Seja K um corpo algebricamente fechado de característica
∞
P
ai ti com a0 6= 0. Então, para qualquer n ∈ N,
zero e g ∈ K[[t]] da forma
i=0
existe f ∈ K[[t]] tal que f n = g.
Demonstração Seja g ∈ K[[t]] nas condições do enunciado do Lema e a0 6= 0.
Considere-se F (y) = y n − g ∈ K[[t]][y]. Assim, tem-se que F0 (y) = y n − a0 .
Como K é algebricamente fechado podemos escrever F0 (y) como produto
de polinómios lineares mónicos. Note-se que F0 (y) tem n raízes distintas.
Seja a1 uma raiz simples de F0 (y). Então existe g ∈ K[y] tal que F0 (y) =
(y − a1 )g e (y − a1 , g) = 1. Pelo Lema de Hensel, Proposição 5.1.5, existem
H, G ∈ K[[t]][y] mónicos tais que H0 = y − a1 , G0 = g e F = HG. Logo,
∞
P
H = y−
bi ti onde b0 = a1 , isto é, F (y) tem raiz em K[[t]] como se desejava
i=0
demonstrar. ¤
Introduzimos agora um novo conjunto; dado e um número natural seja
Z1/e o conjunto de todos os números racionais da forma ei , com i ∈ Z, isto é,
Z1/e = {i/e : i ∈ Z} .
£
¤
Proposição 5.1.8 O grupo aditivo Z1/e é isomorfo a Z e Z1/e : Z = e.
Demonstração A aplicação
α : Z → Z1/e
i 7→ i/e
66
CAPÍTULO 5. PROBLEMA INVERSO DE GALOIS
representa um isomorfismo entre Z1/e e Z. ¤
Seja Λe o conjunto das sequências (aj )j∈Z1/e com aj ∈ K, tais que aj = 0
para quase todos os j < 0. Defina-se a adição e a multiplicação de forma
análoga à definida para Λ. Então:
Lema 5.1.9 Λe é um corpo e a aplicação
α:
→ Λ
Λe
(aj )j∈Z1/e 7→ (bi )
onde bi = ai/e , é um
½ isomorfismo.
a1/e = 1
Tomando τ :=
, tem-se que α (τ ) = t.
aj = 0, caso contrário
O corpo Λ pode ser visto como um subcorpo de Λe identificando cada
elemento (aj )j∈Z ∈ Λ com (ãj )j∈Z1/e onde ãj = 0 se j ∈
/ Z, ãj = aj se j ∈ Z.
e
Verifica-se então que τ = t. Note-se também que, se e | e0 , então Λe é
subcorpo de Λe0 .
Dado (aj ) ∈ Λe , este pode ser escrito da forma
X
X
P
aj tj =
ai τi =
bi τ i ,
(aj ) =
j∈Z1/e
e
i∈Z
i∈Z
¡¡ ¢¢
identificamos assim Λe com K t1/e = K ((τ )).
Definição 5.1.10 Um elemento ζ ∈ K tal que ζ n = 1 diz-se uma n-ésima
raiz da unidade. Assim, o conjunto das n raízes da unidade coincide com
as raízes do polinómio xn − 1. Estas raízes formam um grupo cíclico. Às
raízes geradoras deste grupo chamamos raiz primitiva da unidade.
Introduzimos agora condições suficientes para o corpo Λe ser uma extensão de Galois de Λ.
Lema 5.1.11 Suponhamos que K contém ζ e uma e-ésima raiz primitiva da
unidade. Então Λe é Galois sobre Λ de grau e. O grupo de Galois associado
à extensão é cíclico, gerado pelo elemento
→ P ¡ Λe ¢
ω : PΛe
i
bi τ 7→
bi ζ ie τ i .
i∈Z
i∈Z
Tem-se ainda que Λe = Λ (τ ) com τ e = t.
5.1. EXTENSÕES DAS SÉRIES FORMAIS DE LAURENT
67
Demonstração Note-se que pela observação anterior
enunciado do Lema,
P ao
i
cada elemento de Λe pode ser escrito na forma
bi τ .
i∈Z
ω : Λe → Λe é um automorfismo de corpos.
Assim definido,
P
Seja x = bi τ i ∈ Λe qualquer tal que
i∈Z
ω
Ã
X
bi τ i
i∈Z
Assim,
X
i∈Z
bi ζ ie
!
X
=
bi τ i .
i∈Z
X
bi ζ ie τ i =
bi τ i .
i∈Z
= bi . Assim, bi = 0 ou ζ ie = 1. Se bi 6= 0, como
Logo, para cada i ∈ Z,
ζ e é uma e-ésima raiz primitiva da unidade, e | i, isto é, i = je. Ora
τe = t
logo
τ i = τ je = tj .
Dado que
X
X
X
bi τ i =
bi τ i =
bje tj ∈ Λ
x=
i∈Z
bi 6=0∧e|i
conclui-se quePx ∈ Λ e (Λe )G = Λ onde G = hωi.
Dado x = bi τ i ∈ Λe tem-se que
i∈Z
ωe
Ã
X
i∈Z
bi τ i
!
=
X
i
bi ζ ie
e τ =
Logo o(ω) < e.
Seja n ∈ N tal que ωn = id. Assim,
ωn (τ ) = τ
logo
ζ ne τ = τ
concluindo que
ζ ne = 1
X
bi τ i = x.
68
CAPÍTULO 5. PROBLEMA INVERSO DE GALOIS
e consequentemente que
e | n.
Logo o(ω) = e e G = hωi é um grupo finito de ordem e.
Pelo Teorema de Artin, Teorema 1.3.10, conclui-se que Λe é de Galois
sobre Λ e o grupo de Galois da extensão é hωi. Mais, tem-se que
¤
[Λe : Λ] = |G(Λe : Λ)| = e.
O Teorema seguinte descreve-nos as extensões finitas de corpos das séries
formais de Laurent sobre corpos K algebricamente fechados de característica
zero.
Teorema 5.1.12 Seja K um corpo algebricamente fechado de característica
zero. Seja ∆ uma extensão de corpos de Λ = K ((t)) de grau finito e. Então
∆ = Λ (δ) com δ e = t.
Com vista a demonstrar o Teorema 5.1.12, começamos por demonstrar
um resultado acerca da existência de raízes para alguns polinómios com coeficientes em K[[t]]. Demonstra-se que todo o polinómio sobre Λ tem uma raiz
em algum Λe . Mostramos depois que os dois resultados, Lema 5.1.13 e Teorema 5.1.12 são equivalentes, obtendo assim uma demonstração do resultado
pretendido.
Lema 5.1.13 Seja K um corpo algebricamente fechado de característica zero. Seja F um polinómio mónico não constante com coeficientes em K [[t]]
na variável y. Então F tem uma raiz em Λe , para algum e.
Demonstração A demonstração é feita por redução ao absurdo. Suponhamos que existem polinómios não constantes com coeficientes em K[[t]] na
variável y sem raízes em Λe , qualquer que seja e. Seja F um polinómio
de grau mínimo entre os polinómios sem raízes em qualquer Λe . Então
n = deg(F ) ≥ 2,
F (y) = y n + λn−1 y n−1 + ... + λ0
com λν ∈ K [[t]]. Então o polinómio
Fe(y) = F (y − λn−1
)
n´
³
´n−1
³
n
λn−1
y
−
+
λ
+ ... + λ0
= y − λn−1
n−1
n
n
..
.
= (y n − λn−1 y n−1 + ...) + λn−1 (y n−1 − ...)
5.1. EXTENSÕES DAS SÉRIES FORMAIS DE LAURENT
69
tem o coeficiente do termo y n−1 nulo. Portanto podemos, sem perda de generalidade escolher um polinómio com coeficiente em y n−1 nulo. Suponhamos
que F0 (y) 6= y n . Então, pelo Corolário 5.1.6, F (y) decompõe-se, contrariando a minimalidade de F (y). Portanto F0 (y) = y n , concluindo-se que todos
os λν têm os termos constantes nulos.
Sabemos que, para algum ν = 0, 1, ..., n − 2, λν 6= 0, caso contrário,
F (y) = y n admitiria a raiz nula. Consideremos apenas tais ν. Seja mν a
menor potência de t que ocorre com coeficiente não nulo em cada λν :
λν = aν tmν + termos de maior potência,
onde aν ∈ K é não nulo. Então mν > 0. Seja u o mínimo dos valores
isto é,
¾
½
mν
: ν = 0, 1, ..., n − 2 com λν = 0 .
u = min
n−ν
mν
,
n−ν
Então u é um número racional positivo. Tomemos u = de , com d, e ∈ N.
Considere-se o mergulho de Λ = K((t)) em Λe e o polinómio
F ∗ (y) = τ −dn F (τ d y) = y n +
n−2
P
ν=0
λν τ d(ν−n) y ν ∈ Λe [y].
O coeficiente em y ν deste polinómio, caso seja diferente de zero, é uma série
de Laurent em τ da forma
λν τ d(ν−n) = atmν τ d(ν−n) + (termos de maior potência) τ d(ν−n)
= aτ Eν + (termos de maior potência) τ d(ν−n)
onde
µ
¶
mν
Eν = e(n − ν)
− u ≥ 0,
n−ν
e Eν = 0 para pelo menos um ν. Deste modo, cada coeficiente de F ∗ é uma
série de potências em τ , e para, no mínimo um ν esta série de potências tem
termos constantes não nulos. Portanto, F ∗ satisfaz as condições do Corolário
5.1.6 (substituindo t por τ ), sendo que F ∗ = GH, isto é, F ∗ decompõe-se
sobre K[[τ ]]. Assim, pela minimalidade de ¡n, H,¢que tem grau estritamente
0
menor que n, tem uma raiz em algum Λe ¡τ 1/e ¢. Portanto também F ∗ e,
0
consequentemente, F , têm uma raiz em Λe τ 1/e = Λee0 . ¤
70
CAPÍTULO 5. PROBLEMA INVERSO DE GALOIS
Demonstração (do Teorema 5.1.12) Seja ∆ uma extensão de corpos de
Λ = K((τ )) de grau finito e. Como K é um corpo de característica zero,
existe θ tal que ∆ = Λ(θ). Deste modo, existe um polinómio irredutível
F ∈ Λ[y] que admite θ como raiz. Pelo Lema 1.2.22 podemos supor que
θ ∈ ∆é tal que F (t) ∈ K [[t]] é mónico em y. Assim, pelo Lema 5.1.13, F
tem uma raiz ρ ∈ Λe0 , para algum e0 . Uma vez que existe um monomrfismo
de ∆ = Λ (θ), para Λ (ρ) ⊆ Λe0 , podemos, sem perda de generalidade, supor
que ∆ ⊆ Λe0 . Uma vez que G(Λe0 : Λ) é cíclico, para cada divisor e de e0
0
0
existe um único corpo
¡ 1/eΛ¢ com Λ ⊂ Λ ⊂ Λe0 de grau e sobre Λ. Pelo Lema
5.1.11, ∆ = Λe = Λ t
. Fica assim demonstrado o Teorema. ¤
5.2
Extensões de K(x)
Tal como foi afirmado no início do capítulo, tomamos K um corpo algebricamente fechado de característica zero.
Dada K(x) ⊂ L uma extensão de Galois, introduzimos nesta secção dois
invariantes que lhe estão associados; os pontos de ramificação e as classes de
conjugação associadas a um ponto p ∈ P1K = K ∪ {∞}.
Começamos por fixar um sistema (ζ e )e∈N de e-ésimas raízes primitivas da
00
unidade tais que se e = e0 e00 então ζ ee = ζ e0 .
Seja Λ = K((t)) e consideremos ∆ uma extensão de Galois de Λ. Suponhamos que [∆ : Λ] = e. Pelo Teorema 5.1.12, ∆ = Λ (δ) onde δ e = t. Assim,
G(∆ : Λ) é um grupo cíclico cuja ordem é e. Note-se novamente que por xe −t
ser irredutível (por 5.1.4),os elementos de G(∆ : Λ) são determinados pelas
imagens dos elementos da base da extensão, 1, δ, δ2 , ..., δ e−1 . Assim, todo o elemento de G(∆ : Λ) é determinado pela imagem de δ. Mas, se α ∈ G(∆ : Λ),
α (δ) satisfaz a equação xe − t = 0. As raízes de xe − t são {zδ : z e − 1 = 0}.
Tome-se ω ∈ G(∆ : Λ) tal que ω (δ) = ζ e δ. Assim definido, ω gera G(∆ : Λ).
Chamaremos a ω o gerador especial de G(∆ : Λ). Seja δ 0 ∈ ∆ tal que
0
e
(δ 0 ) = t para algum inteiro e0 ≥ 1. Note-se que xe − t é um polinómio
irredutível em K((t))[x]. Assim, e0 = [Λ (δ 0 ) : Λ] e e0 | [∆
n : Λ]0 = e. Portanto
o
e/e0
0
0
e0
é solução de x − t = 0. Assim, δ ∈ zδ e/e : z e − 1 = 0 .
e/e ∈ Z e δ
Tem-se que
0
ω(δ 0 ) = ω(zδ e/e )
5.2. EXTENSÕES DE K(X)
71
0
= zω(δ e/e )
0
= z(ζ η )e/e δe/e
0
= (ζ η )e/e zδe/e
¡ ¢e/e 0
= ζη
δ
Mas, dada a hipótese do sistema de raízes,
0
(ζ e )e/e = ζ e/(e/e0 ) = ζ e0 .
Portanto,
ω(δ 0 ) = ζ e0 δ 0 .
Em particular, se Λ ⊂ ∆0 ⊂ ∆ então ω |∆0 é o gerador especial de G(∆0 : Λ).
Seja p ∈ P1K . Para cada p ∈ P1 define-se
ϑp : K(x) −→ K(t)
κ
7−→ κ
½∈ K
t + p se p 6= ∞
x
7−→
1/t se p = ∞
um isomorfismo-K de corpos.
Seja K(x) ⊂ L uma extensão de Galois e γ um elemento primitivo associado a esta extensão, F (y) ∈ K(x)[y] o polinómio mínimo de γ sobre K(x)
e ϑp (F ) ∈ K(t)[y] o polinómio obtido a partir da extensão de ϑp a K(x)[y];
isto é
ϑp : K(x)[y]
P i −→ PK(t)[y] i
pi y 7−→
ϑp (pi )y
Seja h um factor irredutível qualquer de ϑp (F ) em K((t))[y], hhi o ideal
gerado por h em K((t))[y] e ∆ = K((t))[y]/ hhi. Como h é irredutível e
h ∈ K((t))[y], anel de polinómios com coeficientes num corpo, hhi é maximal.
Logo ∆ é corpo. Mais, ∆ é extensão finita de K((t)) = Λ e [∆ : Λ] = deg(h).
Seja γ 0 raiz de h em ∆. Tem-se que ∆ = Λ [γ 0 ]. Como γ 0 é raiz de
h ∈ Λ[y], é também raiz de ϑp (F ) ∈ K(t)[y]. Portanto γ 0 é algébrico sobre
K(t) e K(t)[γ 0 ] = K(t)(γ 0 ) é corpo.
Podemos agora comparar as seguintes extensões
K(x)
↓≈
K(t)
Galois
,→
,→
L = K(x)[γ]
↓
Lϑ := K(t)[γ 0 ] ,→ ∆ = K((t))[γ 0 ]
72
CAPÍTULO 5. PROBLEMA INVERSO DE GALOIS
Consideremos o isomorfismo anterior ϑp : K(x) −→ K(t) e F (y) ∈
K((x))[y] um polinómio irredutível. Como ϑp : K(x) −→ K(t) é um isomorfismo, ϑp (F ) é irredutível. Como γ é raiz de F (y) e γ 0 é raiz de ϑp (F )
tem-se que L = K(x)[γ] ≈ K(t)[γ 0 ] = Lϑ . Note-se também que L é corpo de
decomposição de F e, dada a forma como Lϑ foi construído, Lϑ é corpo de
decomposição de ϑp (F ).
Sabemos que [∆ : Λ] = deg(h). Seja e = deg(h). Pelo Teorema 5.1.12,
conclui-se que ∆ = Λ(γ 0 ) ' Λe sobre Λ (isto é, existe um Λ− isomorfismo de
∆ em Λe ). Pelo Lema 5.1.11 conclui-se que ∆ é extensão de Galois de Λ.
Assim pelo que foi dito antes, |G(∆ : Λ)| = o(ω), onde ω é o gerador
especial de G(∆ : Λ). Logo,
e = [∆ : Λ] = |G(∆ : Λ)| = o(ω).
Mais,
G(∆ : Λ) −→ G(Lϑ : K(t))
α
7−→
α |Lϑ
é um homomorfismo de grupos injectivo. Assim, o(ω) = o(ω |Lϑ ). Portanto,
[∆ : Λ] = |G(∆ : Λ)| = o(ω |Lϑ ).
Antes de enunciar o próximo resultado relembramos o conceito de classe
de conjugação num grupo.
Definição 5.2.1 Dois elementos a e a’ de um grupo G dizem-se conjugados
se a0 = bab−1 , para algum b ∈ G.
Definição 5.2.2 A classe de conjugação de um elemento x num grupo G
é o conjunto de todos os conjugados de x em G:
©
ª
Cx = x0 ∈ G : gxg −1 = x0 , para algum g ∈ G .
Lema 5.2.3 Seja K(x) ⊂ L, nas condições anteriores, podemos estender
ϑp : K(x) −→ K(t) ao isomorfismo ϑ : L −→ Lϑ onde Lϑ é um subcorpo de
uma extensão ∆ de Galois de Λ. Mais G(∆ : Λ) deixa Lϑ invariante.
Seja gϑ = ϑ−1 ◦ ω ◦ ϑ ∈ G = G(L : K(x)) onde ω é o gerador especial de
e for outra extensão de Galois de Λ
G(∆ : Λ) construído anteriormente. Se ∆
e : L −→ Le um isomorfismo que estende ϑp , então ge e
com subcorpo Lϑ e ϑ
ϑ
ϑ
gϑ estão na mesma classe de conjugação de G.
5.2. EXTENSÕES DE K(X)
73
Demonstração Tome-se ∆ = Λ[y]/ hhi como antes e Lϑ = K(t)[γ 0 ]. A
primeira afirmação foi demonstrada antes. Resta-nos demostrar que G(∆ : Λ)
deixa Lϑ invariante assim como a terceira afirmação.
Uma vez que Lϑ é corpo de decomposição de ϑp (F ), Lϑ é gerado sobre
K(t) pelas raízes de ϑp (F ). Como G(∆ : Λ) permuta estas raízes, tem-se que
Lϑ é invariante por G(∆ : Λ).
e extensões de Galois de Λ. Podemos supor que existe ∆0
Sejam ∆ e ∆
e ⊆ ∆0 . Temos que uma extensão
extensão finita de Galois tal que ∆, ∆
Λ ⊆ ∆ é Galois se e só se ∆ é uma extensão finita, normal e separável de Λ.
e corpo de decomposição de g(x), e
Seja ∆ corpo de decomposição de f (x) e ∆
consideremos ∆1 o corpo de decomposição de f (x)g(x). Como uma extensão
é finita e normal se e só se for o corpo de decomposição de algum polinómio e
uma vez que toda a extensão de um corpo de característica zero é separável,
resulta que ∆1 = ∆0 é uma extensão finita, normal e separável de ∆, isto é,
∆0 é uma extensão de Galois de Λ. Note-se que todas as extensões de Galois
de Λ são da forma Λe .
e construído de forma análoga ao subcorpo Lϑ
Seja Lϑe o subcorpo de ∆
e a extensão de ϑp ao isomorfismo de L em Le . Assim, Lϑ e Le são
de ∆ e ϑ
ϑ
ϑ
gerados sobre K(t) pelas raízes de ϑp F em ∆0 . Logo Lϑ = Lϑe . Seja h =
e ∈ G = G(L : K(x)). Como, G(∆0 : Λ) = hω 0 i e G(∆ : Λ) = hω 0 |∆ i,
ϑ−1 ϑ
então,
e = h−1 ϑ−1 ω0 ϑh = h−1 gϑ h,
e−1 ω 0 ϑ
gϑe = ϑ
isto é, gϑe e gϑ pertencem à mesma classe de conjugação de G. ¤
Definição 5.2.4 Dada K(x) ⊂ L uma extensão de Galois, a classe de
conjugação de gϑ em G nota-se por Cp e designa-se por classe de G
associada a p.
Note-se que Cp depende unicamente de p e de L.
Definição 5.2.5 À ordem (comum) dos elementos de Cp dá-se o nome de
índice de ramificação de L em p e nota-se por e = eL,p .
Proposição 5.2.6 Nas condições anteriores, todos os factores irredutíveis
de ϑp F em Λ[y] têm o mesmo grau, o qual é igual ao índice de ramificação
de L em p.
74
CAPÍTULO 5. PROBLEMA INVERSO DE GALOIS
Demonstração Seja ω o gerador especial de G(∆ : Λ). Como Λ ⊆ ∆ é uma
extensão de Galois,
[∆ : Λ] = |G(∆ : Λ)| = o(ω).
Uma vez que a restrição induz um monomorfismo
e
Portanto,
G(∆ : Λ) ,→ G(Lϑ : K(t))
,
α
7→
α |Lϑ
o(ω) = o(ω |Lϑ ) = o(gϑ )
eL,p = [∆ : Λ] = deg(h).
Se h0 for um outro factor irredutível de ϑp F em K((t))[y], ∆0 = K((t))[y]/ hh0 i
é outra extensão de Galois. Pela segunda parte do Lema 5.2.3 sabemos que se
e : L 7−→ Le um isomorfismo
Lϑe for um subcorpo intermédio da extensão e ϑ
ϑ
que estende ϑp , então gϑe e gϑ estão na mesma classe, logo,
¤
deg(h0 ) = [∆0 : Λ] = o(gϑe ) = o(gϑ ) = eL,p = deg(h).
Estabelecemos agora condições suficientes para o índice de ramificação de
uma extensão L de Galois de K(x) num ponto p, eL,p , ser 1. Note-se que isto
é o mesmo que se ter que ϑp F se decompõe em factores lineares em K((t))[y].
Proposição 5.2.7 Nas condições anteriores, podemos escolher um elemento
primitivo γ de L sobre K(x) tal que o polinómio mínimo de γ sobre K(x)
F (y) = F (x, y) ∈ K[x, y] é mónico em y. Assim, o discriminante D(x) de
F (y) sobre K(x) é um elemento de K[x]. Se p ∈ K e D(p) 6= 0 então eL,p = 1.
Demonstração Seja γ tal que L = K(x)(γ) e F (y) ∈ K(x)[y] irredutível
tal que F (γ) = 0. Existe d (x) ∈ K [x] tal que d (x) F (y) ∈ K[x][y]. Usando a demonstração do Lema 1.2.22 podemos, sem perda de generalidade,
supor que F (y) ∈ K[x, y] e que é mónico em y. Considere-se agora o seu
discriminante, para tal, e atendendo à forma como a noção de discriminante
foi introduzida, pensamos em F (y) ∈ K(x)[y]. Sejam pi (x) as suas raízes.
Pela Proposição 1.2.42,
Y
D(x) =
(pi (x) − pj (x))2 ∈ K[x].
i<j
5.2. EXTENSÕES DE K(X)
75
Como F (y) é irredutível em K(x)[y] e K é um corpo de característca zero,
F (y) é separável logo, por 1.2.36, D(x) 6= 0.
Considere-se p ∈ K e o polinómio em y, F (p, y) ∈ K[y]. As suas raízes
serão p1 (p), ..., pn (p) e o seu discriminante D(p). Se p ∈ K for tal que D(p) 6=
0, então F (p, y) ∈ K[y] é separável. Tem-se que (ϑp F )(y) = F (t + p, y).
Assim ϑp F é um polinómio mónico em y com coeficientes em K[t]. Mais,
(ϑp F )0 (y) = F (p, y).
Se F (p, y) é separável, pelo Lema de Hensel, Lema 5.1.5, ϑp F factoriza-se
em produtos de factores lineares em Λ [y]. Logo eL,p = 1 = grau dos factores
irredutíveis de ϑp F . ¤
Definição 5.2.8 Seja K(x) ⊂ L uma extensão de Galois e p ∈ P1K . Diz-se
que p é um ponto de ramificação da extensão K(x) ⊂ L se eL,p > 1, isto
é, se a classe Cp de G(L : K(x)) é não trivial.
A Proposição 5.2.7 dá-nos condições suficientes para um ponto não ser
ponto de ramificação. Mais, podemos concluir que o conjunto dos pontos de
ramificação é finito.
Seja K(x) ⊂ L, nas condições anteriores, podemos estender ϑp : K(x) −→
K(t) ao isomorfismo ϑ : L −→ Lϑ onde Lϑ é um subcorpo de uma extensão ∆
de Galois de Λ. Mais G(∆ : Λ) deixa Lϑ invariante. Seja gϑ = ϑ−1 ◦ ω ◦ ϑ ∈
G = G(L : K(x)) onde ω é o gerador especial de G(∆ : Λ) construído
e for outra extensão de Galois de Λ com subcorpo Lϑ e
anteriormente. Se ∆
e : L −→ Le um isomorfismo que estende ϑp , então ge e gϑ estão na mesma
ϑ
ϑ
ϑ
classe de conjugação de G, pelo Lema 5.2.3.
Proposição 5.2.9 Seja K(x) ⊂ L uma extensão de Galois e K(x) ⊂ L0
outra extensão de Galois com L0 ⊂ L. Então a aplicação restrição de G =
G(L : K(x)) em G0 = G(L0 : K(x)) envia as classes de conjugação Cp de G
nas classes de Cp0 de G0 associadas a p.
Demonstração Consideremos o isomorfismo ϑ : L → Lϑ definido no Lema
5.2.3 e gϑ = ϑ−1 ◦ ω ◦ ϑ ∈ G = G(L : K(x)) onde ω é o gerador especial de
G(∆ : Λ). Seja ϑ0 = ϑ |L0 . Assim, ϑ0 é um isomorfismo de L em ϑ0 (L0 ) ⊂ ∆.
Uma vez que
−1
gϑ0 = (ϑ0 ) ωϑ0 = ϑ−1 ωϑ |L0
76
CAPÍTULO 5. PROBLEMA INVERSO DE GALOIS
tem-se o resultado. ¤
Exemplo Seja K um corpo de característica zero, f (x) ∈ K(x), n ∈
N, n ≥ 2, g(y) = y n − f ∈ K(x)[y] e f0 uma raiz de g em alguma extensão
de K(x). Considere-se L = K(x)(f0 ). Como K é algebricamente fechado, a
menos de n-ésimas potências, podemos supor que
Y
f (x) =
(x − pj )mj
j
com pj ∈ K distintos doisQ
a dois e 1 ≤ mj ≤ n − 1.
Portanto, g(y) = y n − (x − pj )mj . Consideremos o isomorfismo definido
j
anteriormente,
ϑp : K(x) −→ K(t)
κ
7−→ κ
½∈ K
.
t + p se p 6= ∞
x
7−→
1/t se p = ∞
Seja p ∈ K. Então,
ϑpi (y n − f (x)) = y n −
n
Y
j
= y − tmi
Mas g(t) =
Q
j6=i
(t + pi − pj )mj
Y
j6=i
(t + pi − pj )mj
(t + pi − pj )mj ∈ K[[t]] e, pelo Corolário 5.1.7, para algum
h ∈ K[[t]], g (t) = hn . Portanto,
ϑpi (y n − f (x)) = y n − tmj hn
Notemos ei = eL,pi . Deste modo,
´
³
¡
¢
¡
¢
Λei = Λ (tmi hn )1/n = Λ tmi /n h = Λ tmi /n ,
uma vez que h ∈ K[[t]]. Pela demonstração do Lema 5.1.11 tem-se que
ei = [Λei : Λ] = |G(Λei : Λ)|
5.2. EXTENSÕES DE K(X)
77
onde Λei = Λ(tmi /n
£ ). 1/n
¤
Uma vez que Λ(t ) : Λ = n e como
Λ ⊆ Λ(tmi /n ) ⊆ Λ(t1/n ),
ei | n e G(Λ(tmi /n ) : Λ) ≤ G(Λ(t1/n ) : Λ). Seja ω o gerador de G(Λ(t1/n ) : Λ).
Assim, ω mi é o gerador de G(Λ(tmi /n ) : Λ) e
ei = o(G(Λ(tmi /n ) : Λ)) =
n
.
m.d.c.(n, mi )
Se p ∈ K é tal que p 6= pi então D(p) 6= 0, e pela Proposição 5.2.7,
eL,p = 1. Como, por definição, p é um ponto de ramificação se eL,p > 1,
tem-se que apenas os p0i s são pontos de ramificação de L.
No caso em que p = ∞, tomemos o polinómio f (x) na forma f (x) =
am xm + ... + a0 com am 6= 0. Então
ϑ∞ (y n − f (x)) = y n − (am (1/t)m + ... + a0 )
= y n − t−m (am + ... + a0 tm ).
Assim, fazendo e∞ = eL,∞ ,
³
´
³
´
¡
¢
¡
¢
Λe∞ = Λ f (1/t)1/n = Λ t−m/n (am + ... + a0 tm )1/n = Λ t−m/n = Λ tm/n .
Por argumento análogo ao anterior,
e∞ =
n
m.d.c(n, m)
onde m = deg(f ). Tem-se que e∞ > 1 se e só se n não divide deg(f ).
Sabemos que o número de pontos de ramificação de uma extensão L de
Galois de K(x) é finito.
Pretendemos agora estudar como é que os pontos de ramificação e as
classes de conjugação de uma extensão de Galois K(x) ⊂ L variam quando
passamos para uma determinada extensão de Galois de K(x).
Lema 5.2.10 (Argumento do ciclo da ramificação) Sejam K(x) ⊂ L
e K(x) ⊂ L0 extensões de Galois de grau n. Para cada p ∈ PK1 , seja Cp
(respectivamente, Cp0 ) a classe de G = G(L : K(x)) (respectivamente, G0 =
78
CAPÍTULO 5. PROBLEMA INVERSO DE GALOIS
G(L0 : K(x))) associada a p. Seja α ∈ Aut (K) e m ∈ N tal que α−1 (ζ n ) =
ζm
n (onde (ζ e )e∈N é um sistema compatível de e-ésimas raízes primitivas da
unidade em K). Suponhamos que α se estende a um isomorfismo λ : L → L0
tal que λ (x) = x. Seja λ∗ o isomorfismo de grupos de G em G0 induzido por
λ (g ∈ G −→ λgλ−1 ). Então
0
Cα(p)
= λ∗ (Cp )m .
Note-se que no caso em que L = L0 , α pode ser estendido a um isomorfis0
mo λ de L em L0 tal que λ(x) = x, temos que Cα(p)
= λCpm λ−1 , isto é, o Lema
5.2.10, diz-nos como variam as classes de conjugação quando consideramos
as imagens dos pontos por um automorfismo de K.
Demonstração [do Lema 5.2.10] Seja p ∈ PK1 e e = eL,p . Como, por
definição, e é a ordem de elementos de G e |G| = n, e | n. Se a ∈ N for tal
que n = ae, dada a forma do sistema (ζ n )n∈N (sistema compatível de raízes
primitivas da unidade em K), temos que ζ an = ζ e , logo
¡
¢a
a
a m
m
α−1 (ζ e ) = α−1 (ζ an ) = α−1 (ζ e ) = (ζ m
n ) = (ζ n ) = ζ e .
Considere-se
= K((τ )) −→ ΛP
α
e : Λe P
e = K((τ ))
.
bi τ i
7−→
α (bi ) τ i
É fácil verificar que α
e é um automorfismo que estende α ∈ aut(K). Considerese a identificação de K((t)) com um subcorpo de Λe , com t = τ e . Tal como
no Lema 5.1.11, seja ω o gerador de G (Λe : ∆) tal que ω (τ ) = ζ e τ . Assim,
tem-se que
m
α
e −1 ωe
α (τ ) = α
e −1 ω (τ ) = α−1 (ζ e τ ) = α−1 ζ e τ = ζ m
e τ = ω (τ ) .
Portanto,
α = ωm.
α
e −1 ωe
Seja ϑ o isomorfismo de L num subcorpo de Λe que estende ϑp (existe pelo
Lema 5.2.3). Assim,
ϑ0 := α
e ◦ ϑ ◦ λ−1
é um isomorfismo de L0 num subcorpo de Λe . Tem-se também que
ϑ0 (x) = α
e (ϑ(x)) = α
e (t + p) = t + α (p) , se p 6= ∞
5.2. EXTENSÕES DE K(X)
79
e
1
1
e (ϑ(x)) = α
e ( ) = , se p = ∞.
ϑ0 (x) = α
t
t
Uma vez que λ e α
e induzem o automorfismo α em K, ϑ0 é a identidade
em K e podemos concluir que ϑ0 é um isomorfismo que estende ϑα(p) de L0 a
um subcorpo de Λe .
gϑ0 =
=
=
=
=
=
(ϑ0 )−1 ◦ ω ◦ ϑ0
(e
αϑλ−1 )−1 ω(e
αϑλ−1 )
e −1 ωe
αϑλ−1
λϑ−1 α
λϑ−1 ωm ϑλ−1
λgϑm λ−1
λ∗ (gϑ )m
conclui-se o resultado pretendido. ¤
Associada a K(x) ⊂ L extensão de Galois temos o grupo dos automorfismos de L que fixam K(x), G = G(L : K(x)), o conjunto finito P ⊆ P1K de
pontos de ramificação e para cada p ∈ P1K , a classe de conjugação Cp de G.
Definição 5.2.11 Considere-se os triplos (G, P, C) onde G é um grupo finito, P um subconjunto finito de P1C e C = (Cp )p∈P uma família de classes
de conjugação não triviais de G, indexadas por P . Diz-se que dois triplos
(G, P, C) e (G0 , P 0 , C0 ) são equivalentes se P = P 0 e se existe um isomorfismo ϕ de G em G0 tal que ϕ (Cp ) = Cp0 , para todo o p ∈ P .
A relação “ser equivalente a” definida no conjunto dos triplos define uma
relação de equivalência.
Definição 5.2.12 Dado um triplo (G, P, C) onde G é um grupo finito, P um
subconjunto finito de P1C e C = (Cp )p∈P uma família de classes de conjugação
não triviais de G, indexadas por P denotamos por Γ = [G, P, C] a classe de
equivalência de (G, P, C). A Γ damos o nome de tipo de ramificação.
Pelo Lema 5.2.10 concluimos que o tipo de ramificação é invariante por
K(x)-isomorfismos de L, onde L é uma extensão de Galois de K(x).
Seja G = (L : C(x)). A existência da extensão de Galois de C(x) do tipo
Γ = [G, P, C], onde P é um subconjunto finito de P1C e C = (Cp )p∈P uma
80
CAPÍTULO 5. PROBLEMA INVERSO DE GALOIS
família de classes de conjugação não triviais de G, indexadas por P , é-nos
garantida no próximo teorema desde que certas condições sejam satisfeitas.
A sua demonstração será omitida, mas pode ser encontrada em [13].Não é
conhecida demonstração algébrica do resultado que será apresentado.
Teorema 5.2.13 (Teorema da Existência de Riemann) Seja Γ = [G, P, C]
um tipo de ramificação, r = |P | e enumeremos os elementos de P , p1 , ..., pr .
Então existe uma extensão de Galois de C(x) do tipo Γ se e só:
1. se existem geradores g1 , ...gr de G com g1 · ... · gr = 1;
2. gi ∈ Cpi para i = 1, ..., r.
Note-se que se C(x) ⊂ L for uma extensão de Galois com apenas um ponto
de ramificação, então L é uma extensão do tipo [(G, P, C)] onde P = {p},
G = G(L : C(x)), e C = {Cp }. Pelo Teorema da Existência de Riemann,
conclui-se que existe um gerador g de G tal que g = Id e g ∈ Cp . Então
G = {Id} e consequentemente L = C(x). Conclui-se assim que não existem
extensões de Galois próprias de C(x) com menos de 2 pontos de ramifcação.
Suponhamos agora que a extensão de Galois de C(x) ⊂ L tem exactamente dois pontos de ramificação. Assim, C(x) ⊂ L é do tipo [(G, P, C)]
onde P = {p1 , p2 }, G = G(L : C(x)), e C = {Cp1 , Cp2 }. Pelo Teorema da
Existência de Riemann, existem g1 , g2 geradores de G tais que
1. g1 g2 = Id;
2. g1 ∈ Cp1 , g2 ∈ Cp2 .
Conclui-se então que g1−1 = g2 e que G é cíclico.
Observação 5.2.14 Todo o grupo finito é grupo de Galois de alguma extensão de C(x).
Uma vez que pode existir mais do que uma extensão de Galois de C(x)
com determinado tipo de ramificação Γ sem que estas sejam necessariamente
isomorfas, impomos agora uma nova condição, exigindo que os geradores de
G, grupo de Galois da extensão cuja existência nos é dada pelo Teorema da
Existência de Riemann, sejam de certa forma únicos.
5.2. EXTENSÕES DE K(X)
81
Definição 5.2.15 Seja (C1 , ..., Cr ) um r-uplo de classes de conjugação num
grupo G. Dizemos que o uplo de classes é rígido (respectivamente, fracamente rígido) em G se:
1. existem geradores g1 , ..., gr ∈ G com g1 · ... · gr = 1 e gi ∈ Ci , para
i = 1, ..., r.
2. Se g10 , ..., gr0 é outro conjunto de geradores de G com as mesmas propriedades (dos geradores de 1.), então existe um único elemento g ∈ G
(respectivamente, um automorfismo γ de G) tal que ggi g −1 = gi0 (respectivamente, γ (gi ) = gi0 ), para i = 1, ..., r.
Note-se que no caso de extensões de Galois do tipo Γ onde as classes
formam um conjunto fracamente rígido, o automorfismo γ é único já que é
definido pelas imagens de conjuntos de geradores.
h
i
Definição 5.2.16 Um tipo Γ = G, P, (Cp )p∈P diz-se rígido (respectivamente, fracamente rígido) se os elementos de P podem ser enumerados por
p1 , ..., pr , com r = |P | tais que as classes Ci = Cpi , i = 1, ..., r formem um
r-uplo rígido (respectivamente, fracamente rígido) em G.
Teorema 5.2.17 Para cada Γ = [G, P, C] tipo fracamente rígido, existe uma
única extensão de Galois de C(x) do tipo Γ, a menos de isomorfismo.
Demonstração A existência é consequência do Teorema da Existência de
Riemann.
Sejam L1 e L2 duas extensões de Galois fracamente rígidas do mesmo tipo
Γ. Podemos, sem perda de generalidade, supor que L1 e L2 estão contidas em
L, extensão de Galois de C(x). Sejam G = G(L : C(x)), G1 = G(L1 : C(x)) e
G2 = G(L2 : C(x)). Podemos agora definir para cada j ∈ {1, 2}, a aplicação
ρj : G → Gj
g −
7 → g |Lj
é um homomorfismo de grupos. Note-se que a aplicação está bem definida já que L, sendo extensão de Galois, é corpo de decomposição de algum
polinómio sobre C(x) e as suas raízes são transformadas por qualquer elemento de G ainda em raízes do mesmo polinómio.
82
CAPÍTULO 5. PROBLEMA INVERSO DE GALOIS
(j)
Dado p ∈ P1C sejam Cp e Cp as classes de conjugação associadas a G e a
Gj , respectivamente, então, pela Proposição 5.2.9,
ρj (Cp ) = Cp(j) .
Sejam p1 , ..., pr os pontos de ramificação de L. Pelo Teorema da Existência
de Riemann existem geradores g1 , ..., gr de G com g1 · ... · gr = 1 e gi ∈ Cpi ,
para cada i = 1, ..., r. Então, para cada j ∈ {1, 2}, ρi (g1 ) , ..., ρi (gr ) são
geradores de Gj e satisfazem propriedades análogas.
Como L1 e L2 são
do mesmo tipo, existe um isomorfismo ² :
´
³ extensões
(2)
(1)
G2 → G1 tal que ² Cp
= Cp , ∀p ∈ P . Assim, ² (ρ2 (g1 )) , ..., ² (ρ2 (gr ))
satisfazem as mesmas propriedades que ρ1 (g1 ) , ..., ρ1 (gr ).
Uma vez que o tipo é fracamente rígido, existe um automorfismo δ de G1
tal que δ (² (ρ2 (gi ))) = ρ1 (gi ), para todo i = 1, ..., r. Considere-se
γ := δ² : G2 → G1 .
Assim, γ é um isomorfismo tal que γ (ρ2 (gi )) = ρ1 (gi ), qualquer que seja
i = 1, ..., r. Assim, ρ1 = γ ◦ ρ2 (basta que as imagens dos geradores sejam as
mesmas).
Como γ é um isomorfismo, facilmente se verifica que ker ρ1 = ker ρ2 . Uma
vez que G(L : L1 ) = {g ∈ G(L : C(x)) : g |L1 = Id} = ker ρ1 , resulta que
Lker ρ1 = L1 , pois a extensão L ⊇ L1 é Galois. Analogamente, Lker ρ2 = L2 .
Como ker ρ1 = ker ρ2 , resulta que L1 = L2 . ¤
Índice
anel
das séries de potências formais,
61
transcendente, 9
elementos
algebricamente independentes,
27
conjugados, 25, 72
extensão, 9
algébrica, 9
dimensão, 9
finita, 9
normal, 17
separável, 14
simples, 10
transcendente, 9
extensão
de Galois, 20
por radicais, 45
quadrática, 40
característica, 5
classe
de conjugação, 72
de conjugação de g, 73
de G associada a p, 73
classes
de conjugação
fracamente rígido, 80
rígido, 80
construtível
número, 36
corpo, 5
algebricamente fechado, 8
das séries formais de Laurent,
61
de decomposição, 16
fixo, 20
fecho
algébrico, 12
normal, 52
discriminante, 18
domínio
de factorização única, 8
de integridade, 5
Grupo de Galois, 20
elemento
algébrico, 9
exprimível por radicais, 46
separável, 14
Lema
Argumento do ciclo da ramificação, 77
de Hensel, 62
K-automorfismo, 20
K-isomorfismo, 20
83
84
polinómio, 5
anel de, 61
grau, 6
irredutível, 7
mínimo, 10
mónico, 6
raiz, 7
resolúvel por radicais, 46
separável, 14
simétrico, 18
simétrico elementar, 18
raiz, 7
múltipla, 7
n-ésima da unidade, 66
primitiva da unidade, 66
ramificação
índice de, 73
ponto de, 75
tipo de, 79
Teorema
Critério de Eisenstein, 8
da correspondência de Galois,
21
da Divisão, 6
da existência de Riemann, 79
de Abel, 58
de Artin, 22
de Hilbert, 8
do elemento primitivo, 15
fundamental de polinómios simétricos, 19
ÍNDICE
Bibliografia
[1] Michael Artin, Algebra, Englewood Cliffs, Prentice-Hall, 1991.
[2] M. F. Atiyah, I. G. Macdonald, Introduction to Commutative Algebra,
University of Oxford, Addison-Wesley, 1969.
[3] Owen J. Brison, Teoria de Galois, Textos de Matemática (3a edição),
Volume 6, Departamento de Matemática, Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, Lisboa, 1999.
[4] Rui Loja Fernandes e Manuel Ricou, Introdução à Álgebra, Ensino da
Ciência e da Tecnologia, Instituto Superior Técnico, IST Press, 2004.
[5] John B. Fraleigh, A First Course in Abstract Algebra (5a edição),
Addison-Wesley, Reading, Massachusetts, 1967.
[6] Frederick M.Goodman, Algebra, Abstract and Concrete, Prentice Hall,
New Jersey, 1998.
[7] Charles Hadlock, Field Theory and its Classical Problems, The Carus
Mathematical Monographs, Volume 16, The Mathematical Associaion
of America, 1978.
[8] Serge Lang, Algebra (3a edição), Addison-Wesley, Reading, Massachusetts, 1993.
[9] Gunter Malle e B. Heinrich Matzat, Inverse Galois Theory, SpringerVerlag, Berlin, 1999.
[10] John Maxfield, Abstract Algebra and Solutions by Radicals, Dover Publications, Inc., New York, 1992.
85
86
BIBLIOGRAFIA
[11] António Monteiro e Isabel Matos, Algebra, Um primeiro curso, 2a edição,
Escolar Editora, Lisboa, 2001.
[12] Joseph J. Rotman, Advanced Modern Algebra, Prentice Hall, 2002.
[13] Helmut Volklein, Groups as Galois groups: an introduction, Cambridge
University Press, Cambridge, 1996.
[14] Seth Warner, Modern Algebra, Dover Publications, Inc., New York, 1990.
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