Guarda compartilhada: realidade contemporânea para proteção dos interesses dos filhos
GUARDA COMPARTILHADA: REALIDADE CONTEMPORÂNEA
PARA PROTEÇÃO DOS INTERESSES DOS FILHOS
Hildeberto Forte Daltro Filho
1
INTRODUÇÃO
A Lei 11.698, colocada em nosso ordenamento jurídico em 2008 e que instituiu
a guarda compartilhada, trouxe muitas mudanças baseadas no relacionamento entre
pais e filhos a partir do momento em que os pais resolvem não viver mais juntos.
Essas mudanças não só refletiram uma tendência mundial que já vinha se
solidificando, mas também uma nova realidade: mulheres independentes, que
trabalham fora de casa, que são responsáveis por seu próprio sustento e homens
mais caseiros, às vezes com mais tempo para os filhos e mais próximos deles.
Com a separação do casal os filhos eram os que mais sofriam porque a legislação
não permitia que pudessem conviver com os pais como sempre conviveram.
Nessa conjuntura, as crianças que não têm mais os pais vivendo juntos, querem
e precisam tê-los com elas para dar continuidade em sua criação, com a mesma
convivência, com os mesmos deveres, com o mesmo afeto.
Pretende-se com este trabalho demonstrar a importância que há para os filhos
de poder conviver normalmente com seus pais e parentes ou da melhor forma, ainda
que seus pais sejam separados.
O que se entende verdadeiramente por compartilhar a guarda dos filhos?
Na prática, é possível a guarda compartilhada?
Quais as vantagens de se utilizar a guarda compartilhada?
Neste trabalho tratamos primeiramente sobre o poder familiar dos pais em relação
a seus filhos, posteriormente sobre a guarda dos filhos e todas as possibilidades de
guarda, e por último falaremos propriamente sobre a guarda compartilhada: vantagem,
dificuldades, a guarda compartilhada no direito comparado e no Brasil.
Utilizamos no desenvolvimento desta pesquisa o método de abordagem dedutivo,
a partir da lei 11.696/08 (Lei da Guarda Compartilhada), doutrinas e jurisprudências,
1 Analista de Sistemas e Advogado. Funcionário concursado do Centro de Processamento de
Dados do Estado de Mato Grosso – CEPROMAT, onde atualmente ocupa a função de Diretor de
Operações.
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além de método de procedimento histórico, comparativo e monográfico, com pesquisa
documental e bibliográfica.
PODER FAMILIAR
A expressão “poder familiar” no direito brasileiro foi instituída apenas no Código
Civil de 2002. Na Roma antiga, há muitos anos, todo poder sobre os filhos era exercido
apenas pelo pai que podia inclusive ordenar a morte dos filhos. Por isso, era chamado
de pátrio poder, expressão que continuou na legislação brasileira até 2001.
Com o passar do tempo, as coisas foram ficando mais brandas e o poder foi
sendo relativizado. As mulheres também foram conquistando espaço até chegarmos
ao modelo que temos hoje de divisão igualitária do poder familiar entre os pais. Uma
vez que o pátrio poder não é mais exercido apenas pelo pai, mas também pela mãe,
veio a ser substituído em nossa legislação por poder familiar que é mais coerente.
O poder familiar é a combinação de direitos e deveres que os pais têm para com
seus filhos, para que eles sejam criados com educação, responsabilidade e possam
contribuir com uma sociedade melhor.
Em regra o poder familiar é de ambos os pais. Mas, há outras possibilidades:
O poder ficar com um dos pais porque o outro não pode exercê-lo;
O poder ficar com um dos pais porque os dois não vivem juntos ou porque um
dos pais não reconhece a paternidade;
Filhos adotados onde o poder familiar fica com os pais adotivos e não com os
pais verdadeiros.
Caso o filho seja prejudicado pelos pais, o poder familiar poderá ser suspenso
temporariamente ou perdido permanentemente, através de sentença judicial.
GUARDA DOS FILHOS
A doutrinadora Maria Helena Diniz conceitua a guarda, apesar de só considerála enquanto colocação em família substituta, da seguinte forma: “(...) prestação de
assistência material, moral e educacional ao menor (...) dando ao seu detentor o direito
2
de opor-se a terceiros, inclusive aos pais, regularizando assim a posse de fato”.
2 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: Direito de Família. 24 ed. São Paulo:
Saraiva, 2009, p. 623, v5
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No direito pátrio a guarda se divide em duas: guarda de filhos (ligada à relação
existente em família) e guarda em família substituta (quando se dá um destino para o
menor em situação irregular). Neste estudo trataremos apenas do primeiro caso.
A guarda de filhos trata das modalidades de guarda dos filhos de um casal,
naturais ou adotivos, se preocupando em como e com quem ficarão os filhos quando
se dissolver o casamento ou a união estável. Está prevista no Código Civil nos arts.
1.583 a 1.590 e constitucionalmente, uma vez que a Constituição elenca nos arts. 227
e 229 deveres que os pais têm em relação a seus filhos.
TIPOS DE GUARDA DE FILHOS
Para o doutrinador Waldyr Grisard Filho, o bem-estar do menor “(...) é o único
3
critério para solucionar o problema da guarda dos filhos”. Ele ainda acrescenta que
para atender esse critério é importante o magistrado verificar algumas situações
como: a idade e o sexo do menor, se o menor vai ficar junto ou não com seus irmãos,
a opinião do menor e a conduta dos pais.
As formas mais usadas pelo ordenamento jurídico no exercício da guarda dos
filhos são:
a) Guarda Comum: Guarda feita na constância do casamento ou da união
estável, dividida entre os genitores por serem eles os detentores do poder familiar;
b) Guarda Provisória e Definitiva: A guarda provisória é dada a uma pessoa, em
geral um dos genitores, durante um processo de separação até que os genitores se
acertem para que essa guarda seja definida de forma mais tranquila pelo juiz. Já a
guarda definitiva é dada pelo juiz com caráter definitivo, mas que pode ser mudada
depois desde que surja um fato novo;
c) Guarda Exclusiva ou Unilateral: Guarda em que apenas um dos genitores fica
responsável por guardar os filhos (e com isso exercendo totalmente o poder familiar)
enquanto que o outro passa a ter uma convivência mais restrita;
d) Guarda Física e Guarda Jurídica: A guarda física é ter diretamente a companhia
dos filhos, viver com eles debaixo do mesmo teto. Já a guarda jurídica é o direito de
conduzir a vida dos filhos. Quando o genitor fica sem a guarda dos filhos, ele perde
a guarda física e não a jurídica. Porém, dependendo da forma de guarda decidida
3 GRISARD FILHO, Waldyr. Guarda Compartilhada: um novo modelo de responsabilidade parental.
4 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 77.
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pelo juiz, a guarda jurídica pode ficar prejudicada pela distância que se formará entre
o genitor e os filhos. Por outro lado quem fica com a guarda exerce normalmente o
poder familiar e a tendência é que os filhos tenham muito mais afinidades com ele do
que com o outro genitor;
e) Guarda Alternada: Nesta modalidade a guarda dos filhos fica ora com um e ora
com o outro genitor, tanto guarda física como jurídica são incluídas no revezamento. A
guarda alternada prejudica os filhos, pois faz com que mudem constantemente de lugar;
f) Aninhamento ou Nidação: Espécie de guarda alternada onde os filhos moram
sempre num mesmo local e os pais constantemente trocam de casa, ora morando
com eles, ora não. Assim, os filhos não precisarão sair de onde moram e podem ter
uma criação mais tranquila. Apesar de ser uma ideia interessante para a criação dos
filhos, é bastante cara de se fazer já que há necessidade de arcar os custos de pelo
menos três casas distintas: a do pai, a da mãe e outra dos filhos;
g) Guarda Compartilhada: A partir de agora trataremos da guarda compartilhada,
um instituto não tão novo na prática, mas oficializado em nossa ordem jurídica apenas
com a lei 11.698/2008.
INSTITUIÇÃO E EVOLUÇÃO DA GUARDA COMPARTILHADA
Waldyr Grisard Filho citando Hughes Fulchiron nos apresenta a guarda
compartilhada como sendo: “Um dos meios de assegurar o exercício da autoridade
parental que o pai e a mãe desejam continuar a exercer na totalidade conjuntamente”.
4
Ao que tudo indica a guarda compartilhada se iniciou na Inglaterra há mais de
20 anos. Conforme ensinamentos de Maria Manoela Rocha de Albuquerque Quintas:
Na Inglaterra, até meados do século XIX, a guarda dos filhos era atribuída aos pais, (...). Com o British act de 1939, a guarda dos filhos passou
a ser atribuída às mães, iniciando-se a doutrina do ‘tender years’, em que os
filhos menores de 07 anos deveriam estar sob a guarda da mãe, deixando de
5
haver uma presunção paternal para haver uma presunção maternal.
Quando se verificou a injustiça de deixar os filhos apenas com os pais e passaram
a deixar os filhos apenas com as mães, muitos Tribunais ingleses começaram a decidir
4 GRISARD FILHO, Waldyr. Op., cit., p. 139.
5 QUINTAS, Maria Manoela Rocha de Albuquerque. Guarda Compartilhada. 2 ed. Rio de Janeiro:
Forense, 2010, p. 106.
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por uma terceira via uma vez que a mudança feita em favorecimento da mãe acabava
fazendo com que a injustiça passasse para o pai.
Nesse sentido surgiu na Inglaterra a divisão dos direitos dos pais em relação a
seus filhos, fracionando responsabilidades entre os genitores e buscando atender aos
interesses dos menores e não mais dos pais. Inicia-se aí o instituto da cooperação dos
pais separados, na criação dos filhos, os primeiros passos para a guarda compartilhada.
Com o surgimento da guarda compartilhada na Inglaterra, muitos países
começaram a fazer o mesmo, colocando em seu sistema jurídico essa opção de
guarda para que os filhos pudessem ter sua criação continuada sem grandes rupturas,
evitando problemas psicológicos maiores com a separação de seus pais.
A ideia da guarda compartilhada se alastrou até chegar ao Brasil, primeiramente
como ideias doutrinárias, posteriormente como decisões judiciais até que se fez
presente na legislação com o advento da lei de número 11.698/2008.
Motivos e Vantagens na Adoção da Guarda Compartilhada
O § 2º do art. 1.584 do Código Civil nos traz que se não houver acordo entre os
pais sobre a guarda de seus filhos, a guarda compartilhada será escolhida sempre que
possível. Quando o legislador incluiu a frase “sempre que possível”, ele o fez porque
entendeu que em alguns casos a guarda compartilhada poderia ser muito difícil de ser
colocada em prática ou ser prejudicial aos filhos. No entanto, isso em momento algum
diminui a clara preferência pela guarda compartilhada.
A preferência pela guarda compartilhada não existe só no Brasil, atualmente
vários países a adotam como a prioritária para criação dos filhos.
E qual seriam então os motivos que têm levado os legisladores a darem
preferência pela aplicação da guarda compartilhada?
O principal deles, sem dúvida, é o direito dos filhos de ter a convivência
familiar porque eles não são, em regra, os culpados pela separação. É sabido que
ocorrendo a separação dos pais, a tendência é que seja reduzida a convivência
entre os filhos e o genitor que ficou sem a guarda deles, e não raro, acabando-se
de uma vez por todas.
Como os filhos são mais frágeis e estão em processo de aprendizagem e
desenvolvimento do caráter, devem ter a prioridade de ser acompanhados no dia a dia
tanto pelo pai como pela mãe. Outros motivos para adotar a guarda compartilhada são:
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– Igualdade entre homem e mulher: tanto homens quanto mulheres estão se
direcionando para um mesmo lugar, uma busca de igualdade que tende a chegar à
guarda compartilhada dos filhos;
– Síndrome da alienação parental: síndrome que deixa a criança confusa e com
medo de um dos seus genitores, e com isso rompe o laço de afeto que existia entre
eles. O menor fica abatido psicologicamente por força de um maior que convive com
ele e o faz crer que o melhor é se afastar de seu genitor. A guarda dos filhos quando
compartilhada, dificulta o aparecimento dessa síndrome. Ela não deixa espaço para que
os menores se distanciem ainda que tentem afastá-los do convívio do pai ou da mãe;
– Prosseguimento da relação existente entre pais e filhos: a relação que se finda
entre pai e mãe não pode ter influência na relação deles com seus filhos, não há
motivos para terminar também.
– Além desses motivos para compartilhar a guarda, há outras vantagens ao
se adotar a guarda compartilhada. Conforme explicações da doutrinadora Maria
Manoela Rocha de Albuquerque Quintas: “Os benefícios que a guarda compartilhada
6
proporciona, afetam todos os envolvidos: os filhos, os pais e a Justiça”.
Vantagens para os filhos
• Menor conflito entre os pais na organização do dia-dia dos filhos em relação a
outros tipos de guarda;
• Os pais têm participação mais ativa na vida dos filhos e com isso os filhos
acabam por reconhecer a importância dos pais em suas vidas;
• Reduz drasticamente discussões judiciais entre os pais já que a maioria delas
tem relação direta com a guarda dos filhos;
• Os filhos não se sentem diferentes dos amigos, por exemplo, na escola, que
mesmo com uma grande quantidade de divórcios ainda existe;
• Os filhos tendem a não ter uma ideia negativa no futuro sobre a relação entre
homem e mulher;
• Proporciona não só um melhor contato entre os filhos e os pais separados, mas
também entre os filhos e a família dos genitores.
6 QUINTAS, Maria Manoela Rocha de Albuquerque. Op., cit., p. 87.
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Vantagens para os pais
• Igualdade de direitos e obrigações entre eles;
• Não perderão contato com seus filhos;
• Mais tranquilidade para tocar a vida pessoal e profissional já que tem a
participação do outro genitor na criação do filho, o que facilita bastante;
• Diminui conflitos e melhora o relacionamento entre os genitores que normalmente
saem do relacionamento de forma desgastada.
Vantagens para a Justiça
• Facilita o processo de separação dos genitores, pois haverá uma redução de
discussões para ver quem ficará com a guarda dos filhos;
• Facilita o trabalho de psicólogos que atuam na vara de família uma vez que não
raro, ambos os pais, que já haviam separado de forma consensual, acabam sendo
considerados aptos para continuar a criação dos filhos. A guarda compartilhada evita
que um psicólogo dê parecer favorável a um dos pais sabendo que poderia favorecer
os dois. Numa situação como essa, o psicólogo estaria julgando, o que não é seu papel;
• Facilita o processo de alimentos, visto que ambos os pais estarão em pleno
convívio com os filhos e sabem quais as suas necessidades.
Dificuldades para Compartilhar a Guarda
• Há situações em que a guarda compartilhada será desaconselhada e o
magistrado poderá optar por outra guarda. Algumas possíveis dificuldades são:
• Falta de respeito entre os genitores que não separam seus problemas pessoais
com a relação que devem ter com seus filhos;
• Falta de colaboração entre os pais que ficam em disputas recorrentes
prejudicando a criação dos filhos;
• Distância grande entre as residências dos genitores atrapalhando o convívio
com os filhos, sobretudo se os pais não moram no mesmo país;
• Filhos em idade tenra costumam ter mais dificuldades de se adaptar a diferentes
ambientes que ora possa estar com a mãe ou o pai, e, nesse caso o juiz costuma optar
por deixá-los, pelo menos até crescer um pouco, na guarda de apenas um dos pais.
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Apesar das dificuldades elencadas, é possível que elas sejam superadas para o
bem dos filhos. Conforme Ana Carolina Silveira Akel:
(…) quando os pais privilegiam a continuidade de suas relações com
as crianças e as protegem de seus conflitos conjugais, há enormes vantagens em atribuir efeitos jurídicos a essa cooperação parental, como estímulo
ao entusiasmo de compartilhar direitos e responsabilidades na proteção e
7
educação dos menores.
A Prática da Guarda Compartilhada em Países que a Adotaram
Embora seja, em termos legais, nova no Brasil, a guarda compartilhada há
anos já é empregada em diversos países. Nascida na Inglaterra, conforme já falamos
rapidamente ela se espalhou por diversos países na Europa, Canadá e Estados Unidos.
Na Inglaterra, a guarda compartilhada que dificilmente não é utilizada, hoje nem
tem mais a denominação de guarda, chama-se responsabilidade parental conjunta.
Conforme o professor Lucas Hayne Dantas Barreto, a ideia de guarda
compartilhada na França já existe desde o ano de 1976 e lá: “(…) estando o casal de
acordo, basta uma declaração conjunta perante o Juiz, para que seja decidido pelo
compartilhamento da guarda”.
8
No direito canadense, a guarda compartilhada tem previsão legal desde 1985 e
em diversos dispositivos essa partilha da guarda não se restringe aos pais, apesar de
a regra no Canadá não ser a guarda compartilhada e sim a guarda unilateral.
Segundo Euclides de Souza, um estudo feito nos Estados Unidos pela
organização governamental Children Right Council, mostrou que dos 50 estados norteamericanos, 30 aplicam a guarda compartilhada e muitos com rigor. 9 Além disso, já há
um encaminhamento de entendimentos em todo o país de que o melhor para a criança
é ter o máximo de contato físico e psicológico com os dois pais, ainda que separados.
Esses são só alguns dos exemplos mais conhecidos de países que adotam a
guarda compartilhada, existem também muitos outros. Aqui na América do Sul, tanto o
Uruguai como a Argentina passaram a adotar a guarda compartilhada antes do Brasil.
7 AKEL, Ana Carolina Silveira. Guarda Compartilhada: um Avanço Para a Família. 2 ed. São Paulo:
Atlas, 2009, p. 111.
8 BARRETO, Lucas Hayne Dantas Barreto. Considerações sobre a guarda compartilhada.
Disponível em: <http://jus.uol.com.br/revista/texto/4352/consideracoes-sobre-a-guarda-compar
tilhada>. Acessado em 20 de nov. 2010.
9 SOUZA, Euclides. Legislação sobre a guarda conjunta nos EUA é coisa séria, e ganha terreno
no Brasil. Disponível em: <http://www.apase.org.br>. Acessado em 22 nov. 2010.
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A GUARDA COMPARTILHADA NO BRASIL E A LEI 11.698/2008
É consenso que a união estável e o casamento colocam cônjuges e companheiros
como responsáveis pela criação de seus filhos. Não é consenso, no entanto, que a
dissolução do casamento não tem relação direta com a criação dos filhos. É preciso
entender que a dissolução do casamento influencia na forma como os filhos continuarão
sendo criados, mas não é ela que vai fixar como essa criação deverá ser feita. Os pais
continuam, até que se prove o contrário, sendo responsáveis por educar, sustentar e
guardar seus filhos.
Histórico, Evolução e a introdução da Guarda Compartilhada no Brasil
Por muitos anos se discutiu família no Brasil apenas na constância do casamento,
outra situação não era considerada, não havia legalmente validade nenhuma. Filhos
fora do casamento não eram legítimos, não tinham os mesmos direitos dos outros filhos.
Baseado no casamento que o Código Civil de 1916 tratou da guarda dos filhos.
A única situação diferente do casamento era quando um dos cônjuges ficava viúvo
ou houvesse o desquite dos dois. O desquite não era divórcio, o divórcio não existia.
Vivíamos uma situação de extrema interferência da igreja católica que nunca aprovou
a separação de casais e isso se refletia na legislação.
O código civil de 1916, ao tratar da proteção dos filhos quando da dissolução do
casamento, regulava em seus artigos 325 a 328 que havendo desquite amigável seria
observado o que os cônjuges acordassem sobre a guarda dos filhos, havendo desquite
judicial a guarda ficaria com o genitor inocente e havendo outros motivos o magistrado
decidiria em favor do pai, da mãe, ou outra pessoa. Normalmente quando a decisão
ficava para o juiz, ela era padronizada, não atendia o caso concreto. Se a culpa era
dos dois pais, por exemplo, observava a idade do filho, sendo mulher ou homem com
menos de 6 anos ficaria com a mãe, sendo homem com mais de 6 anos ficaria com o pai.
Passaram-se alguns anos e o Decreto-Lei nº 3.200/1941 determinou que a guarda
do filho natural (nascido fora da constância do casamento) ficaria com o genitor que o
reconhecesse e se reconhecido pelos dois, ficaria com o pai. Esse mesmo decreto foi
mudado em 1970, estabelecendo que se os dois reconhecessem a guarda seria da mãe.
Em 1962 o Código Civil de 1916 mudou extinguindo os critérios de idade e sexo
dos filhos e a partir daí, havendo culpa de ambos os pais, a mãe ficaria com os filhos.
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Com a Lei do Divórcio de 1977 foram revogados os artigos do código civil de
1916 e foram criadas novas diretrizes em relação à guarda dos filhos. Essas diretrizes
eram elencadas nos artigos 9º a 16 dessa lei, mas sem grandes mudanças.
O art. 9º da Lei do Divórcio tratava do acordo para guarda dos filhos quando os
cônjuges quando separassem consensualmente.
O art. 10 tratava da guarda em caso de separação judicial baseada na culpa em
que o genitor inocente ficava com a guarda.
O art. 11 atribuía a guarda dos filhos ao genitor que já estava em companhia deles
se a separação já vinha sendo objetivada a mais de um ano, ou seja, determinava
nesses casos o princípio da imodificabilidade.
O art. 12 determinava que se a separação ocorresse por problemas mentais de
um dos genitores, a guarda deveria ficar com o outro.
O art. 13 trazia a possibilidade de o magistrado ajustar a guarda de forma diversa
visando o melhor interesse dos filhos menores, podendo deixá-los com um parente ou
até com um estranho se entendesse que os pais não tinham condições de criar os filhos.
O art. 14 trazia que as regras para anulação de casamento deveriam ser as
mesmas utilizadas para o caso de separação citadas acima.
O art. 15, este sim, trouxe inovações. Tratava do direito de visita e de fiscalização
que não era contemplado em normas anteriores. O genitor que não ficava com a
guarda dos filhos não perdia o poder familiar, mas, tinha um papel apenas subsidiário
uma vez que era privado de ter um relacionamento normal com seus filhos.
O art. 16 determinava que os filhos que fossem maiores e inválidos deveriam ter
o mesmo tratamento dos filhos menores.
A Constituição Federal de 1988 trouxe novas determinações, as estruturas
familiares não mais se restringiam apenas ao casamento, as mulheres já passavam
a ser legalmente iguais aos homens na estrutura familiar. No novo contexto também
surgiram os direitos da criança e adolescente, direitos que ganharam mais força com
a sanção do Estatuto da Criança e do Adolescente em 1990.
Em consequência da aproximação dos papéis entre homens e mulheres, veio
o código civil de 2002 trazendo a guarda voltada principalmente aos interesses dos
filhos menores ou maiores incapazes independentemente de culpa pela separação
por parte do pai ou da mãe. O novo código civil passou a considerar em seu art. 1.584
a possibilidade de a guarda ficar com aquele que reunisse maiores condições de
exercê-la. A proteção integral do menor, acompanhando disposições do Estatuto da
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Criança e do Adolescente, se tornou ponto principal de qualquer discussão sobre a
guarda dos filhos.
Em relação à guarda, acrescenta Maria Manoela Rocha deAlbuquerque Quintas que:
Numa análise de sua evolução jurídica, percebe-se que a guarda
acompanhou os anseios e as necessidades de cada época. Quando da ruptura familiar, em alguns momentos, foi atribuída ao pai; em outros, à mãe, e
10
atualmente é atribuída levando-se em consideração os interesses dos filhos.
No Código Civil de 2002 era disposto que os pais decidiriam juntos o que fosse
relacionado aos filhos, salvo se não houvesse consenso e, assim, o juiz decidiria,
sempre buscando o melhor interesse do menor.
A partir do Código Civil de 2002, o direito dos pais dá lugar ao dever, passa a
fazer parte do poder-dever imposto ao genitor que detém o poder familiar. No entanto,
quando o Código Civil de 2002 foi sancionado, apesar de já haver na legislação de
outros países, ainda não previa a possibilidade de se compartilhar a guarda dos filhos.
Possibilidade que já era defendida por doutrinadores e decidida por magistrados.
O legislador somente veio a atender aos anseios de parte da sociedade e de
grupos que lutavam por essa possibilidade, como o caso da APASE (Associação de
Pais e Mães Separados), no ano de 2008 quando foi oficializada na legislação pátria
a Lei 11.698/2008, a Lei da Guarda Compartilhada.
Legalidade da Guarda Compartilhada
Antes de uma lei para a guarda compartilhada, já havia uma ideia do que ela
representava, mormente devido às legislações que já eram praticadas no direito
alienígena. Não obstante, apesar de a guarda compartilhada não ser proibida no Brasil,
não era também admitida por grande parte de juristas e doutrinadores. Ainda assim,
quando se tentava fazer algo em termos de guarda conjunta, acabavam confundindo-a
com outros tipos de guarda existentes com a afirmação de que era difícil optar pela
guarda compartilhada já que não havia uma legislação para ela no direito brasileiro, o
que na prática não era bem assim.
Mesmo antes da lei da guarda compartilhada, era possível a aplicação da guarda
de forma conjunta considerando outros dispositivos legais: tanto da legislação pátria
10 QUINTAS, Maria Manoela Rocha de Albuquerque. Op., cit., p. 115.
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como a partir de tratados internacionais dos quais o Brasil participara.
Além desses dispositivos citados acima, vários outros também abriam caminho
para se adotar a guarda compartilhada:
• Garantia constitucional de 1988 no primeiro inciso do art. 5º, a igualdade entre
homens e mulheres. Na mesma Carta, o art. 226 assevera que a família tem especial
proteção do Estado por ser base da sociedade, assim como traz o art. 227 que a
criança tem prioridade absoluta na convivência com sua família;
• O Estatuto da Criança e do Adolescente cita no art. 4º, dentre suas prioridades
absolutas, o direito da criança e do adolescente à convivência familiar. No art. 19, o
direito dos menores de serem criados e educados no seio de suas famílias. No art. 22
o Estatuto vai além ao asseverar, assim como no art. 229 da Constituição Federal já
citado, que aos pais incumbe o dever de sustento, guarda e educação;
• No Código Civil de 1916 se entendia que os pais ajustassem da forma que
entendessem melhor a guarda dos filhos quando não mais fossem viver juntos;
• Quando foi implantado o Código Civil de 2002, e antes das modificações da
Lei 11.698/2008, houve um favorecimento à guarda compartilhada no momento em
que se extinguiu a atribuição da guarda ao genitor que não tivesse dado causa à
separação, ou seja, a causa da separação virou secundária;
• Com a sanção da Lei 11.698/2008 após longa espera de muitas pessoas e
comunidades criadas para discutir o assunto, foi instituída legalmente a guarda
compartilhada.
Como Fica a Guarda no Brasil com o Advento da Lei 11.698/2008
Com o estabelecimento da Lei 11.698/2008 novas opções em relação à guarda
dos filhos, mais adequadas à realidade atual se instalam na legislação pátria.
Conforme pondera Maria Berenice Dias:
Deixa a lei de priorizar a guarda individual. Além de definir o que é
guarda unilateral e guarda compartilhada (CC 1.583, § 1º), dá preferência
pelo compartilhamento (CC 1.584, § 2º), por garantir maior participação de
ambos os pais no crescimento e desenvolvimento da prole. O novo modelo
de co-responsabilidade é um avanço, pois favorece o desenvolvimento das
crianças com menos traumas, propiciando a continuidade da relação dos fi11
lhos com seus dois genitores e retirando da guarda a ideia de posse.
11 DIAS, Maria Berenice. Guarda compartilhada, uma novidade bem vinda! Disponível em: <http://
www.mariaberenicedias.com.br>. Acessado em 28 nov. 2010.
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Guarda compartilhada: realidade contemporânea para proteção dos interesses dos filhos
As possibilidades de guarda de filhos quando os pais não estão juntos de acordo
com o Código Civil alterado pela nova lei estão elencadas nos próximos tópicos.
Separação, Divórcio ou Dissolução da União Estável de Forma Consensual.
Havendo consenso entre cônjuges ou companheiros, poderá ser requerida pelos
mesmos ou a guarda unilateral, ou a guarda compartilhada. Essa é a redação do
Código Civil em seu art. 1.584, I dada pela nova lei.
O que se depreende daqui é que o juiz somente decidirá como será guarda a ser
adotada de forma subsidiária, uma vez que primeiramente deverá haver uma tentativa
de entendimento entre os genitores.
É notório que o entendimento entre os genitores será melhor para ambas as
partes e benéfico para os filhos. No entanto, é necessário que os pais tenham também
liberdade para escolher outras opções de guarda dos filhos diferentes das duas apenas
determinadas pela nova lei.
Não foi feliz a Lei 11.698/2008 ao modificar o texto do Código Civil, tanto no art. 1.583
como no art. 1.584, apenas considerando as formas de guarda unilateral e compartilhada
para o consenso dos pais. Existem outras formas de guarda de filhos e que devem ser
também consideradas, não podendo essas outras opções ficar apenas a cargo do juiz.
Separação, divórcio ou dissolução da união estável de forma não consensual
Sendo a separação de forma não consensual, nada impede que a guarda seja
compartilhada da mesma forma desde que a guarda dos filhos não seja o objeto da
discussão ou, ainda que seja não se torne um obstáculo para o melhor interesse dos
filhos que está acima dos interesses paternos.
O art. 1.584, § 2º trata justamente da possibilidade da separação não convencional,
aplicando a guarda compartilhada se for possível. Porém, muitas vezes não é possível
compartilhar a guarda porque os pais tiveram a relação muito desgastada. Nesse
caso o compartilhamento da guarda ao invés de ser benéfico para os filhos pode ser
maléfico e, por isso, o melhor é o juiz ver o caso concreto e decidir o que entender
melhor para os filhos do casal.
Optando o juiz por dar a guarda a um dos pais por não ser possível a guarda
compartilhada, deve ficar com os filhos o genitor que tiver melhores condições de criáRevista Jurídica da Unic / Emam, v. 1, n. 2, p. 117-133, jan./jun. 2014
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los. É importante salientar que as melhores condições elencadas no art. 1.584 § 2º
não estão dispostas de forma taxativa, são algumas possibilidades, até porque cada
caso é um caso e, ao contrário do que se imagina, as melhores condições não são,
necessariamente, financeiras, o próprio § 2º nem cita essa opção.
Separação de Corpos
Seguindo a ordem do Código Civil, o art. 1.585 trata da separação de corpos. Pelo
disposto no código, enquanto a medida estiver vigorando, a guarda dos filhos deve se
regular conforme são contemplados os casos de separação e divórcio já comentados.
Como na separação de corpos os cônjuges passam a não morar mais debaixo do
mesmo teto, entendeu o legislador que seria importante se fazer um acordo, ou, sendo
impossível, que o juiz decidisse pela guarda dos filhos nos mesmos moldes anteriores.
Esta colocação do legislador, no entanto, não é o entendimento da maioria
doutrinária e nem jurisprudencial que acreditam que numa situação como essa o melhor
é manter os filhos da forma que estão para não acarretar mais problemas com mudanças
drásticas na vida dos filhos, até que uma separação definitiva resolva a questão.
Separação por Invalidade do Casamento
Havendo invalidade do casamento, o Código Civil trata através do art. 1.587 da
mesma forma que trata se o casamento fosse válido. Não poderia ser diferente uma vez
que os filhos não têm nenhuma culpa da validade ou não do casamento de seus pais.
Vale ressaltar que o artigo em questão fala em casamento inválido, ou seja, tanto
faz se nasceu nulo ou foi anulado, todos os filhos nesta situação estarão contemplados.
Separação e Novas Núpcias
A guarda dos filhos que vem sendo dada por um dos genitores ou pelos dois,
mesmo separados, não mudará se um deles ou os dois contraírem novo casamento
ou se passar a conviver em regime de união estável com outra pessoa. O Código Civil,
através do art. 1.588, apenas faz a ressalva que numa situação como essa, o cônjuge
que contraiu novas núpcias não poderá perder a guarda de seus filhos simplesmente
por essa justificativa. Os filhos apenas serão retirados da guarda do genitor por
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mandado judicial e se ficar provado que os filhos não são tratados como deveriam.
Essa ressalva no Código Civil foi feita devido aos problemas que o término de
uma relação pode ocasionar. É comum pais que se separam litigiosamente após uma
união desgastada tentarem encontrar meios de impedir o outro genitor de ter consigo
a guarda dos filhos.
Ausência de Convivência e Outras Possibilidades
Ainda no Código Civil, mas já no título que trata do reconhecimento dos filhos,
o art. 1.612 determina que o filho deva ficar sob guarda do genitor que o reconhecer.
Este artigo, tratando de uma situação em que os pais nunca foram casados e
nem conviveram, determina a guarda do filho ao que o reconhecer como tal. Por
outro lado, havendo reconhecimento dos dois, pode-se haver acordo entre eles e, não
havendo, o juiz decidirá por quem atender melhor as necessidades do menor.
Além dessas situações é importante frisar as disposições do art. 1.586:
Art. 1.586. Havendo motivos graves, poderá o juiz, em qualquer caso,
a bem dos filhos, regular de maneira diferente da estabelecida nos artigos
12
antecedentes a situação deles para com os pais.
Ou seja, mesmo que caiba nas situações já tratadas, o juiz poderá regular a
guarda de forma diversa se houver motivos graves que o façam entender que outra
regulamentação será mais benéfica para os filhos do casal.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Conclui-se que a inserção do instituto da guarda compartilhada em nosso
ordenamento jurídico veio em boa hora. As famílias atualmente são mais desprendidas
de questões tradicionalistas e principalmente machistas que impediam, por exemplo,
que o pai fosse mais amoroso, carinhoso.
É muito comum nos dias de hoje “o chefe da casa” não ser mais o homem e sim
o casal dividindo responsabilidades.
12 BRASIL, Republica Federativa do. Código Civil Brasileiro. Disponível em: <http://www.planalto.
gov.br/ccivil_03/Leis/2002/L10406.htm>. Acessado em: 10 nov. 2010.
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Atualmente também tem acontecido uma maior quantidade de divórcios.
Acreditamos que não seja por simples intolerância, mas justamente por esse
desprendimento que se tem das questões tradicionalistas já citadas. No passado não
existia lei do divórcio, mas as pessoas que gostariam de se separar se mantinham
juntas não necessariamente por falta de lei, mas porque a sociedade discriminava.
Essas separações afetam principalmente os filhos e percebemos que a melhor
forma de reduzir o impacto que ela causa é a opção pela guarda compartilhada, a
menos que seja impossível.
Por fim, entendemos que a guarda compartilhada deve ser tentada mesmo
que os pais tenham dificuldade de se relacionar após o término porque o que está
em jogo é a vida dos filhos que por lei têm prioridades. Até porque não existe
divórcio entre pais e filhos e isso precisa ficar bem esclarecido para todas as
partes afetadas.
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