Saúde do Trabalhador: Desafios conceituais e estruturais Heleno R Corrêa Filho Oububro_2006 Modelo Higienista • Modelo difundido pela saúde pública anglo-saxônica que pressupõe a intervenção técnica vertical por pessoas que detêm o saber sobre o ambiente a partir da iniciativa do estado e da iniciativa privada com funções normativas sobre os modos de viver, produzir e desenvolver a vida na sociedade. Modelo Higienista • Tem forte influência sobre a formação das escolas de Saúde Pública e os Departamentos de Medicina Preventiva e Social. • Associa o ambiente social e geográfico com os micro-ambientes de trabalho, educação, e nichos ecológicos. Influi sobre modelos de controle para doenças transmissíveis. Modelo Participacionista • Várias correntes, incluindo a medicina de comunidades e vertentes como a saúde da família propõem distintas formas de participação. – Subordinada a norma vertical;(cooptada) – Capacitada a modificar a norma central;(delegada) – Capacitada para criar norma local;(contrahegemônica) – Empoderada (apoderada) de meios para construir normas gerais com aplicação local. Modelo Coletivista (de controle coletivo) • Subordina poder normativo(planos), poder executivo (ações) a níveis de controle social hierarquizados com acesso a informação necessária e suficiente para decidir; • Democratiza grupos normativos por meio de eleições periódicas livres, universais e secretas; • Encarrega o aparelho de estado da responsabilidade executiva dentro de metas estabelecidas coletivamente. Medicina do Trabalho • Especialidade médica que trabalha com a prevenção, o diagnóstico e tratamento de agravos causados ou agravados pelo trabalho, em função de avaliação de exposições e processos de trabalho. Saúde Ocupacional • Núcleo multiprofissional de especialidades com função ampliada de prevenção, diagnóstico, reabilitação e adaptação funcional que atua por assessoria patronal, sindical e/ou estatal, devendo resposta ao contratante. Saúde do Trabalhador • Campo especializado multiprofissional do aparato público do estado, que atua sob controle social organizado e assume funções de vigilância à saúde, fiscalização e intervenção legal e programática sobre a saúde dos trabalhadores e ambientes de trabalho. Perícia Médica • Especialidade médica que avalia para fins securitários, indenizatórios ou cíveis a capacidade de trabalho em casos de agravos, doenças e acidentes visando a compensação por ganhos cessantes provenientes do trabalho interrompido ou diminuído com estabelecimento do eventual nexo causal entre os agravos e exposições no trabalho. Auditoria Fiscal Médica • Atividade médica no campo da auditagem e inspeção de procedimentos empresariais nas relações e nos ambientes de trabalho visando impor o respeito às leis e normas trabalhistas, tributárias, fiscais e previdenciárias. Pode ser exercida no âmbito público da Previdência Social e do Trabalho e do Emprego ou no âmbito privado das seguradoras e convênios de saúde. Medicina Empresarial • Assessoria patronal ética e legítima por contrato entre as partes, dentro dos limites estabelecidos pelas resoluções dos Conselhos Profissionais e Associações de Especialidade. • Estrutura voltada para atuar dentro dos limites da confiança patronal e sem poderes para intervir no ambiente de trabalho sem consentimento prévio da empresa. Medicina Empresarial • É vista pelos trabalhadores como instância de censura para direitos dentro e fora dos limites da legislação. • Torna-se ilegítima quando utiliza informações individuais privativas sobre dados psíquicos e biológicos dos trabalhadores para uso patronal identificado. • Torna-se ilegítima quando submete ou sujeita trabalhadores a exames clínicos ou complementares periódicos compulsórios e identificados. • Atua ilegalmente quando não informa ao estado as doenças e acidentes atendidos internamente aos muros das empresas. Assessoria Médica Patronal • Intercambia dados com higienistas industriais (engenheiros, químicos, físicos) que conhecem detalhes da produção e sabem quais exposições potenciais decorrem dos processos empregados. • Abre interface com a Higiene ou Saúde Ambiental, sendo em certa medida, complementar ou secundária face aos campos de conhecimentos geográficos, econômicos, sociais e biológicos. Saúde Ambiental • Amplia o horizonte da higiene industrial com dados extra-laborais sobre impactos ambientais da produção, consumo e rejeitos finais. • O ambiente é entendido como entidade biológica, física, química e geográfica subsumidos pela sociedade (história, cultura e organização). • Cria oportunidade para o surgimento do conceito de saúde ocupacional. Saúde Ocupacional • Foi concebida no interior do aparelho produtivo das grandes corporações para abranger profissionais com capacidade de analisar múltiplas implicações da produção sobre a saúde. • Chegou ao aparelho formador em diferentes universidades na mesma época em que se formatava a preocupação com a ecologia. Na UNICAMP houve um núcleo de Ecologia Humana. Inseriu-se nas escolas médicas e de saúde pública. Saúde Ocupacional • Constituiu-se com apoio de biólogos, químicos, físicos, engenheiros, psicólogos e terapeutas de várias práticas. • Não conseguiu ser implantada plenamente no aparelho de estado com a dissolução do estado de bem-estar social e desativação dos Centros de Reabilitação Profissional que eram incipientes. Saúde Ocupacional • Desenvolveu capacidade de formação de novos Recursos Humanos técnicos com maior afinidade pela Assessoria Ocupacional Empresarial, especialmente pela ausência de mercado de trabalho público ou não governamental. • Tornou-se núcleo de formação continuada de médicos, enfermeiros, engenheiros e psicólogos do trabalho no senso lato (especialização) e senso estrito (Mestrado e Doutorado). Saúde Ocupacional • Formatou o surgimento da sociedade de especialidade médica como Associação Nacional filiada à AMB. • Formou novos profissionais médicos em sistema acelerado e contraditório com carga horária e conteúdo programático das Residências Médicas. (360 a 900 horas contra 3.500 horas) Saúde Ocupacional • Entrou em contradição com a formação em áreas fora do núcleo do saber médico e incompatibilizou-se com a formação generalista da saúde coletiva, em particular com a saúde pública e com o SUS. • Em alguns casos conseguiu ambiente exclusivo de especialidade médica com carga horária plena, negando ou renunciando à formação geral da saúde ocupacional. • Embora reforçada e originada no ambiente das Residências Médicas em Saúde Ocupacional, a Associação Nacional de Medicina do Trabalho só concede título de especialista aos que se inscrevem em seus exames e não reconhece a formação da Residência Médica como credencial suficiente. Saúde do Trabalhador • Foi concebida a partir da reforma sanitária Italiana e Brasileira, com fundamentos na literatura latino-americana. • Criou centros de atendimento no SUS e centros especializados de referência secundária para trabalhadores (CRST) com pessoal formado no aparelho formador da Saúde Ocupacional e da própria Medicina do Trabalho. Saúde do Trabalhador • Desenvolveu modelo de co-gestão sindical consorciada com conselhos locais e municipais de saúde a partir da Lei 8080/1990 e 8142/1990. • Não diferenciou seu modelo de atuação do modelo de assessoria empresarial mais comum na Medicina do Trabalho. (equipe com profissionais de formação essencial para assessoria a empresas) Saúde do Trabalhador • Não dispõe de um aparelho formador no nível universitário nem sindical. • Não dispõe de atuação programática com característica forte de Saúde Ambiental, em parte pela sobrecarga assistencial e calamidades no mundo do trabalho antes encobertos. Saúde do Trabalhador • Não se constitui em referencial junto com o controle social para o aparelho formador. • Quando o aparato público tentou fazer parceria com o aparelho formador entrou rota de colisão com o conceito não específico de autonomia universitária e com reservas de mercado na manipulação do saber. • Eventualmente reproduz ideologias de subordinação, submissão, e negação de autonomias no direito de saber, direito de recusa ao perigo, direito de opção pelo processo produtivo novo. Saúde do Trabalhador • Não consegue formar profissionais a partir do diálogo com trabalhadores organizados e conscientes das necessidades de sua classe. • Ao contratar profissionais tem como parâmetros de seleção os mesmos que são utilizados pela assessoria empresarial, o que é reforçado pela cobrança de títulos de especialista que não incluem Saúde Pública ou Saúde Coletiva. Saúde do Trabalhador • Não tem associação sistemática com a Saúde Ambiental e enfraquece a prevenção em todo o ciclo produtivo. • Carece de projetos de intervenção temáticos em colaboração com outras áreas de conhecimento. • Perde energia em confronto entre especialistas que poderiam cooperar. (público x privado; técnicos x líderes) Saúde do Trabalhador • Com tudo isso...abriu 150 Centros de Referência em Saúde do Trabalhador por todo o Brasil no período 2003-2006. • Criou convênios de orçamento específico para os CRSTs em cada município contratante e cada região de influência. • Articulou indicadores de processo e impacto para a Rede Interagencial de Informações para a Saúde – RIPSA. Saúde do Trabalhador • É a única resposta pública possível para o mercado de trabalho terceirizado, subcontratado e não documentado, em todas as modalidades denominadas genericamente de Trabalho Informal. Possíveis Alternativas • No aparelho formador desenvolver a formação de novos currículos pós-graduados em várias profissões e especialidades para a saúde do trabalhador. • Reduzir bloqueios para formação de especialistas como os Médicos do Trabalho e enfatizar a formação com destino ao SUS. • Superar bloqueios corporativos e empresariais para estudos transdisciplinares sobre meioambiente, ambientes de trabalho e saúde dos trabalhadores. POSSÍVEIS ALTERNATIVAS • Discutir e criar sistemas de proteção ética que não subordinem ou violem direitos dos trabalhadores. (vende-se a força de trabalho e não o corpo) • Reforçar a formação em estágios práticos e teóricos em ambientes criados e controlados por trabalhadores como Centros Sindicais de Formação, Cursos Internacionais de Intercâmbio, Centros de informação permanente para trabalhadores e conselheiros populares de saúde. POSSÍVEIS ALTERNATIVAS • Democratizar o acesso ao conhecimento sobre agravos e exposições gerados pelos processos de produção. • Democratizar o acesso ao conhecimento sobre impactos ambientais das novas tecnologias. • Democratizar a construção dos aparelhos de formação de novos especialistas superando bloqueios corporativos e criando mecanismos de credenciamento pelo estado ou sob controle público. POSSIVEIS ALTERNATIVAS • Sistematizar a criação de grupos de interesse em saúde do trabalhador nos Conselhos Municipais de Saúde do SUS. • Desenvolver POLÍTICA PÚBLICA para ampliar ações de vigilância em saúde integrando corporações governamentais de especialistas (vigilância do SUS, auditores fiscais do trabalho, auditores da previdência social, ministério público). POSSÍVEIS ALTERNATIVAS • Buscar dialogar com as lideranças dos trabalhadores defendendo o princípio de que o SUS brasileiro é a política pública mais avançada para promover a saúde do meio-ambiente, dos ambientes de trabalho e a saúde dos trabalhadores.