Rev Inst Ciênc Saúde 2005 jul-set; 23(3):227-30 Tumor marrom do hiperparatireoidismo dos maxilares Hyperparathyroidism brown tumor of the jaws Ricardo Salgado de Souza* Juliana Bellini* Plínio Miguel** Halbert Villalba*** Elcio Magdalena Giovani**** José Aparecido Jam de Melo***** Nicolau Tortamano****** Resumo O tumor marrom do hiperparatiroidismo é uma doença óssea metabólica podendo acometer todo o esqueleto, inclusive os ossos maxilares. O objetivo deste trabalho é de ressaltar a importância desta doença no diagnóstico diferencial das lesões do complexo maxilo-mandibular e realizar uma revisão da literatura quanto à sua etiologia, características clínicas e radiográficas e tratamento. Palavras-chave: Hiperparatireoidismo – Arcada ósseo-dentária – Doenças maxilomandibulares Abstract The brown tumor of hyperparathyroidism is a metabolic bony disease could affect the whole skeleton, besides the maxillary bones. The aim of this study is to relate the importance of this disease in the differential diagnosis of the bone lesions and realize a revision of the literature with relationship etiology, clinical, radiographic characteristics and treatment. Key words: Hyperparathyroidism – Jaw – Jaw diseases Introdução O termo “tumor marrom” deriva do aspecto macroscópico que as lesões intra-ósseas assumem a condição vermelho-escuras, quase amarronzadas, devido à grande hemorragia que ocorre nessas lesões e ao depósito de hemossiderina presente. Esta doença ocorre como conseqüência, principalmente, do hiperparatireoidismo primário, e raramente é notada no hiperparatireoidismo secundário (Dogan et al.3, 2004) e terciário (Erem et al.5, 2004). Para que esta lesão se desenvolva, é preciso que o hiperparatireoidismo esteja atuando há longa data. O tumor marrom, de longa data, sofrerá degeneração central e fibrose, definindo a Osteíte Fibrosa Cística (Neville12, 1995). Esta lesão não é do tipo neoplásica, sendo definida como um processo celular reparador (Cicconetti et al.2, 1999). Revisão da literatura Esta lesão surge em portadores do hiperparatireoidismo devido ao aumento da síntese e liberação do para- * ** *** **** ***** ****** tormônio (PTH), ocorre um aumento na reabsorção de cálcio dos tecidos ósseos (aumentando a calcemia). Como este tumor origina-se da ação crônica do hiperparatireoidismo, ocorre concomitantemente ao “seqüestro” de cálcio, a formação de um tecido reparador (células inflamatórias, osteoclastos, osteoblastos e fibroblastos envoltos por uma matriz conjuntiva). A tendência é o crescimento constante da lesão, já que a liberação do PTH é constante, e, geralmente, os pacientes não têm consciência nem controle da patologia primária (hiperparatireoidismo, primário ou secundário). Durante as três últimas décadas, o hiperparatireoidismo primário tem sido identificado mais comumente e esse aumento tem sido atribuído à avaliação de rotina dos níveis de cálcio por novos métodos, como técnicas de radioimunoensaio para o paratormônio (Eveson e Scully6, 1995, Guney et al.8, 2001). O hiperparatireoidismo primário é a hipersecreção de paratormônio como resultado de um adenoma da paratiróide em 85% dos casos (Morano et al.10, 2000) ou de hiperplasia das paratiróides (10% a 15% dos casos), com menor freqüência verifica-se o carcinoma paratiroi- Professor da Disciplina de Diagnóstico Bucal da Universidade Paulista (UNIP) – Campus Sorocaba. E-mail: [email protected] Aluno do Curso de Odontologia da UNIP – Campus Sorocaba. Professor Doutor da Disciplina de Clínica Integrada da UNIP – Campus Sorocaba. E-mail: [email protected] Professor Doutor da Disciplina de Clínica Integrada da UNIP – Campus Indianópolis. Professor Titular da Disciplina de Clínica Integrada da UNIP. Professor Titular da Disciplina de Clínica Integrada da UNIP. Professor Titular da Disciplina de Clínica Integrada da Faculdade de Odontologia da Universidade de São Paulo. 228 diano com menos de 2% dos casos (Neville12, 1995). No hiperparatireoidismo secundário, o PTH é continuamente produzido em resposta a baixos níveis crônicos de cálcio sérico (geralmente decorrente de doença renal crônica). A vitamina D (processada pelos rins) é necessária para a absorção de cálcio pelo intestino. Em pacientes com doença renal crônica, a vitamina D ativa não é produzida, reduzindo a absorção de cálcio no intestino, resultando em níveis séricos de cálcio mais baixos (Neville12, 1995; Regezi e Sciubba13, 1991). Quando o distúrbio clínico é colocado em controle, as glândulas revertem os níveis hormonais para normalidade, porém em algumas situações este processo pode não ocorrer, possibilitando a hiperplasia secundária, com o tempo, desenvolver em uma formação adenomatosa, sendo denominado de hiperparatireoidismo terciário. Quanto às características clínicas, nota-se que, com maior freqüência, os pacientes que apresentam o “tumor marrom” são das 3ª, 4ª e 6ª décadas de vida com predomínio no sexo feminino. É formado por tecido de coloração pardo-avermelhada, de consistência friável, com áreas hemorrágicas ou císticas. A mandíbula é o osso mais afetado na região de cabeça e pescoço (Guney et al.8, 2001, Erem et al.5, 2004). O envolvimento da maxila é extremamente raro (Guney et al.8, 2001). Outros ossos envolvidos, freqüentemente, são: clavícula, costelas, pelve (Neville12, 1995). Schweitzer et al.14 (1986) e Erem et al.5 (2004) relatam casos de envolvimento do seio esfenoidal, enquanto Dogan et al.3 (2004) o calcâneo. Para Tarello et al.16 (1996), é raro o envolvimento dos seios etmoidal e frontal. Os sintomas são causados pelas dimensões do tumor, e sua localização: nos ossos maxilares, pode apresentar-se com dor, endurecido à palpação e com aumento volumétrico visível. Se extenso, o tumor pode deformar a aparência do osso envolvido, alterar a função do sistema mastigatório ou até mesmo a fratura patológica (Tarello et al.16, 1996). A sintomatologia é derivada principalmente da doença da paratireóide (seja primária, secundária ou terciária) que, sucintamente, são: fadiga, fraqueza, náusea, anorexia, poliúria, sede, depressão e constipação. O aspecto radiográfico revela uma lesão radiotransparente bem demarcada. Apresenta-se como uni ou multilocular. Ocorre o apagamento do trabeculado ósseo (“vidro fosco”). Suas margens não são nítidas. Ocorre expansão da cortical óssea (Faria7, 1999), delimitado por uma neoformação subperiosteal de tecido ósseo. Existem outras manifestações, como osteopenia, reabsorção óssea subperiosteal, desaparecimento da lâmina dura (Antonelli e Hotell1, 2003), fazendo que as raízes apresentem uma forma de fuso e imagens semelhantes a de dentes extraídos (Stafne e Gibilisco15, 1982) e aspecto granuloso do crânio. Stafne e Gibilisco 15 (1982) apontam mais algumas mudanças, como o desaparecimento das delgadas linhas radiopacas que delineiam os bordos das fossas nasais, seios maxilares e canal mandibular, também ocorrendo o atenuamento (ou ausência) das linhas radiopacas mais amplas que normalmente representam a cortical óssea da crista alveolar e do bordo inferior da mandíbula. Não há alte- ração na densidade radiográfica dos dentes. Estes achados acompanham os tumores marrons, auxiliando o diagnóstico correto. As características histológicas do tumor marrom do hiperparatireoidismo revelam tecido conjuntivo denso bem vascularizado, com células fusiformes em quantidade variável, e células gigantes multinucleadas difusamente distribuídas (Tarello et al.16, 1996). Áreas de hemorragia e grande quantidade de pigmentos de hemossiderina são também observados. Podem aparecer trabéculas ósseas neoformadas marginadas por osteoblastos tumefeitos (e geralmente osteoclastos, também presentes na superfície do tecido osteóide – caracterizando intensa atividade osteoclástica). O trabeculado preexistente mostra mais osteoclastos em sua superfície. Ainda pode ocorrer reabsorção osteoclástica e fibrose dentro da trabécula, com formação de espaços irregulares entre o trabeculado. Baseado nestes aspectos fica mais fácil estabelecer o diagnóstico diferencial com o tumor de células gigantes verdadeiro. Porém, apenas com o exame histopatológico não se pode ter certeza quanto à conclusão de diagnóstico, já que algumas lesões, como, lesão central de células gigantes, tumor de células gigantes, cisto ósseo aneurismático e querubismo mostram aspectos similares (Cicconetti et al.2, 1999). O diagnóstico diferencial do tumor marrom é baseado nas lesões intra-ósseas que apresentam no seu componente histopatológico células gigantes multinucleadas (Lesão Central de Células Gigantes, Querubismo, Tumor de Células Gigantes e Cisto Ósseo Aneurismático). A lesão periférica de células gigantes também faz diagnóstico diferencial uma vez que seu comportamento clínico causa invasão do tecido ósseo adjacente. O diagnóstico é realizado pelo aumento dos níveis de cálcio e fosfatase alcalina no sangue, e pela redução do nível de fósforo sangüíneo. É recomendado fazer um exame bioquímico para verificar o nível sérico do paratormônio (PTH), que estará aumentado. Outros exames bioquímicos para auxiliar o diagnóstico podem ser: hipofosfatemia, hipercalciúria, hiperfosfatúria, hipercloremia, excreção urinária de AMPc. Através do exame clínico e radiográfico, que constará como crescimento de lesões intra-ósseas e a biópsia deverá ser realizada o que evidenciará a presença de tecido conjuntivo denso bem vascularizado, com células fusiformes em quantidade variável, e células gigantes multinucleadas difusamente distribuídas, juntamente com o envolvimento de pigmentos de hemossiderina. Quanto ao tratamento deve-se avaliar primeiro o distúrbio paratireoidiano. No hiperparatireoidismo primário deve-se eleger o tratamento cirúrgico como primeira escolha. Com a remoção da lesão da paratireóide, os sintomas são aliviados e o tumor marrom começa a regredir. Já no hiperparatireoidismo secundário, deve-se ter em mente o tratamento da doença sistêmica que esteja alterando o funcionamento das paratireóides (geralmente disfunção renal) e suporte com vitamina D. O tecido ósseo que foi afetado terá grandes chances (senão total) de recuperar sua densidade normal (Stafne e Gibi- Souza RS de, Bellini J, Miguel P, Villalba H, Giovani EM, Melo JAJ de et al. Tumor marrom do hiperparatireoidismo dos maxilares. Rev Inst Ciênc Saúde 2005 jul-set; 23(3):227-30. 229 lisco15, 1982). O prognóstico é relativamente bom, bastando acompanhar o paciente para avaliar a recuperação óssea, tendo consciência de que os níveis de paratormônio estão normalizados, após o tratamento da patologia que afetava a glândula paratireóide. Discussão Tendo em vista que a etiologia desta lesão é o hiperparatireoidismo, teoricamente qualquer tecido mineralizado de nosso organismo poderia ser afetado. Mas esta lesão afeta, com maior freqüência, a pelve, costelas e a clavícula (Neville12, 1995), porém, existem relatos de outros tecidos ósseos sendo afetados pelo tumor marrom do hiperparatireoidismo. Esta lesão pode afetar a cabeça e o pescoço, sendo o maior envolvimento da mandíbula (Emin et al.4, 2004). Como para Dogan et al.3 (2004), que registraram um caso de tumor marrom no calcâneo de uma mulher de 50 anos que era portadora do hiperpartireoidismo primário (causado por um carcinoma na paratireóide), e seu tratamento consistiu, basicamente, no tratamento deste carcinoma e a imobilização de seu pé. O envolvimento do seio esfenoidal foi mostrado por dois autores, Schweitzer et al.14 (1986) e Erem et al.5 (2004) sendo que, este último, ainda apresentou a mesma paciente, de 47 anos também com o envolvimento do osso occipital. Dependendo do avanço da lesão e de sua localização, pode ser encontrada maloclusão e deformidade facial, como relatado por Michiwaki et al.9 (1996), que usou a reconstrução em 3D por tomografia computadorizada que auxiliou na avaliação das deformidades causadas. Mesmo sendo difícil o envolvimento da maxila, Morrone et al.11 (2001) mostraram que, no mesmo paciente, além do envolvimento maxilar, teve também o envolvimento da sétima costela, de um paciente de 57 anos do sexo masculino que há longa data fazia hemodiálise. Cicconetti et al.2 (1999) relataram a importância de sinais radiográficos como o desaparecimento da lâmina dura no diagnóstico diferencial de outras afecções dos ossos maxilares e a realização de biópsia, além de exames laboratoriais como a calcemia, PTH para confirmar o diagnóstico de tumor marrom do hiperparatireoidismo. Todos os autores concordam que, para o tratamento efetivo do tumor marrom do hiperparatireoidismo, devese tratar do distúrbio paratireoidiano. Entretanto, alguns defendem a idéia de que apenas o tratamento do hiperparatireoidismo (seja primário ou secundário) seja o suficiente para a resolução da lesão (Dogan et al.3, 2004), mas alguns também notificam que é necessária a remoção da lesão, mesmo que apenas para encaminhamento para exame anátomo-patológico (Guney et al.8, 2001) e outros sustentam que pode-se fazer terapia com vitamina D (Morrone et al.11, 2001). Conclusão Esta revisão da literatura serviu para relatar sobre este tipo de lesão, que é relativamente rara, mas que usualmente acomete os ossos maxilares, tendo sua importância definida como o diagnóstico de uma doença sistêmica através dos dados coletados (características clínicas, radiográficas, histológicas, exames bioquímicos complementares, anamnese) de uma lesão local (que, na verdade, é apenas uma conseqüência do hiperparatireoidismo). Foi mostrado que não basta apenas realizar uma biópsia e aguardar o resultado do exame histopatológico, já que o tumor marrom tem características similares a outras lesões, mas a forma de tratamento não é a mesma para todas as lesões. Por esta razão, dá-se importância a um correto diagnóstico, já que para tratar corretamente e definitivamente o tumor marrom, devese primeiro identificar a causa do hiperparatireoidismo, tratando-a e estabelecer o acompanhamento do caso para avaliar a regressão da lesão. Referências 1. Antonelli JR, Hottel TL. Oral manifestations of renal osteodystrophy: case report and review of the literature. Spec Care Dentist 2003; 23(1):28-34. 2. Cicconetti A, Matteini C, Piro FR. Differential diagnosis in a case of brown tumor caused by primary hyperparathyroidism. Minerva Stomatol 1999 Nov; 48(11):553-8. 3. Dogan A, Algun E, Kisli E, Harman M, Kosem M, Tosun N. Calcaneal brown tumor with primary hyperparathyroidism caused by parathyroid carcinoma: an atypical localization. J Foot Ankle Surg 2004 Jul-Aug; 43(4):248-51. 4. Emin AH, Suoglu Y, Demir D, Karatay MC. Normocalcemic hyperparathyroidism presented with mandibular brown tumor: report of a case. Auris Nasus Larynx 2004 Sep; 31(3):299-304. Souza RS de, Bellini J, Miguel P, Villalba H, Giovani EM, Melo JAJ de et al. Tumor marrom do hiperparatireoidismo dos maxilares. Rev Inst Ciênc Saúde 2005 jul-set; 23(3):227-30. 230 5. Erem C, Hacihasanoglu A, Cinel A, Ersoz HO, Reis A, Sari A et al. Sphenoid sinus brown tumor, a mass lesion of occipital bone and hypercalcemia: an unusual presentation of primary hyperparathyroidism. J Endocrinol Invest 2004 Apr; 27(4):366-9. 6. Eveson JW, Scully C. Atlas colorido de patologia bucal. São Paulo: Artes Médicas; 1995. p.56. 7. Faria JL. Patologia especial: com aplicações clínicas. 2ª ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 1999. p.625-6. 8. Guney E, Yigitbasi OG, Bayram F, Ozer V, Canoz O. Brown tumor of the maxilla associated with primary hyperparathyroidism. Auris Nasus Larynx 2001 Nov; 28(4):369-72; 9. Michiwaki Y, Michi K, Yamaguchi A. Marked enlargement of the jaws in secondary hyperparathyroidism – a case report. Int J Oral Maxillofac Surg 1996 Feb; 25(1):54-6. 10. Morano S, Cipriani R, Gabriele A, Medici F, Pantellini F. Recurrent brown tumors as initial manifestation of primary hyperparatireoidism. An unusual presentation. Minerva Med 2000 May-Jun; 91(56):117-22. 11. Morrone LF, Ettorre GC, Passavanti G, Tampoia M, Schiavone P, Coratelli P. Maxillary brown tumor in secondary hyperparathyroidism requiring urgent parathyroidectomy. J Nephrol 2001 Sep-Oct; 14(5):415-9. 12. Neville BW. Patologia oral e maxilofacial. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 1995. p.597-8. 13. Regezi JA, Sciubba JJ. Patologia bucal: correlações clinicopatológicas. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan;1991. p.319-22. 14. Schweitzer VG, Thompson NW, McClatchey KD. Sphenoid sinus brown tumor, hypercalcemia, and blindness: an unusual presentation of primary hyperparathyroidism. Head Neck Surg 1986 MayJun; 8(5):379-86. 15. Stafne EC, Gibilisco JA. Diagnóstico radiográfico bucal. 4ª ed. Rio de Janeiro: Interamericana; 1982. p.239-40. 16. Tarello F, Ottone S, De Gioanni PP, Berrone S. Brown tumor of the jaws. Minerva Stomatol 1996 Oct; 45(10):465-70. Recebido em 31/01/2005 Aceito em 21/3/2005 Souza RS de, Bellini J, Miguel P, Villalba H, Giovani EM, Melo JAJ de et al. Tumor marrom do hiperparatireoidismo dos maxilares. Rev Inst Ciênc Saúde 2005 jul-set; 23(3):227-30.