PODER JUDICIÁRIO
JUSTIÇA DO ESTADO DE ALAGOAS
JUÍZO DE DIREITO DA 5.ª VARA ESPECIAL CRIMINAL DA CAPITAL
Fórum Des. Jairon Maia Fernandes, Av. Pres. Roosevelt, s/n, Barro Duro.
Processo n. °: 7435-8/00 (Homicídio Culposo).
Réu: José Edvanio Souza da Silva.
SENTENÇA
Vistos, etc.
01.
A representante do Ministério Público, lastreada nos elementos constantes do
Inquérito Policial n.º 107/2000, ofereceu Denúncia em desfavor de José Edvanio Souza da
Silva, já devidamente qualificado nos autos do processo em epígrafe, em razão da prática do
delito tipificado no art. 302 do Código de Trânsito Brasileiro.
02.
Aduz, em síntese, a peça imputatória que: no dia 21 de abril de 2000, por volta das
22:30 horas, na Avenida Guaxuma, Conjunto Benedito Bentes II, no Bairro do Tabuleiro dos
Martins, nesta Capital, o denunciado, na condução do veículo FIAT/Fiorino Pick up LX, de
placa MMY 8950/AL, de cor azul, deu causa ao acidente de trânsito o qual vitimou José da Silva
Gomes, causando-lhe as lesões descritas no laudo de exame cadavérico acostado a fl. 21 dos
autos, as quais foram suficientes para o seu falecimento. Atenta o titular da ação penal que o
acusado agiu com imprudência e negligência ao transportar pessoas na carroceria de seu veículo,
cuja prática é proibida pelo Código de Trânsito Brasileiro. Finalmente, requer a referida
representante do “parquet” a incursão do réu nas penas do artigo 302 do Código de
Trânsito Brasileiro.
03.
A presente denúncia foi recebida, conforme se constata pelo teor do despacho de
fl. 26. O denunciado foi citado regularmente (fl. 29-V) e compareceu a audiência onde foi
interrogado, às fls. 30/32 dos autos. Constituído advogado, foi apresentada defesa prévia a fl. 36.
Em audiência, 02 (duas) pessoas prestaram depoimentos como testemunhas
04.
Dando prosseguimento ao rito, satisfeitas as partes com a instrução produzida,
foram apresentadas as Alegações Finais, onde tanto o Ministério Público quanto a defesa
pugnam pela absolvição do denunciado, haja vista não haver provas nos autos necessárias à
condenação do mesmo.
05.
Cumpre, desde já, registrarmos que o delito sub judice data de 21/04/2000 e
somente em 31/07/2000 o inquérito foi concluído e remetido à Justiça, conforme recebimento de
fl. 25. Dado vista do mesmo ao Ministério Público em 04/09/2000 (fl. 25), a denuncia somente
foi oferecida em 23/08/2001. Iniciada a ação penal em 26/09/2001 (fl. 26) esta, em face da
extensa pauta de audiência, afastamento de Juiz em face do reduzido quadro de magistrados,
dentre outros problemas que acometem o Poder Judiciário, lamentavelmente alastrou-se até a
presente data, prejudicando, de tal sorte, o andamento normal do presente feito. Ressalto,
oportunamente, que, muito embora ter sido nomeado para responder por este juízo em novembro
de 2002, somente em maio do ano próximo passado pude exercer efetivamente minhas funções
jurisdicionais nesta vara, pois, até a referida data exercia cumulativamente minhas atividades na
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Vara da Infância e da Juventude, a qual está vinculada ao Princípio Constitucional da Prioridade
Absoluta.
06.
É o Relatório. Passo a Decidir.
07.
Trata-se de acidente de trânsito do qual decorreu o falecimento de José da Silva
Gomes. Depreende-se dos autos que no dia 21 de abril de 2000, por volta das 22:30 horas, nesta
Capital e Comarca, na Avenida Guaxuma, Conjunto Benedito Bentes, no bairro do Tabuleiro dos
Martins, o acusado, na condução do veículo Fiat/Fiorino Pick Up LX, de placa MMY-8950/AL,
de cor azul, envolveu-se em acidente de trânsito, restando para a vítima as lesões descritas e
especificadas no Laudo de Exame Cadavérico acostado a fl. 21 dos autos, as quais constituíram a
causa eficiente para o seu falecimento.
08.
A materialidade do delito resta comprovada pelo referido Laudo de Exame
Cadavérico. Constitui fato incontroverso que a “causa mortis” da vítima está intrinsecamente
relacionada com a ocorrência do sinistro. Porém, devo analisar a conduta das partes, tanto do réu
quanto da vítima, e, consequentemente a sua relação com o sinistro, de maneira a apurar se
procedente nesse caso a responsabilidade penal do acusado.
09.
Quando interrogado em juízo, mais precisamente às fls. 30/32, o acusado
informou que saiu acompanhado de quatro companheiros, sendo que um o acompanhou no
banco da frente, enquanto os outros três (incluído a vítima) estavam sendo transportados na
carroceria de sua camioneta. Afirma que, não obstante ter orientado aos três passageiros para que
permanecessem sentados, ao realizar um retorno naquela via, com velocidade aproximada de 30
Km/h, a vítima levantou-se com o carro em movimento para cumprimentar um amigo, perdendo
o equilíbrio, vindo a cair da camioneta. Informou ainda que não havia feito uso de bebida
alcóolica, assim como não presenciou o uso da mesma por qualquer daqueles que o
acompanhavam, porém recebeu a informação de um enfermeiro que socorreu a vítima de que a
mesma teria feito uso de álcool.
10.
As testemunhas arroladas em comum pelo Ministério Público e pela defesa, cujo
inteiro teor dos respectivos depoimentos consta às fls. 44/45, confirmaram toda a narrativa do
denunciado, ressaltando que o motorista alertou aos passageiros que permanecessem sentados e
que a velocidade desenvolvida pelo menos, em razão da realização do retorno, não ultrapassava
os 30 Km/h, aduzindo ainda as mesmas testemunhas que a vítima foi quem perdeu o equilíbrio
ao se levantar. Vale registrar ainda que as mesmas atestaram que o réu não aparentava sinais de
terem consumido bebida alcóolica.
11.
Da análise dos autos, fica evidente que foi manifesta a imprudência da vítima,
pois, como bem salientou o DD. Representante do órgão ministerial quando da suas alegações
finais às fls. 47/48, esta tinha plena capacidade para discernir os riscos derivados de sua conduta,
tendo inclusive sido alertada para que permanecesse sentada, contribuindo preponderantemente
para a produção do resultado final. Considerando ainda que a prática de transportar passageiros
na carroceria de camioneta constitui uma prática até pouco tempo permitida, sendo tipificada
como infração administrativa apenas com a entrada em vigor do Código de Trânsito em
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setembro de 1997, levando-se em consideração ainda que o réu não desenvolvia velocidade
excessiva, assim como a atitude de prestar o imediato socorro ao mesmo, não vejo presente na
conduta do acusado qualquer das modalidades ensejadoras da culpa e, consequentemente, da sua
responsabilidade penal.
12.
Assim sendo, de acordo com a interpretação do art. 19 da Lei Adjetiva Penal,
constitui condição sine qua non para se auferir a responsabilidade penal do acusado que o agente
tenha concorrido com dolo ou culpa para a consumação do resultado. Nesse caso, constato que a
imprudência da própria vítima, única e exclusivamente, deu causa ao referido acidente, hipótese
em que, indubitavelmente, deve-se reconhecer a culpa exclusiva desta e a consequente
irresponsabilidade penal do acusado.
13.
No sentido de eximir a responsabilidade do acusado quando há culpa exclusiva da
vítima para a produção do resultado, nossos Tribunais têm decidido que:
“Se a imprudência da vítima foi de tal ordem que, sem
ela, o evento não teria ocorrido, inexiste culpa punível do
motorista, a qualquer título, mormente se trafegava em
velocidade permitida para o local e houve-se com
diligência, sem lograr todavia evitar o fato.” (Ap.
365.177, v.v., TACrimSP, Rel. Jarbas Mazzoni). (Grifei)
“Culpa exclusiva da vítima: a responsabilidade do agente
pelo evento em acidente de trânsito é inversamente
proporcional à da vítima. À medida que cresce esta,
aquela diminui, a ponto de desaparecer quando a culpa
do ofendido seja a única explicação para o evento” (Ap.
327061, v.v, TACrimSP, Rel. Nogueira Camargo).
(Grifei)
“Tendo o acidente que causou lesões noticiadas pela
denúncia sido causado por culpa preponderante da
vítima, não há que se falar em ilícito penalmente
punível.” (TAPR, RT 676/342) (Grifei)
14.
Em suma, como nos acidentes de trânsito a condição mínima de culpabilidade
consubstancia-se justamente na previsibilidade ou na evitabilidade do resultado produzido, este
ocorrendo por culpa exclusiva da vítima, resta suplantada a responsabilidade penal do mesmo.
15.
Motivado pela ausência de provas técnicas, o Ministério Público, impossibilitado
de demonstrar com certeza a responsabilidade penal do acusado, fundamentando-se para tanto no
princípio in dubio pro reu, requer a absolvição do acusado, pois, como afirma DD. representante
do Ministério Público em suas alegações finais às fls. 47/48, num conflito entre o jus puniendi do
Estado e o jus libertatis do acusado, deve a balança inclinar-se a favor deste último.
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16.
Ante todo o exposto, JULGO IMPROCEDENTE A DENÚNCIA, e, por
conseguinte, ABSOLVO o Réu José Edvanio Souza da Silva da acusação que lhe é imputada
consoante exegese do artigo 386, inciso IV, do Código de Processo Penal.
17.
Após o trânsito em julgado em consonância com os pressupostos legais e em
atenção ao Of. 3242/03, oriundo da Direção do Instituto de Identificação/AL, bem como do Of.
Circular CGC – n.º 12/2003, proveniente da Corregedoria Geral da Justiça do Estado de Alagoas,
ENCAMINHEM-SE fotocópias desta Decisão ao respectivo Instituto, extraia-se, ainda, o
Boletim Individual e o encaminhe ao Diretor do DETEINE órgão da SDS/AL, conforme a
inteligência do art. 809, § 3º, da Lei adjetiva Penal.
18.
Custas pelo Estado.
19.
P.R.I.
Maceió, 10 de novembro de 2004
Roldão Oliveira Neto
Juiz de Direito
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Absolutoria - Proc. 7435-8.00 - José Edvanio Souza da