SAÚDE Shutterstock O excesso de peso no Brasil já é considerado epidemia: atinge metade da população adulta e um terço das crianças de até 10 anos. Para evitar que esse problema se alastre pelas próximas gerações, as escolas têm investido em ações inteligentes em favor da alimentação saudável Escola é lugar de comer bem 26 • Agosto 2012 • REVISTA DO IDEC “C omer, comer” já foi o melhor para poder crescer. Hoje, o hino da hora do lanche é outro: convencer os pequenos a comerem menos e de forma mais saudável. Quase um terço das crianças brasileiras com idade entre 5 e 9 anos encontram-se acima do peso, e outras 525 mil sofrem de obesidade mórbida. Entre os adolescentes, 21,7% pesam mais do que deveriam, número esse que sobe para cerca de 50% na faixa etária adulta. Diante desses dados alarmantes, divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) no primeiro semestre deste ano, com base nos parâmetros da Organização Mundial de Saúde (OMS), a alimentação na escola (e a forma como a nutrição é abordada nas aulas) tornou-se preocupação de primeira ordem do governo, que incentiva as instituições de ensino estaduais e municipais por meio de diversos programas (veja exemplo à página 28), e dos colégios particulares. Neste mês, a Federação Nacional das Escolas Particulares (Fenep), em convênio com o Ministério da Saúde, lançará no Rio Grande do Sul o primeiro manual de uma série que trará orientações de alimentação saudável para professores, alunos e funcionários; o primeiro volume dará ênfase ao que é servido na cantina. O objetivo é que, a partir de agora, as escolas de todo o território nacional sejam, aos poucos, instruídas por essa ação. “O Ministério da Saúde quer conscientizar as crianças e, assim, diminuir a incidência de obesidade, inclusive entre os adultos”, explica Amábile Pacios, presidente da Fenep, enfatizando a importância da iniciativa para a saúde pública do país. “O aluno será cúmplice nesse processo. A ideia é que ele reproduza o que aprender na escola em casa, com a família, como aconteceu com o uso do cinto de segurança”, ela completa. ESCOLAS MAGRAS Muitas instituições já vêm desenvolvendo programas criativos e bem-sucedidos no que diz respeito à alimentação ideal para as crianças mesmo antes de receberem o manual da Fenep e do Ministério da Saúde. No Colégio Fênix, de Petrópolis (RJ), ganha pontos quem recheia a lancheira com quitutes saudáveis. Os pontos são somados e, uma vez por mês, o aluno mais dedicado ganha um presente estampado com seu personagem favorito – pode ser a Fada Fibrinha, a Princesa Proteína ou o Carboidrato Complexo (um garotinho andando de bicicleta), entre outros. Eles foram criados pela nutricionista Patrícia Vieira da Cunha, que desenvolve um projeto voluntário no colégio desde 2004. Ela descobriu uma maneira cativante e divertida de convencer as crianças do maternal até o sexto ano do Ensino Fundamental a fugirem dos alimentos “perigosos”, como o carboidrato simples presente nos biscoitos e nos salgadinhos, representado por um bonequinho mafioso. “O impacto do projeto é grande. Vemos que os alunos passam a prestar mais atenção ao que comem”, avalia Patrícia, que também trabalha no hospital universitário da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Além da competição lúdica, ela propõe outras atividades, como a leitura de rótulos dos alimentos industrializados e o estudo da pirâmide alimentar. “Fico gratificada quando ouço um aluno dizer ‘quero levar pão integral para ganhar mais pontos’”, diz. Os resultados de ações similares também são sentidos na escola Carlitos, de São Paulo (SP), onde frituras não têm lugar na cantina e o lanche que os alunos levam de casa é rigorosamente controlado. “Orientamos os pais sobre o que deve ser trazido. Biscoitos e bolinhos industrializados passam bem longe da lancheira”, revela a nutricionista Adriana Martins de Lima, que acompanha as atividades da escola, como o minuto da fruta, em que todas as crianças fazem uma pausa para comer peras, maçãs e bananas distribuídas pela escola. Nos intervalos é servido suco natural e, no almoço, água. Adriana ensina os estudantes a balancearem a alimentação comendo com maior rigor nos dias úteis (dias azuis) e mais livremente nos fins de semana (dias verdes). Mas ela esclarece que é preciso ensinar a garotada a encarar a comida como uma expressão da cultura, e não apenas como algo que deve ser controlado. Na Carlitos, uma vez por mês é feito um almoço especial baseado na culinária do país que está sendo estudado. “Elas adoram! Alguns pratos, como o goulash (guisado de carne, de origem húngara), até entraram para o nosso cardápio permanente”, conta Adriana, animada. PRATINHO SAUDÁVEL A alimentação ideal da criança é um pouco diferente da do adulto, já que ela deve ingerir menos calorias, mas, ao mesmo tempo, consumir alimentos que lhe forneçam energia suficiente para todas as suas atividades. “Os pequenos necessitam, ainda, de alimentos nutritivos para fortalecer o sistema de defesa do organismo, pois se encontram em fase de crescimento”, ressalta a nutricionista Fernanda Maniero, doutora pelo Instituto do Coração (Incor) do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo (HCFMUSP). “O ideal é fazer substituições, como trocar o refrigerante pelo suco natural e a farinha de trigo refinada pela integral”, sugere. Fugir do açúcar e das gorduras, grandes aliados do ganho de REVISTA DO IDEC • Agosto 2012 • 27 SAÚDE peso, costuma ser uma tarefa desafiadora, já que a criançada adora tudo o que vem em pacotinhos coloridos e agrada automaticamente ao paladar. “Não devemos proibir nada com rigidez, já que o proibido se torna interessante. Devemos, isso sim, oferecer com menor frequência frituras e industrializados”, pondera Mirella Bini Egli, nutricionista com experiência em escolas particulares. Ela defende que pais e professores acompanhem de perto o que a criança coloca em seu prato. Só assim se pode prevenir o alastramento ainda maior da obesidade – que, na infância, antecipa males típicos da fase adulta, como colesterol alto, hipertensão arterial, diabetes tipo 2 e síndrome metabólica, além de desencadear transtornos psicológicos e problemas ortopédicos. As nutricionistas Fernanda e Mirella acreditam que a força-tarefa formada pela escola e pela família é a melhor arma contra esse verdadeiro mal do século. “Quando a criança passa o dia na escola, é fundamental que o cardápio seja bem variado e ofereça até aquilo que ela não aprecia. O contato constante com alimentos não tão ‘queridos’ fará com que ela passe a consumi-los”, defende Mirella. Fernanda apoia: “A apresentação de alimentos saudáveis faz toda a diferença na criação de novos hábitos. É necessário, também, que os pais e professores incentivem a prática de atividades físicas e brincadeiras”, finaliza. Cintura fina na escola pública A Escola Estadual Monsenhor Francisco Miguel Fernandes fica no pequeno município de Rio Espera, em Minas Gerais, que tem apenas 7 mil habitantes. Mas a preocupação com a saúde de seus 800 alunos é grande: o projeto Cintura Fina quer eliminar peso e medidas de seus 108 participantes – entre os quais, estudantes, docentes e funcionários – até o mês de outubro, além de divulgar globalmente a alimentação saudável. As reuniões do projeto, mediadas por duas nutricionistas voluntárias, acontecem fora do horário de aula e abordam temas como mastigação e teor nutritivo de alimentos. Essa iniciativa é um dos frutos do Grupo de Desenvolvimento Profissional (GDP), programa do governo estadual cujo objetivo é a capacitação extraturno de professores. Desde 2009, o corpo docente da escola Monsenhor recebe financiamento e orientação 28 • Agosto 2012 • REVISTA DO IDEC para trabalhar com o tema Meio Ambiente. “Começamos com a coleta seletiva do lixo, depois passamos para a horta escolar, e, por fim, sentimos que era hora de abordar a alimentação saudável”, conta Teresinha Maximiana Campos Rangel, uma das coordenadoras do Cintura Fina, lembrando que há anos a instituição segue o cardápio encaminhado pelo governo do estado. “Também recebemos incentivo da prefeitura, que selecionou produtores de alimentos orgânicos da região para que se tornassem nossos fornecedores. Não consumimos nada que tenha agrotóxicos”, orgulha-se a professora.