Informação e análise para decisores • nº 33 • Julho-Setembro • 2011 É preciso pensar grande Nos anos decisivos da infraestrutura, planejar é a melhor ferramenta Série “Brasil 2015” Oportunidades e caminhos para modernizar a infraestrutura Giannetti da Fonseca Alternativas para uma inserção internacional mais forte Respostas à altura da própria grandeza O grande desafio ao Brasil é não parar de crescer. Toda estratégia para o País e as empresas precisará levar em conta a necessidade de expansão da economia e dos negócios, o investimento contínuo nas pessoas, uma maior inserção em novos mercados e a modernização da infraestrutura. Pensando dessa forma, nós vamos avançar na escalada rumo à meta de estarmos entre as principais potências econômicas do planeta. “O País precisa adequar as suas bases para responder às oportunidades desta nova década e às atenções que ele desperta em todo o mundo.” Desse modo, o País precisa adequar as suas bases para responder às oportunidades desta nova década e às atenções que ele desperta em todo o mundo. Esta edição de Mundo Corporativo traz em sua reportagem de abertura o dilema “Como modernizar a infraestrutura?”, integrante da série de reportagens denominada “Brasil 2015 – as descobertas do crescimento”. Ela aborda a discussão sobre a necessidade de planejar os investimentos na nossa infraestrutura, tanto para apoiar nas demandas para os megaeventos esportivos quanto para sustentar o crescimento do País. Já no ambiente interno de negócios, destacamos nesta edição algumas práticas que retratam a maturidade que o País já alcançou. Para isso, abordamos o novo perfil empreendedor do brasileiro e as novas oportunidades aos negócios emergentes, cada vez mais visados por fundos de investimentos atraídos por boas ideias. A transparência também é abordada na revista, que retrata os esforços contínuos das companhias e dos agentes do mercado de capitais. Tratamos também das estratégias para atrair e reter consumidores. Vale destaque a entrevista com o professor Stephen Green, da Brunel University, de Londres, sobre branding e relacionamento com o consumidor. Já o economista Roberto Giannetti da Fonseca fecha a edição apontando, em seu artigo, a importância de acelerar nossa posição no comércio internacional. A Deloitte, que, há exatos 100 anos, iniciou suas atividades no Brasil, acredita na capacidade do País em consolidar as oportunidades do começo desta década, principalmente aquelas que venham a proporcionar um crescimento contínuo e que nos posicionem de forma perene entre as maiores economias do mundo – o espaço que a nossa grandeza merece. Mundo Corporativo está também disponível no iPad. Acompanhe em www.deloitte.com.br. Boa leitura! Juarez Lopes de Araújo Presidente da Deloitte Nesta edição 4 4 10 16 21 16 26 37 Especial – Série Brasil 2015 Reflexos para as próximas décadas A quinta reportagem da série sobre alternativas e desafios no atual ciclo de expansão econômica discute o dilema “Como modernizar a infraestrutura?” Ambiente de negócios Prontos para a oportunidade Boas ideias aliadas a práticas modernas de negócios apoiam o novo empreendedor brasileiro e despertam o interesse de investidores Ciclo virtuoso Padrão global de contabilidade e estruturas como canal de denúncias estimulam os avanços por mais transparência no mercado de capitais Estratégias Clientes para sempre A expansão de programas de fidelidade revela a preocupação das empresas em conhecer melhor e estar mais presente no dia a dia dos consumidores 26 A fórmula da interação Uma entrevista com Stephen Green, especialista da Brunel University, de Londres, sobre como as empresas podem potencializar experiências na relação com o consumidor 32 Conexões estreitas A revolução na interação das empresas com os seus consumidores ainda está começando no novo universo das mídias sociais 37 42 Perspectiva A leveza de um gigante O economista Roberto Giannetti da Fonseca fala sobre o novo perfil do Brasil e os desafios para acelerar a inserção do País no crescente comércio internacional O mundo e a corporação Mundo Corporativo nº 33 Julho-Setembro 2011• 3 Dilema do Brasil 2015: como modernizar a infraestrutura? Reflexos para as Série Brasil 2015 As descobertas do crescimento Mundo Corporativo estreou, na edição 29, uma série de reportagens que exploram alguns dos grandes dilemas pelos quais devem passar os decisores do meio corporativo ao longo deste e dos próximos anos, que coincidem com um período de alto potencial de crescimento para o Brasil. Na quinta reportagem da série, a publicação faz um paralelo entre o importante momento hoje vivenciado pelo País e a necessidade de se estabelecer bases sustentáveis para o crescimento nas próximas décadas. Para isso, o planejamento, a ampliação dos investimentos e a necessidade de conduzir as etapas de forma mais eficiente em nossa infraestrutura permeiam o tema “Como modernizar a infraestrutura?”. A primeira metade da nova década traz ao Brasil a responsabilidade de conduzir de forma mais dinâmica os instrumentos estruturais necessários para responder ao bom momento interno e à nova posição global ocupada por uma economia até então considerada emergente. Dessa forma, o desafio impõe-se ao Estado e aos seus agentes a partir da necessidade de otimizar etapas e flexibilizar decisões entre órgãos governamentais. A seguir, confira todos os temas tratados na série “Brasil 2015 – As descobertas do crescimento”. Acesse a íntegra dos conteúdos em nosso site (www.deloitte.com.br). Edição 29: “Crescer ou vender?”, os proprietários e gestores inseridos em um ambiente de consolidação Edição 30: “Como crescer com tanta burocracia?”, os agentes de mercado na criação de um ambiente de negócios mais favorável Edição 31: “Onde apostar mais?”, os setores que vão concentrar a maior parte das oportunidades Edição 32: “Como colher os frutos do otimismo?”, a boa perspectiva para ampliação dos negócios e a consolidação de pilares estratégicos 4 • Mundo Corporativo nº33 Julho-Setembro 2011 A infraestrutura do País conta com um estímulo inédito. Os próximos cinco anos exigirão um planejamento adequado para suportar o crescimento e criar bases sustentáveis para acelerar o desenvolvimento. Por Jander Ramon P lanejamento é tema recorrente dentro da estratégia empresarial, mas que nem sempre é posto em prática com eficiência. Com alguma regularidade, é possível encontrar executivos que admitam ser mais difícil garantir um bom planejamento do que uma boa execução dos projetos. Ou, em outros termos, uma excelente execução pode suprir um planejamento por vezes deficitário. Por princípio – ou lógica –, entretanto, uma correta gestão de projetos deve contemplar, naturalmente, as duas etapas. O que se nota atualmente nos grandes projetos de infraestrutura é a deficiência de uma etapa impactando diretamente a outra. A partir desse gigante hiato, a gestão adequada de projetos de infraestrutura emerge como um desafio a ser estrategicamente superado para que o Brasil aproveite a grande demanda por altos investimentos ligados às necessidades do crescimento, inseridos nas obras do segundo ciclo do Programa de Aceleração do Crescimento, o PAC II, e nos grandes eventos esportivos de 2014 e 2016. próximas décadas Mundo Corporativo nº 33 Julho-Setembro 2011• 5 Longa jornada Levantamento aponta os prazos para os projetos de infraestrutura no País (em meses): 12 Elaboração do projeto 38 Liberação de licença ambiental 6 36 Licitação Obras Total: 92 Fonte: Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) No paralelo com a famosa frase de campanha de Juscelino Kubitschek rumo à presidência – e posta em prática com o “Plano de Metas”, iniciado em 1956 – até a cerimônia de encerramento dos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro, o Brasil pode avançar em 5 anos o que seria possível apenas em 50. Nessa conta, aproveitar as oportunidades que o Brasil vem colhendo na última década e alinhar o planejamento com a execução são fatores igualmente essenciais para o sucesso. “O desenvolvimento da infraestrutura do País, por meio da gestão adequada dos investimentos previstos, é extremamente importante para conduzir a nossa economia a um papel preponderante no cenário internacional e na ampliação da competitividade da nossa indústria”, aponta Iara Pasian, sócia-líder da Deloitte para as iniciativas da indústria de Infraestrutura. Calcanhar de Aquiles Projetos de infraestrutura não são apenas obras gigantescas com mobilizações intensivas de pessoas e recursos. Há, antes de tudo, uma sequência de planejamento e estudos de viabilidade e de aderência do projeto às necessidades que ele busca atender. “O planejamento é global, tomando por base o que se deseja fazer. Na área de infraestrutura, vale para um estádio, para uma rodovia ou um aeroporto. Em princípio, o foco é na necessidade do que e onde fazer, para depois se partir para a solução de obra e estrutura a ser utilizada”, aponta Eduardo Millen, presidente da Associação Brasileira de Engenharia e Consultoria Estrutural (Abece). “Não existe uma boa obra sem um bom projeto”, resume. Na avaliação de Eduardo Oliveira, sócio da área de Corporate Finance da Deloitte e especialista em projetos de investimentos estruturais, a grande dificuldade presente para a gestão dos projetos que demandam altos aportes financeiros está centrada em problemas de natureza legislativa. “Mesmo no caso de grandes obras públicas, as áreas técnicas são muito bem preparadas e os projetos elaborados com extrema qualidade, mas a execução encontra fortes barreiras em leis que precisam ser melhor discutidas e solucionadas para o atendimento do desenvolvimento e de algumas premissas, como a ambiental, por exemplo”, destaca. “Vivemos uma situação em que o imponderável prevalece.” A imponderabilidade manifesta-se de diversas formas. Por exemplo, cita Oliveira, o caso das linhas de transmissão de eletricidade que estão sendo construídas para interligar o Norte do País às regiões de maior consumo. As licenças ambientais definitivas necessárias não foram concedidas nos prazos previamente estabelecidos. O fato obriga as concessionárias a assinar Termos de Ajustamento de Conduta com a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), postergando o prazo de entrega. Do outro lado, o órgão regulador segue cobrando o cumprimento dos prazos – um exemplo de como um planejamento eficaz precisa contemplar etapas muito diferentes para poder ter um cronograma sem prejuízos aos envolvidos nas obras de desenvolvimento. Ainda na linha de uma necessidade de flexibilização política e legislativa, lembra Elias Souza, gerente sênior da Deloitte para atendimento ao Setor “O desenvolvimento da infraestrutura é extremamente importante para conduzir a nossa economia a um papel preponderante no cenário internacional e na ampliação da competitividade da nossa indústria.” Iara Pasian, sócia-líder da Deloitte para as iniciativas da indústria de Infraestrutura 6 • Mundo Corporativo nº33 Julho-Setembro 2011 Público, o entrave dos licenciamentos ambientais se tornou recorrente nos últimos anos para a execução dos projetos de infraestrutura. “Há excesso de legislação, quase sempre complexa e divergente, como as hierarquias Federal, Estaduais e Municipais com leis próprias para um mesmo tema.” Segundo Millen, da Abece, basta comparar a performance brasileira com a de outros países emergentes. “O descasamento entre o que é técnico e político é muito evidente”, pontua. Um recente levantamento do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), divulgado em abril, indicou que, no Brasil, as obras de infraestrutura levam, em média, 92 meses – ou 7 anos e 8 meses – para serem concluídas. Como fator de comparação, a mais extensa ferrovia do mundo, com 1.318 quilômetros, entre Pequim e Xangai, foi finalizada em 2 anos e 7 meses – 31 meses. “Precisamos priorizar a eficiência e a agilidade tão necessárias para executar projetos de grande magnitude”, completa o presidente da Abece. Planejar e investir A seguir, alguns números que mostram o porquê o Brasil deve conjugar esses dois verbos – nessa ordem – para aproveitar as oportunidades dos próximos cinco anos: R$ 922 bilhõesaté o final de 2015 é quanto o Brasil deve investir em obras importantes e necessárias R$ 185 bilhõesao ano, na segmentação do número acima levantado pela Abdib R$ 146,5 bilhõesforam investidos ao longo de 2010 em serviços de infraestrutura Eduardo Millen, da Abece: ao lado do planejamento, o País precisa priorizar a eficiência e a agilidade na execução de grandes projetos O Brasil não pode, e nem deve, empregar tanta ineficiência para viabilizar projetos de infraestrutura. O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) estima que obras de engenharia importantes e necessárias ao longo dos próximos cinco anos para o País exigirão investimentos de quase R$ 70 bilhões por período. Em números públicos divulgados pela Associação Brasileira de Infraestrutura e Indústria de Base (Abdib), a entidade estima que, até 2015, serão necessários R$ 922 bilhões no acumulado do mesmo período – portanto, quase R$ 185 bilhões ao ano. Em 2010, considerando recursos públicos e privados, o Brasil investiu um montante abaixo disso em serviços de infraestrutura, da ordem de R$ 146,5 bilhões, ou 4% do Produto Interno Bruto (PIB) estimado para o mesmo período. Historicamente, a mesma relação demonstra um subinvestimento na infraestrutura do País desde o final da década de 70 (ver quadro abaixo) e que precisa ser invertido à luz de um planejamento cada vez mais eficaz do Mundo Corporativo nº 33 Julho-Setembro 2011• 7 ciclo de oportunidades. “O mundo está em crise e o Brasil é uma das poucas economias a crescer de 5% a 7% ao ano, por um bom período. Há uma janela de oportunidades que, se não for aproveitada, perderemos um grande momento”, explica Oliveira, da Deloitte. No campo das oportunidades Os eventos esportivos são parte importante dentro do período sem precedente para a infraestrutura nacional. O legado que ficará ao País vai muito além dos benefícios que Histórico reverso Para aproveitar o bom momento, o Brasil precisa reverter o subinvestimento na infraestrutura e retomar taxas praticadas na década de 70 Investimentos em grandes campos da infraestrutura realizados nas últimas décadas (em % do PIB) 6 Água e saneamento Telecomunicação Transporte Eletricidade 5 4 3 2 1 0 1970 1980 1990 2000 Fontes: consolidação a partir de números do World Bank, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) precisam ser feitos para o atendimento aos visitantes durante os períodos de competição ou das arenas reformadas ou construídas para abrigar as partidas. As preocupações com infraestrutura para uma Copa do Mundo ou Olimpíada envolvem obras vultosas de transportes e mobilidade urbana, por exemplo. Dessa forma, o planejamento novamente aparece como fator fundamental. “Quando as obras não são realizadas com planejamento, há efeitos colaterais”, diz Nathan Lental, coordenador da Divisão Técnica de Estruturas do Instituto de Engenharia (IE). No caso das obras relacionadas à Copa do Mundo, o efeito colateral previsível é o encarecimento. “Certamente serão utilizadas estruturas mais caras e não necessariamente as melhores, tanto nos estádios como em outros momentos, entre eles, na ampliação dos aeroportos”, observa. O planejamento e o acompanhamento de sua execução em todas as etapas do projeto permitem, além de contar com intervenções dentro do prazo e com atendimento às reais necessidades do País, inspecionar de perto o custo da execução das obras. O Portal Transparência, disponibilizado pela Controladoria-Geral da União (CGU), permite comparar os investimentos previstos para obras de infraestrutura, entre elas estádios, aeroportos, mobilidade urbana e segurança, e o que já foi realizado. Em um dos exemplos de uma cidade-sede da Copa do Mundo, estão previstos investimentos na ordem de R$ 2,3 bilhões. Segundo o portal, já foram contratadas obras correspondentes a R$ 1,1 bilhão – quase 50% do total. Do segundo montante, apenas 6,5% (R$ 149 milhões) foram executados até o mês de julho. “O planejamento executivo é um custo que pode trazer uma economia de 40% a 50% em gastos com aditivos” Carlos de Faro Passos, da Fundação Getúlio Vargas (FGV) 8 • Mundo Corporativo nº33 Julho-Setembro 2011 Projeto para o novo terminal de passageiros no Aeroporto de Guarulhos (SP): exemplo por onde devem passar os investimentos em infraestrutura no Brasil ao longo dos próximos cinco anos Sem abrir mão do plano executivo Para o presidente da Abece, Eduardo Millen, as obras contratadas pela iniciativa privada têm sido melhor geridas e executadas comparativamente às públicas. “Salvo por razões de ordem política, que possam criar barreiras para a execução, as obras particulares são melhor administradas. Há bons contratos para regular a execução e cláusulas muito firmes e com penalidades severas sobre atrasos e descumprimento de custos. O sistema de controles é muito mais próximo e preciso”, compara. Contudo, como lembra Eduardo Oliveira, da Deloitte, “os projetos privados também têm muitos problemas. A diferença, em relação às ações públicas, é a capacidade de resposta. Por não estar preso a leis como a 8.666, de Licitação, o agente privado consegue reagir mais rapidamente após a superação das barreiras e recuperar o tempo perdido, acelerando o projeto”, sustenta. Como forma de melhorar os contratos públicos, Millen sugere que as licitações de infraestrutura se realizem tendo como referência o projeto executivo, e não apenas o projeto básico, como atualmente. “Licitar um projeto básico cria uma grande janela de oportunidades para aditamentos e elevação de custos, quando se parte para o projeto executivo. É também um meio que facilita a corrupção”, observa. Carlos de Faro Passos, professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV), estima que o projeto executivo custa entre 2% e 3% de uma obra, como a do trem de alta velocidade planejado para ligar São Paulo e Rio de Janeiro, com custos estimados na casa dos R$ 30 bilhões pelo setor público. “É um custo que pode fazer com que se economize de 40% a 50% em gastos com aditivos”, aponta. Nesse cenário, a antecipação e o reconhecimento da importância do ato de planejar projetos são proporcionais à magnitude de qualquer investimento em obras, como um novo terminal de passageiros ou um estádio de futebol. “Há um momento muito positivo para o Brasil, no qual a habilidade para administrar grandes projetos será fundamental, tanto nos investimentos para os eventos esportivos quanto nas diversas obras que devem ocorrer no País”, estimula Reinaldo Grasson, sócio da Deloitte e especialista na indústria de Infraestrutura. Ponderar os desafios de infraestrutura presenciados no País deve estar em cada projeto, da avaliação à entrega, para que os próximos cinco anos funcionem como catalisadores para um futuro mais promissor – e que seja muito mais por planejamento do que por sorte. Mundo Corporativo nº 33 Julho-Setembro 2011• 9 Prontos para a O empreendedor brasileiro é hoje capaz de explorar as oportunidades de uma economia mais madura. Bons exemplos mostram que aliar ótimas ideias às melhores práticas de gestão, governança e estratégia pode, além de potencializar o crescimento, atrair investidores como parceiros no alcance das metas de negócio. Por Felipe D. Koch S em dúvida, a imagem do Brasil melhorou ao longo das últimas duas décadas. Para chegar onde está, o País trilhou caminhos que lhe garantiram estabilidade econômica e distribuição de renda, permitindo a ampliação e o fortalecimento do mercado interno, além de um ambiente menos vulnerável às oscilações internacionais. Agora, o desafio é alavancar condições que incentivem a atividade empresarial a deslanchar. Chegou a vez de o espírito empreendedor nacional se revelar. 10 • Mundo Corporativo nº33 Julho-Agosto 2011 oportunidade Um estudo realizado em 80 países mostra que o País já está entre as 10 nações mais empreendedoras do mundo. Os números do Global Entrepreneurship Monitor (GEM) revelam que mais de 21 milhões de brasileiros estavam à frente de algum empreendimento em 2010. A mesma edição mostra que o perfil de quem parte para o desafio de conduzir um negócio próprio no País mudou. O espírito empreendedor agora é muito mais orientado pelas oportunidades que uma economia forte desperta do que pela busca de uma mera alternativa de remuneração. “Somos empreendedores natos”, sintetiza Romeu Herbert Friedlaender Junior, economista e integrante do Instituto Brasileiro da Qualidade e Produtividade (IBQP), responsável pelo projeto em âmbito nacional. A pesquisa também mostra que, em relação à edição anterior, de 2002, os empreendedores valorizam hoje muito mais a inovação como uma condição para empreender. Para o País, a ampliação da capacidade empreendedora é essencial. Para Fernando Dolabela, consultor-associado da Fundação Dom Cabral, é muito importante unir pessoas e ambientes favoráveis ao empreendedorismo. Segundo ele, ainda mesmo longe do ideal, a desburocratização de alguns processos e o estabelecimento de regulamentações mais propícias às micro e pequenas empresas são fundamentais. Dolabela enxerga no empreendedorismo uma maneira de estabelecer um novo conjunto social no País. “É uma importante forma de promover um fortalecimento das bases sociais do País, sem vínculos assistencialistas”, descreve. E o melhor, a partir da adoção de práticas maduras de gestão, as empresas, especialmente as emergentes, serão capazes de atrair investimentos, que vão ajudá-las a crescer e a desenvolver suas próprias ideias. Da ideia à maturação do negócio Depois do estabelecimento de uma base sólida para desenvolver seus projetos, o desafio seguinte que aparece aos pequenos e médios empreendimentos é a necessidade de expansão. Para Alex Borges, sócio da Deloitte e especialista no atendimento às empresas emergentes, há três pilares que devem ser levados em consideração, principalmente por aquelas enraizadas em uma cultura empreendedora e que buscam um crescimento rápido: governança, gestão e estratégia. A partir deles, devem ser explorados pontos como relacionamento e fidelização de clientes, investimento na gestão de recursos humanos e estruturação e fortalecimento dos controles internos. “O momento é propício para ações arrojadas por parte do empreendedor”, aponta Borges. “Nos últimos anos, houve uma mudança e maior disponibilidade de capital para impulsionar boas ideias”, revela. Mais do que investir no próprio negócio, ao fortalecer esses pilares, os novos negócios passam a ser mais do que uma simples ideia e começam a atrair o interesse de possíveis parceiros, como fundos de investimentos, que podem colaborar na gestão e ampliação de um bom conceito. Alex Todres e Bob Rossato são exemplos de que construir e fortalecer uma boa ideia têm poder de atração. Com experiência em agências de viagens que atuam via internet, eles resolveram empreender um projeto que teve início no começo de 2009. Por intermédio de um amigo, chegaram a investidores e, com um plano de negócio bem estruturado os convenceram de que, por trás dos números da apresentação em PowerPoint, existia um mercado rentável. Nesse momento, o fundo norte-americano Travel Investment Technology injetou US$ 1 milhão na proposta, o que garantiu o lançamento da ViajaNet, agência online, em novembro daquele mesmo ano. Na essência, além do espírito dos empreendedores, o negócio trazia uma visão de mercado que direcionava ações para uma melhor experiência de usuários situados nas emergentes classes C e D que, depois de adquirirem seus primeiros computadores, começavam a consumir por meio da internet e utilizar serviços até então pouco acessíveis, como passagens aéreas. O mercado ainda pouco explorado no Brasil e o mapeamento Mundo Corporativo nº 33 Julho-Setembro 2011• 11 Alex Todres, da ViajaNet: crescer muito e rápido é importante para entrar na mira dos fundos de investimento de uma potencial base de clientes fizeram com que, pouco tempo após o início da operação, a ViajaNet passasse por uma nova rodada de investimento, desta vez, por parte do grupo espanhol IG Expansión. “Seria muito importante contar com um crescimento gradual e sustentável”, explica Alex Todres, um dos sócios-fundadores. “Quando se entra na mira dos fundos de venture capital, é importante crescer muito e rápido”, justifica. Seis meses após a segunda rodada, a ViajaNet triplicou de tamanho. A velocidade chamou a atenção de mais interessados. Em junho deste ano, a agência divulgou um terceiro aporte, desta vez, de US$ 19 milhões, vindo dos fundos norte-americanos Redpoint Ventures e General Catalyst. Não foi apenas dinheiro que os investidores colocaram. Veio junto muita experiência trazida de mercados que já passaram pelos estágios que se vivenciam agora no Brasil. Além disso, há uma presença e cobrança por parte deles proporcionais aos recursos alocados. No final de 2009, o faturamento já era de R$ 55 milhões. Hoje, a agência conta com 150 funcionários e pretende encerrar o ano com R$ 200 milhões de faturamento, além da expectativa de iniciar operações em países da América Latina, como México, Argentina e Colômbia. Os fundos e os seus alvos O exemplo da ViajaNet mostra uma faceta do empreendedorismo emergente no Brasil, que exige maior profissionalismo na gestão para uma inserção mais acelerada na economia global e, sobretudo, para ampliar as chances de se tornar atraente para investidores. O estudo “Tendências Globais em Venture Capital”, realizado pela Deloitte em junho de 2011 com o apoio da Associação Brasileira de Private Equity e Venture Capital (ABVCAP), mapeou o investimento dos fundos no País. “Fundos procuram novos mercados para remunerar seu capital em melhores alternativas que as existentes nas economias mais maduras”, analisa José Paulo Rocha, sócio-líder da área de Corporate Finance da Deloitte. Muito dessa avaliação está na perspectiva dos fundos 12 • Mundo Corporativo nº33 Julho-Setembro 2011 “Além do dinheiro, os fundos de investimento proveem experiência no desenvolvimento, ajudam a revisar estratégias e a dar condições para a profissionalização da empresa.” José Paulo Rocha, sócio-líder da área de Corporate Finance da Deloitte que operam no País na recuperação do mercado de capitais e na retomada das ofertas primárias de ações (Initial Public Offerings – IPOs, na sigla em inglês), uma importante estratégia utilizada pelos fundos para obter remuneração após investirem recursos e atuarem na gestão de ideias promissoras. que a intenção dos fundos que operam no Brasil é ampliar o investimento (ver gráfico nesta página) nos setores de tecnologia e energia limpa, serviços de saúde e novas mídias – entre elas, as redes sociais – e nas estruturas para computação em nuvem (acesso remoto a dados). Para eles, a Bolsa de Valores de São Paulo (BM&FBovespa) é uma das três mais promissoras para as IPOs nos próximos cinco anos. “Claramente, no Brasil, existem alguns setores privilegiados para investimento”, opina José Paulo. A pesquisa aponta No caminho dos fundos Os setores que vão atrair e contar com mais investimentos por parte dos fundos de private equity e venture capital no Brasil Onde pretendem investir nos próximos cinco anos Onde vão ampliar o investimento Tecnologia e energia limpa 75 100 Desenvolvimento de software 75 58 Serviços financeiros 69 36 Biofarmácia 69 73 Serviços de saúde 63 80 Equipamentos médicos 63 60 Novas mídias e redes sociais 63 80 Semicondutores 63 40 Computação em nuvem 88 64 Mercado de consumo 56 78 Em % de fundos de investimento que manifestaram interesse em investir no Brasil; os destaques na coluna à direita indicam os setores que estão ampliando o interesse dos investidores. Fonte: Pesquisa “Tendências Globais em Venture Capital” (Deloitte e ABVCAP, 2011) Sergio Bocayuva, da Mundo Verde: escalada de forte expansão após aquisição por um fundo Mundo Corporativo nº 33 Julho-Setembro 2011• 13 “Muitas vezes, faltam um plano de negócio e o desenvolvimento de um raciocínio claro. O mercado precisa acreditar nisso para aportar dinheiro.” Aldo Ramos, economista do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) A partir da análise da intenção dos fundos no País, é importante entender a dinâmica de operação do modelo de negócio para contextualizar a sua relevância dentro do cenário de empreendedorismo e inovação do País. As funções clássicas de um fundo consistem em criar negócios e times para administrá-los de maneira estratégica, monitorar processos, criar valor e garantir financiamentos para, em um prazo de três a cinco anos, obter retorno sobre o investimento por meio de mecanismos de liquidez, entre eles, as IPOs ou uma venda estratégica. Isso tem um efeito catalisador nas estratégias das empresas, trazendo mecanismos para realização de planos do empreendedor, e na consolidação do negócio. “Além do dinheiro, eles proveem experiência no desenvolvimento, ajudam a revisar estratégias e a dar condições para a profissionalização da empresa”, enumera José Paulo, da Deloitte. “Há momentos em que um empreendedor sozinho não é mais capaz de fazer o negócio manter o ritmo de crescimento. De certa forma, os fundos contribuem nesse passo”, avalia. Viabilizadores da expansão Normalmente, empreendedores nacionais autofinanciam-se. “Mas isso está mudando”, comenta Friedlaender, do IBQP. O fato pode ser observado na postura dos candidatos que tentam incubar projetos com um perfil cada vez mais voltado para o cenário global no Centro de Inovação, Empreendedorismo e Tecnologia (CIETEC). Sérgio Risola, diretor-executivo do centro de incubação, que abriga cerca de 150 start-ups de 21 áreas de conhecimento, diz que a busca por apoio para consolidar novas ideias vem aumentando. “Ainda há alguns pontos de resistência e empreendedores tentando conduzir tudo de forma individual, mas, nos últimos anos, a busca por alternativas de parceria para o crescimento vem se acentuando”, declara. Um trabalho de desenvolvimento para estimular a necessidade de contar com parceiros e, além de tudo, estar com o modelo de negócios apto a receber e atrair investimentos vem sendo conduzido pelo CIETEC, pela Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), pela BM&FBovespa e pelo Instituto Endeavor. “Uma empresa que nasce em uma das incubadoras no Brasil passa a perceber que atrair recursos externos é fundamental para colocá-la em um patamar que garanta alavancagem mercadológica”, aponta. Foi esse pensamento que levou a Mundo Verde a dar um passo importante em sua trajetória. Fundada no final dos anos 80, em Petrópolis (RJ), por empreendedores que perceberam uma lacuna de mercado relacionada aos seus hábitos de alimentação saudável, a rede de franquias de produtos naturais chegou a um dilema, pressionada por não ter um modelo com base no varejo e até mesmo sucessores para conduzir o negócio. A solução, posta em prática em agosto de 2009, foi a venda para quem conduzisse e respeitasse a filosofia que havia sido construída. Entre os requisitos, estava a operação por modelo de franquia, que já contava com 125 unidades espalhadas pelo País. O atual CEO da Mundo Verde, Sergio Bocayuva, participou, na época, como conselheiro dos fundadores na busca por investidores. “Apresentamos a empresa a seis investidores”, recorda Bocayuva. “A maior oferta não foi a vencedora, mas aquela que respeitava o espírito do empreendimento”, completa. Adquirida pelo fundo de private equity Axxon Group e por outros quatro executivos, entre eles o atual CEO, a Mundo Verde ainda conta com a presença de seus fundadores no dia a dia da empresa, que hoje atuam como consultores e guardiões da marca. Na ocasião da chegada do fundo, a empresa contava com 19 colaboradores. Em quase dois anos, o número chegou a 55. A base franqueada, que crescia em torno de quatro lojas por ano, foi multiplicada por dez, ultrapassando 180 unidades em operação. A Mundo Verde fechou 2010 com um faturamento acima de R$ 180 milhões, desempenho 21% superior ao registrado no ano anterior. A projeção para 2011 é de um incremento de 16% nos negócios. “Além disso, hoje, temos todos os regimes de um processo de governança pleno, com auditoria, conselhos de administração e consultivo e plano de negócios”, explica Bocayuva. Sidney Chameh, da ABVCAP: não faltam recursos para projetos bons e situados em mercados promissores A estratégia que levou a Mundo Verde a ser uma referência em alimentação saudável contempla ainda investimentos superiores a R$ 5 milhões em estruturação, incrementos de gestão, suporte à rede franqueada e fortalecimento da marca. Com metas claras para o médio e longo prazos – um dos requerimentos mais comuns dos fundos para entrar em um negócio –, a empresa espera atingir R$ 550 milhões de faturamento em 2015, quando pretende contar com 450 lojas no modelo de franquias. Os passos incluem, ainda, adquirir fornecedores, verticalizar o negócio e montar uma estrutura de holding, seguindo uma cartilha que conduz a uma IPO em um prazo de cinco a sete anos. Recursos para empreender O crédito passou a ser uma modalidade muito mais acessível às empresas e até mesmo aos empreendedores. Investimento produtivo, por outro lado, é uma decisão estratégica que fortalece a empresa e adiciona potencial de crescimento sustentável de longo prazo. “Para um bom projeto ou produto posicionado em mercado crescente e que apresente oportunidade de saída com boa liquidez para o investidor certamente não vai faltar recurso de capital de investimento”, resume Sidney Chameh, presidente da ABVCAP, citando que não é tão simples achar um empreendimento que apresente claramente esses fatores. “Talvez o que falte não sejam ideias, mas organização”, julga Aldo Ramos, economista e assessor da área de Capital Empreendedor do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). “Muitas vezes, faltam um plano de negócio e o desenvolvimento de um raciocínio claro. O mercado precisa acreditar nisso para aportar dinheiro”, acrescenta. Uma importante lição aos empreendedores brasileiros na busca de alavancagem externa é a necessidade de um diálogo com investidores em momentos decisivos para o crescimento, e não quando o negócio apresenta dívidas ou problemas, alerta Marcos Simões, do Instituto Endeavor, ONG que promove o tema no País. Ele também se mostra bastante otimista com o aprendizado que os empreendedores nacionais têm conseguido assimilar. “Nos próximos cinco anos, veremos uma escalada desse mercado no Brasil, e isso, invariavelmente, fará com que tenhamos mais micro e pequenos negócios se tornando grandes empresas”, aponta. Mundo Corporativo nº 33 Julho-Setembro 2011• 15 Ciclo virtuoso A primeira década do novo milênio foi marcada por avanços na luta por mais transparência no mercado de capitais. O padrão global de contabilidade e estruturas como o canal de denúncias chegam para fortalecer ainda mais a governança. E, felizmente, as boas práticas vão hoje muito além da aderência às regulamentações. Por Luciano Correia 16 • Mundo Corporativo nº33 Julho-Setembro 2011 O mercado de capitais no Brasil passou por três autênticas revoluções em pouco mais de uma década. O movimento de transformação se tornou permanente desde 2000, quando, em um pregão praticamente limitado a estatais e grandes empresas, a então Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa) criou níveis especiais de governança corporativa. Era um dos grandes estágios da primeira revolução a caminho. De lá para cá, por exigências regulatórias ou autorregulação dos diversos setores, as companhias de capital aberto vêm cumprindo uma pesada agenda de compromissos que colocou o mercado de ações brasileiro na trilha dos investidores internacionais. Ao avançar para o final de 2007 – coincidentemente um dos períodos mais férteis para aberturas de capital –, o Congresso Nacional aprovou a esperada Lei 11.638. Ela trazia os elementos básicos para que o País adotasse, a partir de um cronograma que abrangia ao longo dos anos seguintes, as normas internacionais de contabilidade, as International Financial Reporting Standards (IFRSs). A partir de então, o mercado acelerou o passo, discutiu os impactos da aplicação e fez a lição de casa para dar conta da segunda revolução a que seria submetido na entrada do novo milênio. Nesse ambiente, poucos profissionais protagonizaram de forma tão ampla as alterações como os da área de Relações com Investidores (RIs) das companhias. As primeiras conclusões da adaptação a mais essa novidade são muito positivas, segundo indica a pesquisa “Os Impactos da Implementação das IFRSs no Brasil”, divulgada pela Deloitte e pelo Instituto Brasileiro de Relações com Investidores (IBRI) em julho. O levantamento, preparado para medir benefícios e dificuldades da primeira safra de divulgação das demonstrações financeiras conforme a nova norma, contou com a participação de 46 profissionais de RI de companhias que, somadas, faturam por ano mais de R$ 40 bilhões. Aspectos relativos à operação da companhia, entre eles, os controles internos e a gestão de sistemas, como os de Tecnologia da Informação (TI), aparecem em destaque com, respectivamente, 47% e 49%, como os principais impactos presenciados pelos RIs no processo de adoção das IFRSs, que marcaram uma grande transformação na contabilidade brasileira. À frente de todos os itens assinalados na pesquisa, a ampliação da transparência, com 58%, aparece como o principal impacto percebido ao longo de todo o processo e na primeira leva de demonstrações financeiras conforme o novo padrão. de decisão de analistas e investidores”, exemplifica Bruce Mescher, sócio-líder da área de Global IFRS and Offerings Services (GIOS) da Deloitte. Na vanguarda do mercado A Eternit, por exemplo, passou por essa situação ainda em 2006, quando a fabricante de materiais de construção decidiu reescrever sua história na Bolsa. Queria dar um salto e atrair novos investidores. Assim, acertou com a Bovespa a migração para o Novo Mercado, o mais alto grau de listagem de governança no País. Para tanto, firmou um compromisso – àquela altura até então não pretendido – que a colocaria na vanguarda. Para cumprir a meta, era preciso adotar normas internacionais de contabilidade. Já naquele momento a companhia optou pelas IFRSs, mesmo tendo como possibilidade divulgar seus balanços em US GAAP, modelo então bastante usual. “À época, o mercado já dava fortes sinalizações de que optaria pelas IFRSs. Achamos que valia a pena adotá-las. O balanço de 2007 foi divulgado no exercício seguinte já usando essa métrica”, lembra Gilberto Cominato, gerente administrativo-financeiro da companhia. Gilberto Cominato, da Eternit: subir nos níveis de governança exigiu maior exposição e trouxe reconhecimento do mercado Para as empresas, que se equilibram no dilema entre os riscos e benefícios das IFRSs, está em jogo uma questão estratégica: a concorrência. Significa, na prática, abrir dados detalhados para investidores, acionistas e, como as informações são públicas, também para todas as outras empresas do segmento. “O nível de abertura cresceu muito. Hoje as empresas divulgam informações sobre fluxo de caixa e abrem dados relativos a segmentos de atuação, que são muito importantes para a tomada Mundo Corporativo nº 33 Julho-Setembro 2011• 17 “Temos de dar o maior número de informações possível ao mercado, mas sem colocar em risco as estratégias da empresa e os ganhos dos acionistas. Essa é a receita da transparência.” Luiz Eduardo Moreira Caio, presidente da Metalfrio Para o executivo, atuando em um segmento em que a concorrência está pulverizada e há um alto grau de informalidade, a companhia teve de aprender a conviver com a escolha. “No começo, a diretoria comercial ficou muito assustada quando notou que o grau de abertura de dados para a concorrência era quase irrestrito. Mas o mercado vem aprendendo a enxergar e dar preço para a nossa governança, o que compensa isso de longe, inclusive em custo de capital”, destaca Cominato. Uma linguagem única e mais transparente Para os profissionais de RI, as IFRSs trazem vantagens ao mercado e às áreas de contabilidade e operacionais das empresas Impactos positivos das IFRSs já observados no mercado e nas organizações (em % da amostra de RIs) Transparência nas demonstrações financeiras Sistemas de gestão e controle Controles internos Avaliação de ativos 42 Integridade das informações 42 Reorganização dos processos das empresas Reformulação do treinamento oferecido para os analistas Lucro líquido 49 47 39 38 36 Instrumentos financeiros Fonte: pesquisa “Os Impactos da Implementação das IFRSs no Brasil” (Deloitte e IBRI, 2011) 58 Na Metalfrio, uma das maiores fabricantes de refrigeradores e freezers do mundo, o impacto da transparência a partir da adoção do novo modelo é sentido e valorizado. “É um exercício diário de julgamento”, diz Luiz Eduardo Moreira Caio, presidente da companhia. “Temos de dar o maior número de informações possível ao mercado, mas sem colocar em risco as estratégias da empresa e os ganhos dos acionistas. Essa é a receita da transparência”, resume. Como mostram os RIs participantes da pesquisa organizada pela Deloitte e pelo IBRI, a aplicação das IFRSs, mesmo apontada como bem-sucedida, ainda terá de passar por outros testes para mostrar os benefícios permanentes ao mercado. Para Ricardo Florence, diretor-presidente do IBRI, além da já mensurável ampliação da transparência, investidores e analistas também querem ter a possibilidade de comparar os balanços no mundo todo. No entanto, isso é algo que não depende apenas da adoção das normas no Brasil. “A comparabilidade tende a ser mais factível somente após a adoção das IFRSs também pelos Estados Unidos e pelo Japão”, pondera. No Brasil, após superados os desafios iniciais da implantação, as empresas terão agora de lidar com outro, talvez até maior: divulgar não apenas mais dados, mas com maior qualidade e precisão e em menor tempo. “Isso só será possível se a empresa aprender a utilizar as IFRSs no dia a dia do seu negócio e a seu favor. Logo o mercado vai cobrar mais do que um aumento na quantidade de notas explicativas”, prevê Bruce Mescher, da Deloitte. “Ele vai exigir informações mais detalhadas sobre a operação”, complementa Mescher, que ainda destaca a diminuição no prazo para a entrega das informações trimestrais (as ITRs) das companhias que operam no Brasil. O prazo será reduzido de 45 para 30 dias após o encerramento de cada período. 34 Impactos no mercado Impactos nas áreas operacionais das empresas Impacto na área contábil das empresas Questão com respostas múltiplas 18 • Mundo Corporativo nº33 Julho-Setembro 2011 Uma das iniciativas para superar os obstáculos advindos com o novo cenário é a valorização da atividade de RI, como destaca Moreira Caio, da Metalfrio. “A área de Relações com Investidores atua dos dois lados: traz para dentro da companhia as expectativas do mercado e leva para investidores, acionistas e demais públicos externos as informações do que acontece nas áreas operacionais.” A escalada da transparência As demandas por melhor comunicação e transparência são crescentes e não têm origem apenas na adoção do novo modelo contábil. Longe disso, aliás. Simultaneamente à aplicação das IFRSs, as companhias de capital aberto foram obrigadas a incorporar ao seu cotidiano novas instruções da Comissão de Valores Mobiliários (CVM). A mais detalhada de todas, a Instrução Normativa 480, já começa a mostrar efeitos colaterais. Administradores ganharam maiores responsabilidades e passaram a ficar mais atentos aos riscos das companhias. Somada à revisão das regras de listagem dos níveis diferenciados da BM&FBovespa, a instrução contribuiu para ampliar ainda mais os mecanismos de avaliação sobre as organizações que querem abrir capital ou se manter no mercado de capitais. Com a experiência de quem participou ativamente da criação do Novo Mercado, Gilberto Mifano, atual presidente do Conselho de Administração do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC), compara um possível movimento de migração em massa de companhias para níveis mais altos de governança com a safra de aberturas de capital ocorrida em 2007, antes da crise global e com investidores mais capitalizados. “Como ficou mais fácil migrar, o mercado precisará de um tempo para julgar quem, de fato, melhorou a governança com a mudança e as empresas que apenas cumpriram tabela e uma lista de exigências contratuais com a Bolsa”, alerta. Gilberto Mifano, do IBGC: melhora na governança deve ir além do atendimento às regulamentações Em um mercado de capitais em franco desenvolvimento, a governança está deixando de ser apenas um processo formal de adoção de normas. “As companhias de capital aberto caminham para servir de referencial para empresas de menor porte e para aquelas que estão na mira dos fundos de private equity”, diz Cesar Amendolara, sócio do Velloza & Girotto Advogados Associados. “Hoje a governança avança os limites da regulação e da autorregulação escrita. As exigências do mercado são imensas até mesmo para empresas de capital fechado que emitem debêntures para investidores qualificados ou para aquelas que pretendem receber aportes ou participar de processos de fusão e aquisição”, explica. “Um código de ética e conduta só pode ser colocado em prática quando se criam também meios efetivos de denúncia e reclamação contra qualquer instância da companhia.” Ricardo Teixeira, sócio da área de Consultoria da Deloitte Mundo Corporativo nº 33 Julho-Setembro 2011• 19 Moacir Salzstein, da Natura: antecipação na adoção do código de conduta, que traz uma visão sobre todos os públicos envolvidos com a marca Além das exigências No atual estágio de governança, com mercado e reguladores passando naturalmente a fiscalizar com maior atenção o que foi colocado em prática, terão destaque as empresas que fizerem mais do que o exigido. Companhias que notarem quais são as demandas do mercado e adotarem mecanismos para acompanhá-las puxarão a fila de forma natural. Um dos temas em que isso tende a acontecer também está relacionado à transparência. A reforma dos níveis diferenciados de governança da Bolsa obriga, entre algumas atividades, as empresas a adotar códigos de ética e conduta. As organizações que querem ir além – e se aproximar da governança das empresas com ações negociadas na Bolsa de Nova York, nos Estados Unidos – podem implementar também um mecanismo que ganha importância no mercado local, o canal de denúncias. relatos ou denúncias contra qualquer instância da companhia”, diz Ricardo Teixeira, sócio da área de Consultoria da Deloitte. Estimulado pela Lei Dodd-Frank, que cria recompensas para denúncias sobre corrupção que se comprovarem verídicas, o mecanismo ainda é uma novidade no Brasil. “Um código de ética e conduta só pode ser colocado em prática quando se criam também meios efetivos para captura dos Para Gilberto Mifano, do IBGC, a adoção de canais de denúncia é uma boa oportunidade que as companhias têm de testar e aprimorar a sua gestão de riscos para ampliar a capacidade de fiscalização de sua estrutura. “É o tipo de assunto que as empresas precisam levar muito a sério. Se uma denúncia é recebida, ela tem de levar sua apuração até o fim, sob a supervisão de um comitê.” A independência na gestão do canal de denúncias no ambiente da empresa tem importância fundamental para o sucesso da iniciativa. “Na maioria das vezes, os canais se reportam ao RH e não contam com a independência necessária, gerando dúvidas sobre a garantia do anonimato do denunciante”, aponta Teixeira. “O ideal é que se reportem ao conselho, ao comitê de ética ou à auditoria interna e seja operacionalizado por uma empresa externa”, completa. Ele ainda aponta casos em que a pouca independência do canal tem reflexos diretos no pequeno número de denúncias apresentadas, o que acontece porque as pessoas desconfiam da efetividade do mecanismo ou desconhecem a existência da estrutura por falha de comunicação da empresa. A Natura, por exemplo, já utilizava da ferramenta antes mesmo das discussões sobre a sua exigência para as companhias. “Nosso código recebe o nome de princípios de relacionamento e já nasceu com uma visão multistakeholder, já que possui considerações a respeito de todos os nossos públicos de relacionamento”, afirma Moacir Salzstein, diretor de Governança Corporativa da companhia. Imersas em um ambiente de constantes mudanças, muitas vezes comparáveis com revoluções devido ao grau de adaptação necessário, as companhias brasileiras mostram que caminham em paralelo aos avanços do mercado de capitais como um todo, na busca por mais transparência. Nessa corrida, todos – mercado, empresas e investidores – têm muito a ganhar. 20 • Mundo Corporativo nº33 Julho-Setembro 2011 Clientes para sempre M Fidelizar o consumidor é uma missão que já ultrapassa, há tempos, o desafio de oferecer bons preços e serviços além das expectativas. A expansão de programas de relacionamento e resgate de prêmios revela essa preocupação das empresas, que querem estar cada vez mais presentes no dia a dia dos clientes. Por André Sales anter um cliente exige menos investimentos do que conquistar um novo. A máxima consagrada requer um elaborado plano estratégico para proporcionar elementos que tragam diferenciação às marcas perante um mercado de consumo cada vez mais exigente. Esse esforço faz com que programas de relacionamento e fidelização tornem-se muito mais do que ferramentas de marketing e passem a oferecer soluções customizadas ao estilo de vida de cada consumidor. Para ampliar o leque de possibilidades e moldar as ofertas de recompensa às necessidades do cliente fiel, os programas de coalizão, que integram empresas de diferentes setores e possibilitam a soma de pontos, criam a oportunidade de parceiros compartilharem os custos de atração e retenção de clientes, o acesso à base de consumidores de outros segmentos e a realização de promoções conjuntas. A pujança das empresas especializadas em programas de fidelidade tem na Multiplus Fidelidade e na Dotz as suas principais representantes no País. O primeiro deles, originado pela TAM em 1993, fatura mais de R$ 1 bilhão e conta com 100 funcionários. Criado para recompensar os viajantes frequentes da companhia aérea, hoje o programa funciona como uma unidade de negócios independente, com ações negociadas na Bolsa de Valores. Ainda para mostrar a emergente representatividade do setor, as ações da Multiplus, negociadas desde junho de 2009, duplicaram de valor até o final de 2010. O programa TAM Fidelidade continua existindo e premiando os clientes da companhia e também é Mundo Corporativo nº 33 Julho-Setembro 2011• 21 um dos participantes da Multiplus, ao lado de 160 empresas parceiras, que formam uma base de 8 milhões de clientes ativos. Cada um deles acumula em uma conta única os pontos obtidos com suas compras em uma rede de 12.500 estabelecimentos de diversos segmentos. Eduardo Gouveia, da Multiplus Fidelidade: consumidor precisa perceber as vantagens para participar dos programas de fidelidade em rede A Dotz, criada inicialmente como um programa focado no relacionamento online, desde 2009 passou a oferecer a troca de pontos em lojas físicas a partir do mercado de Belo Horizonte, onde estruturou uma rede com 75 parceiros locais, possibilitando acumular pontos em 300 diferentes estabelecimentos, como postos de combustíveis, supermercados e lojas de cosméticos. Na capital mineira, a Dotz já distribuiu mais de 1 bilhão de pontos – ou dotz, o nome da moeda de troca do sistema – a mais de 500 mil clientes cadastrados. Para compor suas parcerias, redes como a Multiplus e a Dotz escolhem empresas- líder ou de grande penetração em diferentes segmentos e firmam contratos de exclusividade. “Nosso objetivo é garantir que os consumidores possam ganhar pontos diariamente. Com isso, os parceiros têm aumentado o tíquete médio, conquistado novos clientes e fidelizado os antigos”, diz Roberto Chade, presidente da Dotz. Ao consumidor, fica a vantagem de participar de um sistema de coalizão e não apenas de mais um programa de relacionamento de empresa, de forma isolada. É que, no modelo de rede, os pontos podem ser trocados de acordo com suas preferências. Assim, um executivo, que voa com frequência a trabalho e prefere resgatar seus benefícios de outra forma que não seja pelo ganho de uma nova viagem aérea, pode, por exemplo, ter grandes descontos ou até gratuidades em eletrodomésticos ou cursos de idioma. “É uma cultura nova e que tem muito a crescer. Nosso desafio é mostrar as vantagens da rede, para que o consumidor não perca dinheiro”, diz Eduardo Gouveia, presidente da Multiplus. Como uma empresa gestada dentro de uma companhia aérea, o fato é que a troca de pontos por passagens aéreas ainda é a forma de resgate preferida dos integrantes da Multiplus, mas Gouveia ressalta que a rede é vantajosa também para pessoas que não frequentam constantemente o aeroporto, por permitir a soma de todos os pontos obtidos em diversos estabelecimentos. “A ideia é justamente mostrar que, juntos, nós podemos mais”, salienta. De acordo com Chade, da Dotz, outra vantagem de operar com uma moeda única é que o cliente pode trocar seus pontos por passagens de qualquer empresa de aviação, por exemplo. “Quando começamos a operar, há dez anos, precisávamos educar o mercado para a importância da fidelização. Hoje a discussão é sobre como tornar o programa relevante para a maior base de clientes; como agregar valor com a relação financeira adequada”, lembra. Para ele, boa parte dos programas individuais das empresas é limitada pela sua complexidade operacional. “Hoje não é necessário ter o seu próprio 22 • Mundo Corporativo nº33 Julho-Setembro 2011 tecnológicos ampliaram os canais de comunicação com uma base massiva de consumidores, tornando mais viável o gerenciamento das informações dos clientes e da distribuição de benefícios. “Hoje, capturamos as transações instantaneamente no ponto de venda e criamos alternativas de relacionamento com o consumidor. Sabemos, por exemplo, que 65% do consumo de combustível de um veículo acontece no mesmo posto (geralmente próximo da casa ou do trabalho do proprietário) e apenas 35% variam conforme a necessidade. Além de trabalhar na fidelização no primeiro grupo, atuamos para atrair e manter os consumidores do segundo”, descreve. Roberto Chade, da Dotz: objetivo é fazer o consumidor acumular pontos todos os dias nas redes de fidelidade programa de fidelização. Ao fazer parte de uma rede de coalizão, a empresa pode destinar de 80% a 90% do seu investimento para os prêmios aos clientes e apenas 10% na operação. Em um programa individual, a proporção é inversa.” Conhecer muito bem sua base de clientes também é fundamental. Três anos antes de lançar o programa “Km de Vantagens”, a Ipiranga implantou uma rede de captura de transações nos postos para atribuir “quilômetros” para cada compra. A empresa criou, então, o Ipiranga Shop, pelo qual o consumidor pode resgatar seus prêmios. “Assim, montamos uma estrutura completa para incentivar o relacionamento, com uma plataforma tecnológica e com um ambiente de resgate”, salienta Santos. Em agosto, a Dotz começa a operar em Brasília e caminha para Porto Alegre, Florianópolis, Natal e interior de São Paulo. Um dos acionistas da Dotz (com participação de 37% e investimento de R$ 26 milhões) é a canadense Loyalty One, dona do maior programa de fidelização do mundo, o Airmiles, com 24 milhões de usuários em seu país de origem, cerca de 70% da população local. Ele também recomenda: “Para implantar um programa de fidelidade, é preciso estudar muito o seu canal de vendas, além da forma, da frequência e da profundidade com que a empresa se relaciona com os clientes, para oferecer algo que o consumidor perceba claramente como vantagem para concentrar suas compras nessa marca”. Informação para atrair e reter Para Jerônimo dos Santos, diretor de Varejo e Marketing da rede de postos Ipiranga, as empresas sempre tiveram consciência da importância estratégica de um programa de fidelidade, mas os avanços Na rede de postos de combustíveis Ale, o diretor de Varejo, José Pascasio, reconhece que a moeda dotz é um dos carros-chefe da estratégia de fidelização da empresa. “Entre as principais vantagens, estão a formação e o enriquecimento do banco de dados “Capturamos as transações instantaneamente no ponto de venda e criamos alternativas de relacionamento com o consumidor.” Jerônimo dos Santos, diretor de Varejo e Marketing da Ipiranga Mundo Corporativo nº 33 Julho-Setembro 2011• 23 dos consumidores, a aquisição de novos clientes que procuram por diferenciais, o aumento da frequência dos públicos e o conhecimento do perfil demográfico e transacional dos compradores”, afirma. Segundo ele, desde o início da associação entre Ale e Dotz, as vendas nos postos que aderiram ao programa (que representam 30% da revenda da marca) tiveram um incremento de 6% a 10%. Pascasio elenca o que julga essencial em um programa de fidelidade: oferecer benefícios sem custos extras para os clientes, possuir uma ampla gama de serviços associados, firmar parcerias de qualidade, proporcionar satisfação aos clientes e contribuir para a divulgação dos serviços e produtos das empresas parceiras. Além disso, deve ser de fácil acesso, sem necessidade de preenchimento de formulários extensos, e deve ter regras simples. Celso Oliveira, da Welcome Real-time: programas de fidelidade têm como desafio ser, ao mesmo tempo, feitos para a massa e oferecer soluções customizadas Valor percebido Charles Martins, CEO do portal de compras coletivas Ofertas.com.br, que participa da rede Multiplus, admite que é um diferencial enorme em relação a outros sites poder oferecer passagens aéreas aos clientes. “O valor percebido é muito maior”, diz ele. Um dos seus maiores concorrentes, a Groupon, também firmou parceria com a Multiplus, em um dos raros acordos que admitem duas empresas do mesmo segmento em uma rede. Entretanto, o Ofertas.com.br acredita que poderá oferecer uma pontuação mais vantajosa aos seus clientes, além de investir em cidades com menos de 300 mil habitantes, enquanto os portais internacionais se concentram nos grandes centros urbanos. Florian Otto, CEO da Groupon Brasil, vê ganhos de mão dupla na parceria com a Multiplus: “É mais uma forma de nossos clientes conseguirem participar de nossas ofertas e ainda aproveitarem os benefícios do programa Multiplus, além de também fazer com que novos consumidores experimentem os serviços oferecidos por nós.” A holding que controla o portal Ofertas.com.br é o Grupo Multi, que também aderiu à rede duas outras marcas suas, as escolas de línguas Wizard e de cursos profissionalizantes Microlins. Sueli Pessoa, gerente de parcerias do grupo, explica que, como as escolas não têm um programa de fidelidade próprio, a Multiplus faz esse papel. “Ao comprar ou renovar um curso na Wizard ou Microlins, o aluno ganha pontos. Isso facilita o resgate de prêmios de forma mais rápida e simples”, descreve. E até mesmo a Bolsa de Valores entrou na rede de fidelização. Lançado em dezembro de 2010, o programa “Fica Mais” oferece vantagens para os investidores de acordo com o tempo de permanência destes na Bolsa e com o número de amigos que indicam. Os beneficiados com o programa podem trocar os pontos acumulados por produtos e serviços da rede Multiplus ou por serviços de consultoria financeira. “Até agora, mais de 13 mil investidores aderiram ao programa. Estamos bastante satisfeitos”, diz Patrícia Quadros, gerente dos Programas de Popularização da BM&FBovespa. Para uma relação sustentável O próximo desafio das empresas, em termos de fidelização, é tornar seus programas mais dinâmicos, segundo Brian Shniderman, líder global de Payments da Deloitte. “Hoje, com consumidores menos leais a produtos e marcas, obterão maior fidelidade as empresas cujas campanhas se adaptarem ao estilo de vida de cada cliente”, aponta. Por exemplo, se uma pessoa perde o emprego ou um casal tem o seu primeiro filho, suas preferências de consumo 24 • Mundo Corporativo nº33 Julho-Setembro 2011 “Hoje, com consumidores menos leais a produtos e marcas, obterão maior fidelidade as empresas cujas campanhas se adaptarem ao estilo de vida de cada cliente.” Brian Shniderman, líder global de Payments da Deloitte também mudam, e, para manter esses clientes fiéis, as empresas devem oferecer algo adequado ao momento de vida deles. “Essas adaptações e segmentações do público devem ser feitas em tempo real. Por isso, é muito importante que os programas de fidelidade estejam integrados a redes sociais, como Facebook, LinkedIn, MySpace, Google + (e Orkut, no caso do Brasil)”, aconselha Shniderman. Para Marcia Ogawa Matsubayashi, sócia da área de Consultoria da Deloitte, é preciso levar em conta os grupos aos quais um consumidor pertence e nisso também procurar agregar valor. “Assim, um jovem que gosta de determinado esporte, e provavelmente se relaciona em redes sociais com pessoas que têm os mesmos interesses, poderá influenciar seus amigos a consumir determinada marca. As empresas devem pensar a fidelização além do conceito individual e utilizar o poder de recomendação do consumidor conectado”, orienta. Shniderman também alerta para a questão de que qualquer programa de fidelidade pode ser substituído por outro se não se pautar em um relacionamento que vai além do acúmulo e da troca de pontos. “Para manter um relacionamento duradouro, a empresa não pode ter seu foco em ativar e ampliar a base de clientes, mas em sustentar um contínuo uso dos benefícios. Em cerca de 50% dos casos, a experiência de utilizar os benefícios é negativa. É frustrante gastar horas tentando resgatar um prêmio.” Na visão de Marcia Ogawa, da Deloitte, os programas de fidelidade crescem de importância à medida que as empresas se tornam detentoras de informações pessoais e de hábitos de seus clientes. “Conhecer melhor o consumidor com que a empresa se relaciona tem um grande valor. É isso o principal ponto presente também nas redes sociais”, destaca. Geolocalização como parceira Quanto mais aliam tecnologia à informação, mais as empresas podem encantar seus clientes. Recentemente, a Welcome Real-time, desenvolvedora de soluções de fidelização, lançou duas ferramentas que permitem aos operadores de programas de relacionamento enviar cupons promocionais diretamente para os telefones celulares de seus clientes e realizar promoções de acordo com a área que o consumidor está frequentando. Essas ferramentas permitem o desenvolvimento de campanhas mais precisas e relevantes. Os cupons via celular podem ser enviados em casos de ofertas especiais ou quando o cliente efetua uma transação. O uso com precisão e foco de cupons eleva consideravelmente a satisfação do cliente, além de promover a utilização do cartão e elevar o fluxo de pessoas ao ponto de venda dos varejistas. E, com a geolocalização, os gestores de campanhas de fidelização podem ajustá-las em tempo real, conforme a região que o cliente está frequentando. “Claro que tudo isso só pode ser feito com a concordância do cliente em compartilhar sua localização para receber essas promoções personalizadas”, anuncia Celso Oliveira, diretor da Welcome para a América Latina. O importante, segundo ele, é que as empresas poderão influenciar o comportamento do consumidor com uma experiência de compra diferenciada, que pode ser oferecida de acordo com os seus hábitos e em tempo real. As empresas precisarão ter flexibilidade para reagir rápido ao humor e perfil do consumidor. “O diferencial de um bom programa de fidelidade é ser, ao mesmo tempo, feito para a massa e customizado para cada indivíduo, pois todo mundo se vê como alguém especial e único”, avalia. Mundo Corporativo nº 33 Julho-Setembro 2011• 25 A fórmula O professor Stephen Green, especialista em design, branding e inovação da Brunel University, de Londres, analisa como a indústria, o varejo e setores como o turismo podem proporcionar experiências que potencializem a relação com o consumidor, além do momento da compra. Por Patrícia Valério, de Londres 26 • Mundo Corporativo nº33 Julho-Setembro 2011 da interação S uperar a expectativa dos clientes não reside mais apenas em contar com uma política de preços agressiva ou na estruturação de um eficiente serviço de pós-vendas. Direcionar esforços para construir uma percepção linear do consumidor sobre todos os atributos da empresa, do primeiro instante de interação com a marca até o momento que o levará às próximas compras, recai sobre a necessidade de administrar ações de branding, que envolve uma série de questões relacionadas à percepção das pessoas sobre uma empresa, um produto ou serviço. E isso passa por unificar as promessas dos produtos e da empresa em todas as etapas de relacionamento e interação com o público. Com mais de 25 anos de experiência em temas associados ao branding, design e inovação de produtos, Stephen Green, da Brunel University, de Londres, aplica o seu conhecimento no apoio às empresas na construção de produtos e serviços que integrem a proposta da marca nas diversas formas de conversar com o consumidor. Nesta entrevista à Mundo Corporativo, Green traz uma visão sobre os pontos que devem ser considerados pela indústria, pelo varejo e até mesmo por gestores de cidades em benefício do fortalecimento da percepção do consumidor. Ele enfatiza a importância de entender a jornada completa que o cliente percorre na interação com produtos, serviços e, como Green mesmo aponta, pontos turísticos. Nos últimos anos, tem se discutido muito o nascimento da chamada “economia da experiência”, em que os consumidores estão cada vez mais sensíveis à experiência que uma determinada marca proporciona. Por que a experiência tem ganhado tanta importância? A grande questão é que é cada vez mais difícil para as empresas competirem na esfera do custo e da qualidade. A concorrência com base no serviço e na experiência do cliente é onde ainda há oportunidades consideráveis para as marcas se diferenciarem. Empresas do setor automobilístico, por exemplo, têm sido muito eficazes na combinação de custo e qualidade, o que as levam diretamente para uma batalha onde os espaços aparentam ser maiores. Uma das principais ferramentas que se usa hoje no branding é a observação da jornada do cliente (costumer journey) como uma forma de entender sua experiência com a marca. A Virgin Atlantic Airways (companhia aérea inglesa) foi muito bem sucedida nesse sentido. Analisando a jornada do cliente da classe executiva, eles perceberam que todo o processo Stephen Green: “É cada vez mais difícil para as empresas competirem na esfera do custo e da qualidade. A concorrência com base no serviço e na experiência do cliente é onde ainda há oportunidades consideráveis para as marcas.” Qual a mudança que tem se verificado na maneira como as empresas entendem o conceito de branding? As empresas estão se dando conta de que branding vai muito além da preocupação com as vendas ou da criação de um logotipo. Branding é muito mais do que uma visão sobre como uma empresa busca o desenvolvimento de novos produtos e serviços, ele deve ser o princípio organizador de um negócio. Este é um ponto de vista muito diferente do pensamento de que, de um lado, há logotipo e o design da marca e, do outro, o marketing. Mundo Corporativo nº 33 Julho-Setembro 2011• 27 de pegar um voo é, em geral, uma experiência muito ruim, mas as companhias aéreas se preocupavam apenas com a experiência do cliente durante o voo. O que a Virgin fez foi expandir a ideia da jornada do cliente, começando quando o passageiro está saindo da sua casa, e o conceito que saiu disso foi um serviço pelo qual a Virgin pega o passageiro em casa, leva-o para fazer o check-in numa espécie de drive-through e o acompanha até o portão de embarque. Este é um exemplo do elo entre o branding e um design de serviços, em que a experiência do cliente é gerida pela empresa desde o início da sua jornada. De que forma oferecer uma experiência positiva para o consumidor se difere de oferecer um bom serviço? Quando as pessoas pensam em serviço, elas convencionalmente pensam na interação entre clientes e funcionários de uma empresa. No entanto, um bom design de serviços com base na estratégia de marca, que resulta de fato numa experiência positiva, é muito mais ampla do que isso. A jornada do cliente começa muitas vezes no website da empresa. E nesse momento já se deve pensar em questões fundamentais como: Qual é a proposta de serviço que é apresentada? Como o cliente chega a determinada informação que ele quer? Qual é o tom de voz do website? É um tom que atrai, envolve, faz o cliente acreditar e confiar na marca? Dentro da ideia de design de serviços, se houver qualquer inconsistência ao longo de toda a jornada, algo que frustre a expectativa do cliente, então há um problema a ser solucionado, pois, quando se pensa em branding, criar uma experiência consistente, que represente a identidade da marca do começo ao fim da jornada de interação com o cliente, é fundamental. “Branding é muito mais do que uma visão sobre como uma empresa busca o desenvolvimento de novos produtos e serviços, ele deve ser o princípio organizador de um negócio”. 28 • Mundo Corporativo nº33 Julho-Setembro 2011 Que desafios as empresas têm enfrentado para oferecer essa experiência consistente ao longo de toda a jornada do cliente? Na indústria financeira, por exemplo, interações online têm sido cada vez mais utilizadas, mas ainda há um certo nível de contato humano, feito por meio dos call centers, por exemplo. Essa interação muito frequentemente gera um colapso na experiência do usuário do serviço. Ela funciona bem se a pessoa do outro lado da linha compreende bem a situação do cliente, tanto em termos de problemas com o pagamento de cartões de crédito, como onde ele vive e como é o seu dia a dia. Pelo fato dos calls centers serem muitas vezes terceirizados, pode acontecer de um funcionário altamente qualificado, alocado em um ponto diferente e até muito distante do cliente, ter uma grande dificuldade em entender a situação e estabelecer uma conexão com a pessoa com que ele está lidando por diferenças culturais básicas. Essa é uma questão fundamental dentro do design de serviços sob um ponto de vista do branding. As empresas precisam se perguntar como é possível inovar para oferecer serviços mais consistentes que reflitam os principais valores da marca. O comércio online tem ganhado cada vez mais importância para o varejo no Brasil. Neste cenário, qual a importância da experiência do consumidor nas lojas físicas? Essa é uma tendência forte aqui no Reino Unido e em outros países, como o Japão. Cada vez mais as lojas deixam de ter a venda como única e principal função. A Apple é um bom exemplo de empresa em que o consumidor vai à loja física não necessariamente para comprar o produto, mas para ter um pouco da experiência da marca. Outro exemplo é a Nike, com as lojas NikeTown. Na indústria da moda, lojas da Prada têm gerado uma grande repercussão no Japão, por conta da arquitetura e do design inovadores que fazem dela a representação física da marca. Diz-se muito que o consumidor brasileiro é mais emotivo e intuitivo do que o de muitos países da Europa, por exemplo. De que forma o design e o branding são importantes para a comunicação com um público como esse? Quando se fala em comunicação, a maioria das pessoas pensa em canais convencionais, como publicidade, a estrutura de um website etc. No entanto, um modo de pensar a comunicação com base na estratégia de marca é entender que ela funciona em grande parte num nível muito mais intangível. Quando você olha para alguém na rua, você automaticamente recebe muita informação sobre aquela pessoa. Então, minha resposta direta para essa questão seria a importância de se olhar para a comunicação intangível em tudo o que está vinculado à marca. Nos próximos anos, é esperado que o Brasil vivencie um boom nas áreas de design e marketing por conta dos eventos esportivos que irá sediar, a Copa do Mundo em 2014 e a Olimpíada em 2016. De que forma conceitos de branding e design podem contribuir para que o País seja mais bem sucedido na recepção desses eventos? Há enormes oportunidades para governos e corporações trabalharem juntos com o objetivo de potencializar os benefícios dos eventos esportivos para o país. Eu acho que a Olimpíada de Sidney (realizada em 2000) foi muito bem sucedida pensando sob uma perspectiva de branding e é sempre lembrada como exemplo de como um país todo se reuniu para entregar à comunidade turística uma experiência consistente, que se tornou uma grande expressão sobre a Austrália. Sei que pode ser extremamente desafiador para os setores público e privado trabalharem juntos, mas, por meio de uma abordagem de marca, a probabilidade de esses dois setores alcançarem resultados efetivos juntos é bem maior. Um conceito fundamental em branding é a ideia de pontos de contato. Quando se olha para a experiência do cliente, é importante olhar para todos os pontos de contato entre o produto ou serviço e o consumidor ao longo de sua jornada. Assim, quando um país recebe um evento esportivo, cada organização pode olhar para seus pontos de contato em todas essas atividades que estão ocorrendo no país e pensar como esses pontos podem ser aprimorados para melhorar o desempenho de tudo o que ela e o país estão se propondo a fazer. De que forma branding e design podem contribuir para a sofisticação das práticas de turismo de uma cidade de maneira geral? Em 2008, Liverpool fez parte de um projeto da União Europeia que todo ano elege a Capital Europeia da Cultura. Para isso, foi preciso que Liverpool adotasse uma abordagem de marca, em que se pensou nas principais qualidades da cidade, como a história dos Beatles, o time de futebol, a arquitetura etc – e tudo o que a cidade deveria fazer para oferecer uma experiência mais consistente e Liverpool, na Inglaterra: cidade aproveitou a oportunidade de exposição como Capital Europeia da Cultura para reforçar a experiência com visitantes, por meio de elementos como a música e o futebol Mundo Corporativo nº 33 Julho-Setembro 2011• 29 de acordo com essas qualidades para as pessoas, tanto os turistas quanto os moradores. Hoje, a atividade turística é fundamental para a economia de Liverpool. Qualquer cidade onde a indústria de turismo é importante deve pensar numa estratégia de branding para oferecer uma experiência consistente para as pessoas que por ali passam. Uma ideia crucial em branding é a diferenciação. Então é preciso encontrar as qualidades únicas de uma cidade e formas de potencializar e celebrar essas características. Outra questão importante é o sistema de informação. É fundamental pensar de que forma o espaço urbano da cidade e sistemas online de informação se conectam com a estratégia turística da cidade. Como diferentes meios de transporte se interligam e como isso é informado às pessoas são outros pontos a serem considerados. No mundo todo, as pessoas reconhecem o mapa do metrô de Londres e, na minha opinião, essa é uma grande peça de design. A ligação entre um bom sistema de informação de transporte e uma experiência positiva do turista é direta. Quando se pensa na jornada do cliente, a ideia é que se estenda essa jornada para muito além de onde normalmente se imagina que ela comece para que se possa oferecer uma experiência positiva desde o Uma visão sobre três disciplinas Um olhar unificado para design, branding e inovação ainda é uma realidade nova para muitas empresas no Brasil. Antônio Roberto de Oliveira, coordenador do MBA em Branding das Faculdades Integradas Rio Branco e diretor executivo no País da Managic, uma instituição que reúne profissionais do mundo ligados ao tema, aponta a importância das disciplinas às empresas que buscam competir no mercado global. Em que medida as empresas no Brasil ainda estão resistentes ao estabelecimento de estratégias com foco em branding, design e inovação? Muitas empresas brasileiras ainda não perceberam o valor dessas novas visões estratégicas e o quanto essas três disciplinas estão intimamente ligadas. O branding é um novo modelo de gestão com o foco na marca. Para que esse modelo seja completo, ele tem de estar apoiado na estratégia de design, que, por sua vez, não funcionará sem inovação, ou seja, sem diferenciais competitivos que fazem com que a marca seja percebida como melhor e mais atraente para os públicos de interesse. O problema é que, quando falamos em design, as empresas ainda não entendem que se trata de processo e não de estética. Muitos dos gestores brasileiros ainda veem o design como perfumaria e não entendem que é uma ferramenta poderosa de geração de valor para suas marcas. 30 • Mundo Corporativo nº33 Julho-Setembro 2011 Por que hoje em dia uma boa estratégia de marketing não é mais suficiente? O marketing é fundamental, mas ele não tem poder de mudança no comportamento da organização. Para que o branding seja eficaz, todos os profissionais devem expressar os valores da marca, não somente os que estão na linha de frente da empresa, como vendedores, call centers e telefonistas. Quais os benefícios que um olhar mais apurado em relação ao branding e design traz para as empresas? O branding está ligado à reputação de uma marca e isso é construído por meio do estabelecimento de um relacionamento de longo prazo com todos os stakeholders. A imagem que cada um dos públicos de interesse tem em relação à empresa deve, necessariamente, estar alinhada à identidade que traduz a essência da marca. Que avanços o Brasil tem apresentado nessa área e quais as principais tendências e desafios ? Sinto que o Brasil está engatinhando no que diz respeito ao branding, pois as empresas ficam, muitas vezes, acomodadas no universo que já conhecem. Muito poucas valorizam um questionamento reflexivo voltado para a inovação. Percebo que quem mais se interessa por branding hoje são os designers. Esses profissionais estão procurando uma capacitação em estratégia de marca e estão se saindo muito bem. Antônio Roberto Oliveira, da Managic: no Brasil, ainda é baixa a percepção da sinergia entre branding, design e inovação início, portanto, também é importante contar com um website com todas as informações e os mapas que o turista encontrará quando chegar à cidade. Como líder de projetos da Designplus (divisão da Brunel University que trabalha em parceria com empresas na busca pela inovação), por que saber inovar é tão fundamental para a sobrevivência dos negócios hoje e de que forma as empresas podem impulsionar suas capacidades inovadoras? A importância da inovação é cada vez mais reconhecida como a maneira como um negócio pode continuar se desenvolvendo em um ambiente altamente competitivo. Assim como branding, a inovação deve ser parte integrante de como uma empresa opera, um princípio organizador do negócio. Uma das maneiras de se impulsionar a capacidade inovadora de uma empresa é por meio do conceito de inovação aberta. A ideia tradicional de inovação é como um funil, em que, na entrada, está uma série de variáveis, como o trabalho do marketing, o feedback de clientes, os resultados de pesquisa, a ideia de um novo produto etc. Todas essas variáveis são colocadas dentro desse funil, muitas são descartadas e algumas resultam em um novo produto ou serviço no mercado. A ideia de inovação aberta é que os lados desse funil devem se tornar poros por onde a empresa interage com uma variedade de agentes externos, como uma universidade, por exemplo. Ou mesmo uma instituição para quem a empresa pode vender um conceito ou ideia que ela desenvolveu mas que, em determinado momento, percebeu que não era adequada ao seu negócio. Por meio do conceito de inovação aberta, a empresa consegue estabelecer uma troca com o ambiente externo que impulsiona a inovação e pode dar vida a ideias que começaram a se desenvolver, mas que não puderam ser levadas adiante dentro da empresa. Considerando ainda a tecnologia hoje disponível, essa troca fica muito mais fácil. Qual a importância de se olhar para toda a jornada do consumidor na busca pela inovação? Trabalhei há alguns anos com uma empresa produtora de sabão em pó que estava buscando aumentar as vendas na América do Sul. Muitas empresas nessa situação iriam imediatamente pensar em canais de comunicação diretos, como anúncios na televisão, o design da embalagem etc, mas o grupo de profissionais trabalhando nesse projeto decidiu fazer um estudo de toda a experiência do cliente na compra do produto. Eles perceberam então que a grande maioria das pessoas que tinha máquinas de lavar roupa em casa também contava com empregadas domésticas que acabavam usando mais sabão do que o necessário. E o uso excessivo de sabão em pó não é nada bom para a empresa produtora, pois além de causar um impacto negativo no meio ambiente, acaba deteriorando as roupas muito mais rapidamente. A solução encontrada foi vender o produto em pequenas bolsas, com a quantidade correta de sabão a ser utilizada, o que resolveu o problema e ainda adicionou valor ao produto. Esse exemplo mostra a importância de se olhar para toda a experiência do consumidor – e a pesquisa etnográfica pode ser extremamente válida para isso – em vez de se pensar apenas em termos convencionais de comunicação. Nesse caso, mudar a embalagem ou colocar mais instruções na caixa não teria sido eficiente. Patrícia Valério é jornalista com mestrado em Gênero Cultural na Goldsmith University, de Londres. Já atuou como editora da Mundo Corporativo. No Brasil, a parceria entre empresas e universidades na busca pela inovação ainda é bastante desafiadora. Que conselho você daria para que essa prática seja adotada com sucesso? Um dos desafios que enfrentamos na Designplus e que eu imagino serem muito semelhantes em outras economias é que a cultura do mundo dos negócios geralmente é muito diferente da cultura da universidade. Por isso, às vezes, é muito difícil trabalhar de maneira colaborativa. É importante, então, contar com profissionais que dedicam parte de suas carreiras para uma atividade acadêmica e parte para a indústria. Você precisa ter pessoas capazes de ver as coisas de ambas as perspectivas. E, claro, em um sentido mais amplo, é preciso batalhar por políticas e iniciativas que abram espaço para esse tipo de colaboração e que partam do topo das organizações, das universidades e dos governos. Mundo Corporativo nº 33 Julho-Setembro 2011• 31 Ações recentes em mídias sociais mostram que a revolução na interação das empresas com seus consumidores está apenas começando – principalmente em um país no qual o computador já é o meio de entretenimento principal para 78% das pessoas, conforme pesquisa da Deloitte. Por José Saad Neto N ão há mais dúvidas de que a internet é um meio incorporado ao conjunto de estratégias de mídia das principais marcas globais e nacionais. Departamentos de marketing e agências de publicidade integraram processos e pessoas e garantem que a divisão da comunicação em online e offline ficou para trás. A nova pauta do momento é intensificar e aprimorar o relacionamento via mídias sociais, seja em posição de vanguarda ou como seguidor das melhores práticas. O que importa, mais do que nunca, é o valor de uma boa ideia, independentemente do meio em que ela será explorada, e a relevância do conteúdo. Esta é uma das lições que podem ser traduzidas a partir da edição 2011 da pesquisa “O Futuro da Mídia” (“The State of the Media Democracy”, na versão em inglês), organizada pela Deloitte e pelo instituto Harrison Group, e que conta com a participação de quase 10 mil pessoas entre 14 e 75 anos de cinco países: Estados Unidos, Alemanha, Reino Unido, Japão e Brasil. O estudo, realizado ao final de 2010 e com resultados divulgados no segundo trimestre deste ano, revela que, para 78% dos brasileiros respondentes, o computador já se tornou um aparelho de entretenimento mais importante do que a TV. Nada mais essencial, portanto, do que explorar novas formas de interagir com o mercado por meio desse canal de comunicação. “As empresas ainda não estão explorando todo o potencial de relacionamento da internet e, principalmente, das redes sociais. A publicidade digital estática já está consolidada, mas o relacionamento corporativo nas mídias sociais ainda tem de evoluir muito no Brasil”, avalia Fabio Cipriani, autor do livro “Estratégia em Mídias Sociais – Como Romper o Paradoxo das Redes Sociais e Tornar a Concorrência Irrelevante”, publicado pela Editora Campus. Segundo o estudo da Deloitte, os brasileiros estão cada vez mais influenciados pela publicidade online. Para 68% dos entrevistados no Brasil, a abordagem digital das marcas é a que mais exerce poder de compra sobre eles, seguida pelos comerciais de TV, revistas, jornais e mídia externa. Paulo Sanna, vice-presidente de criação da agência Wunderman, afirma que a publicidade tradicional, seja online ou offline, perdeu sua capacidade de atrair a atenção dos consumidores e gerar os resultados para as marcas, como acontecia no passado. Ele defende que a grande mudança está no comportamento do consumidor, que é mais exigente, mais bem informado e menos vulnerável a promessas de Conexões 32 • Mundo Corporativo nº33 Julho-Setembro 2011 marca. “Nesse contexto, as redes sociais são a grande oportunidade que as marcas têm para se aproximar desse novo consumidor nos termos que ele quer”, completa. Para João Batista Ciaco, diretor de Publicidade e Marketing de Relacionamento da Fiat no Brasil e na América Latina, a publicidade online já está consolidada e as redes sociais se tornaram veículos de massa capazes de difundir qualquer tipo de informação. “Estar nas redes sociais é essencial para participar das conversas sobre a marca e entender os anseios do consumidor. Para isso, investimos em uma equipe especializada. Como as redes sociais são parte do negócio, ela devem ser tratadas dentro da estratégia de comunicação e marketing”, revela Ciaco. Atualmente, a força da montadora na internet está concentrada em uma ação que espalha a hashtag (palavra-chave utilizada nas redes sociais e precedida do símbolo #) “#oquetemove?”, em comemoração aos 35 anos da Fiat no Brasil. Trata-se de um movimento que acontece no ambiente digital incentivando as pessoas a contarem histórias no Twitter, na FanPage da Fiat no Facebook e no YouTube, enviando vídeos. Paulo Sanna, da Wunderman: redes sociais são um novo e atraente caminho para se aproximar de um consumidor menos vulnerável às promessas de marca Já o Itaú Unibanco, uma das marcas mais valiosas e conhecidas do Brasil, apesar da presença já consolidada no ambiente digital, tanto por meio do seu site quanto pela publicidade online, passou a ter um posicionamento muito mais ativo nas redes sociais no ano passado. Os dois perfis criados no Twitter – @itau e @30horas – possuem objetivos distintos: o primeiro é um canal de relacionamento, enquanto o segundo, de atendimento. Segundo Fernando Chacon, diretor-executivo de Marketing do banco, a entrada nas redes sociais marca o estreitas Mundo Corporativo nº 33 Julho-Setembro 2011• 33 processo interno pós-fusão das duas instituições. “O fenômeno das redes sociais reflete uma revolução nas plataformas de atendimento e na forma como se faz propaganda. Existem muitas vantagens, como o feedback imediato”, diz Chacon. Outra empresa de origem brasileira envolvida nas mídias sociais é a Natura. Desde 2008, quando estreou um blog voltado às consultoras, a empresa vem aumentando sua presença digital com o lançamento de canais no YouTube, Facebook e Twitter. “Nossa estratégia é focar o assunto, e não o produto”, comenta Marcio Orlandi Junior, gerente de Internet da indústria de cosméticos. Fernando Chacon, do Itaú Unibanco: feedback imediato dos consumidores é uma das vantagens da revolução das redes sociais Conexões colaborativas Uma das grandes apostas do mercado de comunicação global é a realização de campanhas colaborativas. Para explorar o potencial das redes sociais, marcas abrem espaço para seus públicos contribuírem com sugestões sobre novos produtos e ações corporativas, como exemplos. Definida conceitualmente como crowdsourcing, a colaboração 2.0 já tomou conta das ações na web. A Fiat chegou a desenvolver um carroconceito, denominado Fiat Mio, a partir de 11 mil ideias enviadas via internet por mais de 17 mil participantes de 160 países. “A interação das pessoas em meios digitais e o poder de influência e propagação de opiniões são uma realidade sem volta. O Twitter, por exemplo, pode ser considerado hoje um termômetro de desempenho das marcas nas mídias sociais e na internet. Não é possível mais tratar as redes como modismo, mas, sim, como uma nova e poderosa ferramenta de comunicação”, completa Ciaco, da Fiat. No segmento de bebidas, acostumado a destinar grandes verbas para a publicidade tradicional, a internet e, especialmente, as redes sociais ganham cada vez mais importância globalmente. A marca de vodka Smirnoff realizou, no fim de 2010, o “Smirnoff Nightlife Exchange Project”, projeto global centralizado no Facebook, que teve o intuito de reunir opiniões de pessoas de 14 países sobre o melhor da cultura noturna em cada um deles. Ao final, a empresa armou um intercâmbio global, promovendo em cada um dos países participantes uma festa inspirada na cultura do outro. “O resultado da iniciativa foi a formação de uma comunidade com mais de 63 mil pessoas de todas as partes do Brasil”, conta Sergio Giogetti, gerente de Marketing da Smirnoff, que atualmente reúne quase 400 mil fãs em sua página brasileira no Facebook. A PepsiCo lançou recentemente três versões de Ruffles com base em pratos como o strogonoff e o yakissoba e no tempero mel e mostarda. As novidades foram escolhidas a partir de sugestões enviadas, via internet, pelos próprios consumidores durante a promoção “Faça-me um sabor”. Os três sabores ficarão nas gôndolas de julho a setembro e o campeão permanecerá no mercado por, pelo menos, mais três meses. A escolha do vencedor caberá ao consumidor, levando-se em conta o desempenho de vendas (60% do peso da seleção final) e a votação dos fãs no site da marca (40% do peso da seleção final). As versões lançadas foram escolhidas entre quase 2 milhões de inscrições 34 • Mundo Corporativo nº33 Julho-Setembro 2011 “A interação das pessoas em meios digitais e o poder de influência e propagação de opiniões são uma realidade sem volta. O Twitter, por exemplo, pode ser considerado hoje um termômetro de desempenho das marcas nas mídias sociais e na internet.” João Batista Ciaco, diretor de Publicidade e Marketing de Relacionamento da Fiat recebidas de todos os Estados do País. “O grande ganho que tivemos com essa campanha foi poder ouvir nossos consumidores, nos aproximar deles, entender o que eles desejam. A participação do público mostra o quanto o consumidor gosta de participar da construção das marcas que eles admiram. Não podemos mais achar que a marca pertence a uma empresa. A marca pertence aos consumidores”, analisa Renata Figueiredo, diretora de Marketing da PepsiCo. Histórias reais no ambiente virtual Com o acesso rápido e fácil às informações a partir de qualquer parte do planeta, uma boa história entra como protagonista na briga pela conquista de audiência. Nessa linha, a Microsoft colocou no ar, em junho, a websérie “As Crônicas de um PC”, que narra a história real de Cilene da Silva Pereira, 28 anos, moradora de Rio das Pedras, na zona oeste do Rio de Janeiro. Sua vida muda a partir do contato com o computador – ela edita fotos e posta no Orkut para os familiares da Paraíba, conversa com eles por meio de comunicadores online, conhece o sobrinho via webcam. Criada pela agência Wunderman para aproximar o Windows 7 das famílias que estão comprando o primeiro computador, a ação ganhou blog, canal no YouTube e páginas no Orkut e Facebook. Sergio Giogetti, da Smirnoff: formação de uma comunidade com mais de 400 mil fãs da marca nas redes sociais Renata Figueiredo, da PepsiCo: consumidor gosta de participar da construção das marcas que admira Mundo Corporativo nº 33 Julho-Setembro 2011• 35 Ana Cotart, da AgênciaClick: engajamento é a principal meta a ser atingida pelas empresas nas redes sociais Cilene da Silva Pereira: personagem real de websérie da Microsoft, que quer se aproximar das famílias que compram seu primeiro computador “A grande transformação que está acontecendo no Brasil é na classe C. As classes A e B continuam sendo importantes e estão comprando o seu segundo computador portátil. Hoje, 40% dos computadores pessoais vendidos no País são para as classes emergentes”, diz Priscyla Alves, gerente-geral de Windows Consumer da Microsoft, explicando a importância do segmento, agora estratégico para a empresa. Para a Microsoft, a internet é considerada um meio de massa para esse público hoje, especialmente o jovem. “Os adultos querem dar aos filhos acesso a um mundo que não tiveram”, finaliza. Potenciais de um novo contexto Pioneira entre as especializadas no mercado digital, a AgênciaClick Isobar aposta que a associação entre tecnologia, ferramentas e comportamento das pessoas é o caminho para inovar nas redes sociais. “A resposta nas redes sociais está no engajamento, e não no número de views. A geração de engajamento está no campo da ideia, não na compra de mídia”, analisa Ana Cotart, vice-presidente de 36 • Mundo Corporativo nº33 Julho-Setembro 2011 Planejamento da agência. A executiva afirma que o compartilhamento de fotos e vídeos ainda nem chegou perto de ser explorado pelas pessoas e pelas marcas em todo o seu potencial. Além disso, ela chama a atenção para as redes de localização, como o Foursquare, que também ainda não foram exploradas em toda a sua potencialidade. “Até porque as pessoas ainda estão descobrindo esses ambientes”, completa. Paulo Sanna, da Wunderman, diz que a grande tendência é a integração de ações de comunicação tendo como centro as atividades em redes sociais. Ele revela que, cada vez mais, as ações nos mais diversos canais, sejam eles online ou offline, vão conduzir os consumidores para experiências de marca que acontecem nas redes sociais. “A razão para isso é simples. O grande papel que as marcas sempre tiveram na vida das pessoas foi o de ajudar o consumidor a se expressar, refletindo sua autoimagem. Nunca houve um meio em que esse papel pudesse ser cumprido com tanta profundidade como as redes sociais”, compartilha Sanna. A leveza de um gigante O Brasil do século 21 desponta com uma economia sólida, globalizada e diversificada. No campo diplomático, ampliamos nossa influência com um posicionamento “soft power”. Agora, uma das prioridades é acelerar sua inserção no crescente comércio internacional. Por Roberto Giannetti da Fonseca E nquanto nos últimos 20 anos o Produto Mundial Bruto cresceu em média 2% ao ano, o comércio mundial vem crescendo a uma taxa média de 6% no mesmo período, ou seja, três vezes mais. Isso indica a relevância da atividade de comércio exterior como fator dinâmico de desenvolvimento econômico para qualquer país do mundo. Os asiáticos, especialmente, assumiram a estratégia de “export led growth” como prioridade nas suas políticas de crescimento econômico, investindo fortemente em inovação, competitividade, e eficiência produtiva. E como consequência vêm colhendo resultados comparativos espetaculares em relação a outras regiões do globo. Basta tomar, por exemplo, as estatísticas econômicas e de comércio exterior da China, Coreia do Sul e Índia nos últimos anos e compará-las com as de países europeus ou latino-americanos para se ter uma comprovação inequívoca da correção da estratégia adotada. O Brasil, uma economia ainda com baixo nível de inserção internacional, apresentou em 2010 um grau de abertura – medido a partir da soma das exportações e importações dividida pelo Produto Interno Bruto (PIB) do período – de apenas 18,4%, enquanto outros países emergentes de mesmo porte econômico apresentaram, em geral, índices superiores a 30%. Daí resulta, de um lado, a visão crítica de nossa debilidade comercial corrente no mundo globalizado, e, de outro, a oportunidade de adoção em futuro próximo de uma nova política de inserção internacional da economia brasileira com base em forte expansão da atividade de comércio exterior, em ambas as direções, ou seja, exportações e importações crescendo simultaneamente a taxas três ou quatro vezes superiores às taxas de crescimento do PIB. Obviamente, para que isto ocorra de forma sustentável, serão necessárias a adoção Mundo Corporativo nº 33 Julho-Setembro 2011• 37 de inúmeras medidas, macro e micro, com foco na competitividade econômica, e, também, a construção de um espaço de integração econômica bem mais amplo do que o obtido até agora, limitado, neste momento, à participação exclusiva na América do Sul ou na região latinoamericana. Com uma base industrial relativamente diversificada e sofisticada, o Brasil não deve abdicar de um simultâneo crescimento de sua produção agrícola e industrial, mesmo tendo em vista a inédita valorização das commodities agrícolas no mercado internacional. Muito menos é recomendado que o País venha a alterar significativamente a atual distribuição geográfica de suas exportações, mantendo um quadro de baixa concentração por país ou por região econômica e bem diversificado em todos os continentes do globo. O Brasil do início do século 21 é um país que vem ocupando lugar de crescente destaque no cenário internacional, seja pelas suas dimensões populacional, econômica ou territorial. Há quase um século e meio, o País observa uma situação de paz ininterrupta com seus vizinhos e é a única nação com a dimensão que tem que não se apresenta como potência nuclear e nem militar convencional. Daí resulta a referência atual ao Brasil como “soft power”, ou seja, uma nação que se qualifica no contexto internacional pelo poder de persuasão diplomática e de capacidade de negociação, atuando, muitas vezes, como importante protagonista em debates internacionais sobre meio ambiente, comércio mundial, saúde, combate à pobreza, energia renovável e agricultura e alimentação. Sua marcante atuação recente nas reuniões do G-20, como também na Conferência do Meio Ambiente de Copenhague, em 2009, são dois exemplos da nova atitude brasileira no contexto internacional. Potência na energia e nos alimentos Cabe destacar, na primeira década do novo milênio, a crescente incerteza que cercou as economias centrais, caracterizadas pelo baixo crescimento e alto grau de endividamento da Europa, dos Estados Unidos e do Japão. Por outro lado, a expansão apresentada pelas economias emergentes promoveu uma gradual valorização das commodities, alterando os termos de troca e os fluxos no comércio internacional a favor dos países com recursos naturais abundantes, como é o caso do Brasil. Além da incerteza econômica que predomina no cenário mundial, dois outros temas apresentam crescente preocupação e são presenças frequentes nos debates internacionais dos últimos anos: as inseguranças energética e alimentar. São esses dois temas os que mais angustiam a humanidade desde a virada do século e que se projetam para o futuro com enorme grau de incerteza, diante das dificuldades de serem superadas por iniciativas internacionais em busca de maior nível de produção competitiva e sustentável. “O Brasil, à medida que elevar sua inserção no cenário internacional, deverá não só experimentar um maior ritmo de crescimento econômico e social, mas também poderá se tornar cada vez mais um importante interlocutor internacional em temas como meio ambiente, segurança energética e alimentar.” 38 • Mundo Corporativo nº33 Julho-Setembro 2011 de energia elétrica com base nos volumes de bagaço de cana já existentes a cada safra , o que equivale, mais ou menos, à usina de Itaipú. Enquanto outros países desenvolvidos debatem sobre a inconveniência da energia nuclear depois do acidente sísmico no Japão em abril e as consequências ambientais na região de Fukushima, como também sobre o crescente custo econômico e ambiental dos combustíveis fósseis, tais como petróleo, carvão e gás natural, o Brasil segue investindo na sua base energética de fontes renováveis, tornando-a uma referência mundial. Alguns líderes mundiais discutem, inclusive, a possibilidade da precificação em um futuro próximo do custo ambiental de fontes poluentes de energia para desincentivá-las em relação a outras menos poluentes e renováveis. Caso essa tendência evolua, países como o Brasil serão fortemente beneficiados no custo relativo de produção. Ocorre que, em ambos os casos, o Brasil não é o problema, mas sim a solução, ou, no mínimo, parte significativa dela. No caso da energia, além de já contarmos com uma matriz energética de baixo carbono, com cerca de 45% do nosso consumo energético proveniente de fontes renováveis, principalmente da hidroeletricidade ou do etanol combustível, temos ainda um enorme potencial de expansão futura de fontes sustentáveis de energia, tais como a biomassa, eólica, solar e hidráulica. A experiência de mais de 30 anos no uso contínuo do etanol como combustível veicular e o desenvolvimento da tecnologia automotiva flex fuel posicionam o Brasil como um dos importantes protagonistas desta matéria. A evolução tecnológica recente tem permitido um significativo aumento do grau de eficiência na geração de eletricidade a partir da combustão da biomassa (bagaço de canade-açúcar) em caldeiras de alta pressão e do próprio etanol em motogeradores de capacidade média (até 400 KVA). Somente no Estado de São Paulo existe uma capacidade potencial de cerca de 10.000 MW Certamente, uma boa parte da experiência brasileira na matéria de energia renovável poderá ser reproduzida em dezenas de países de características climáticas e geográficas similares nos continentes americano, africano e asiático, tornando o Brasil um parceiro estratégico na formulação e no desenvolvimento de planos de energia sustentável, aportando-lhes não só seu conhecimento tecnológico acumulado, mas também a exportação de bens de capital, serviços e uma parcela de capital de risco por meio de empreendedores privados. Ao mesmo tempo, muitas multinacionais já consideram a possibilidade de migração de elos eletrointensivos de certas cadeias produtivas de plantas localizadas em países desenvolvidos para alguns dos emergentes, com abundância de energia renovável competitiva, o que traz para economias como a brasileira uma nova e atrativa posição estratégica no mapa dos investimentos internacionais. É o caso, por exemplo, das indústrias de papel e celulose, de alumínio, de siderurgia e de petroquímica. Além desse promissor cenário no rol das energias renováveis, a descoberta recente de importantes reservas de petróleo e gás natural no Brasil, o Mundo Corporativo nº 33 Julho-Setembro 2011• 39 posiciona como um dos cinco maiores produtores e exportadores mundiais nas próximas décadas. Imagina-se, nas projeções mais conservadoras, que já em 2015 o Brasil deverá exportar um volume próximo de 2 milhões de barris de petróleo por dia, ou, o que seria melhor ainda, o equivalente em produtos derivados, como o diesel, a gasolina e a nafta. Já as significativas descobertas recentes de reservas de gás natural nas bacias on-shore (Maranhão, Amazonas e Minas Gerais) e A necessidade de uma imersão A soma das exportações e importações dividida pelo Produto Interno Bruto (PIB) cria um importante fator para medir o grau de abertura econômica das nações. Comparado aos seus principais concorrentes diretos no crescente comércio global, o Brasil ainda necessita de uma política mais estruturada para uma maior inserção no mercado internacional. Desempenho do grau de abertura da economia brasileira (balança comercial/PIB) 24,0 20,6 21,3 22,0 21,8 21,0 22,4 20,6 18,4 17,6 17,2 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 Grau de abertura de economias emergentes no ano de 2010 (balança comercial/PIB) 87,9 Coreia do Sul 58,6 Chile 48,4 África do Sul 43,8 Rússia 33,9 Argentina Índia 26,6 Fonte: Departamento de Relações Internacionais e de Comércio Exterior da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP) 40 • Mundo Corporativo nº33 Julho-Setembro 2011 off-shore (Rio de Janeiro, Espírito Santo e São Paulo) permitirão não só a expansão exponencial do parque termoelétrico nacional, como também a expansão de indústrias que utilizam o gás como matriz principal, entre elas as de produção de ureia e amônia, vidro, cerâmica, produtos metalúrgicos e siderúrgicos e papel e celulose. Isso não só trará um aporte extra de receitas de exportação para o País, mas também uma maior importância no cenário internacional, enquanto fornecedor confiável de produtos que demandam uso intensivo de bases energéticas. No campo da alimentação, o papel do Brasil no cenário internacional já é de grande destaque e tende a ficar ainda mais relevante diante da prevista escassez de fontes de proteína vegetal e animal para fazer frente ao exponencial crescimento de consumo mundial nas próximas décadas. Tomem por exemplo, os dados recentemente divulgados pela FAO (Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação): o mundo precisará produzir 70% mais alimentos até 2050. Mas espera-se que o crescimento da produção agrícola desacelere para 1,7% ao ano até 2020, ante 2,6% ao ano ao longo da década anterior, de acordo com as últimas estimativas. Tal combinação ajudará a elevar ainda mais os preços dos alimentos e a consumir os estoques reguladores. A escassez de alimentos e a consequente alta de seus preços trarão maior intranquilidade aos governos e aos mercados, podendo, eventualmente, gerar graves crises políticas, tensão entre países e mesmo conflitos regionais. O risco de mudanças climáticas agrava esse cenário, pois estas podem gerar volatilidade na oferta de alimentos, por conta de eventuais secas, inundações e temperaturas excessivamente frias ou quentes. O Brasil já é hoje em dia uma potência agrícola e ambiental. Temos sido nos últimos anos os maiores exportadores mundiais de carne bovina, carne de frango, suco de laranja, açúcar, café e etanol e entre os três ou quatro maiores de carne suína, soja, cacau, milho e algodão, entre outros produtos agrícolas. Com um setor de agronegócio moderno e dispondo de avançada tecnologia de agricultura Apesar dos recentes avanços do País nas exportações, ainda é preciso acelerar muito a atuação brasileira no comércio internacional tropical, o Brasil tem alcançado um notável ganho de produtividade agrícola nas últimas décadas, visto que de 1990 para cá nossa produção de grãos aumentou três vezes em volume, de 50 milhões para pouco mais de 150 milhões de toneladas por ano, enquanto a área plantada cresceu apenas 33%, de cerca de 45 para 60 milhões de hectares. Podemos afirmar, sem risco de ufanismo, que nenhum país do mundo apresenta condições de aumento da oferta de alimentos no século 21 como o Brasil. Além dos contínuos ganhos de produtividade que ainda virão no futuro próximo a partir das novas técnicas de plantio direto, melhoramento genético de sementes e uso de fertilizantes, ainda dispomos de cerca de 90 milhões de hectares de terras para agricultura, que hoje são pastagens de baixa intensidade (menos de uma cabeça de gado por hectare), as quais poderão ser utilizadas em breve para a expansão da produção agrícola, isso bem longe da Floresta Amazônica e sem nenhum desmatamento adicional. Caso ocorram como previstos novos e significativos investimentos em modais logísticos mais competitivos do que rodovias, tais como ferrovias, dutovias e hidrovias, dezenas de milhões de hectares de terras agrícolas serão incorporadas à economia exportadora do País, tornando viável o seu escoamento a custos baixos para os principais portos na costa brasileira. Nossas reservas de água potável equivalem a 12% das mundiais, sendo relativamente bem distribuídas pelo território nacional, e beneficiam mais de 70% do território brasileiro com farta disponibilidade de recursos hídricos para a agricultura, geração de energia e uso humano. Podemos concluir, portanto, que o Brasil, à medida que elevar sua inserção no cenário internacional, deverá não só experimentar um maior ritmo de crescimento econômico e social, mas também poderá se tornar cada vez mais um importante interlocutor internacional em temas como meio ambiente e segurança energética e alimentar. O Brasil do século 21 poderá ser um ator internacional em franca ascensão, com o prestígio de uma economia cada vez mais sólida, integrada ao mercado internacional e diversificada em áreas estratégicas de produção agrícola e industrial. E, no campo diplomático, um país cada vez mais influente pela prática do “soft power”, com uma nova atitude explícita de relacionamento construtivo e pacífico com seus parceiros internacionais. Roberto Giannetti da Fonseca, empresário e economista, é diretor titular de Relações Internacionais e de Comércio Exterior da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP). É autor do livro “Memórias de um Trader” (Editora IOB Thomson, 2002). Mundo Corporativo nº 33 Julho-Setembro 2011• 41 O mundo e a corporação Demografia móvel no Brasil Uma pesquisa realizada pela Deloitte em 15 países, entre eles, o Brasil, traz um levantamento sobre o universo de usuários de aparelhos celulares e dispositivos como smartphones e banda larga móvel. O estudo “Mobile Consumption” entrevistou mais de 2 mil pessoas de todas as classes sociais e regiões do País. A amostra brasileira aponta que mais de 40% dos participantes afirmam possuir mais de dois aparelhos. No Brasil já são mais de de 200 milhões de unidades. “Tornou-se completamente óbvio que a nossa tecnologia excedeu a nossa pesquisa também mostra como o brasileiro acessa humanidade.” Aa internet. A ampla maioria (61%) utiliza de rede fixa Albert Eisten, cientista a partir de banda larga ou discada, mostrando um grande campo para ampliação das redes móveis, capitaneadas pelo uso da internet no celular ou smartphone por apenas 16% dos participantes. Na visão do usuário de internet, no Brasil a utilização da banda móvel não acontece com tanta frequência devido às tarifas ainda altas e à necessidade de uma velocidade maior. Os dois pontos aparecem como empecilhos à frente mesmo da qualidade ofertada. Com a ampliação do uso da internet com alta velocidade nos dispositivos móveis, o Brasil aparece com grandes oportunidades para ações que envolvam esses aparelhos, entre elas, a sua utilização como meio de pagamento em lojas físicas, de promoção de produtos e de novas formas de interação com o consumidor. O que faria o brasileiro usar mais a banda larga móvel? (%) Tarifas mais baratas 43 Maior velocidade 43 Mais locais cobertos pela rede 35 Melhor qualidade 25 Questões com múltipla escolha Fonte: amostra brasileira da pesquisa global Mobile Consumption (Deloitte, 2011) MundoCorporativo Conselho editorial: Juarez Lopes de Araújo Heloisa Helena Montes Pesquisa de imagens: Elisa Paulillo e Otavio Sarsano Arte: Mare Magnum Coordenação editorial: Renato de Souza, Mtb 26.563 Edição: Julio Meneghini Produção editorial: Ester Rossi e Sthefani Tironi Produção gráfica: Leonardo Salles Fotos: Flávio Guanieri (foto ABVCAP) Walter Craveiro Reportagens e artigos: Felipe D. Koch Jander Ramon José Saad Neto Luciano Correia Patrícia Valério Roberto Giannetti da Fonseca Colaboração: ABVCAP, AgênciaClick, Biselli+Katchborian Arquitetos, IBGC, Itaú Unibanco, Managic, Microsoft, Mundo Verde, Natura, PepsiCo, Smirnoff, Welcome Real-time e Wunderman Coordenação de pesquisa econômica: Fernando Ruiz e Giovanni Cordeiro Revisão: Miriam M. Soares Sonia Hagemann Gráfica: Intergraf Tiragem: 47.000 exemplares Contato para leitores: [email protected] (fone 11-5186-6686) O conteúdo dos artigos assinados pelos articulistas colaboradores e das entrevistas concedidas à Mundo Corporativo não reflete necessariamente as opiniões da Deloitte. 42 • Mundo Corporativo nº33 Julho-Setembro 2011mais informações sobre os assuntos tratados nesta edição e em edições anteriores. www.deloitte.com.br – Acesse, no site da Deloitte, Estão reservados à Deloitte todos os direitos autorais desta publicação. 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