Sementes
do capital
Levantamento inédito de Deloitte e BM&FBovespa
aponta quanto custa abrir capital no Brasil.
E sinaliza o quanto é importante se preparar desde
bem cedo para uma IPO, fortalecendo a governança
e se planejando para otimizar os investimentos
que vão gerar frutos no médio e longo prazos.
Por Guilherme Meirelles
O
período de poucas aberturas
de capital que o Brasil tem
vivenciado, em um mercado
fortemente impactado pelo
cenário de incertezas nas
economias maduras, pela
concorrência de bolsas de valores da Ásia e de
outros determinantes globais, costuma gerar menor
interesse dos agentes investidores e empresariais
pelos desafios de uma Initial Public Offering (IPO
ou “Oferta Pública Inicial”). É justamente nesse
momento que se justifica um estudo mais apurado
sobre o que envolve a transição de uma empresa
para uma companhia de capital aberto. Afinal,
o mercado de capitais continua a mostrar sua
vocação como fonte alternativa de captação e,
para aproveitá-lo da melhor maneira, hoje ou nos
próximos anos, nada mais prudente do que agir
com planejamento desde já.
O processo de transformação de uma empresa em
uma companhia aberta abrange uma série de etapas
e investimentos para a adequação às exigências
previstas pelas principais entidades reguladoras,
Mundo Corporativo nº 37 Julho-Setembro 2012 • 31
como a Comissão de Valores Mobiliários (CVM).
Entre os diversos passos, estão a constituição de
um conselho de administração, a presença de uma
auditoria externa, o alinhamento às boas práticas de
governança corporativa – que variam conforme o
porte e as necessidades da companhia – e também
a contratação de intermediários, como uma (ou
mais) instituição financeira e uma consultoria
especializada. Importante considerar também as
taxas para a operacionalização, agora como uma
companhia de capital aberto.
A fim de ajudar o emissor a se preparar para
acessar o mercado de capitais, o estudo “Custos
para Abertura de Capital no Brasil”, produzido
pela Deloitte e pela BM&FBovespa, analisou as
informações públicas de 214 companhias que
realizaram suas IPOs e follows-ons (emissões
subsequentes) ao longo de um extenso período, de
janeiro de 2005 a dezembro de 2011. No tempo
analisado, a média anual das captações somou
cerca de R$ 26 bilhões. Já os custos médios anuais
das empresas com comissões e despesas somaram
R$ 961 milhões, representando 3,7% do valor
registrado nas distribuições ao longo do período
(três emissões – Vale, Petrobras e Santander –
não foram analisadas para evitar distorções nos
resultados do estudo devido ao volume muito acima
da média do período).
Para Cristiana Pereira, diretora de Desenvolvimento
de Empresas da BM&FBovespa, é possível reduzir
os custos de acesso e preparação com base em
uma metodologia que priorize a organização e
o planejamento. “A empresa não pode tratar o
processo de IPO como uma corrida de 100 metros,
e, sim, como uma maratona”, destaca. “Muito
do custo é pelo retrabalho. Ou seja, quanto mais
metódica a companhia, menores serão os custos.
O ideal é ter as informações internas organizadas,
do ponto de vista fiscal, trabalhista e contábil”,
completa Cristiana. Entre os casos mais comuns,
ela cita o de empresas que passam informações
incompletas aos auditores, sejam fiscais, trabalhistas,
jurídicas ou contábeis. “Assim, o processo atrasa,
o que gera mais horas trabalhadas e maior custo.”
32 • Mundo Corporativo nº37 Julho-Setembro 2012
Custos e distribuições
3,7%
Percentual correspondente aos custos totais das companhias que
abriram capital nos últimos sete anos completos, sobre o total
das distribuições registradas ao longo de todo esse período.
Para ela, o prazo mínimo ideal para a tomada de
decisão deve ser de três anos, tempo mínimo para
que a companhia possa ter três balanços anuais
auditados com base nos padrões do International
Financial Reporting Standards (IFRS).
Na visão de Alfried Plögler, vice-presidente da
Associação Brasileira das Companhias Abertas
(Abrasca), o percentual de 3,7% de custos sobre as
distribuições, apontado no estudo, pode chegar até
mesmo a 10%, dependendo do porte da companhia
e do volume obtido na captação inicial. Ele ainda
ressalta que, no decorrer do tempo, as despesas
podem ser diluídas conforme o resultado obtido
Cristiana Pereira, da
BM&FBovespa: custos de
acesso e de preparação
podem ser reduzidos
com organização e
planejamento
pela futura nova companhia. Para o dirigente da
Abrasca, os custos podem ser o principal fator de
inibição à entrada de empresas menores na Bolsa,
desmotivando investidores que já estão apreensivos
com as perspectivas do cenário econômico mundial
e a baixa performance da economia brasileira no
primeiro semestre de 2012.
O alerta de Plögler é mais uma razão para se
planejar diante de um futuro momento de
retomada das IPOs. Nos últimos anos, a abertura
de capital no Brasil registrou o seu auge em 2007,
com o ingresso de 64 empresas; no ano passado,
foram 11 IPOs. Em 2012, até o final de julho,
apenas três ofertas iniciais de ações aconteceram
(BTG Pactual, Unicasa e Locamerica). Contudo, o
cenário deve mudar no médio prazo e favorecerá
quem se preparar desde já.
Governança como norte
A partir do momento em que se decide por um
processo de abertura de capital, a futura companhia
deve iniciar o mais breve possível a implementação
das mudanças necessárias para o desenvolvimento
sustentável como uma empresa de capital aberto
com base nos parâmetros das melhores práticas de
governança corporativa, como recomenda Bruce
Mescher, sócio-líder da área de Global IFRS and
Offerings Services (GIOS) da Deloitte, corresponsável
pela organização do estudo com as companhias
abertas, junto à BM&FBovespa, e também por
uma pesquisa primária a respeito da qualidade dos
relatórios financeiros (leia a respeito na pág. 34),
este último, produzido com o Instituto Brasileiro de
Relações com Investidores.
O caso da Natura é exemplar. Em recente palestra
na sede da BM&FBovespa, executivos da companhia
afirmaram que o seu planejamento pré-IPO
(realizado em maio de 2004) demorou seis anos,
período em que foram implementadas as etapas
referentes à governança corporativa, inclusive com
balanços publicados em jornais, o que sequer, à
época, era obrigatório como empresa de capital
fechado. “Companhias mais estruturadas têm
condições de executar os procedimentos com as
próprias pernas”, afirma João Laudo de Camargo,
conselheiro de administração do Instituto Brasileiro
de Governança Corporativa (IBGC).
“As empresas de menor porte necessitam de suporte
externo, seja por meio de recursos, que podem
vir tanto do BNDESPar, ou de private equities”,
completa. Durante essa etapa, a companhia terá
de formar seu conselho de administração (com
o mínimo de três e até 11 membros, sendo 20%
independentes), seu conselho fiscal e avaliar a
criação (não obrigatória) de um comitê interno de
auditoria, “prática bem vista pelo mercado”, diz
Camargo. Estudo do IBGC, do primeiro semestre
de 2011, com 189 companhias listadas, aponta
que a mediana anual de salário de um conselheiro
de uma companhia listada no Novo Mercado é de
R$ 127,6 mil, podendo alcançar R$ 207,4 mil caso a
companhia esteja listada no Nível 1.
João Laudo de Camargo,
do IBGC: existência
de fontes de recursos
para empresas menores
executarem os estágios
rumo à abertura de capital
Mundo Corporativo nº 37 Julho-Setembro 2012 • 33
Novo mundo para os relatórios
Qualidade e integração são os novos focos dos profissionais de RI na exposição de informações ao mercado
Q
uando já superados os
desafios rumo à abertura de
capital, além dos eventuais
custos para a manutenção do novo
status, as companhias abertas
passam a ter uma preocupação muito
mais zelosa sobre a veiculação das
informações. Para melhor entender
como elas enxergam esse ponto
e o que fazem em relação a ele, a
Deloitte e o Instituto Brasileiro de
Relações com Investidores (IBRI)
realizaram uma pesquisa com 42
profissionais de RI, lançada em julho.
O estudo “Qualidade das
Informações – Transparência e
Integração nas Divulgações das
Companhias Abertas”, aponta que
52% das companhias participantes
gastam mais de R$ 500 mil por ano
na divulgação de suas informações –
valor que tende a cair à medida que
as companhias passem a incorporar
cada vez mais os recursos da internet
e, eventualmente, reduzam o volume
de páginas de seus relatórios.
Para Ricardo Florence, presidenteexecutivo do IBRI, há uma tendência
em migrar do formato impresso
para o digital. “A tecnologia tende a
diminuir os custos e isso beneficia as
companhias menores.”
Para Bruce Mescher, sócio-líder da
área de Global IFRS and Offerings
Services (GIOS) da Deloitte, o
impacto da tecnologia coincide com
uma nova fase nas boas práticas
de relações com investidores. “Nos
últimos anos, a palavra de ordem era
transparência. A partir de agora, o
que se busca é maior qualidade das
informações.” Uma tendência para
alcançar o patamar de excelência na
qualidade é uma padronização dos
relatórios de forma a torná-los mais
integrados, com base na proposta
apresentada pelo International
Integrated Reporting Committees
(IIRC), ideia aprovada por 95% dos
RIs ouvidos na pesquisa. Segundo
o IIRC, o relatório integrado deve
apresentar informações relevantes
sobre estratégia, governança,
desempenho, perspectivas e
sustentabilidade, além de um
panorama sobre o modelo de gestão
da companhia.
Para Mescher, os relatórios integrados
vão na linha do que o mercado quer
hoje. “Os analistas e investidores
não desejam apenas um volume
maior de informações. Eles buscam
aquelas que realmente interessam
e que sejam apresentadas e
comunicadas de forma mais simples,
conectada e equilibrada.” Entre as
informações relevantes, aponta, estão
prioritariamente os resultados do
exercício, os panoramas de estratégia
e os aspectos de governança
corporativa.
Quanto custa divulgar
Faixa de gasto médio anual, com a divulgação das informações
3
11
26
34
26
Menos de R$ 10 mil
R$ 10 mil a R$ 100 mil
R$ 100 mil a R$ 300 mil
R$ 500 mil a R$ 1 milhão
Acima de R$ 1 milhão
Nota: não houve nenhuma resposta para a faixa entre R$ 300 mil e R$ 500 mil.
Por isso, ela não consta no gráfico
Percentual de respondentes que assinalaram cada item
Fonte: “Qualidade das informações – Transparência e Integração na Divulgação
das Companhias Abertas” (Deloitte e IBRI, 2012 – o relatório completo pode ser
conferido em www.deloitte.com.br)
“Os analistas e investidores não desejam apenas um volume
maior de informações. Eles buscam aquelas que realmente
interessam e que sejam apresentadas e comunicadas de forma
mais simples, conectada e equilibrada.”
Bruce Mescher, sócio-líder da área de Global IFRS and Offerings Services (GIOS) da Deloitte
34 • Mundo Corporativo nº37 Julho-Setembro 2012
Análise histórica de custos e ganhos
A seguir, um resumo dos valores envolvidos nas 214 ofertas analisadas
pelo estudo “Custos para Abertura de Capital no Brasil”, entre 2005 e 2011,
incluindo comissões e despesas. Três emissões – Vale (R$ 18,4 bilhões),
Petrobras (R$ 115,0 bilhões) e Santander (R$ 12,3 bilhões) – não foram
incluídas na análise para evitar distorções devido ao volume muito acima da
média do período.
Fator avaliado
2005
2006
2007
2008
2009
2010
2011
Ofertas realizadas1
19
42
76
10
23
21
23
214
Soma das distribuições
(em R$ bilhões)
9,3
24,8
62,1
11,8
28,4
26,4
17,0
180,2
0,48
1,1
2,5
0,42
0,89
0,67
0,58
6,7
5,1
4,5
4,1
3,5
3,1
2,5
3,4
3,7
Custos2
(em R$ bilhões)
(em %)
Total
IPOs e follow-ons
Comissões (para coordenadores do processo) e despesas em geral (custos com honorários
advocatícios, auditores e outros custos da oferta)
1
2
Em janeiro de 2011, a empresa calçadista Arezzo
realizou a sua IPO e captou R$ 565,8 milhões.
Tradicional empresa familiar até 2007, a virada de
página aconteceu por ocasião da entrada da gestora
de fundos Tarpon, que injetou R$ 76,3 milhões por
25% da companhia. “O passo inicial foi a formação
do conselho de administração, com a contratação
de executivos renomados, como Arthur Grimbaum,
do Boticário, e Guilherme Afonso Ferreira,
da Bahema Participações”, conta Daniel Maia,
gerente de Relação com Investidores da
Arezzo. Também iniciou-se um processo de
reestruturação interna, principalmente na área
de Recursos Humanos, com ênfase na meritocracia e
em novas diretrizes orçamentárias, bem como
na criação de comitês estatutários, de auditoria e de
estratégia.
Com uma nova filosofia empresarial consolidada,
chegava a hora da Arezzo ir ao mercado. Para
coordenador líder, a instituição escolhida foi o
Itaú BBA, amparado pelo Merrill Lynch e o Credit
Suisse. Três semanas antes da IPO, os executivos
promoveram um road show por São Paulo, Rio
de Janeiro, Londres e cidades norte-americanas,
participando de mais de 100 reuniões com
analistas e potenciais investidores. O resultado
alcançado agradou os controladores. “Mas não
foi barato. Só em comissões, foram despendidos
R$ 25,1 milhões”, afirma Maia.
Já listada na Bolsa, a companhia terá gastos
referentes à manutenção de seu status.
Como, por exemplo, a anuidade da Bolsa,
que vai de R$ 35 mil (para as que possuem capital
social até R$ 50 milhões) até o teto de R$ 850 mil,
além de custos com publicações de demonstrações
financeiras e relatórios (veja mais sobre o
tema no quadro da página ao lado). São
todos itens obrigatórios, mas que vão ajudar a
demonstrar a transparência da companhia junto
ao mercado e a seus investidores.
Mundo Corporativo nº 37 Julho-Setembro 2012 • 35
Download

quanto mais