UM RELATO DE EXPERIÊNCIA DE UM CURSO DE FORMAÇÃO CONTINUADA PARA PROFESSORES NO MUNICÍPIO DE COLINAS DO TOCANTINS Deyze Ilma Oliveira Silva Universidade Federal do Tocantins [email protected] Idemar Vizolli Universidade Federal do Tocantins [email protected] Resumo: Este trabalho tem como objetivo descrever como ocorreu a primeira formação continuada dos professores que ensinam matemática nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental em Colinas do Tocantins no ano de 2013. A coleta de dados foi feita por meio de observação participante, utilizando anotações de campo. As análises foram inspiradas na literatura que trata sobre a formação continuada com ênfase no ensino e aprendizagem de matemática e desenvolvimento profissional docente. Percebemos com este estudo que o projeto de formação continuada oferecido aos professores sugere que aconteça na própria escola, deforma colaborativa e contextualizada. Um dado interessante é que a rede não dispõe de um profissional da área de matemática para oferecer acessória e acompanhamento. Percebemos que ainda é possível avançar na qualidade deste, e que a contextualização e o trabalho colaborativo pode ser um caminho válido para isso. Palavras-chave: Formação Continuada, Desenvolvimento Profissional; Anos Inicias; Matemática. 1. Para inicio de conversa O ensino da matemática nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental é importante para o desenvolvimento do raciocínio lógico, o que ajuda o discente a compreender e interagir melhor na sociedade. Um dos objetivos do processo de ensino e aprendizagem consiste no desenvolvimento de habilidades matemáticas relativas à leitura de números, aos cálculos e o tratamento de informações, por exemplo, as quais são essenciais para a pessoa resolver problemas com que se depara cotidianamente (Brasil, 2001, p. 15). Para Taglieber, Vizolli e Aciel (2007, p. 06), ensinar matemática é tão importante quanto ensinar a ler e escrever: enquanto a leitura e a escrita facilitam a comunicação entre as pessoas, o conhecimento de noções matemáticas facilita a interação e compreensão de quantidades, relações abstratas e lógicas. Apontam também que é comum que professores dos Anos Iniciais do Ensino Fundamental centrem “seu trabalho no binômio ‘ler e escrever’ em detrimento do processo de interpretação, raciocínio lógico e compreensão de conceitos matemáticos”. Curi (2004), Nacarato, Mengali e Passos (2009), apontam que os cursos que formam professores para atuar nos primeiros anos de escolarização não oferecem suporte suficiente para o ensino da ciência matemática e que estes professores geralmente trazem em sua história uma relação negativa com a matemática ensinada na escola, o que, muitas vezes, gera bloqueios para aprender e ensinar conteúdos dessa disciplina. Ao refletir sobre a formação inicial1 de professores dos Anos Inicias do Ensino Fundamental, Nacarato, Meticangali e Passos (2009, p. 22), afirmam que as “futuras professoras polivalentes2 têm tido pouca oportunidade para uma formação matemática que possa fazer frente às atuais exigências da sociedade”. Isso pode refletir na prática docente e no ensino e aprendizagem desta ciência. Uma alternativa para resolver este problema é a formação continuada, que tem como objetivo melhorar a qualidade do ensino e aprendizagem. Esta está prevista em lei, no art. 63º da LDBEN/96, a qual preconiza que as instituições de ensino superior devem oferecer, além da formação inicial mediante curso superior, educação continuada para os profissionais de educação. Bertucci (2009) ressalta a diferença entre formação continuada e desenvolvimento profissional, afirmando que a primeira é aquela de influência externa, acontece de fora para dentro (por meio dos encontros de formações, cursos, palestras, entre outros) ao passo que a segunda acontece de dentro para fora, uma “tentativa de rompimento com a concepção tradicional de formação” (BERTUCCI, 2009, p. 64). Desta forma entendemos por formação continuada a ação realizada com a finalidade de oferecer aos profissionais em exercício instrumentos para o exercício da prática, como um “suporte” ao desenvolvimento profissional, ao passo este é uma ação pessoal, e se dá a partir do momento que o indivíduo resolve utilizar tais instrumentos para otimizar seu trabalho, é, segundo Ponte (1998) o movimento no qual o professor 1 2 desenvolve-se pessoal e Refere-se a formação de curso superior. Termo utilizado por alguns autores para denominar professores que atuam nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental. profissionalmente, afirmando que o objetivo deste é “tornar os professores mais aptos a conduzir um ensino da Matemática adaptado às necessidades e interesses de cada aluno e a contribuir para a melhoria das instituições educativas, realizando-se pessoal e profissionalmente” (p. 03). Aqui o protagonista, segundo esse autor, deve ser o formando, que deve participar efetivamente de todo o processo, avaliando sua prática, desenvolvendo projetos e ligando a teoria apreendida nas formações à prática docente. Bertucci (2009) afirma que a formação continuada instrumentaliza o professor para a prática, já o desenvolvimento profissional é inerente à iniciativa individual sobre o que ele vai fazer, tendo como base os conhecimentos que recebeu nas formações, para melhorar a qualidade do ensino e da aprendizagem. Quando se fala em desenvolvimento profissional é importante ressaltar que este ocorre, geralmente, em contextos colaborativos, como afirma Ponte (1998), onde os participantes tendo a oportunidade de interagir e compartilhar experiências com outros do grupo, sentindo-se apoiado. Outro ponto importante levantado pelo autor (1998) é que este processo depende muito mais de cada professor, sendo que se trata de algo de sua inteira responsabilidade. Cabe a este investir e buscar desenvolver-se profissionalmente. Nesse sentido Bertucci (2009) também acredita que o estudo realizado de forma colaborativa pode potencializar o desenvolvimento profissional, uma vez a formação é feita com, e não sobre o professor, tratando-o como agente participativo do processo. Nacarato, Mengali e Passos (2009, p. 124) concorda com a mesma definição de desenvolvimento citada aqui, apontando que existem vários fatores que “interferem do desenvolvimento profissional docente” e que há “cotextos de formação que potencializam o desenvolvimento profissional”. À exemplo do que pode disto citam: “o trabalho colaborativo e partilhado; as práticas investigativas; As práticas coletivas e reflexivas; e a adoção de práticas de formação que possam desencadear a reflexão, e, consequentemente, o desenvolvimento profissional.” 3. A EXPERIÊNCIA VIVENCIADA: COMPREENDENDO A DINÂMICA DO PROJETO DE FORMAÇÃO CONTINUADA. 3.1 Um panorama geral da formação continuada aos professores que ensinam matemática nos anos iniciais do ensino fundamental. No ano de 2012 a Secretaria Municipal de Educação e Cultura (SEMEC) ofertou aos professores dos Anos Iniciais do Ensino Fundamental uma formação continuada com ênfase no ensino e aprendizagem de matemática, por meio da acessória do instituto Avisa lá, com o programa Além dos Números, de âmbito nacional, o qual tem como objetivo formar multiplicadores - pessoas que ofereçam a formação em suas respectivas secretarias. Desta forma uma equipe da SEMEC participou das formações e repassou aos coordenadores, que são os responsáveis pela formação continuada, que acontece na escola, e pelo acompanhamento das atividades propostas em sala de aula. A formação aconteceu quatro vezes ao ano e destinou-se a professores do 1º ao 5º ano do Ensino Fundamental. Para o ano de 2013 está prevista um projeto com organização semelhante ao ano passado, porém sem acessória externa à rede. Trata-se do Entre Números e Textos. Este também é organizado em quatro encontros, de 8h cada, porém 4h reservado ao estudo de conteúdos matemáticos e 4h ao estudo de português. Uma equipe da SEMEC realizada a formação com os coordenadores pedagógicos, que são ao responsáveis por realizá-la na escola, aos professores dos Anos Iniciais do Ensino Fundamental. O projeto de formação continuada prevê um total de 32 horas de curso presencial com aulas teóricas e práticas e também atividades extras a serem desenvolvidas pelos participantes, coordenadores e professores, na escola e nas aulas. Ressaltando que metade do curso tem foco em matemática e a outra em português. 3.2 O primeiro encontro de formação continuada: Entre Números e Textos. O estudo teve início às 7h e encerrou às 11, tendo como objetivo o estudo de conceitos sobre o Sistema de Numeração Decimal. O encontro foi realizado na SEMEC, sendo ministrado pelas supervisoras do Ensino Fundamental e pela Diretora Executiva de Gestão Pedagógica da rede municipal de ensino. Participaram do curso as coordenadora pedagógicas das escolas municipais de Colinas do Tocantins, aproximadamente 14. O encontro iniciou com a retomada formação do ano 2012 do Programa Além dos Números (ADN), onde foram apresentadas algumas fotos de formações e atividades que foram desenvolvidas pelas professoras. No segundo momento as formadoras iniciaram uma conversa sobre o Sistema de Numeração Decimal, pedindo às participantes que socializassem algumas questões que haviam sido enviadas às coordenadoras pedagógicas para que respondessem com as professoras. Esta atividade tinha como objetivo identificar quais as dúvidas e conhecimentos o grupo tinham sobre o tema. As coordenadoras afirmaram que as professoras encontram dúvidas em relação ao ensino de interpretação e resolução de situações problemas, do que é unidade e dezena na composição dos números, bem como trabalhar com estudantes que não possuem as habilidades referente ao ano anterior, inclusive levantando a questão de alguns chegarem sem conceito básico de unidade/dezena/centena no 4º e 5º ano. Em uma discussão levantada pelo grupo, sobre as possíveis causas desses problemas, alguns componentes apontaram que esses teriam relação com a metodologia utilizada, onde se prioriza atividades teóricas em detrimento das práticas. Quanto aos recursos para trabalhar o sistema de numeração decimal afirmaram que os professores utilizam atividades escritas no quadro giz, livro didático, quadro valor de lugar, material dourado, palitos, tampinhas, dominó, ábaco, brincadeiras com desafios, trilhas usando números, papel cartão, EVA, palito de picolé, caixa de fósforos entre outras. Esta fala parece contradizer a afirmação anterior, tendo em vista que os docentes apresentaram uma vasta lista de materiais concretos, porém é preciso uma análise de como esses instrumentos são utilizados, assim como o tempo reservado ao uso de cada um desses. Em seguida fizemos a leitura do texto “A base de todas as operações”, de Chibli, Gentile e Araújo (2007), tendo como norte algumas questões. Na discussão tratamos da possibilidade de investigar os que as crianças sabem sobre o sistema numérico e sobre quando é conveniente fazer essa investigação. O grupo apontou que é possível realizar uma sondagem nesta perspectiva, afirmando que o momento ideal é o inicio do ano letivo. Sobre as situações sociais em que a criança vivencia o uso de números antes ingressar na escola, o grupo apontou o uso de calendários, telefones, preços de produtos, numeração das casas, total de pontos obtidos no jogo de vídeo game, relógios, cédulas e moedas, velas de aniversário que indicam a idade, entre outros, e que as crianças já chegam à escola com alguns conceitos formados a esse respeito: acreditam que o valor correspondente à dezena é quem define quem é maior ou menor (em um exemplo usando o número 12 e o 21, mesmo compostos pelos mesmos algarismos sabem que o 21 é maior); consideram quantidade de algarismos que formam um determinado número, para dizer se esse é maior ou menor; e, em alguns casos, imaginam que o valor absoluto é quem defino isto, em 99 e 111, por exemplo, onde as crianças consideram que o primeiro seja maior que o segundo. A outra atividade realizada foi a projeção de uma animação, “Ditado de números” da Revista Nova Escola, onde uma professora pedia que as crianças escrevessem no quadro o número 150. Três crianças responderam, sendo as respostas: 100050, 150 e 10050. Depois os convidou a refletir sobre os números escritos no quadro, levando-os a observar qual era o número correto. As formadoras ressaltaram a importância desta postura em sala de aula, instigando os estudantes a refletir sobre o erro. Foi colocada em pauta uma discussão com a questão: Como o professor pode intervir para ajudar a criança a notar os números convencionalmente? O grupo enfatizou que a professora pode intervir, garantindo situações onde a criança possa confrontar o que sabem, como por exemplo: Usar sequências numéricas que pertencem a seu contexto social, trabalhar a história dos números, usar a facilidade que eles têm em escrever os números redondos e fazendo uso de portadores numéricos em sala de aula como calendário, tabela numérica, relógio, quadro de aniversariantes com dias e meses grafados em algarismos. Ao final da proposta foram discutidas coletivamente as características do sistema de numeração decimal, ficando definido pelo grupo que: o valor dos números são determinados pela posição que eles ocupam; ele tem por base 10; e possui dez algarismos para representar qualquer número. Depois as formadoras propuseram a realização de algumas atividades didáticas para trabalhar o Sistema de Numeração Decimal. Inicialmente foram apresentadas às coordenadoras algumas questões. Sobre como trabalhar com diferentes portadores numéricos, uma das participantes explicou que estes portadores são importantes para facilitar a compreensão do valor posicional dos números. Outras explicaram que eles servem de suporte para os estudantes, dando diversas possibilidades de compreensão. As coordenadoras pedagógicas apresentaram, a pedido das formadoras, possíveis utilizações didáticas para o quadro numérico (uma tabela com números de 1 a 100). Essas possibilidades foram elencadas em um slide, sendo elas: Sequência numérica; agrupamento de dez em dez; sucessor e antecessor; números pares e ímpares; etc. Depois dessa discussão realizamos um jogo, onde primeiramente foram lidas a descrição e as regras deste. Seria o “Adivinhar o número”. Para a Imagem I: Coordenadoras jogando “Advinha o Numero” realização deste utiliza-se um quadro numérico, seguindo a mesma dinâmica do jogo “Caça ao tesouro”, onde os jogadores fazem perguntas indiretas e o professor responde sim ou não. Depois de uma quantidade x de perguntas, estipulada pelo grupo, alguém pode responder, caso saiba a resposta. As formadoras realizaram uma rodada do jogo com os participantes da formação, conforme Imagem II e III ao lado. Depois foi levantado a seguinte Imagem I: Ênfase na cartela de números, durante o jogo. Fonte: SEMEC. questão: quais as aprendizagens que esse jogo permite? Desta forma reformulamos a atividade anterior, que versava sobre o trabalho com o quadro numérico, ressaltando que em uma atividade Fonte: SEMEC. como esta é possível trabalhar a noção de antecessor e sucessor, maior e menor, valor posicional, números Imagem II: Tabela usada no jogo “Advinha o Numero” ímpares e pares, etc. Encerramos a primeira parte de formação falando da importância de se trabalhar a matemática de forma lúdica e prazerosa, rompendo com o pressuposto que se trata de uma disciplina rígida e de difícil Fonte: SEMEC. compreensão. 4. Conclusão Percebemos neste encontro de formação continuada qual a dinâmica de realização desta. É importante analisar que a proposta do município revê uma formação de forma colaborativa e contextualizada, o que pode proporcionar o desenvolvimento profissional. A formação continuada por si só não garante a qualidade da educação, é preciso que os professores se sintam parte do processo para que se desenvolvam profissionalmente (BERTUCCI, 2009 e PONTE, 1998). Foi possível perceber ainda que a formação não dispunha de um alguém formado na área matemática para contribuir com o processo. Curi (2004) afirma que a ausência deste profissional nos cursos de Pedagogia não permite o desenvolvimento profissional. Acreditamos que na formação continuada não seja diferente, e que a presença deste é de grande importância, e por este motivo seria interessante buscar apoio e orientação de profissionais com formação e pesquisa na área matemática. É importante ressaltar que a formação continuada contextualizada aos problemas da escola é um caminho válido, em consonância com o que diz alguns autores, portanto convém analisar como esta formação acontece na escola, e se os objetivos propostos são alcançados, refletindo no processo de ensino e aprendizagem da matemática, que será nosso próximo passo nessa pesquisa. 4. Referências BERTUCCI, M. C. S. Grupo de estudos na escola: uma estratégia para a formação continuada de professores que ensinam matemática. Disponível em <http://www.pucpr.br/eventos/educere/educere2009/anais/pdf/2521_1470.pdf>. Acesso em 15/02/2013. CHIBLI, Faoze; GENTILE, Paola; ARAÚJO, Paulo. A base de todas as operações. Nova Escola, São Paulo: Abril, v. 22, n. 200, p. 61-72, mar. 2007. Disponível em <http://revistaescola.abril.com.br/matematica/fundamentos/sistema-numeracao-operacoes428307.shtml> Acesso em 06/05/2013. CURI, E. 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