PRÁTICAS DOCENTES E APRENDIZAGENS COMPARTILHADAS:
UM RELATO DE EXPERIÊNCIA NO ENSINO SUPERIOR
ILHA, Franciele Roos da Silva – UFSM
[email protected]
MASCHIO, Vanderléia – UFSM
[email protected]
KRUG, Hugo Norberto – UFSM
[email protected]
Área temática: Formação de Professores e Profissionalização Docente
Agência Financiadora: Não contou com financiamento
Resumo
Este trabalho se refere a uma experiência docente no ensino superior através de uma
disciplina do curso de Mestrado do Programa de Pós-Graduação em Educação da
Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) denominada de Docência Orientada. A
docência foi desenvolvida por duas mestrandas e acompanhada pelo orientador no curso de
Mestrado e professor da disciplina, sendo realizada no curso de Licenciatura em Educação
Física da UFSM com acadêmicos que cursavam o terceiro semestre. A prática pedagógica
ocorreu na disciplina de Didática da Educação Física durante o segundo semestre de 2008.
Dentre as várias estratégias utilizadas nesse processo de ensino, destacou-se a prática
reflexiva e o ato de ensinar e aprender constantes do “ser professora”. Um dos grandes
desafios é entender que aprendizagem não se dá somente em espaços e tempos escolares e/ou
acadêmicos, mas aprender que apreender a aprender é um contínuo ao longo da vida, não
seguindo tempos estipulados para essa tarefa. Durante esse processo de formação mútua, não
deixamos de ser alunas do mestrado, mas sim, assumimos outro desafio para a nossa
formação, o da docência no ensino superior, ou seja, sermos professoras no curso de
Licenciatura em Educação Física e, junto aos nossos futuros colegas de profissão nos
permitimos aprender a cada aula, com cada planejamento, enfim com o processo contínuo de
formação. Com essa experiência evidenciamos a necessidade de estarmos a cada dia buscando
rever nossos conhecimentos, saberes, metodologias e estratégias para que o processo de
ensino seja significativo tanto para os alunos como para nós, eternas aprendizes.
Palavras-chave: Práticas docentes; Ensino superior; Docência orientada; Aprender.
1255
Palavras iniciais
No âmbito educacional discutimos com freqüência a questão de como o professor está
desenvolvendo a sua prática docente, quais são os seus saberes, como vem delineando sua
trajetória a favor do seu desenvolvimento profissional, mas um questionamento muito
relevante refere-se a como esse profissional se constituiu e vem se construindo enquanto
professor. No momento em que vivemos numa sociedade com constantes mudanças e
transformações, o professor deve se perceber em um processo contínuo e inacabado, ou seja,
de inconclusão em relação a sua docência. Este fato, de modo algum representa um aspecto
negativo, pelo contrário, vai ao encontro de reconhecermos que somos seres humanos e por
isso, em construção permanente.
Nesse processo de construção/constituição do “ser professor”, vários são os lugares
em que a formação pode se dar. Os lugares onde, costumeiramente, se constitui o processo de
formação docente, seja ela inicial ou continuada (escola, universidade) nem sempre assumem
posto de relevância e de significação para o sujeito. Na perspectiva de Cunha (2008), existem
diferencias entre os espaços, os lugares e os territórios considerando as relações que os
sujeitos estabelecem com esses durante a sua formação. Para a autora, os espaços representam
o exercício inicial da pesquisa. Já os lugares, são percebidos através do relato dos
interlocutores ao “expressarem os significados da experiência de formação que viveram nos
espaços e ao perceber a legitimidade dessa construção”. Por fim, os territórios, pelos
“indicadores de legitimação incluindo o aporte legal que sustenta os programas de formação;
o tempo de ocupação, que revela a intensidade da sua institucionalização e o reconhecimento
de seus efeitos pelos beneficiários das ações formativas” (CUNHA, 2008, p.9).
Dessa forma, o local onde ocorre à formação de professores assume características
individuais e subjetivas no processo que constitui o docente na relação de ensinar e apreender.
Pode ser que a universidade seja só um espaço em que o sujeito venha a obter qualificação
para vir a exercer a docência e a escola somente um espaço onde seja cumprida a jornada de
trabalho. Nessa perspectiva, esses espaços nunca se constituírão em lugares e territórios,
embora apresentem condições para tal, visto que os sujeitos é que podem vir a atribuir
significação e valores durante a sua trajetória. Guarnieri (2005, p.5) reforça a idéia ao dizer
que “[...] é no exercício da profissão que se consolida o processo de tornar-se professor, ou
seja, o aprendizado da profissão a partir de seu exercício possibilita configurar como vai
sendo constituído o processo de aprender a ensinar”.
1256
Sabemos que a formação inicial com suas diversas interfaces desempenha papel
fundamental para acadêmicos e professores compartilharem seus saberes e refletirem sobre a
sua prática. Nesse contexto, destacamos a relevância dos Estágios Curriculares
Supervisionados na construção do “ser professor”. O estágio é um momento em que o
acadêmico enfrenta os desafios e contradições, na condição de professor, existentes no
ambiente escolar. O discurso é diferente do que realmente acontece, há falta de materiais
didáticos e infra-estrutura; professores desmotivados; violência escolar; indisciplina; entre
outros. Em torno disso, é preciso ainda lançar mão e mobilizar os saberes técnicos,
pedagógicos e metodológicos, os quais necessitam ser articulados, reconstruídos ou refutados
na prática docente. Nessa perspectiva, o estagio deixa de ser uma atividade prática do curso de
formação inicial para se configurar numa “atividade teórica de conhecimento, fundamentação,
diálogo e intervenção na realidade, esta, sim, objeto da práxis. Ou seja, é no contexto da sala
de aula, da escola, do sistema de ensino e da sociedade que a práxis se dá” (PIMENTA;
LIMA, 2004, p.45).
Não podemos esquecer também do papel essencial da instituição escolar no processo
formativo de acadêmicos e professores que nela exercem a sua atuação docente e a ponte que
deve se estabelecer entre escola e universidade. Tal inserção, “[...] desencadeia o processo de
relacionamento dos conhecimentos da formação, com os dados da própria prática e com os do
contexto escolar.” (GUARNIERI, 2005, p.19).
Entretanto, nesse instante estaremos conversando sobre uma experiência docente
diferenciada das supracitadas, a docência no ensino superior. Na falta de uma proposta de
formação para ser docente no ensino superior, devido aos cursos de mestrado e doutorado
serem pautados, prioritariamente para o exercício da pesquisa; a necessidade do
entrelaçamento de saberes científicos (fazer) com os saberes pedagógicos e práticos (como
fazer) que, Bolzan; Isaía (2006) defendem um espaço formativo em que professores de
diversas áreas possam compartilhar suas experiências de docência. Sendo que “ao longo da
trajetória docente, os professores vão se formando e se [trans] formando, tendo presentes as
demandas da vida e da profissão” (BOLZAN; ISAÍA, 2006, p. 4).
A nossa atuação no ensino superior concretizou-se através da realização da disciplina
de Docência Orientada no curso de Pós-Graduação em Educação em nível de Mestrado da
Universidade Federal de Santa Maria (PPGE/UFSM). De acordo com o Regimento Interno
dos Programas/Cursos de Pós-Graduação da UFSM os pós-graduandos dos cursos de
1257
Mestrado e Doutorado “[...] poderão matricular-se na disciplina de “Docência Orientada”,
correspondente à atividade em disciplina de graduação, elaborando Plano de Docência
aprovado pelo professor, orientador, compreendendo, no máximo, 30% da carga horária da
respectiva disciplina” (UFSM, RESOLUÇÃO 002/01, art.27).
Em relação à disciplina de Docência Orientada, Oliveira (2004, p.149) aponta que esta
prática é de extrema relevância “[...] para os alunos que desejam viver a experiência docente
no ensino superior [...]” e para aqueles que investigam os processos de formação acadêmica e
desenvolvimento profissional de professores.
Diante dessas reflexões, procuramos apontar neste artigo os aspectos mais relevantes
que permearam a nossa prática docente no ensino superior, sendo que esta foi desenvolvida
junto ao curso de Licenciatura em Educação Física da UFSM com acadêmicos do terceiro
semestre, na disciplina de Didática da Educação Física durante o segundo semestre de 2008.
A partir disso, reconhecemos a importância em repensarmos os processos formativos
de professores, estejam eles, inseridos ou não, no contexto universitário, já que, enquanto
profissionais da Educação devemos estar sempre revendo e reconstruindo a nossa prática
docente, assim como os nossos saberes.
Embasamento teórico-metodológico
Dentre as várias estratégias utilizadas nesse processo de ensino, destacou-se a prática
reflexiva e o ato de ensinar e aprender constantes do “ser professora”. Pois, como diz Serrão
(2006) também existe uma produção específica acerca do “aprender a ensinar”. Porém, a
mesma autora coloca que este fato não se assemelha aos estudos que abordam os elementos
que constituem a “atividade de aprendizagem”, sendo esses últimos, ainda, muito escassos.
Como define Claxton (2005) é muito mais interessante aprendermos como
aprendermos do que nos preocuparmos em compreender os conhecimentos já produzidos.
Nesse sentido é que evidenciamos a importância de descobrirmos como aprendemos, qual a
maneira mais significativa que promove o nosso desenvolvimento cognitivo. Para que, assim,
possamos investir nessa ou naquela estratégia de estudo.
O autor salienta que “As pessoas em geral [...] diferem bastante na maneira como
aprendem e na competência de seu aprendizado.” (CLAXTON, 2005, p.13). Labelle (2001)
aprofunda essa discussão quando salienta que a aprendizagem de crianças e adultos é
diferente devido à bagagem de experiência que o adulto possui em relação às crianças. E essa
1258
vivência proporciona que o adulto consiga relacionar o já vivido com as experiências novas, e
assim, venha a ter mais facilidade em aprender, da mesma forma em que tem maiores e
melhores possibilidades de construir conhecimentos mais elaborados e articulados com
outros.
A proposta do ensino reflexivo como escolha teórico-metodológica justifica-se pelo
fato desta representar uma alternativa para a superação da racionalidade técnica e da
dicotomia teoria-prática (SCHÖN, 1992). Garcia (1992) salienta que no ensino reflexivo se
leva a cabo o exame ativo, persistente e cuidadoso de todas as crenças ou supostas formas de
conhecimento, à luz dos fundamentos que os sustentam e das conclusões para que tendem.
Daí deriva a necessidade de formar professores que venham a refletir sobre a sua própria
prática, na expectativa de que a reflexão seja um instrumento de desenvolvimento do
pensamento e da ação.
Segundo Ribas e Carvalho (1996) o professor reflexivo deve ser sensível à apreensão
de possibilidades alternativas de ação; deve ter consciência de que ele também é passível de
erros nas suas concepções mais profundas, uma vez que continuamente, está examinando os
fundamentos subjacentes a estas concepções, para descobrir contradições, buscando uma
síntese, isto é, o cíclico movimento ação-reflexão-ação. Os professores reflexivos estão
sempre se questionando sobre o seu saber, sobre o seu fazer e sobre o seu saber fazer em aula,
indo além das atitudes imediatistas, tendo presente o tipo de homem que se quer formar.
A partilha de saberes e a comunhão de práticas docentes
Inicialmente procuramos desenvolver através de aulas expositivas e dialogadas os
conhecimentos produzidos referentes ao contexto histórico da Educação Física escolar e a
subseqüente constituição das Abordagens de Ensino da Educação Física. Buscamos trazer os
pontos principais de todas as Abordagens, com a utilização de recursos de multimídia com a
disponibilização de material didático utilizado nas aulas e também de textos complementares
para os alunos. A importância do acadêmico/professor conhecer as Abordagens de Ensino da
Educação Física, é clara, quando se pensa em profissionais comprometidos com a sua
profissão e com os saberes produzidos até então, mesmo que não utilize diretamente os
conhecimentos imbricados nestas, é necessário conhecer e diferenciar os aspectos principais
que nela estão inseridas. Nossa compreensão converge com o ponto de vista de Silva (2005,
p.32) o qual nos remete a pensar a respeito de que “[...] para descobrir os ‘porquês’ e o
1259
‘como’ da prática docente, devemos investigar onde o professor se alicerça para pensar como
pensa e fazer como faz”.
Ao decorrer das aulas, optamos por aprofundar as Abordagens de maior repercussão
apontadas na literatura, no âmbito da Educação Física escolar, a fim de que os acadêmicos
pudessem compreender, em linhas gerais, os pressupostos que orientam o ensino da cultura
corporal de movimento em cada proposta. Assim, trabalhamos com oito abordagens através
de discussões, apontando os aspectos principais de cada uma delas; destacando as
semelhanças e diferenças; trazendo exemplos de como isso se concretizava na prática; relatos
de experiência a partir de nossa prática; vídeos que se relacionavam com a temática para
suscitar momentos de reflexão sempre procurando relacionar com a realidade da Educação
Física escolar. Essa postura que tomamos, contempla a visão de Silva (2005), pois o autor
chama
a
atenção
dos
professores
universitários
para
que
estes
procurem
desconstruir/ressignificar/fazer uma releitura com as concepções que os acadêmicos trazem de
suas práticas/vivências/em sua memória/de sua trajetória enquanto alunos, e, construam as
suas próprias, enquanto futuros professores, com a devida coerência com o seu papel de
professor. Intensifica a discussão ao dizer que: “A rigor, os cursos de formação deveriam
proporcionar aos seus alunos uma crítica de suas posturas, de seus preconceitos e opiniões,
dos saberes que construíram na vida”. Já que, como complementa a autora “É na formação
básica que esses saberes deveriam ser colocados em xeque, pois é lá que eles vão estudar as
teorias pedagógicas que lhes darão bases do seu trabalho” (SILVA, 2005, p.40).
Como uma das formas de avaliação, solicitamos aos alunos que dissertassem sobre o
que entendiam como sendo as Abordagens de Ensino da Educação Física, descrevessem um
plano de aula em uma abordagem, justificando sua escolha, e ainda pontuando as dúvidas que
tinham até o momento. Isso forneceu subsídios empíricos na perspectiva de que avaliássemos
a compreensão dos alunos sobre as abordagens, para que pudéssemos se necessário, utilizar
novas estratégias de ensino, buscando contemplar os anseios e as dúvidas dos acadêmicos.
Procuramos adotar como avaliação, uma proposta processual, visando acompanhar de modo
coletivo e individual o processo de aprendizagem dos acadêmicos e a reaver o nosso próprio
planejamento e abordagem dada ao conteúdo, sendo assim, a avaliação se torna educativa,
rompendo com a perspectiva de mensurar, classificar e excluir em prol de uma dita qualidade
questionável.
1260
Também no sentido de visualizarmos e aprofundarmos as Abordagens, e, indo ao
encontro dos anseios e expectativas da turma reveladas durante a disciplina, decidimos
enquanto grupo realizar uma experiência prática onde os acadêmicos elaboraram um plano de
aula em cada abordagem anteriormente trabalhada, na tentativa de favorecer maior
compreensão de seus elementos na prática docente. Subsidiando nossa atuação, no que tange
a relação teoria com a prática, utilizamos Guarnieri (2005, p.10) ao enfatizar que “[...] é a
partir da prática e das condições por ela impostas que o professor avalia tanto a formação
teórico-acadêmica, quanto a formação continuada”. A autora ainda atenta para o fato de que
“[...] a prática mediatiza a relação do professor com a teoria, o que implica um movimento de
superação de adesão acrítica às teorias e aos modismos pedagógicos.”
Assim, foi solicitado aos acadêmicos que formassem grupos de até seis componentes e
escolhessem uma Abordagem de Ensino da Educação Física que tenham lhe despertado
interesse ou deixado dúvidas, com o intuito de planejar uma aula a ser ministrada aos colegas
e professoras, segundo os parâmetros da mesma. Em cada apresentação, os colegas deveriam
participar e realizar a aula, de forma que o grupo que estivesse apresentando mostrasse as
professoras o plano escrito a ser entregue no próximo encontro, incluindo a avaliação da aula
planejada e desenvolvida por estes.
As aulas planejadas foram desenvolvidas junto às quadras abertas do Centro de
Educação Física e Desportos. Esse espaço1 é aberto tanto para as aulas do curso de Educação
Física, para acadêmicos e a comunidade de Santa Maria, quanto para a prática de esportes e
atividades físicas. As quadras ali disponibilizadas possuem grande semelhança com as
encontradas em escolas: cimento. As aulas foram planejadas já levando em consideração o
espaço físico existente, onde a maioria optou pelo uso de poucos materiais didáticos - bolas de
borracha e cones, e o uso de um pedaço de tijolo para desenhar círculos no chão, sendo essa
prática muito comum nas escolas e nas ruas, devido à falta de giz.
Cada plano de aula foi apresentado e executado pelo grupo responsável por aquela
abordagem de ensino da Educação Física – abordagem desenvolvimentista, abordagem
crítico-emancipatória, abordagem humanista, abordagem construtivista, psicomotricidade e
jogos cooperativos. Ao final de cada plano de aula desenvolvido, realizávamos uma avaliação
1
O Centro de Educação Física e Desportos da UFSM é tanto um espaço didático quanto um espaço público de
esporte e lazer que compreende quadra de futsal, padel, tênis, voleibol, basquete, campo de futebol e futebol sete,
bem como, uma praça infantil. Junto à praça infantil, existe um espaço equipado de mesas, bancos e
churrasqueiras com água, disponibilizas para uso geral.
1261
conjunta procurando identificar se a forma com que as atividades foram desenvolvidas
estavam de acordo com a proposta metodológica de cada abordagem, evidenciando se os
elementos básicos estavam presentes ou não na proposta apresentada e de que forma devia ser
conduzida para tal. Observamos também a postura dos professores e alunos durante a aula e
buscamos transpor a forma fictícia para a realidade escolar.
As dúvidas que surgiram ao logo da unidade, foram, em sua maioria, sanadas ou
objeto de novos questionamentos, ao mesmo tempo em que procuramos desmistificar a crença
do certo e do errado em uma aula de Educação Física.
Grande parte da turma, após ter vivido e experenciado várias propostas de aula,
segundo cada metodologia, demonstrou ter maior clareza sobre cada abordagem, já
conseguindo diferenciar elementos e características básicas entre elas. Acreditamos que as
experiências e os conhecimentos tratados na disciplina com a proposição de sempre
estabelecer dialogo com os nossos interlocutores, auxiliou na nossa constituição do “ser
docente no ensino superior”. Percebemos a importância de ver e sentir como a teoria converge
na prática, rompendo com a sua tradicional dicotomia, pois, foi possível atribuir significado
ao que se fez. Pensando em uma formação reflexiva, em que o professor se apropria do
conhecimento teórico e o (re)elabora pensando em sua ação pedagógica, o ditame “a teoria é
uma e a prática é outra” não deixa de ter uma certa “verdade”. Precisamos de uma prática
pensante e de profissionais que não esperem que a teoria diga e faça a previsão de suas ações,
já que a teoria é a redução de uma complexidade, e a prática é ambígua, caótica, cheia de
contradições e imprevisível (CAPARROZ, BRACHT, 2007).
No último encontro, realizamos uma discussão com duas professoras de Educação
Física que atuam na rede pública de ensino de Santa Maria (RS), ao serem convidadas para
contarem um pouco de sua experiência na escola, possibilitando um espaço para os
acadêmicos questionarem e exporem as suas opiniões sobre as inúmeras questões que
permeiam esse contexto. Para Pérez Gómez (1992) a troca de experiências consolida espaços
de formação mútua, nos quais cada professor é chamado a executar o papel de formador e de
formando, pois o diálogo entre professores é imprescindível para consolidar saberes
emergentes da prática profissional.
As professoras iniciaram relatando onde desenvolvem o seu trabalho docente, quais as
propostas que utilizam nas aulas de Educação Física nas escolas onde atuam; a infra-estrutura
que tem; como é a relação com os demais professores. Estiveram presentes nesse diálogo,
1262
principalmente, questões que envolvem a atuação profissional na zona rural e urbana e suas
singularidades; a Educação Física na Educação de Jovens e Adultos e a formação inicial e
continuada de professores.
Além disso, elaboramos um questionário com questões abertas para que os
acadêmicos, sem identificação, escrevessem sobre a nossa atuação docente, pensando em
compreender como fomos vistas, enquanto professoras neste nível de ensino tão desafiador.
Fizeram parte do questionário, perguntas a respeito da postura das professoras frente ao
domínio de conteúdo, a disposição em responder as dúvidas, as estratégias e metodologias
utilizadas, enfim, os pontos positivos e negativos no desenvolvimento de nossa prática
pedagógica. Com a leitura dos escritos dos acadêmicos, percebemos a nossa atuação docente
no ensino superior através de indicadores que perpassam entre avanços, lacunas e dúvidas,
construídas durante a nossa formação, pois estamos constantemente nos constituindo
enquanto professores.
Um dos grandes desafios com certeza é entender que a aprendizagem não se dá
somente em espaços e tempos escolares e acadêmicos, mas aprender que apreender a aprender
é um contínuo ao longo da vida. Conforme Arroyo (2004, p.219) aprender “é um processo
ativo, criativo e seletivo de apropriação dos elementos da cultura que cada tempo humano
temos acesso”.
Durante esse processo de formação mútua, deixamos de ser alunas do mestrado para
sermos professoras do curso de Licenciatura em Educação Física e, junto aos nossos futuros
colegas de profissão nos permitimos a aprender a cada aula, com cada planejamento, enfim
com o processo contínuo de formação, ao sermos questionadas acerca dos diferentes saberes
que o professor precisa dispor. Isso exigiu que nos debruçássemos sobre a literatura a fim de
termos mais instrumentos e clareza sobre a docência e acerca das diversas concepções
existentes no campo de conhecimento da Educação Física (tema foco da disciplina), sobre as
nossas “verdades”, os nossos erros e acertos, bem como a construção de alternativas para a
sua superação. Desse modo, entendemos que o professor seja na educação básica ou no ensino
superior, é um sujeito que está constantemente aprendendo. Mas como aprender? Para Demo
(2002, p.75) para aprender “é mister pesquisar, elaborar, argumentar, fundamentar,
questionar, refazer com mão própria”, pois ele é responsável em orientar, perceber e avaliar a
aprendizagem dos alunos.
1263
Para avaliarmos a aprendizagem dos acadêmicos, foram consideradas as suas falas, os
seus escritos, a sua percepção quanto a sua aprendizagem e a observação das professoras.
Nesse ponto, foi percebido como é difícil conduzir a avaliação como coadjuvante da
aprendizagem, e não como uma prática de mensuração, classificação ou punição. As
universidades estão fortemente voltadas para a formação de profissionais, de certas
características e saberes prontos e fechados, com enorme excesso de avaliações estritamente
objetivas e, por conseqüência, de saberes reproduzidos nos testes; penalizando “o tempo da
reflexão, da dúvida epistemológica, das perguntas imprevisíveis promovidas pelos alunos e
que enriquecem o processo cognitivo” (SORDI, 2000, p.233). Como atuar de forma a
fomentar a autonomia e a criatividade de acadêmicos se estamos presos a uma avaliação e a
um processo de ensinar homogêneo que reproduz, mesmo tendo mudanças no mundo que
andam em ritmo acelerado?
Para repensarmos novas práticas
Diante dessa experiência como professoras no ensino superior evidenciamos a
necessidade de estarmos a cada dia buscando rever os nossos conhecimentos, saberes,
metodologias e estratégias para que o processo de ensino seja significativo tanto para os
alunos como para nós, enquanto eternas aprendizes.
Com certeza, aprendemos junto com os alunos, nos diferenciamos, talvez, em relação
ao conhecimento aprendido, pois nós estávamos mais do que revendo e aprofundando um
conteúdo já estudado, e vivíamos um momento ímpar na construção do nosso “ser professor”.
Cada uma de nós, professoras, temos uma vivência que é única, mas que, com muito diálogo,
reflexões e discussões de como, porque e o que trabalhar nas aulas conseguimos articular
nossos saberes e aprendemos também uma com a outra. Pois, cada uma tem o seu tempo e as
suas preferências, mas tentamos acima de tudo proporcionar aos alunos uma experiência
significativa, em que eles pudessem interferir a todo instante, participando ativamente do
processo de ensinar e aprender de professoras e alunos, estes últimos ainda, futuros
educadores.
O nosso orientador foi fundamental nesse processo, nos dando total autonomia na
escolha do conteúdo a ser trabalho (dentro dos conteúdos pré-estabelecidos pela disciplina de
Didática da Educação Física), bem como na escolha metodológica, nas estratégias e se
gostaríamos de trabalhar em duplas ou individualmente. Ele nos acompanhou em todas as
1264
aulas, sempre conversando e tentando contribuir para o melhor andamento de nossa docência.
Fundamentando a idéia de que a promoção da autonomia não significa deixar o aprendiz
“fazer o que quiser”, Labelle (2001, p.108) salienta que ela não representa independência,
principalmente quando nos referimos a questão da exclusão do outro através do
individualismo, pois, ela “[...] implica a noção de individualização, a fim de serem tomadas
em consideração às diferenças nos percursos de pesquisa, de aprendizagem e de educação das
escolhas”.
Implicada com a tentativa de repensar os processos formativos, Serrão (2006, p.173)
afirma que a formação profissional no ensino superior para a atuação no magistério exige
“que os estudantes sejam compreendidos como pessoas, sujeitos de sua ‘atividade de
aprendizagem’, pois nela e por meio dela ganharão qualidade nova, se (trans)formação em
professores.”. A autora sintetiza os achados de sua investigação sobre o processo de aprender
a ser professor na disciplina de prática de ensino na formação quando evidencia que “[...] ‘ser
professora’, exercitar a prática de ensino, ocorre por mediações e requer um movimento
contínuo de aprendizagem dos sujeitos que a realizam [...]”.
Desta forma, como aprimora Scaffo (1996) os docentes estão constantemente
aprendendo a ensinar e ensinando como se ensina aos discentes-futuros professores, eles têm
um grande desafio, já que, são protagonistas da possibilidade de que seus alunos sejam
sujeitos com níveis de consciência mais ou menos desenvolvidos. É co-participante dessa
construção da consciência individual dos alunos a partir de sua mediação social.
Compreender que estamos na situação de aprendizes durante toda a vida; que
aprendemos através das inter-relações em tempos e espaços variados; a dissociação entre
ensinar e aprender na relação educativa; a valorização da experiência enquanto um saber; e,
aprender como os nossos alunos apreendem; são elementos imprescindíveis para a
constituição do ser professor.
REFERÊNCIAS
ARROYO, Miguel Gonzales. Imagens quebradas: trajetórias e tempos de alunos e mestres.
Petrópolis, Rio de Janeiro: Vozes, 2004.
BOLZAN, Dóris Pires Vargas; ISAÍA, Sílvia Maria de Aguiar. Aprendizagem docente na
educação superior: construções e tessituras da professoralidade. Educação. Porto Alegre –
RS, a. XXIX, n. 3 (60), p. 489 – 501, Set./Dez., 2006.
1265
CAPARROZ, Francisco Eduardo; BRACHT, Valter. o tempo e o lugar de uma didática da
educação física In: Revista Brasileira de Ciências do Esporte, Campinas, v. 28, n. 2, p. 2137, jan. 2007.
CLAXTON, Guy. O desafio de aprender ao longo da vida. Tradução Magda França Lopes.
Porto Alegre: Artmed, 2005.
CUNHA, Maria Isabel. Os conceitos de espaço, lugar e território nos processos analíticos da
formação dos docentes universitários. In: XIX ENDIPE. Encontro Nacional de Didática e
Prática de Ensino. POA, Anais: Seiva Publicações, 2008.
DEMO, Pedro. Professor e seu direito de estudar. In: NETO, Alexandre Shigunov.; MACIEL,
Lizete Shizue Bomura. (Org.). Reflexões sobre a formação de professores. Campinas, São
Paulo: Papirus, 2002.
GARCÍA, Carlos Marcelo. A formação de professores: novas perspectivas baseadas na
investigação sobre o pensamento do professor. In: NÓVOA, António. (Coord.). Os
professores e a sua formação. Lisboa: Publicações Dom Quixote, p.51-76, 1992.
GUARNIERI, Maria Regina. O início na carreira docente: pistas para o estudo do trabalho do
professor. In: GUARNIERI, Maria Regina (Org.). Aprendendo a ensinar: o caminho nada
suave da docência. 2. ed. Campinas: Autores Associados, p.5-24, 2005.
LABELLE, Jean-Marie. Reciprocidade educadora e conduta epistêmica de desenvolvimento
da pessoa. In: DANIS, Claudia; SOLAR, Claudie (Coord.). Aprendizagem e
desenvolvimento dos adultos. Tradução Joana Chaves. Lisboa: Instituto Piaget, 2001.
OLIVEIRA, Valeska Fortes de. Docência Orientada: aprendizagens compartilhadas no ensino
universitário. In: Departamento de Métodos e Técnicas de Ensino. Olhar de Professor. Ano
7, n 1. Ponta Grossa: Editora UEPG, p.147-158, 2004.
PÉREZ GÓMEZ, Alberto. O pensamento prático do professor: a formação do professor como
profissional reflexivo. In: NÓVOA, António (Coord.). Os professores e a sua formação.
Lisboa: Publicações Dom Quixote, p.93-114, 1992.
PIMENTA, Selma Garrido; LIMA, Maria do Socorro Lucena. Estágio e docência. São Paulo:
Cortez, 2004.
RIBAS, Mariná Holzmann; CARVALHO, Marlene Araújo. O caráter emancipatório de uma
prática pedagógica possível. In: VIII Encontro Nacional de Didática e Prática de Ensino.
Anais-Volume I..., Florianópolis: Universidade Federal de Santa Catarina/Universidade para
o Desenvolvimento do Estado de Santa Catarina, p.358-359, 1996.
SCAFFO, Sonia. Vygostsky y la escuela. Montevideo: Ed. Aula, 1996.
SCHÖN, Donald. A. Formar professores como profissionais reflexivos. In: NÓVOA, António
(Coord.). Os professores e sua formação. Lisboa: Publicações Dom Quixote, p.77-92, 1992.
1266
SORDI, Maria Regina Lemes de. Avaliação da aprendizagem universitária em tempos de
mudanças: a inovação ao alcance do educador comprometido. In: VEIGA, Ilma Passos de
ALENCASTRO & CASTANHO, Maria Eugenia L. M. (Orgs) Pedagogia Universitária: a
aula em foco. Campinas: Papirus, 2000.
SERRÃO, Maria Isabel Batista. Aprender a ensinar: a aprendizagem do ensi
SILVA, Rita de Cassia. O professor, seus saberes e suas crenças. In: GUARNIERI, Maria
Regina. (Org.). Aprendendo a ensinar: o caminho nada suave da docência. 2. ed. Campinas:
Autores Associados, p.25-43, 2005.
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA. Resolução 002/01. Pró-Reitoria de PósGraduação e Pesquisa. Regimento Interno dos Programas/Cursos de Pós-Graduação. Santa
Maria, 2001.no no curso de pedagogia sob o enfoque histórico-cultural. São Paulo: Cortez,
2006.
Download

um relato de experiência no ensino superior