ENSINO DE REDES RELACIONAIS: COMPORTAMENTOS EMERGENTES E A MANUTENÇÃO DA APRENDIZAGEM Verônica Bender Haydu [email protected] Margarette Matesco Rocha Lilian Margarete Machado Juliana Barboza Caetano de Paula Universidade Estadual de Londrina Mestrado em Educação RESUMO Ensinar relações arbitrárias entre estímulos (redes relacionais) de maneira a formar classes equivalentes mostrou ser uma forma eficaz de ensino de comportamentos complexos. Equivalência de estímulos é definida como sendo o responder a relações arbitrárias entre estímulos, que apresenta as propriedades de reflexividade, simetria e transitividade. Em um estudo com alunos de Educação Infantil, foi desenvolvido um programa de ensino de leitura em situação coletiva, que era formado por três etapas, nas quais foram ensinadas e testadas as relações: palavra ditada e figura, palavra ditada e palavra impressa, nomeação de figura, nomeação de palavra impressa, figura e palavras impressa, palavra impressa e figura, palavra impressa e montagem de anagrama, figura e montagem de anagrama e palavra ditada e montagem de anagrama. Verificou-se que o programa de ensino foi eficaz para ensinar leitura das palavras e promoveu a generalização para outras palavras com recombinação de sílabas. Em um outro estudo, investigou-se a manutenção de classes equivalentes com alunos do Ensino Fundamental, distribuídos em grupos, os quais foram ensinados a formar três classes de estímulos, com 3 ou 6 estímulos. Todos os participantes formaram classes equivalentes, havendo diferenças pouco acentuadas no número de participantes que apresentaram estabilidade das mesmas ao longo do tempo, em função do tamanho das classes. Em um estudo subseqüente, com universitários distribuídos em quatro grupos, ensinaram-se três classes com 3, 4, 5 ou 6 estímulos por classe. Todos os participantes formaram classes equivalentes e no teste de manutenção, o número de participantes que atingiu o critério de acertos foi maior nos grupos com classes maiores do que três estímulos e houve um índice maior de recuperação, durante o teste, das classes com seis estímulos. Pode-se concluir que quanto maior a rede relacional maior a probabilidade destas se manterem e de serem recuperadas após a passagem do tempo. Palavras chave: redes relacionais, equivalência de estímulos, ensino de leitura. 2228 Introdução O procedimento de ensino que desenvolve o comportamento de responder a relações arbitrárias entre estímulos, formando classes de estímulos equivalentes permite estabelecer, de forma eficaz, comportamentos novos e contribui para a emergência de comportamentos que não foram diretamente ensinados, caracterizando-se, em termos educacionais, como um método econômico e efetivo para ensinar novos repertórios comportamentais. Assim, o procedimento de formação de classes de estímulos equivalentes, que caracterizam as redes de relações arbitrárias, tem afirmado sua utilidade no ensino de leitura, de escrita, de matemática, de ciências entre outras aplicações (Souza, 2000). Uma outra implicação importante dos resultados das pesquisas sobre este tema está relacionada ao fato de que classes de estímulos equivalentes apresentam-se consideravelmente estáveis no decorrer do tempo. Isto é, quando no processo de aprendizagem há formação de classes de estímulos equivalentes, tem-se como resultado a manutenção da aprendizagem no decorrer do tempo e uma probabilidade maior de recuperar relações desfeitas com a passagem do tempo (Saunders, Wachter & Spradlin, 1988). Equivalência de estímulos é definida como sendo o responder a relações arbitrárias entre estímulos, que apresenta as propriedades de reflexividade, simetria e transitividade. Para que se considere que a relação entre estímulos arbitrários exerce controle sobre o comportamento, um determinado estímulo de comparação deve ser sistematicamente escolhido diante de um determinado estímulo-modelo pertencente à mesma classe de estímulos potencial. As noções de classe de repostas e de contingência estão relacionadas ao conceito de comportamento operante, que é definido como sendo o comportamento que opera no meio gerando conseqüências e cuja probabilidade futura de ocorrência é afetada por essas conseqüências. Quando uma resposta é seguida por uma conseqüência positiva, ocorre o fortalecimento de todas as variantes do comportamento emitido, ou seja, não é fortalecida apenas aquela resposta específica, mas todas as variações de topografia da resposta que produzem aquela conseqüência. Isto nos leva à noção de classe de resposta, definida como sendo o conjunto de respostas que produz o mesmo efeito sobre o ambiente (Catania, 1996). A relação entre os comportamentos e suas conseqüências é denominada relação de contingência. Uma contingência especifica que uma dada conseqüência só ocorre se um determinado comportamento é emitido. Portanto, uma relação de contingência envolve sempre a 2229 resposta e suas conseqüências. Em um sentido mais específico, as contingências são as probabilidades condicionais que relacionam alguns eventos (p. ex., as respostas) a outros (p. ex., os estímulos) (Catania, 1999, p. 394). Um comportamento operante pode ocorrer de forma indiscriminada com relação aos estímulos ambientais, como, quando uma criança, ao explorar um ambiente novo, emite um comportamento que não está sob o controle dos estímulos presentes naquele ambiente. Parece razoável considerar, no entanto, que um comportamento operante não ocorrerá de forma indiscriminada por muito tempo. Por exemplo, na exploração do ambiente novo, a criança pode tocar determinados objetos que ali se encontram, produzindo alteração ou não na posição que um objeto ocupa no espaço. Se ela tocar um objeto esférico, como uma bola, a bola se deslocará. Se ela tocar um objeto em forma de cubo, ele permanecerá imóvel. A reposta de tocar a bola é, portanto, seguida por uma conseqüência positiva e a de tocar o cubo não. Desta forma, a probabilidade de tocar a bola aumenta de freqüência e a de tocar o cubo diminui. Essa classe de comportamentos é denominada de operante discriminativo, sendo os estímulos, na presença dos quais a resposta produz conseqüências contingentes, denominados estímulos discriminativos. Do ponto de vista adaptativo, é extremamente importante que um comportamento adquirido em uma situação ocorra também em situações novas nunca vivenciadas pelo indivíduo. Se a criança encontrar outras bolas e cubos nesse ambiente, ou mesmo em ambientes novos, ela empurrará com maior probabilidade as bolas do que os cubos. A probabilidade desse comportamento será maior quanto maior for a semelhança entre a bola que ela encontrou inicialmente e as bolas novas. Isto é chamado de generalização de estímulos. Para que ocorra a generalização de estímulos, basta que um comportamento produza conseqüências fortalecedoras na presença de um determinado estímulo. Quanto maior o número de características comuns entre as duas situações de estímulos, maior será a probabilidade de o mesmo comportamento ocorrer na situação nova. O conceito de discriminação de estímulos implica a noção de classes de estímulos, que são consideradas como sendo classes criadas por contingências comuns. Mesmo aquelas classes que parecem ser agrupadas a partir de propriedades estruturais ou capacidades sensoriais, devem ser consideradas a partir das contingências que criam as estruturas. De acordo com Catania (1996, p. 10), para ver como os estímulos entram na criação da estrutura do comportamento, devemos examinar como tais estímulos compartilham contingências comuns. 2230 A discriminação simples de estímulos pode também ser contingente à presença de um estímulo, ou seja, uma resposta discriminativa pode ocorrer sob o controle de estímulos do ambiente. Se continuarmos a observar o comportamento da criança que aprendeu a rolar bolas e não cubos, veremos que ela aprenderá rapidamente a emitir esse comportamento em determinadas condições do ambiente e não em outras. Por exemplo, rolar bolas será aprovado em sua casa ou num parque, mas não em uma loja onde são vendidas luminárias e ou enfeites de natal, nas quais inúmeras bolas de vidro estão expostas. Quando uma resposta discriminativa fica sob o controle de estímulos do ambiente, temos uma contingência de quatro termos que envolve os estímulos condicionais, os estímulos discriminativos, a resposta e a conseqüência. Esse tipo de comportamento é denominado de discriminação condicional. O processo de aprendizagem de uma discriminação condicional, de forma geral, envolve um procedimento denominado de escolha de acordo com o modelo (matching to sample - MTS). O procedimento de MTS requer que, no mínimo, dois estímulos condicionais diferentes (denominados estímulos-modelo) e dois estímulos discriminativos diferentes (denominados de estímulo de comparação) sejam apresentados e que as respostas diante dos estímulos discriminativos sejam fortalecidas de acordo com um dos estímulos-modelo. A função do estímulo discriminativo, nesse caso, muda de uma ocasião para outra, dependendo de qual dos dois estímulos-modelo estiver presente. Por exemplo, se o estímulo-modelo for o desenho de uma flor, então o estímulo de comparação correto (SD) pode ser o desenho de uma flor, mas não o desenho de um carro (S). Se, no entanto, o estímulo-modelo for o desenho de um carro, então o SD é o desenho de um carro, sendo o desenho da flor o S. Este tipo de arranjo é denominado de escolha de acordo com o modelo por identidade, porque o estímulo a ser escolhido é igual ao estímulo-modelo, sendo estabelecidas relações de igualdade. Relações arbitrárias entre estímulos e a formação de classes equivalentes Podemos, ainda, ensinar respostas de escolher estímulos de comparação que não têm semelhança com o estímulo-modelo. Neste caso, denominamos o procedimento de MTS arbitrário, podendo ser estabelecido, por meio dele, o responder relacional a estímulos completamente diferentes um do outro. De acordo com Sidman (1994), discriminação condicional é a “matéria- 2231 prima” da equivalência de estímulos. Ao se ensinar a seres humanos duas ou mais discriminações condicionais que possuam um elemento em comum, os estímulos envolvidos nessas discriminações podem passar a fazer parte de uma classe equivalente. Por exemplo, uma pessoa que foi ensinada a apresentar a resposta de escolher um determinado estímulo B1 entre três estímulos de escolha, B1, B2 e B3, na presença do estímulo A1, o modelo, aprende: "dado A1, escolher B1". Em seguida, ensina-se a selecionar o estímulo C1 de outro conjunto, dado o modelo B1, isto é, "dado B1, escolher C1". O mesmo devendo ser feito em relação às demais relações entre os estímulos A2, B2, C2, A3, B3, e C3. Desta forma, são estabelecidas relações condicionais entre A1-B1, B1-C1, A2-B2, B2-C2, A3-B3 e B3C3. Exemplificando, temos o seguinte arranjo de contingências: diante do desenho de uma flor (A1), a resposta de escolher a palavra impressa flor (B1) e não a palavra impressa carro (B2) ou a palavra impressa burro (B3) será seguida pela conseqüência programada; diante do desenho do carro (A2), a resposta de escolher a palavra impressa carro (B2) e não a palavra flor (B1) ou a palavra burro (B3) será seguida pela conseqüência programada; diante da palavra impressa flor (B1), dizer “flor” (C1) será seguido pela conseqüência programada, diante da palavra impressa carro (B2), dizer “carro” (C2) será seguido pela conseqüência programada e diante da palavra impressa burro (B3) dizer “burro” (C3) será seguido pela conseqüência programada. Este arranjo de contingências está esquematizado na Figura 1. Inserir Figura 1 aqui Após o ensino destas relações condicionais, como resultado, temos que: diante do desenho da flor é escolhida a palavra flor impressa e diante da palavra flor impressa é dito “flor”; diante do desenho do carro é escolhida a palavra carro impressa e diante da palavra carro impressa é dito “carro”; diante do desenho do burro é escolhida a palavra burro impressa e diante da palavra burro impressa é dito “burro”. Este resultado está esquematizado na Figura 2. Inserir Figura 2 aqui Em suma, após esta seqüência de ensino, que envolveu o estabelecimento das relações entre os estímulos A e B, e entre B e C, é provável que a pessoa selecione, sem treino adicional: A1 de 2232 um conjunto de comparações, dado B1 como modelo, ou B1 dado C1 como modelo; A2 de um conjunto de comparações, dado B2 como modelo, ou B2 dado C2 como modelo; A3 de um conjunto de comparações, dado B3 como modelo, ou B3 dado C3 como modelo. Também é provável que a pessoa selecione: A1 dado C1 como modelo, e C1 dado A1 como modelo; A2 dado C2 como modelo, e C2 dado A2 como modelo; A3 dado C3 como modelo, e C3 dado A3 como modelo. Além disso, diante de A1 selecionará A1; diante de B1 selecionará B1, e assim por diante. De acordo com Sidman (1986), isto demonstra a formação de classes equivalentes, que devem apresentar as propriedades definidoras de reflexividade, simetria e transitividade. Reflexividade é a propriedade que caracteriza escolhas pela identidade dos estímulos. Por exemplo, “dado A1, escolher A1” de um conjunto. Simetria refere-se à reversibilidade funcional da discriminação condicional, isto é, se foi ensinado que “dado A1, escolher B1”, então a relação “dado B1, escolher A1” deve emergir. A demonstração da transitividade requer os seguintes treinos discriminativos anteriores: “dado A1, escolher B1” e “dado B1, escolher C1”. Se o participante “dado A1, escolher C1” sem treinamento adicional, a transitividade é demonstrada. Espera-se ainda que “dado C1, escolher A1”, o que caracteriza a transitividade simétrica. O ensino de relações equivalentes e a leitura de palavras Os procedimentos de ensino baseados no princípio da equivalência de estímulos são importantes para a área acadêmica, principalmente, porque possibilitam arranjar contingências para a produção de comportamentos novos, como descrito na seção anterior. Isto é, a formação de relações de equivalência pode levar à emergência de comportamentos que não necessitaram ser diretamente ensinados, o que pode ser extremamente adaptativo. No contexto escolar, há uma variedade imensa de relações a serem ensinadas, porém, devido a fatores como economia de tempo e de recursos, são selecionadas algumas relações e espera-se que delas derivem outras sem ensino adicional. Desta forma, a aplicação do modelo de formação da equivalência de estímulos permite alta produtividade no ensino, como acontece nas situações de ensino de leitura e escrita em que os alunos são ensinados, por exemplo, a selecionar uma palavra impressa correspondente a uma palavra ditada e, também, ensinados a formar a palavra (com o modelo à vista) a partir de letras soltas (formação de anagrama). Após o ensino dessas relações, podemos observar que os alunos apresentam, sem ser diretamente ensinados, os repertórios de relacionar as palavras impressas com 2233 os desenhos correspondentes, ler oralmente as palavras ensinadas e ler oralmente novas palavras, envolvendo recombinação das sílabas das palavras ensinadas. Além da emergência de relações condicionais não ensinadas diretamente, um outro aspecto relacionado com a formação de relações consiste na possibilidade de expansão das classes de estímulos, por meio do emparelhamento de um novo estímulo a somente um dos membros de uma classe e que torna o procedimento ainda mais produtivo. Por exemplo, se um estímulo for relacionado, por meio do procedimento de emparelhamento com o modelo, a qualquer um dos membros de uma classe já formada, o estímulo passa a fazer parte da classe, isto é, torna-se equivalente aos demais estímulos. Assim, uma classe de estímulos equivalentes pode ser compreendida como uma rede de relações em que algumas relações emergem a partir de outras ensinadas, por conseguinte, não se torna necessário o ensino de todas elas. Nessa rede de relações, conforme afirmou Matos (1999), os estímulos são intercambiáveis funcionalmente, isto é, controlam os mesmos comportamentos. Os métodos instrucionais derivados dos princípios da equivalência de estímulos são eficazes para ensinar pessoas não-verbais ou que tenham dificuldades de responder a instruções verbais, uma vez que não dependem, necessariamente, desse tipo de instrução (Aiello, 1995). Podem ainda, como sugeriram Stromer, Mackay e Stoddard (1992), centrar a atenção do professor na performance individual do aluno, permitindo avaliar e “remediar” o comportamento de cada criança com tarefas específicas. Por exemplo, verificar quais habilidades de leitura e escrita (cópia, ditado, leitura etc) a criança já possui e quais as que ainda precisam ser ensinadas. Além de ser um procedimento altamente eficaz no ensino individualizado, Machado e Haydu (2005) demonstraram que este procedimento de ensino pode ser aplicado em sala de aula com o uso de materiais manipuláveis compostos por letras feitas de EVA e por palavras e figuras impressas coladas em cartões. Uma turma de alunos de Educação Infantil de uma instituição pública, com idades entre 5 e 6 anos, participou do programa de ensino de leitura, no qual foram ensinadas ou testadas as relações: palavra ditada e figura (AB), palavra ditada e palavra impressa (AC), nomeação de figura (BD), nomeação de palavra impressa (CD), figura e palavras impressa (BC), palavra impressa e figura (CB), palavra impressa e montagem de anagrama (CE), figura e montagem de anagrama (BE) e palavra ditada e montagem de anagrama (AE). A rede de relações ensinada encontra-se esquematizada na Figura 3. No Estudo 1 foi aplicado o Pré-teste 1 e em seguida foram ensinadas, em situação coletiva, 2234 as relações entre palavras ditadas e palavras impressas (AC) e entre palavras impressas e construção de palavras com letras (CE). Nove palavras foram ensinadas, uma a cada passo. No final de cada passo, era realizado o teste das relações emergentes BC, CB, CD, BE e AE, sendo os estímulos B as figuras e os estímulos D a nomeação de palavras. Após o 9º passo, foi realizado um teste de relações emergentes envolvendo as nove palavras ensinadas e um teste de leitura de palavras de generalização (Pós-teste 1). Verificou-se que 1 dos 17 participantes não apresentou as relações emergentes BC, CB, e CD, da maioria das palavras ensinadas, e que 6 dos 17 participantes apresentaram o comportamento de construção de palavras (AE e BE). Os participantes que construíram as palavras com letras diante de figuras e de palavras ditadas foram os mesmos que leram corretamente as palavras de generalização. Os Estudos 2 e 3 foram propostos para aumentar a probabilidade de emergência das relações AE e BE e da leitura generalizada, e para averiguar se há relação de dependência entre estes comportamentos. Dez participantes do Estudo 1 foram selecionados para o Estudo 2 com base no desempenho no Pré-teste 2. As palavras ensinadas no Estudo 1, que eram formadas pelas mesmas sílabas, foram agrupadas em três passos. Um dos dez participantes construiu corretamente as palavras com as letras (AE e BE) e leu as palavras de generalização no Pós-teste 2. No Estudo 3, o número de palavras de ensino foi ampliado, tendo-se acrescentado seis palavras, algumas das quais com sílabas iniciais comuns às palavras dos estudos anteriores. Os participantes do Estudo 3 foram os mesmos que os do Estudo 2. Sete dos participantes aprenderam as palavras ensinadas e apresentaram equivalência de estímulos. Seis participantes construíram corretamente as palavras de ensino e de generalização e leram corretamente as palavras de generalização. Estes resultados indicam que há relação entre o comportamento de construir palavras e a leitura generalizada, provavelmente porque ambos dependem da discriminação de unidades menores. Essa discriminação foi estabelecida pelo aumento do repertório de leitura dos participantes e pela inclusão de palavras de ensino que iniciam com as mesmas sílabas. Conclui-se que o programa de ensino de leitura baseado no modelo de relações de equivalência foi eficaz para ensinar leitura com compreensão, em situação coletiva. Redes relacionais e a manutenção da aprendizagem A análise das condições que contribuem para a manutenção do aprendizado sugere que o 2235 tamanho das classes de estímulos é uma variável que torna as classes mais estáveis, além de levar ao restabelecimento de classes que, por um motivo qualquer, tenham se desfeito ao longo do tempo. A manutenção do que é aprendido é muitas vezes interpretada como sendo o conhecimento que uma pessoa possui. Segundo Green, Mackay, McIlvane, Saunders & Soraci (1990) conhecimento é definido como sendo a aprendizagem de relações entre eventos (estímulos) que ocorrem no ambiente do indivíduo. Os estímulos podem ser relacionados de diversas formas. Quando eles possuem certas características físicas em comum, podem ser relacionados a partir de sua estrutura física, o que caracteriza a generalização de estímulos. Quando os estímulos são relacionados de forma arbitrária, são estabelecidas as classes equivalentes. Em um estudo desenvolvido por Rocha e Haydu (2002), o efeito do tamanho das classes de estímulos na manutenção/estabilidade das relações foi avaliado, com a participação de 18 escolares, com 9 a 10 anos de idade, da 4ª série do Ensino Fundamental. O Grupo A realizou tarefas de discriminação condicional com três classes de três estímulos e o Grupo B, com três classes de seis estímulos, sendo estes figuras geométricas não-familiares. As relações de linha de base ensinadas e as relações emergentes testadas na Etapa 2 do procedimento encontram-se diagramadas na Figura 4. As sessões foram conduzidas na própria escola, durando 50 minutos cada. O procedimento consistiu de três etapas: 1) pré-treino; 2) ensino de discriminação condicional e testes de equivalência; 3) teste de manutenção. Todos os participantes de ambos os grupos demonstraram formação de classes equivalentes. Seis semanas após o procedimento de ensino, seis participantes do Grupo A, que aprenderam três classes de três estímulos cada, e oito participantes do Grupo B, que aprenderam três classes de seis estímulos cada, continuaram a responder de acordo com as classes estabelecidas pelos experimentadores. Os resultados obtidos evidenciam, como no estudo prévio de Saunders, Watcher e Spradlin (1988), que classes equivalentes são mantidas no decorrer do tempo, mesmo que os participantes não tenham tido contato com os estímulos durante esse período. Além disso, esses dados são evidências em favor da hipótese de Spradlin, Saunders e Saunders (1992) de que à medida que aumenta o número de estímulos dentro da classe aumenta o número de possibilidades de restabelecer uma relação desfeita no decorrer do tempo. Haydu e de Paula (2005) desenvolveram um estudo subseqüente, com universitários, os quais foram submetidos ao ensino de discriminação condicional, com estímulos não-familiares, seguido por testes das relações emergentes realizados imediatamente após o procedimento de ensino 2236 (teste misto) e após um intervalo de 6 semanas (teste de manutenção). Os participantes foram distribuídos em quatro grupos e ensinados a formar três classes de estímulos, sendo essas classes formadas por três (Grupos 1), quatro (Grupos 2), cinco (Grupos 3) e seis (Grupos 4) estímulos. O tamanho das classes não afetou a formação das mesmas, pois todos os participantes responderam de forma consistente às classes ensinadas pelo experimentador. No teste de manutenção, o número de participantes que atingiu o critério foi: dois participantes do Grupo 1, três do Grupo 2, cinco do Grupo 3 e quatro do Grupo 4. Classes maiores mostraram-se mais estáveis ao longo do tempo. No geral, observou-se que esta variável não exerceu efeito sobre a formação das classes equivalentes. Entretanto, a maior probabilidade de manutenção e recuperação de classes de estímulos equivalentes esteve diretamente relacionada ao tamanho da classe, o que corrobora com a proposta de Saunders, Wachter e Spradlin (1988). Conclusão Uma implicação importante para a área educacional é a de que programas de ensino, que envolvem um grande número de estímulos, permitem o estabelecimento de um maior número de relações com um determinado fenômeno. Como exemplo, pode-se considerar o ensino de frações e decimais em uma aula de Matemática. A palavra escrita “um meio” é relacionada com a fração ½ e esta relacionada com o número decimal 0,5. Até aqui, três estímulos estão presentes e o aluno aprende que tanto ½ como 0,5 são “um meio”. No entanto, “um meio” também pode ser representado pela figura de uma barra de chocolate ou qualquer outra figura dividida ao meio. Quando a figura do estímulo for integrada à classe, aumentando o tamanho desta de três para quatro estímulos, a relação entre “um meio” e a figura se estabelecerá, e a figura será equivalente a todos os demais estímulos. A classe poderia ainda ser ampliada com mais um outro estímulo, a metade de uma barra de chocolate (alimento). Assim, no ensino de fração e números decimais está envolvido um conjunto de diferentes tipos de estímulos (palavra falada, fração, número decimal, figura e o objeto real) que podem ser relacionados de diversas formas. Uma programação de ensino que envolva os vários estímulos e as possíveis relações entre eles capacita o aluno a responder adequadamente a qualquer arranjo de relações presentes nas atividades escolares ou cotidianas que envolvam frações e números decimais. Obviamente que não se pode afirmar com precisão qual é o limite do tamanho das classes a serem ensinadas, mas há evidências experimentais de que a 2237 aprendizagem das relações ocorre, de forma mais efetiva e duradoura, com classes compostas por mais de três estímulos, sugerindo que o tamanho da classe não deve ser empecilho para elaboração de procedimentos de ensino. A proposta de estabelecer relações entre diversos eventos não se limita a uma ou duas áreas específicas de conhecimentos, como leitura e escrita ou a matemática. Ela sustenta também a possibilidade de estabelecer relações entre as várias áreas do conhecimento, o que, de alguma forma, já está presente no currículo do Ensino Fundamental e Médio das escolas públicas do Brasil, por meio da proposta de desenvolvimento dos conteúdos numa perspectiva da interdisciplinaridade e contextualização (PARANÁ, [199-?]). Uma forma de estabelecer esta interdisciplinaridade seria, por exemplo, ensinar Geografia de forma relacionada a fatos históricos, artísticos, literários, práticas lingüísticas da região e da época. Esse tipo de estratégia oferece não só a possibilidade de estabelecer redes relacionais entre os estímulos (conteúdos) como pode favorecer a sua manutenção. Assim, após relacionar os dados geográficos, históricos, artísticos e literários da região que está sendo ensinada, dando oportunidade para o estabelecimento de um número maior de relações, caso ocorra o esquecimento de um fato histórico, por exemplo, este poderá ser restabelecido a partir de outras relações intactas, como, por exemplo, a localização e a arte própria da região. Quanto maior for o número de elementos relacionados àquela região, maior a probabilidade de que relações desfeitas possam ser restabelecidas. Portanto, a importância de se ressaltar o aspecto referente ao número de estímulos na classe não se resume ao fato de haver a possibilidade de favorecer a aprendizagem, mas, também, devido à constatação de que classes maiores aumentam a probabilidade de manutenção do aprendizado no decorrer do tempo. Quanto maior o número de relações estabelecidas, mais fácil é o restabelecimento das relações. Isso ocorre devido às relações que permanecem intactas na classe. A ampliação da classe aumenta a probabilidade de mais relações permanecerem intactas e, conseqüentemente, maior é a probabilidade de uma relação desfeita emergir (Spradlin, Saunders & Saunders, 1992). A possibilidade do restabelecimento das relações e a sua conseqüente manutenção são importantes porque representam uma economia de tempo, visto que não há necessidade de se ensinar novamente o que foi ensinado anteriormente e porque um determinado conhecimento pode ser um pré-requisito para aquisição de outros conhecimentos. A criança que será submetida ao ensino de porcentagem precisará dos conhecimentos de frações como pré-requisito, assim, a manutenção do aprendizado é altamente desejável. 2238 Para elaboração de procedimentos que envolvem grandes classes, é importante garantir um programa de ensino que assegure o avanço gradual, com desempenho perfeito, através de pequenas unidades. Isso favorece a maximização da aprendizagem das relações com baixos índices de erros, o que torna o aluno mais motivado para e na execução das tarefas (de Rose, 1999). Em relação às conseqüências, quando essas são contingentes ao desempenho atual do aluno, favorecem a rápida emergência do responder relacional (Healy, Barnes & Smeets, 1998). Um procedimento de ensino que envolve um número maior de classes requererá, geralmente, mais atividades de ensino, como constatado no presente estudo. Observou-se que o ensino de um menor número de relações ocorreu um pouco mais rápido e com índices de acerto maiores, o que poderia sugerir que uma programação de ensino que envolvesse um menor número de estímulos seria a mais adequada. No entanto, a ampliação das redes de relações a serem ensinadas em sala de aula, embora requeira mais atividades de ensino para que os índices de acerto sejam satisfatórios, pode promover o desenvolvimento de um número maior de habilidades e a manutenção do aprendizado. Dessa forma, a evidente manutenção das classes equivalentes, ao longo do tempo, implica que procedimentos de ensino derivados do modelo de formação de classes equivalentes são apropriados para ensinar e garantir a manutenção do ensino, seja para o ensino de leitura e escrita, matemática ou para qualquer outro repertório acadêmico. A presente análise é um passo inicial para a transferência de dados de pesquisas experimentais para a aplicação em sala de aula. Porém, as técnicas de ensino baseadas nos princípios da equivalência têm gerado muito entusiasmo porque elas podem produzir novas habilidades, incorporando largas redes de relações com notável economia de tempo (Sidman, 1994). Por fim, é importante salientar, como o fizeram Stromer, Mackay e Stoddard (1992) que a emergência de novos desempenhos depende das nossas práticas de ensino. É a partir de estratégias de ensino adequadas que se pode garantir o aprendizado de relações entre eventos, sua emergência e conseqüente manutenção. 2239 REFERÊNCIAS Aiello, A. L. R. Efeitos de um procedimento de resposta construída sobre a rede de relações de equivalência envolvida em leitura e escrita em crianças com história de fracasso escolar. São Paulo, 1995. Tese (Doutorado em Psicologia Experimental) - Universidade de São Paulo. Catania, A. C. On the Origins of Behavior Structure. In: Zentall, T. R.; Smeets, P. M. (Orgs.). Advances in Psychology. Amsterdam: Elsevier. p. 3-12, 1996. Catania, A. C. Aprendizagem: comportamento, linguagem e cognição. 4. ed. Porto Alegre: Artes Médias, 1999. De Rose, J. C. C. Explorando a relação entre ensino eficaz e manutenção da disciplina. In: Sobrinho, N.; de Paula, F.; Barros, A. 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Classroom applications of stimilus equivalenece technology. Journal of Behavior Education, v. 2, n. 3. p. 225-256, 1992. 2241 ANEXOS 2242 Quadro 1 – Estrutura do programa de ensino. Etapa 1 Pré-teste 1 (individual) palavras: BOLA, LOBO, CASA, FACA, SOFA, PATO, PIPA, LATA, DEDO Procedimento de familiarização (coletivo) Estória 1 (coletivo) Passo 1 Sessão de ensino (coletivo) – palavra de ensino: BOLA Teste de equivalência (individual) – palavra: BOLA Sessão adicional de ensino * Estória 1 (coletivo) Manutenção da leitura da palavra ensinada no Passo 1 (coletivo): BOLA Passo 2 Sessão de ensino (coletivo) – palavra de ensino: LOBO palavra de exclusão: BOLA Teste de equivalência (individual) – palavras: LOBO e BOLA Estória 1 (coletivo) Manutenção da leitura da palavra ensinada no Passo 2 (coletivo): LOBO Passo 3 Sessão de ensino (coletivo) – palavra de ensino: CASA palavra de exclusão: LOBO Teste de equivalência (individual) – palavras: CASA e LOBO Estória 2 (coletivo) Manutenção da leitura da palavra ensinada no Passo 3 (coletivo): CASA Passo 4 Sessão de ensino (coletivo) – palavra de ensino: FACA Etapa 2 palavra de exclusão: CASA Teste de equivalência (individual) – palavras: FACA e CASA Estória 2 (coletivo) Manutenção da leitura da palavra ensinada no Passo 4 (coletivo): FACA Passo 5 Sessão de ensino (coletivo) – palavra de ensino: SOFA palavra de exclusão: FACA Teste de equivalência (individual) – palavras: SOFA e FACA Estória 2 (coletivo) Manutenção da leitura da palavra ensinada no Passo 5 (coletivo): SOFA Passo 6 Sessão de ensino (coletivo) – palavra de ensino: PATO palavra de exclusão: SOFA Teste de equivalência (individual) – palavras: PATO e SOFA Estória 3 (coletivo) Manutenção da leitura da palavra ensinada no Passo (coletivo): PATO Passo 7 Sessão de ensino (coletivo)– palavra de ensino: PIPA palavra de exclusão: PATO Teste de equivalência (individual) – palavras: PIPA e PATO Estória 3 (coletivo) Manutenção da leitura da palavra ensinada no Passo 7 (coletivo): PIPA Passo 8 Sessão de ensino (coletivo) – palavra de ensino: LATA palavra de exclusão: PIPA Teste de equivalência (individual) – palavras: LATA e PIPA Estória 3 (coletivo) Manutenção da leitura da palavra ensinada no Passo 8 (coletivo): LATA Passo 9 Sessão de ensino (coletivo) – palavra de ensino: DEDO palavra de exclusão: LATA Teste de equivalência (individual) – palavras: DEDO e LATA Pós-teste (individual) palavras: BOLA, LOBO, CASA, FACA, SOFA, PATO, PIPA, Etapa 3 LATA,DEDO Teste de leitura de palavras de generalização (individual) palavras: BOTA, PATA, BODE, BOCA, TOCA, CAPA, CABO, BOLO, SOLA, PITO, SOPA *Realizada em todos os passos, quando necessário. 2243 B1C1 A1B1 Flor Flor Carro Burro “Flor” “Carro” “Burro” A2B2 B2C2 Carro Flor Carro Burro “Flor” “Carro” “Burro” A3B3 B3C3 Burro Flor Carro Burro “Flor” “Carro” “Burro” Figura 1 - Ensino de discriminação condicional com respostas de escolha de acordo com modelo – arbitrário. 2244 REFLEXIVIDADE A1A1 C1C1 B 1B 1 EQUIVALÊNCIA B1 C1 Flor Carro Carro Carro Burro “Flor” C1 C1 B1 Carro Burro Flor ro Flor “Carro” “Burro” “Flor” B1A1 SIMETRIA C1B1 “Flor” Flor Carro Burro Flor TRANSITIVIDADE A1C1 C1A1 “Flor” “Carro” “Flor” “Burro” Figura 2 - Teste das relações emergentes referentes à palavra flor. 2245 B Figura D E Nomeação Construção de palavra A Palavra ditada C Palavra impressa Figura 3 – Diagrama esquemático das relações ensinadas e testadas no programa de ensino. Teste de Equivalência 2246 Modelos B Teste de sim Comparação etria A C o Trein Modelos Teste de Equivalência B C Te ste de sim etr ia Comparação D A E ino Tre F Relações de linha de base Relações emergentes Figura 4 - Diagrama das relações de linha de base e testadas na Etapa 2 do procedimento. Na parte superior estão apresentadas as relações apresentadas ao Grupo A e na inferior as apresentadas ao Grupo B.