OFICINA DE HISTÓRIA 2011 – 2ª ETAPA HISTÓRIA ORAL E ENSINO DE HISTÓRIA Definição A história oral é uma metodologia de pesquisa que consiste em registrar, através de entrevistas, testemunhos sobre acontecimentos, conjunturas, instituições, modos de vida ou outros aspectos da história contemporânea.. Seria uma prática de pesquisa para a apreensão de narrativas feita com meios eletrônicos (gravadores, filmadoras) e destinada à elaboração de documentos. É um procedimento metodológico que busca registrar, através de narrativas induzidas e estimuladas, testemunhos, versões e interpretações sobre a História. Privilegia a realização de entrevistas e depoimentos com pessoas que participaram de processos históricos ou testemunharam acontecimentos. EVOLUÇÃO DE UMA PRÁTICA Primórdios: tradição oral de sociedades africanas e grupos ágrafos. A História se constituiu cientificamente a partir da crítica da tradição oral e do testemunho. Século XIX criação da profissão acadêmica de historiador: Leopold von Ranke, Langlois e Seignobos: primazia do documento escrito. Os testemunhos orais no século XX receberam novos sentidos com o surgimento dos meios eletrônicos de gravação. Os primeiros estudos de história oral ocorreram nos E.U.A, os precursores. As pesquisas eram da área de Ciência Política e concentravam-se na memória dos excombatentes da 2ª Guerra e de pessoas notáveis. Tais estudos não se distanciavam de uma história positivista dos heróis. Paralelamente, desenvolveram-se estudos ligados à Antropologia, contemplando grupos sociais negligenciados pela outra tendência. No México, desde 1956, os arquivos sonoros do Departamento de Antropologia registravam as recordações dos chefes da Revolução Mexicana. Na Itália, sociólogos e antropólogos utilizaram a pesquisa oral para reconstituir a cultura popular. Anos 60 - desenvolve-se uma concepção associada à perspectiva da história vista de baixo, que dá voz às minorias e grupos marginalizados Anos 70 - a história oral passa a ser considerada uma nova metodologia para a pesquisa histórica. Surgem associações, revistas, projetos e institutos dedicados a história oral em vários países. Anos 80 – período que promoveu reflexões epistemológicas e metodológicas. Na França e na Itália se tornou um meio eficiente para motivar os alunos de história. Anos 90 - Muitos estudos passaram a privilegiar a questão da subjetividade dos sujeitos. O Fim da Guerra Fria propiciou à pesquisa oral as condições de liberdade necessárias e novos campos de estudos. As câmeras filmadoras permitiram a multiplicação dos videogramas, que complementaram ou mesmo substituíram os fonogramas. Da influência da Escola francesa dos Annales Não se pode separar o progresso da história oral Do restabelecimento /desenvolvimento da democracia História oral no Brasil Em 1975 criou-se na Fundação Getúlio Vargas o primeiro programa de história oral destinado a colher depoimentos de líderes políticos. Criação do CPDOC - Centro de Pesquisa e Documentação de História Contem_ porânea do Brasil. Influência da Ciência Política – intenção de criar um arquivo de documentos orais sobre a história política brasileira. Maior emprego da História Oral no início dos anos 80, período da abertura política brasileira, o que marca a História Oral com um caráter democrático. São produzidos estudos a partir de entrevistas de exilados que retornavam ao país após a Anistia. A partir dos anos 1990, o movimento em torno da história oral cresceu muito. Em 1994, foi criada a Associação Brasileira de História Oral, que congrega membros de todas as regiões do país, reúne-se periodicamente em encontros regionais e nacionais, e edita revistas e boletins. Em 1996, foi criada a Associação Internacioal de História, que realiza congressos bianuais. Relação: HISTÓRIA LOCAL E HISTÓRIA ORAL A produção historiográfica atual indica novo enfoque sobre a história local motivado pelo interesse na história social, ou seja, pela intenção de recuperar a história das sociedades como um todo, a história das pessoas comuns. A valorização da história local teve reflexos nas propostas curriculares nacionais (PCNs) e estaduais (DCEs). Na atualidade, as atividades relacionadas com o estudo do meio e da localidade são indicadas como renovadoras para o ensino de História e salutares para o desenvolvimento da aprendizagem. É nesse terreno que a proposta da história oral ganha corpo, estando intimamente ligada aos projetos de história local. A primeira vez que a História Oral foi mencionada nos documentos relacionados ao ensino de história foi nos Parâmetros Curriculares Nacionais (1999). A partir daí começou a ser vista como uma possibilidade de análise de fontes com os alunos do Ensino Básico e contemplada nos livros didáticos. O debate em torno da História Oral ganhou maior fôlego após a indicação nos PCNs. As Diretrizes Curriculares Estaduais de História do Paraná (DCEs) indicam em seus encaminhamentos metodológicos que é necessário empregar a metodologia da História Oral em sala de aula. Propõe que o trabalho sistemático com as fontes deva ser frequente, demonstrando como estas fontes foram construídas e como se processa a análise do historiador. Especificidades, contribuições, limites. Especificidades A fonte oral é singular e não se presta a generalizações. Contribui para relativizar conceitos e pressupostos que tendem a universalizar e a generalizar as experiências humanas. São visões particulares dos processos coletivos. As narrativas possuem dimensões individuais e coletivas. Duas temporalidades: época do acontecido e da narração sobre o acontecido. Predomínio da subjetividade: entendida como o espaço íntimo do individuo com o qual ele se relaciona com o mundo social, resultando tanto em marcas singulares na sua formação quanto na construção de crenças e valores compartilhados na dimensão cultural que vão constituir a experiência histórica e coletiva dos grupos. A subjetividade é o mundo interno do ser humano. Este mundo interno é composto por emoções, sentimentos e pensamentos. Importância do registro subjetivo O modo como as pessoas olham para a sua vida. O modo como falam dela, a ordenação que lhe dão, aquilo que enfatizam, aquilo de que não falam, as palavras que escolhem, são importantes na compreensão de qualquer entrevista. As potencialidades metodológicas e cognitivas da fonte oral Recuperar memórias locais, comunitárias, étnicas, de gênero, entre outras, sob diferentes óticas e versões. Recuperar informações sobre acontecimentos e processos que não se encontram registrados em outros tipos de documentos. Contemplar o registro de visões de personagens ou testemunhas da história, invisibilizados pela história oficial. Apresentar revisões através de novas versões e interpretações sobre determinado assunto ou tema. Limites da História Oral Aplicabilidade do método somente às épocas contemporâneas, à história do tempo presente; Predomínio da subjetividade; Possível influência, mesmo que involuntária, do transcritor da entrevista; Influência da conjuntura sobre o documento produzido. Tipos de entrevista História oral de vida – relatos dos sujeitos acerca da própria existência, pelos quais se pode conhecer suas relações com seu grupo, profissão, classe e sociedade em que vivem. Caracteriza-se por depoimentos prolongados, orientados por roteiros mais abertos, que objetivam reconstituir a trajetória de vida de determinado sujeito. São 3 tipos: Depoimento biográfico único, Pesquisa biográfica múltipla, Pesquisa biográfica complementar. Entrevistas temáticas São entrevistas que se referem a experiências ou processos específicos vividos ou testemunhados pelos entrevistados. São conduzidas a partir de um tema específico produzindo informações e dados mais delimitados. Ex: O imaginário sobre Getúlio Vargas; Memórias sobre a repressão política; O Holocausto; A explosão da bomba atômica em Hiroshima; A participação dos pracinhas na Segunda Guerra, etc. História Oral em Sala de Aula: Etapas e Procedimentos Preparar um projeto com os alunos. Escolher um tema / definir objeto de estudo. Contato com entrevistas já feitas. Decidir quem será entrevistado (estipular critérios). Estabelecer contatos preliminares com os entrevistados para explicar a intenção do projeto. Conseguir equipamento para gravação, aprender a manuseá-lo; Preparar roteiro de perguntas; Conhecer o assunto pesquisado para o bom andamento da entrevista. História oral e pesquisa documental caminham juntas. Levar material de apoio para auxiliar o entrevistado a rememorar. No momento da entrevista Registrar, no início da entrevista, para o gravador, os seguintes dados: data, nome do entrevistador, nome do depoente, local, tema, tipo do gravador. Manter-se neutro, evitar demonstrações de espanto, discordância, etc. Ser flexível para rever roteiros. Respeitar as idiossincrasias e características da personalidade sujeitos. as dos Considerar os imaginários, os limites, as identidades, as diferenças que caracterizam aquele sujeito ou grupo social. Não interromper o entrevistado e respeitar os momentos de emoção, silêncio e esquecimento; Evitar perguntas longas e indiretas, formular perguntas que provoquem respostas. Produzir imagens do encontro. Recomenda-se que as entrevistas sejam realizadas por 2 pesquisadores: O primeiro conduzirá o depoimento, formulando questões O segundo ficará responsável pelas atividades de apoio, tais como controle do gravador, registro de informações significativas no caderno de campo. Caderno de campo Necessário para anotações complementares: afirmações nãogravadas mais significativas ou de foro confidencial, bem como os gestos e as expressões, os silêncios e as hesitações, as insistências e as repetições, o tom peremptório ou evasivo. Carta de Cessão Ao término de uma entrevista é necessário apresentar ao entrevistado, para sua anuência, uma carta de cessão, que deve ser clara e fazer referência às diferentes possibilidades de utilização e socialização da entrevista. É um documento imprescindível para a divulgação e uso da entrevista. As tarefas podem ser divididas de acordo com as aptidões de cada um: Tirar fotos, Fazer gravações Elaborar questões Entrevistar Escrever no caderno de campo Transcrição / Tratamento do material gravado Processamento e análise das entrevistas Transcrição Transposição: código oral escrito Versão escrita dos depoimentos, buscando reproduzir com fidelidade, tudo o que foi dito, sem cortes nem acréscimos. Passagens pouco claras: colchetes [ ] Dúvidas, silêncios e hesitações: reticências (...) Risos: identificados em parênteses (risos) Negrito: para palavras e frases com forte entonação; Atenção com a pontuação (.,;!?), procurando não alterar o sentido das palavras ou frases. Análise das entrevistas Através dos depoimentos é possível: Agrupar entrevistas com aproximação temática. Construir evidências Estabelecer correlações, comparar versões Analisar narrativas a partir dos temas definidos anteriormente, fazendo a interlocução com os materiais estudados. Mediação Nessa etapa final serão apresentados os resultados e a sistematização final, levantando os pontos em comum e as diferenças encontradas nas entrevistas. O professor assumirá o papel de mediador, apontando o que achou interessante, perguntando o que os alunos consideraram relevante, discutindo com a turma o que se aprendeu, as dificuldades encontradas, etc. Finalização e devolução Promover a integração entre a escola e a comunidade que gerou o trabalho por meio de um produto histórico – um folder, um texto, uma exposição, uma palestra, dando acesso público aos resultados do trabalho. A finalização do projeto pode acontecer em um seminário ou feira. Assim a história oral pode ser aliada na valorização das histórias e dos saberes locais. História Oral: uma estratégia pedagógica Oportuniza ao aluno a sensação de ser partícipe do processo histórico. Aborda a construção do conhecimento histórico com proposições que podem ser articuladas aos interesses do aluno, suas aproximações cognitivas, suas experiências culturais e seu cotidiano; Garante melhor apropriação do saber histórico. O aluno articula as fontes orais oriundas da pesquisa com o conteúdo estudado em sala de aula. Fortalece o vínculo do aluno com o espaço que habita, favorecendo o sentimento de pertencimento. O emprego da metodologia da história oral permite aos estudantes criarem uma identificação com o seu país / estado / cidade / comunidade . Resgata experiências individuais e coletivas, fazendo o aluno vê-las como constitutivas de uma realidade histórica mais ampla. Facilita a percepção de continuidades, mudanças, conflitos e permanências; Produz um conhecimento que contribui para a construção da consciência histórica. Gera atitudes investigativas. Alunos e professores deixam de ser reprodutores do conhecimento histórico para assumirem juntos o papel de pesquisadores. Pode ser instrumento para construção de uma história mais plural, menos homogênea, que não silencie a multiplicidade de vozes dos diferentes sujeitos da História; Interdisciplinariedade A história oral pode estar presente nos estudos de outras disciplinas. Há possibilidades de trabalho com: Arte: Geografia: Registros fotográficos e desenhos. Estudo de espaços, mapas, localidades; Matemática:Tabulação de dados, cálculos, estatísticas. Português: produção de textos, narrativas PROPOSTAS DE APLICAÇÃO DE HISTÓRIA ORAL EM SALA DE AULA Leitura do texto: ENSINAR HISTÓRIA Maria Auxiliadora Schmidt Marlene Cainelli ANÁLISE DE TRECHOS DE FILME: Narradores de Javé Drama, Brasil, 2003, 100 min. Diretora: Eliane Caffé. Javé é uma localidade fictícia, no sertão nordestino, que está prestes a ser inundada pela construção de uma hidrelétrica. Para alterar a direção dos acontecimentos, seus poucos moradores resolvem escrever a história da cidade, com o objetivo de transformá-la em patrimônio histórico e preservá-la. Com a necessidade de escrever um documento "científico", Biá inicia suas entrevistas com alguns moradores antigos, tentando reescrever a história de Vale de Javé. O problema é que as histórias (são 5 versões diferentes) sobre os personagens se contradizem e o "escrevinhador" se vê diante da difícil tarefa de reunir, a partir das versões escutadas, uma única história e registrá-la na forma de “documento científico”. Ao longo de todo o filme, a diretora aborda a questão da história oficial e os excluídos dessa história, estabelecendo uma relação entre a oralidade e a escrita. Trecho 1 - Narradores de Javé - Escrita da história Nesse trecho, Antonio Biá anota a história sobre o herói Indalécio e ao escrever o texto sugere ao narrador algumas adaptações ao fato. Fragmento relevante para identificar a distância entre a fala e a escrita na perspectiva da história oral. Trecho 2 - Narradores de Javé - Questão de gênero Nesse trecho, o escrivão Biá escuta, sem muito interesse, a versão relatada por uma mulher do povoado. Nesta versão da história da fundação de Javé, a grande heroína é Maria Dina. Trecho 3 - Narradores de Javé - Oxum Na versão de um morador negro do povoado de Javé, o herói seria um líder africano chamado Indalêo e não Indaleu. Nesta história, surge a oralidade da memória como praticada por culturas milenares. O narrador canta a história em seu dialeto africano. Rompendo o silêncio Série de 5 Documentários, EUA, 2001, 280 min. Produção: Steven Spielberg. Projeto de registro audiovisual de depoimentos da Shoah realizado por Steven Spielberg. Rompendo o silêncio retrata os horrores do Holocausto sob o ponto de vista de quem o vivenciou de perto. O Holocausto é o tema da segunda guerra que suscita cada vez mais pesquisas orais, não só gravadas mas filmadas. Outras obras sobre o tema: Silêncio da memória – Nicole Lapider O universo dos campos de concentração – Michael Pollack Shoah – Claude Lanzmann Vídeo - Programa do Globo Universidade: Pesquisadores da Fundação Getúlio Vargas, no Rio, estudam o movimento negro através dos relatos dos integrantes História Oral Programa televisivo, Brasil, 2010, 24 min. Oficina de História 2011 [email protected]