UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “Júlio de Mesquita Filho” Faculdade de Ciências Humanas e Sociais Disciplina: Ética Docente: Prof. Mestre Osmany Porto de Oliveira Discentes Leonardo Lourenço Faraco Natália Diniz Schwether Rafaella Carvalho Apuzzo Tamires Aparecida Ferreira Souza Síria: um governo instituído pelo medo Após conseguir independência da França em 1946, a Síria formou com o Egito a República Árabe Unida, uma experiência que pretendia juntar todos os países árabes em uma só federação, mas a experiência durou pouco e em 1963 uma revolta popular levou ao poder o partido Baath, que trouxe consigo a figura de Hafez al-Assad, um militar que viria a dar um golpe de estado em novembro de 1970. Depois do golpe Hafez al-Assad tentou timidamente implementar reformas para modernização do país e do exército, e após a participação desastrosa na Guerra do Yom Kippur, Assad se aproximou da URSS tornando-se parceiro estratégico na região. Com a morte de Hafez al-Assad em 2000, assume o cargo seu filho Bashar al-Assad, eleito por referendo para um mandato de sete anos, e reeleito em 2007 com aproximadamente 98% dos votos. O regime de Assad é dominado pelas duas minorias sírias, os alauites, membros do islamismo xiita, e os cristãos. Juntos eles formam um quarto da população de 22 milhões de habitantes. A maioria do país é composta pelos sunitas muçulmanos, mas ainda existem judeus, curdos, refugiados palestinos, entre outros, sendo 47 diferentes grupos étnicos e religiosos. A proclamação de um conceito ético como suposta verdade universal torna-se necessário aos chefes de Estado como justificativa a conformação entre essa verdade e os meios para sua obtenção. Visto que, as aspirações dos líderes políticos nem sempre correspondem às sustentadas pelas massas, assim no ímpeto de conquistar o apoio popular, constroem-se teorias, supostamente, humanitaristas, que tentam fundamentar os conflitos. Bashar al-Assad quis se mostrar um líder democrático e transparente, contudo seu governo é marcado por violações aos direitos humanos e falta de liberdade a partidos políticos. O que sempre manteve a família Assad no poder foi a lealdade pelo medo. Em 2011, um caso de tortura a estudantes opositores ao governo gerou grande repercussão, que aliado a Primavera Árabe, influenciou os sírios a demandarem reformas políticas. Assad prometeu algumas mudanças graduais que culminariam com uma reforma constitucional, porém muitos rebeldes continuaram a ser torturados e mortos, ainda após o referendo da nova constituição. As ações cometidas a pedido do governo foram consideradas “crimes contra a humanidade”. Refugiados cruzaram a fronteira para o Líbano e a Turquia, criando nesses países bases do Exército Sírio de Libertação, contra as forças do regime. A Liga Árabe, temendo um grande conflito, suspendeu o status de membro da Síria em novembro de 2011 e pediu que Assad saísse do poder. Os países árabes, autores da iniciativa, são os que mais temem a caída do regime de Assad, por constituir um perigoso precedente para os habitantes de seus reinos. A ação da comunidade internacional seria muito relevante, também, para criação de zonas de segurança dentro da própria Síria, diminuindo o índice de desertores executados. Ao invés disso, o governo continuou atacando, mais de seis mil pessoas já morreram, dezenas de milhares foram presas, incluindo crianças, e quase 100 mil já tiveram que deixar seus lares, e os números aumentam a cada dia. Os grupos de oposição, a ONU e fontes do Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV) acusam o governo de "limpar a área" para não deixar rastros dos crimes, além de impossibilitar o acesso pela CICV em muitas cidades que precisam de ajuda. Bassam Abu Abdullah, um membro do partido Baath e professor de Relações Internacionais, afirmou que as reformas propostas estão sendo concedidas de forma tática. Abdullah também diz que a liberdade no país é confundida com desordem, por isso a necessidade das tropas, que na verdade estariam contra atacando. Para aliados do governo, o que ocorre na Síria não é a Primavera Árabe, mas sim o extremismo islâmico querendo ganhar forças na Síria. Observando o panorama atual da Síria, é aparentemente complicado falar de uma transição democrática, afinal a escalada da violência aponta a um resultado pouco prometedor. Estamos sim, mais próximos do fim de uma estabilidade mantida durante décadas. O movimento social que exige a transformação se pauta, para tanto, naquilo que foi vivenciado durante as últimas quatro décadas. Nestes anos, a liberdade de expressão esteve vetada; o Parlamento foi dominado por um partido; o presidente disfrutou de plenos poderes; demais partidos políticos foram meros espectadores; não houve garantias à segurança do cidadão nem igualdade de direitos; a população foi vigiada em busca de possíveis opositores; foram utilizados centros de prisão arbitrária, nos quais os presos costumavam ser torturados; e finalmente o estado de emergência, em vigor desde 1963 (com o pretexto da ameaça de guerra com Israel), suspendia toda legalidade e estabelecia a lei marcial. Em um estado de guerra nada pode ser considerado justo ou injusto. Isso porque, de acordo com o pensamento de Hobbes, o grau de “justeza” de determinada ação humana só pode ser mensurado de acordo com a sua concordância ou não com as normas impostas pelo soberano. Entretanto, tal estado representa um retorno do homem ao estado de natureza, ausente, assim, um poder comum capaz de intimidar a todos. Na Síria, o Estado havia se convertido em um instrumento através do qual a máfia governante se apropriava de forma ilegítima dos recursos da população, arrebatando sua dignidade. Este quadro se ajusta ao modelo de sociologia do poder desenvolvido por Ferran Izquierdo, professor de Relações Internacionais, o qual assegura que foram as elites que conduziram o mundo à terrível situação atual, tal grupo seria incompetente na direção deste ao não alcançar o objetivo geral da população: a felicidade. Evidencia-se, que a ética da felicidade (da população) se opõe a ética da acumulação (das elites). Guiadas pela lógica da acumulação de poder, as elites, são interrompidas apenas quando a população adquire consciência e exige mudanças. Neste momento de interrupção da dinâmica inicia-se, ainda segundo Ferran, uma relação de poder linear, onde a população está engajada em busca de objetivos concretos. Várias vozes se levantaram contra o sistema corrupto e a falta de liberdade. A privação dos direitos e liberdades explica Burhan Ghaliou, presidente do Conselho Nacional Sírio, foi a grande motivação para revolução. Até mesmo porque afirmou Aristóteles que “O fundamento da constituição democrática é a liberdade”. Os ativistas políticos emitiram um manifesto pedindo que fosse implantado um sistema político democrático; dissolvido o aparato de segurança; liberados prisioneiros políticos; e que o partido Baath deixasse de monopolizar a política. Entretanto observase que, os conceitos empregados estão implicitamente ligados à cultura do Ocidente. Convenhamos que a democracia não é um conceito absoluto, pauta-se em variáveis distintas inclusive nos diferentes Estados ocidentais. Não é possível falar de uma democracia ideal sem cair em um fundamentalismo democrático, como também não podemos definir a liberdade. Desta forma, qual é a ideia de democracia e liberdade presente na revolta síria? Visto que as características provenientes de sua singular estrutura tribal e fundamentada nos princípios do Corão, tornam o regime distante de uma democracia segundo parâmetros ocidentais. Suas debilidades seriam, por exemplo, a segregação por sexos, a posição inferior nos direitos da mulher, a concepção teocrática, a falta de eleições livres e a não alternância no poder. O caráter desigual entre as civilizações que possuem formas antagônicas de vida, de consciência, de visão do mundo, gera um cenário propício para desencadear um intenso choque de civilizações. Torna-se de extrema importância, pois, que entidades internacionais, tais como a ONU, defendam um dialogismo e um olhar compreensivo entre as culturas, pautado naquilo que Kant defende como um senso moral apriorístico e compartilhado por todos os indivíduos. Por essa razão, excetuando-se a questão geoestratégica a qual aponta que o colapso da Síria ameaça de forma direta o equilíbrio de forças da zona e sua estabilidade. É incompreensível a passividade da comunidade internacional. Os grandes atores, ajustados a uma ótica neoliberalizante pouco agem. Os Estados Unidos realizaram algumas sanções que tiveram baixa efetividade, com intuito único de manter seus interesses e de Israel, assegurados na região. Ademais, tentaram desviar a atenção das contínuas violações de direitos humanos, por meio de alegações de que a Síria não estaria colaborando com a Agência Internacional de Energia Atômica, evitando, assim, perder a estabilidade regional garantida pelo regime dos Assad. Já a Rússia se opôs a um possível acordo que tirasse os Assads do país. Adiciona-se a essa inação, o papel da imprensa sensacionalista, que reporta cotidianamente os protestos dos cidadãos contra o governo. Assim como, as redes sociais que não poupam esforços para mostrar mundialmente a situação de caos. Porém mesmo com a difusão dessas mensagens, que ultrapassaram em muito a geografia local, cabe questionar: até que ponto o poder da grande imprensa, resultou em ações que colaboraram aos movimentos civis? Que valores foram defendidos pela imprensa? Estas indagações podem ser respondidas sucintamente por Ignacio Ramonet, jornalista espanhol, o qual pauta-se nos conceitos de pensamento único de Schopenhauer e de pensamento unidimensional de Marcuse. Para ele os interesses de um conjunto de forças econômicas predominam sobre questões políticas, a consequência prática é que os setores financeiros privados superam amplamente as problemáticas nacionais. Considerações Finais Desta forma, faz-se notável a perda de alguns parâmetros éticos, pautados no respeito à vida da população e concessão de liberdades individuais, por parte do governante da Síria, Bashar al-Assad, que instituiu dentro deste país uma alusão à democracia e ao respeito ao seu povo, proporcionada pela utilização do medo como instrumento de repressão e manutenção da ordem. Segundo Maquiavel o objetivo do povo é "não ser oprimido", um fim puramente negativo, visto ser uma rejeição que não exprime, essencialmente, uma nova organização social. Ao que parece, de acordo com Vladimir Satafle, professor e colunista da Folha de S. Paulo, os árabes, neste caso o povo sírio, em seus levantes não buscaram a construção de um novo princípio de organização, mas sim o fim de uma opressão política e frustrações econômicas. Referências Bibliográficas ARIAS, Mariano. ¿Revolución árabe versus democracia occidental? A propósito de las revueltas en el mundo árabe. 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