SÍRIA CONFISSÕES RELIGIOSAS 1 Cristãos (5,2%) - Católicos (2%) - Ortodoxos (2,9%) - Protestantes (0,3%) Muçulmanos (92,8%) Sem Religião (2%) 2 População : Superfície: 20.766.000 185.180 km 2 Refugiados (internos)*: Refugiados (externos)**: 149.709 2.600.000 3 Deslocados : 6.500.000 * Refugiados estrangeiros a viver neste país. ** Cidadãos deste país a viver no estrangeiro. Em Fevereiro de 2012, um ano após o levantamento armado na Síria, o regime adoptou uma nova Constituição aprovada num referendo por 90% dos votos. O novo texto mantém muitas das disposições legais da antiga Constituição. Estas incluem a obrigação de o presidente do país ser um muçulmano (Artigo 3.1) e de a principal fonte de legislação ser a jurisprudência islâmica (Artigo 3.2). A Constituição de 2012 também afirma: «O Estado respeita todas as religiões e garante o livre exercício de todos os direitos religiosos, sob condição de estes não perturbarem a ordem pública.» (Artigo 3.3). Da mesma forma, «o estatuto civil das comunidades religiosas é protegido e respeitado» (Artigo 3.4), «os cidadãos são iguais em direitos e deveres, sem discriminação em termos de religião ou confissão» (Artigo 33.3), e «a liberdade de culto é protegida por lei» (Artigo 42.1). 1 2 3 www.globalreligiousfutures.org/countries/syria http://data.un.org/CountryProfile.aspx?crName=Syrian Arab Republic www.usaid.gov/crisis/syria A principal inovação da nova Constituição é o reconhecimento do pluralismo político (Artigo 8.1). Anteriormente, o Partido Baath detinha o monopólio da representação política. Tirando isto, a nova Constituição, tal como a anterior, não prevê qualquer sistema de quotas confessionais no Parlamento ou no Governo, aos quais os representantes das comunidades minoritárias (Alauitas, Drusos, Cristãos e Xiitas) poderiam ter acesso. Além disso, embora o texto não faça qualquer declaração formal em relação à liberdade de consciência, a conversão dos Muçulmanos a qualquer outra religião continua a ser proibida, uma vez que se considera que isso é contrário à lei islâmica, que é definida como a principal fonte de legislação. Os grupos de fé minoritários foram excluídos do processo político, situação referida por líderes cristãos e observadores de direitos humanos. O chamado ‘Governo interino’ rebelde, formado por nove ministros e instituído em Istambul no Outono de 2013, não incluía um delegado dos representantes (sírios e assírios) cristãos da Coligação Nacional Síria, o grupo da oposição reconhecido como oposição legítima por parte dos poderes ocidentais. Estes membros protestaram contra a sua «marginalização» e «exclusão deliberada». 4 A lealdade política dos grupos minoritários é diversa. Alguns apoiam o regime do presidente Bashar alAssad, enquanto outros – incluindo alguns alauitas e cristãos – apoiam os grupos da oposição. Mesmo assim, a ‘confessionalização’ do conflito coloca estes grupos religiosos numa situação extremamente precária. A focalização directa em comunidades religiosas individuais foi um factor crítico do êxodo em massa de pessoas. Em Março de 2014, o alto comissário das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR) afirmou que, passados três anos de conflito, a Síria «ficou no topo da lista mundial de [pessoas] deslocadas à força», com 6,5 milhões de deslocados na Síria e 2,5 milhões a viverem como refugiados no estrangeiro. 5 Cada vez mais, é evidente uma agenda islâmica aberta nas acções dos grupos militantes. Um esforço concertado dos extremistas para islamizar os bairros colocando pressão física e psicológica nos grupos minoritários tornou-se num tema recorrente ao longo do período deste relatório. Por exemplo, no grande subúrbio de Douma em Damasco, trinta e seis ulemas (sábios e intelectuais muçulmanos) emitiram uma fatwa em Setembro de 2013 legitimando o direito dos fiéis muçulmanos sunitas de apreenderem e se apropriarem de bens, casas e propriedades pertencentes a cristãos, drusos e alauitas e a todos os que «não professam a religião sunita». A fatwa enfatiza que as propriedades confiscadas serão usadas em parte para «obter armas». 6 Num ambiente tão tóxico de violência quase constante, ficou no entanto muitas vezes pouco claro se o motivo principal para um ataque a uma comunidade religiosa era o ódio religioso ou se estava ligado à percepção de lealdade política do grupo. Na maior parte dos casos, parece que ambos os factores estavam presentes na violência endémica que não poupou nenhuma comunidade, independentemente da sua identidade religiosa. 4 Fides, 13/11/2013 ACNUR, 14/3/14 http://unhcr.org/5321cda59.html 6 http://fides.org/en/news/34375 5 Os muçulmanos de diferentes tradições têm também sofrido actos terríveis de opressão. A maioria sunita relatou repetidamente estar sob o fogo das forças de Assad ou dos leais ao regime. A Shabiha, uma milícia sombra alegadamente mantida pelo Governo, tem sido considerada responsável pela violência, pelas armas e pela extorsão, muita da qual levada a cabo por alauitas, sendo os sunitas considerados extremistas e por isso alvos principais. O impacto da Shabiha tem sido aumentado pelos exércitos xiitas – o Houthi e o Hezbollah – e pelo alegado apoio militar do Irão a Assad. Por sua vez, os Alauitas sofreram violência grave levada a cabo por grupos que se opunham ao regime de Assad. À medida que 2014 avançava, as comunidades religiosas ao longo do espectro religioso expressaram cada vez maior preocupação com o surgimento do Estado Islâmico do Levante e do Iraque (ISIL na sigla inglesa), um grupo de militantes islâmicos sunitas influenciados pelo movimento wahabitas, com ambições de criar um califado estendendo-se do Iraque à Síria. As comunidades muçulmanas moderadas e os grupos religiosos minoritários descreveram os abusos de direitos humanos que sofreram à medida que o ISIL tomava regiões-chave no norte da Síria, incluindo Ar-Raqqa, Idib e Aleppo, bem como Mossul, Tikrit e outros grandes centros no Iraque. Num conflito onde o partidarismo político e as divisões sectárias (religiosas) se tornaram intimamente ligados, as comunidades sunitas reportaram graves perseguições às mãos do presidente Assad e das forças leais ao regime. Perante este cenário, o regime foi acusado de ataques com armas químicas a civis, levando os Governos internacionais a considerarem a possibilidade de uma intervenção directa na Síria no final do Verão de 2013. Embora grande parte da violência contra os sunitas tenha sido vista como tendo motivações políticas ou estratégicas, outro tipo de violência foi apercebido como tendo por base sobretudo inimizades religiosas, especialmente nos casos em que foram atacados civis não armados. Um incidente, descrito como um ataque deliberado a sunitas não armados e aparentemente inocentes, ocorreu na vila costeira de Banias. Aí, a 3 de Maio de 2013, forças leais ao presidente Assad mataram pelo menos sessenta e duas pessoas e deixaram corpos ensanguentados nas ruas. Pouco depois, foram colocados nas redes sociais vídeos das mortes. Estas ocorreram dois dias depois de as forças estatais e as milícias pró-Assad terem morto pelo menos cinquenta sunitas na vila de Baida, nas proximidades. Da mesma forma, em Setembro de 2013, quinze pessoas foram mortas em Sheikh Hadid, uma aldeia muçulmana sunita a noroeste da cidade de Hama. O Observatório Sírio de Direitos Humanos disse que uma mulher e duas crianças estavam entre os mortos num ataque nocturno à aldeia. O ataque foi considerado pelos observadores como um ataque a comunidades sunitas inocentes. 7 Noutros casos, sunitas foram atacados pelos seus correligionários por apoiarem Assad, uma atitude vista como traição à sua fé. Em Março de 2013, uma explosão destruiu uma mesquita em Damasco, matando um importante clérigo sunita pró-governamental, o xeque Mohammed Said. Foi alegado que na altura ele estava a dar aulas elementares de Islamismo. 8 7 8 The Guardian, 21/09/13 RT News, 21/3/14 Para os grupos minoritários, o impacto do conflito tem sido sério, embora até certo ponto os drusos pareçam ter sido poupados até agora. Tanto os Alauitas (10% da população) como os Cristãos das diferentes denominações (5-10%) sofreram violência grave. As suas vidas, e as suas casas, e outras posses foram atacadas por causa da sua identidade religiosa. Os Alauitas relataram actos flagrantes de perseguição. Os incidentes mais notáveis de violência, alegadamente destinados especificamente a alauitas, ocorreram na cidade de Latakia, em Março de 2013. Um enorme ataque foi montado pelo Exército Livre da Síria e pelos seus apoiantes, que incluíam os descendentes de Aisha, Mãe dos Crentes, com o objectivo declarado de conquistar a cidade de Al Haffah, mas um efeito colateral aparentemente calculado pode ter sido a faísca que desencadeou mais violência sectária na Síria, levando a cabo um ataque a uma área de maioria alauíta. Durante o ataque, as forças rebeldes capturaram alegadamente treze aldeias, mataram quase 200 civis e levaram mais de 200 reféns. As mulheres foram alegadamente levadas em camiões para serem violadas pelos combatentes rebeldes. O Observatório Sírio de Direitos Humanos relatou que um clérigo alauita raptado foi morto pela Frente Al Nusra. 9 Outro ataque significativo à comunidade alauita da Síria ocorreu em Fevereiro de 2014 em Maan, uma aldeia maioritariamente alauita na província de Hama. Rebeldes islâmicos extremistas invadiram Maan e mataram quarenta pessoas. Metade das vítimas do ataque eram civis, incluindo mulheres, e os restantes eram combatentes da aldeia que defendiam as suas casas. Um vídeo, adicionado pelos rebeldes da Brigada Jund al-Aqsa, que alegadamente tinham invadido a aldeia, mostrava homens de barbas longas agitando um jihadista negro sobre a aldeia. 10 Uma cristã que testemunhou um ataque do Exército Livre da Síria a Ras al-Ain, uma vila no nordeste da Síria, na fronteira com a Turquia, disse que os Alauitas eram os mais afectados num ataque em que uma grande variedade de comunidades de fé tinham sido atingidas. A mulher, que pediu que o seu nome não fosse referido por razões de segurança, disse que imediatamente após o ataque, a 8 de Novembro de 2012, Cristãos, Curdos e outros foram forçados a fugir. Mas disse também: «Os Alauitas tiveram o pior destino: foram mortos porque eram alauitas. Um deles foi um professor que durante muitos anos ensinou as crianças de todas as famílias. Alguns militantes encontraram-no, capturaram-no e mataram-no em frente à sua mulher e filhos. 11 Durante o período em análise, as comunidades cristãs em toda a Síria sofreram violência sistemática. Os motivos por detrás dos ataques são complexos. Em muitos casos, estas 9 Le Parisien, 11/10/13 Associated Press, 10 de Fevereiro de 2014 11 Fides, 30 de Novembro de 2012 10 comunidades foram atacadas sobretudo por causa da sua fé e noutras situações a questão foi evidentemente a percepção da sua lealdade política. Talvez o efeito mais significativo da violência tenha sido a emigração em massa. Em Outubro de 2013, o Patriarca Greco-Católico Melquita Gregório III dizia à BBC que mais de 450 mil cristãos, numa população de 1,75 milhões anterior à guerra, tinham sido deslocados ou tinham deixado o país. 12 No prazo de dois anos, a cidade de Aleppo, que anteriormente acolhia a maior comunidade cristã na Síria, perdeu mais de 65% dos Cristãos. As organizações que observam a perseguição indicaram que o êxodo de cristãos da Síria é uma repetição ‘acelerada’ do que aconteceu ao longo dos últimos 10-20 anos no Iraque, onde a comunidade cristã caiu a pique de mais de um milhão para pouco mais de 300 mil pessoas. Em entrevistas, os líderes cristãos, incluindo o Patriarca Gregório, insistiram que as comunidades da Igreja irão sobreviver à violência, apesar de não haver um fim óbvio à vista do conflito. 13 A emigração das comunidades cristãs não foi necessariamente pior – proporcionalmente falando – do que a de outros grupos religiosos, mas pode ser mais catastrófica por causa dos seus números já reduzidos. As comunidades cristãs reportaram raptos e mortes generalizados de bispos e sacerdotes. Em Outubro de 2012, o Padre Fadi Jamil Haddad, pároco greco-ortodoxo no subúrbio de Qattana em Damasco, foi encontrado na cidade de Damasco com a garganta cortada. Tinha estado a tentar obter a libertação de um médico cristão cujos raptores estavam a exigir um resgate de 414.048 euros. 14 A 22 de Abril de 2013, dois prelados de Aleppo, o Arcebispo grecoortodoxo Boulos Yazigi e o Arcebispo sírio-ortodoxo Yohanna Ibrahim foram raptados enquanto regressavam da fronteira turca, onde tinham ido negociar a libertação de dois sacerdotes, o Padre católico-arménio Michel Kayyal e o Padre greco-ortodoxo Maher Mahfouz, raptados a 9 de Fevereiro de 2013. O condutor do seu carro, o Diácono Fatha Kabboud, foi assassinado pelos raptores. Até agora, nenhum grupo reivindicou a responsabilidade pelo rapto. 15 Em Julho de 2013, o Padre jesuíta italiano Paolo dall’Oglio, fundador do Mosteiro de Mar Moussa, na Diocese de Homs, desapareceu perto da vila de Raqqa, junto à fronteira turca. Há relatos que alegam que foi raptado pelo ISIL na sequência da movimentação destes para se apropriarem da região. 16 Muitos dos incidentes ocorreram em Aleppo e na região noroeste que rodeia esta cidade, para onde os Cristãos fugiram em grande número. Líderes cristãos noutras regiões da Síria também foram vítimas de violência. Em Abril de 2014, o Padre jesuíta Frans van der Lugt, de 75 anos, foi morto passados quase quarenta anos de trabalho pastoral junto do povo de Homs. A Cidade Velha de Homs foi um dos principais centros onde os edifícios das igrejas sofreram sistemática violência e profanação. Em Homs, terceira cidade da Síria, todas as igrejas cristãs foram destruídas. Em Damasco, as paróquias cristãs nos subúrbios tiveram de fechar as portas. Em Maio de 2013, a aldeia cristã de El-Duwair (província de Homs) foi atacada e 12 BBC News Middle East, «Syria conflict: Christians ‘fleeing homes’», 16/10/13 Op. cit. 14 Fides; La Croix, 26/10/12 15 La Croix, 6 de Maio de 2013 16 Zenit, 6/8/13 13 parcialmente destruída por muçulmanos aliados ao Exército Livre da Síria. Muitos dos habitantes foram massacrados. 17 A 7 de Setembro de 2013, os muçulmanos da Frente AlNusra atacaram a cidade santuário de maioria cristã de Maaloula, onde os habitantes falam uma língua bíblica, o aramaico. Os assaltantes deitaram abaixo as cruzes do Mosteiro de São Sérgio e rodearam o Convento de Santa Tecla, forçando as religiosas a recuarem para dentro do convento. Forçaram a entrada em muitas das casas gritando: «Estamos aqui para vos levar, adoradores da cruz.» Numa das casas, deram ordens a três homens greco-católicos melquitas para que se convertessem ao Islamismo, sob pena de morte caso não o fizessem. Um deles, Sarkis El-Zakhm, respondeu: «Sou cristão e se quiser matar-me porque sou cristão, então mate.» Foi morto juntamente com os outros dois.18 No total, mataram vinte civis e raptaram outros quinze. Nenhuma das casas muçulmanas foi tocada. 19 Nesse mês de Dezembro, membros da Frente Al-Nusra ainda com o controlo de Maaloula raptaram doze religiosas ortodoxas do Mosteiro de Mar Thekla e levaram-nas para Yabroud. 20 As irmãs foram libertadas ilesas em Março de 2014. Maalaoula foi posteriormente tomada novamente pelas forças de Assad antes da Páscoa de 2014. Desde então, outras cidades maioritariamente cristãs sofreram violência grave, incluindo Saddad onde, num cerco islâmico, quarenta e cinco pessoas foram mortas e uma família foi morta e deitada por um poço abaixo, inclusive dois adolescentes e três dos seus avós. Os Yezidis, uma comunidade de fé minoritária, também sofreram no período em questão. O ISIL atacou al-Talilya, perto de Ras al-‘Ayn, num ataque alegadamente destinado aos Yezidis, a comunidade de fé maioritária na aldeia. Os rebeldes jihadistas alegadamente executaram de forma sumária quinze civis, incluindo seis crianças. Os residentes e os residentes locais avançaram dois possíveis motivos para este ataque: a vingança do ISIL nos aldeões, suspeitando que eles apoiavam os seus opositores; o facto de o ISIL considerar os Yezidis como infiéis. 21 Embora a guerra civil na Síria, que atravessou todo o período em análise, signifique que a violência e outras violações dos direitos humanos sofridas pelas comunidades religiosas foram em grande medida políticas, o ódio religioso desempenhou claramente um papel importante. O sectarismo religioso subjacente ao conflito ficou claro com a profanação generalizada de igrejas e mesquitas, os raptos e mortes de imãs, bispos e outros líderes religiosos, o foco deliberado nos civis e, talvez acima de tudo, pela deslocação em massa de comunidades urbanas e rurais. Neste sentido, a liberdade religiosa na Síria, juntamente com os direitos humanos fundamentais como um todo, entrou em declínio acentuado durante o período em análise. 17 Observatoire de la Christianophobie, 24/7/13 Fides, 12/9/13 19 Site: Egalité-Réconciliation, 9/9/13 20 La Croix, 3/12/13 21 Human Rights Watch, 14/6/14 18