2014/08/27
Uma intervenção militar dos EUA na Síria?
Alexandre Reis Rodrigues
A proposta russa de eliminação do
arsenal de armas químicas da Síria –
processo presentemente concluído –
permitiu ao Presidente Obama tornear,
sem
perda
de
credibilidade,
a
concretização da ameaça de intervir
militarmente, caso o regime usasse
essas armas contra a oposição. Não
obstante Assad ter ignorado esse alerta,
a concordância e colaboração que
aceitou
dar,
subsequentemente
à
destruição desse arsenal, na linha do acordo sugerido por Moscovo, permitiu aos
EUA evitar o envolvimento militar num extremamente complexo conflito.
Uma intervenção militar – como algumas correntes defendiam -, teria feito sentido
em termos do objetivo de defesa de ideais – democracia, direitos e liberdades
individuais - e em termos humanitários, para poupar a população síria à destruição
e massacre a que tem estado sujeita. No entanto, não iria observar a totalidade dos
critérios que normalmente se invocam para essas situações e que, entre outros
aspetos, exigem que esteja em causa interesses vitais americanos.1
Robert Kagan2 referiu-se recentemente a esta questão para defender a ideia de que
a discussão que precisa de ser feita não deve ser sobre se os EUA devem ou não
intervir mas em que circunstâncias o devem fazer. Kagan lembrou que a opção de
recurso ao uso da força tem sido uma constante da postura internacional dos EUA,
quer para presidentes republicanos, quer para democratas, e apresenta estatísticas
concludentes, que cobrem os últimos 116 anos: a média de uma intervenção em
cada quatro anos e meio, percentagem que sobe para uma intervenção em cada
três anos se analisarmos apenas o período pós Guerra Fria.
O desfecho conseguido no caso da Síria serviu bem a postura adotada pelo
Presidente Obama que se tem mostrado avesso aos riscos das intervenções
militares de contrainsurreição, em que se torna difícil estabelecer um objetivo claro
e específico e que, geralmente, são de longa duração. Ao contrário do seu
antecessor, procura manter a imagem de um realista que não se quer afastar das
1
Um dos mais recentes contributos para a discussão deste tema veio pela mão de Henry Kissinger e
James Baker (ex-secretários de Estado em 1973/1977 e 1989/1992, respetivamente) que sugeriram os
seguintes seis critérios: 1º Estar definido um objetivo específico e claro; 2º Ter em conta as
circunstâncias de cada país e a sua relação com os interesses americanos; 3º Saber exatamente quem
se está a apoiar; 4º ter o apoio da opinião pública americana; 5º Considerar possíveis consequências
não desejadas; 6º Estar na posse de uma clara ideia sobre o que são verdadeiramente os interesses
nacionais no contexto que pode vir a ser sujeito a uma intervenção. (Grounds for U.S. military
interventions”, 6 abril, 2011
2
Artigo de Robert Kagan, de 15 de julho de 2014, sob o título: ”U.S. needs a discussion on when, not
whether, to use force”.
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lições aprendidas das intervenções militares decididas na presidência anterior,
principalmente a do Iraque, a que foi contrário. Só não tem hesitado no emprego
de “drones” em centenas de intervenções “cirúrgicas” que já autorizou, no âmbito
do combate ao terrorismo, aliás com notável sucesso. No entanto, as circunstâncias
da situação política internacional estão a colocá-lo sob o risco de ter que seguir
precisamente pelo caminho que procura evitar.
Neste momento, vai na segunda intervenção militar da sua presidência. A primeira
foi na Líbia para ajudar à deposição de Kadaffi, uma intervenção em que os EUA
nem sequer lideraram a sua condução, aliás a primeira num passado recente que
não incluiu a participação de um porta-aviões. A segunda está em curso,
novamente no Iraque e uma terceira, finalmente na Síria, é uma possibilidade que
parece não estar distante.3
A intervenção em curso no Iraque tem sido repetidamente referida como tendo
uma natureza e âmbito limitados. Foi alegadamente desencadeada pela ameaça
que a aproximação das forças do ISIL a Erbil, capital do Curdistão, começava a
representar para os milhares de americanos lá estacionados. Mas o Presidente não
nega que poderá ter uma duração relativamente longa; na verdade, admitiu que
poderá durar meses. De que período se está exatamente a falar ninguém sabe,
nem pode prever. Depende dos iraquianos conseguirem tomar o controlo da
situação nas suas próprias mãos. Uma questão política que recebeu um contributo
positivo com a saída de cena do primeiro-ministro al Malaki mas que, como é óbvio,
não depende apenas de quem é o líder do governo.
Aliás, a questão que se está a pôr já não respeita apenas ao Iraque. O Pentágono,
pela voz do general Dempsey (“Chairman” do Comité Militar), concluiu não haver
qualquer hipótese de eliminar a ameaça do “Islamic State of Irak and the Levant”
(ISIL) no Iraque sem uma intervenção na Síria. Essa hipótese, a ocorrer, alterará
radicalmente o quadro da intervenção em curso. Deixará de se tratar apenas de
ajudar Bagdade a ultrapassar a crise em que deixou mergulhar o país para passar a
ser sobretudo uma luta contra o ISIL e as suas pretensões de estabelecer um
califado que, numa primeira fase, se estenderia entre a Síria e o Iraque.
O assunto passa a pôr-se como uma tentativa de não permitir que o equilíbrio
regional em que deve assentar a estabilidade no Médio Oriente torne a oscilar,
desta vez no sentido do domínio do radicalismo sunita. Deixa de ser uma
intervenção humanitária para salvar o Iraque do perigo de desintegração. Passa a
ter uma natureza estratégica que interessa a todo o Ocidente, mas com
dificuldades e com um grau de complexidade muito superior à do Iraque, quer em
termos políticos, quer em termos militares, mesmo na versão de intervenção
limitada ao uso do poder aéreo.
3
Dados retirados do artigo referido na anterior nota de roda-pé: Se incluirmos na compilação de todas
as intervenções militares dos EUA no exterior, desde 1898, também as de reduzida dimensão,
chegaremos a um total próximo de 160. O número seria maior se fossem incluídas as chamadas
“operações encobertas” apenas com forças de operações especiais e muito reduzido número de efetivos.
Se, porém, contabilizarmos apenas as grandes intervenções com inserção de largos efetivos de forças
terrestres, chegaremos a uma média de uma operação em cada quatro anos e meio, no mesmo período.
Globalmente, estes dados dizem-nos que no total do período (116 anos), verificaram-se intervenções em
52 anos, ou seja 45% do tempo. Olhando apenas para o passado recente, desde o fim da Guerra Fria
até este ano, constataremos uma média mais alta: 19 anos de intervenções no total de 25 (uma
intervenção em cada três anos).
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Se não tiver a concordância, pelo menos tácita, do regime sírio será considerada
por este como uma agressão, conforme aliás já anunciou o governo sírio, mas
acrescentando que estava pronto a coordenar a campanha contra os radicais
islamitas. A Síria tem algumas boas razões para concordar sob condições; por essa
via, vê-se livre do grupo que mais ameaça o regime. No entanto, a oposição síria
que controla parte significativa do território, não vai querer desviar-se do seu
objetivo principal que é lutar pelo fim do regime de Assad e não vai concordar com
iniciativas que reforçarão a posição negocial do líder sírio. O facto de o “Free Syrian
Army” já se ter mostrado disponível para coordenar ações com os EUA não altera a
questão de fundo. Em qualquer caso, os EUA não podem alienar o apoio dos
sunitas, de que precisam no Iraque, aparecendo a combater ao lado de Assad.
Por outro lado, uma operação exclusivamente aérea não destruirá uma organização
como a do ISIL, que usa uma estrutura muito descentralizada e que aposta na
mobilidade. Poderá, quando muito, enfraquece-la e obrigá-la a procurar outros
santuários de onde possa continuar a operar, como aconteceu com a al Qaeda. Ou
seja, teremos um conflito que pode alargar-se a outros países. Por estas mesmas
razões é que o general Dempsey também alertava que o que há a fazer passa por
um conjunto alargado de várias outras medidas, incluindo diplomáticas e
financeiras.
Malgrado estas dificuldades não restam dúvidas de que a evolução por que está a
passar a natureza dos conflitos no Iraque e Síria justifica uma reorientação da
estratégia adotada pelos EUA. Estará o Presidente Obama disposto a autorizar uma
alteração drástica ou limitar-se-á a dar luz verde a mais algumas operações
encobertas incluindo o emprego de forças de operações especiais, como a que
tentou libertar o jornalista James Foley, e alguns ataques “cirúrgicos” com
“drones”?
A decisão final vai depender em larga medida do ambiente político regional, em
especial da forma como a Síria e Irão se posicionarão perante a nova situação. Mas,
entretanto, o Presidente Obama já autorizou voos de vigilância e reconhecimento
sobre o território sírio, presumivelmente, na região da cidade de Raqqa, onde o
regime sírio perdeu a favor do ISIL o controlo da base aérea da região (Base de
Tabqa), reforçando assim o seu principal reduto.
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