Para os Estudos em Memória do Prof. Doutor Paulo Cunha
Obrigações de meios, obrigações de resultado e custos da prestação
Pedro Múrias
Maria de Lurdes Pereira1
A distinção entre obrigações de meios e de resultado é importante e rigorosa, mas tem
suscitado dificuldades e, por vezes, alguma oposição, embora seja amplo o seu acolhimento.2 O
rigor da distinção não exclui figuras mistas, sendo os casos de dupla definição da prestação,
abaixo referidos, os mais frequentes e dignos de nota. Propomo-nos esclarecer os termos da
distinção3 e o seu alcance em sistemas como o português. Defendemos, em especial, que a
distinção não tem reflexos em matéria de custos da prestação, ou seja, nos problemas de acréscimos de onerosidade, que podem configurar uma «alteração das circunstâncias». O tópico das
obrigações de meios e de resultado não serve para determinar quais os casos em que a onerosidade da prestação é excessiva.4 Pelo caminho da exposição, apresentamos ainda o conceito
de resultado definidor da prestação, que cremos ter alguma utilidade geral e que se contrapõe aos
resultados exteriores (o «fim da prestação») e aos resultados subalternos.
As obrigações de resultado poderiam chamar-se obrigações de causação ou obrigações
causativas. Nelas, o devedor obriga-se a causar certo resultado, o resultado definidor da
prestação. Como o comportamento devido se define pela causação de um facto, esse comportamento ocorre apenas se o resultado ocorrer: só se causa o que acontece. Logo, um acto só será
M.ª de Lurdes Pereira é assistente da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Pedro Múrias é doutorando
da mesma Faculdade, em exclusividade.
2 DEMOGUE, Traité des obligations en général, parte I, Sources des obligations, tomo V, Arthur Rousseau, Paris, 1925, 538-544, está na origem da terminologia assente em Portugal e que usamos. O Autor escrevia a propósito das diferenças quanto ao ónus da prova entre responsabilidade contratual e extracontratual, mas volta a usar a distinção
nalguns temas do tomo VI do Traité. Na Alemanha, cf., p. ex., HEINEMANN, Beweislastverteilung, 73-140, num estudo
comparativo e dogmático. Reportam-se à mesma distinção RÖDL, Die Spannung der Schuld, Duncker & Humblot,
Berlim, 2002, CANARIS, Die Behandlung nicht zu vertretender Leistungshindernisse nach § 275 Abs. 2 BGB beim Stückkauf, JZ
2004/5, 214-225, e LOBINGER, Die Grenzen rechtsgeschäftlicher Leistungspflichten, Mohr Siebeck, Tubinga, 2004. No
direito inglês, cf. TREITEL, The law of contract, 10.ª ed., Sweet & Maxwell, Londres, 1999, 780-781, distinguindo o
supply of services dos casos em que se promete um result, e NICHOLAS, Fault and breach of contract, in BEATSON /
FRIEDMANN (org.), Good faith and fault in contract law, Clarendon, Oxford, 1995, 349-351, aludindo à distinção
francesa, que o Autor tem por útil para o common law. O art. 5.4 PUC (Princípios UNIDROIT relativos aos
Contratos Comerciais Internacionais) distingue o «duty to achieve a specific result» e o «duty of best efforts», «obrigação de
resultado» e «obrigação de meios» na «versão provisória em língua portuguesa» do Ministério da Justiça.
3 Insuficientemente aprofundados em P. MÚRIAS, Por uma distribuição fundamentada do ónus da prova, Lex, Lisboa, 2000,
131 (n. 377) e M.ª LURDES PEREIRA, Conceito de prestação e destino da contraprestação, Almedina, Coimbra, 2001, 191-192
(n. 515). Podem ver-se nesses locais algumas indicações bibliográficas.
4 Opomo-nos, pois, a uma construção de CANARIS, loc. cit., 223-224, e de LOBINGER, loc. cit., 194-208, que este autor
usa em várias partes do seu estudo. Pelo contrário, concordamos em absoluto com as críticas que, no resto do
artigo, CANARIS dirige a PICKER (Schuldrechtsreform und Privatautonomie, JZ 2003/21, 1035-1048.) e que devem tb. ser
dirigidas ao conjunto do estudo de LOBINGER.
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qualificado como cumprimento se o resultado vier depois a ocorrer. As obrigações de meios
chamar-se-iam com mais clareza obrigações de tentativa ou obrigações de adequação. As obrigações de meios também se definem por um resultado. O devedor, porém, não se obriga a causá-lo, mas a
tentar causá-lo, ou melhor, a praticar os actos que, numa apreciação ex ante, sejam adequados a
causá-lo. É portanto comum às obrigações de meios e de resultado serem definidas através de
um facto que se pretende causar. A diferença está naquilo a que o devedor se obriga: nas de
resultado, obriga-se a causá-lo; nas de meios, obriga-se a tentar adequadamente causá-lo. Assim,
só há cumprimento das primeiras quando o resultado definidor da prestação ocorra causado
pelo devedor;5 nas de meios, há cumprimento quando o resultado é adequadamente tentado.
Note-se que as «obrigações de meios» não se definem por nenhuma indicação dos meios que o
devedor usará para cumprir. Pelo contrário, ele é totalmente livre na sua escolha, salvo convenção adicional.
O problema do conceito de obrigação de resultado não é muito diferente do problema
da análise semântica da linguagem especificamente causal.6 Aquele conceito jurídico é, aliás,
comparável com o conceito linguístico de verbo causativo. Trata-se de verbos transitivos, muito
comuns, que descrevem uma acção do sujeito — atribuindo-lhe, portanto, o «papel temático» de
agente — em função de um resultado exterior a essa mesma acção e por ela causado.7 Pense-se
em verbos como aperfeiçoar, arrefecer, construir, curar, entorpecer, matar, produzir, recuperar, salvar,
silenciar.... Só se pode dizer que alguém aperfeiçoou, construiu, curou, etc., se algo ficar
efectivamente aperfeiçoado, construído, curado, etc., por causa daquela acção. E o efeito não é
parte da acção causadora. A distinção entre verbos causativos e verbos não causativos (mas que
também indiquem um sujeito agente) corresponde à distinção penalista entre crimes de resultado
e crimes de mera actividade. Pelo contrário, não tem correspondência perfeita na distinção entre
obrigações de meios e de resultado. É que também são prestações de resultado aquelas cujo
«efeito» não se distinga da própria acção. Um actor de teatro contrai, pelo menos em regra, a
obrigação de resultado de representar, não sendo este resultado autónomo da própria acção. O
conceito de obrigação de resultado é, logo na sua definição, mais amplo do que o de verbo
causativo, pois só nos interessa a diferença entre conseguir e tentar. Assim, ao falar de resultado
podemos estar a referir-nos à própria acção, embora esses casos sejam pouco numerosos e não
lhes vamos dar grande reparo. De qualquer modo, uma prestação descrita com um causativo
indica em princípio uma prestação de resultado; antepondo-se-lhe o verbo tentar, temos decerto
uma obrigação de meios.
Com as definições propostas, superam-se de imediato algumas dificuldades. A doutrina
actual sustenta que, nas obrigações de resultado, o «devedor deve não só o comportamento, mas
Ou por um terceiro que cumpra em seu lugar.
Que sempre criou dificuldades aos juristas. Cf. H. HART/T. HONORÉ, Causation in the law, 2.ª ed., reimp.,
Clarendon, Oxford, 1998 (1985; 1.ª ed. 1959), 26-29.
7 Apela-se a um conceito intuitivo de acção, aliás coincidente com o que resulta da literatura citada infra, n. 10.
Sobre os conceitos linguísticos usados, cf. M.ª HELENA MATEUS et al., Gramática da língua portuguesa, 5.ª ed.,
Caminho, Lisboa, 2003, 183-203 e 305-306.
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também o resultado».8 Traduz-se assim que, por muitos que sejam os esforços do devedor, só há
cumprimento se o resultado de facto se verificar, o que devemos ter por assente. Ao mesmo
tempo, porém, diz-se que a obrigação é essencialmente um dever e que um dever só pode ser de
um comportamento. As duas asserções são contraditórias. Resolve-se a contradição ao compreender que se deve apenas um comportamento, mas que aquilo que o define como prestação devida
e, logo, como cumprimento, é a causação de um resultado. Então, por muitos que sejam os
esforços do devedor, só há cumprimento se o resultado se verificar, pois, caso contrário, não
ocorre o comportamento a que o contrato (ou outra fonte) obriga.9 Este entendimento coincide
em absoluto com uma conhecida tradição da filosofia anglófona sobre a linguagem causal e o
conceito de acção: uma acção, como qualquer acontecimento, pode ser descrita de um número
ilimitado de maneiras, designadamente através de uma ou várias das suas consequências. Mas a
acção é só uma, e não é exterior ao corpo do agente.10
Prova de que não se deve o resultado (distinto da acção) são também as conhecidas
situações em que o resultado contratual é obtido por outra forma que não o comportamento do
devedor. Quando o resultado é obtido por outra forma, não é um comportamento do devedor
que o causa. Não havendo um comportamento causador do resultado que define a prestação,
não há qualquer cumprimento, ao contrário do que decorreria da fórmula de que «o devedor
deve (não só um comportamento, mas também) um resultado». Estes são, portanto, casos de
impossibilidade.11 Não pode, por outro lado, dizer-se que o devedor deva o resultado e o comportamento, porque, além da causação do resultado, não há nenhuma acção devida, salvo estipulação adicional. Outros actos do devedor são consumidos, tornados irrelevantes, no momento
em que o resultado seja causado, mesmo que, ex ante, fossem convenientes ou indispensáveis.
Exceptua-se dessa irrelevância a sua utilização indirecta, p. ex., como elemento a ponderar na
Cf. M.ª LURDES PEREIRA, Conceito, 119-122 e 191-209, com restrições, e, sem restrições, RÖDL, Spannung, 41.
A contradição assinalada foi objecto de uma análise aprofundada por WIEACKER. Porém, o Autor, longe de
propor ultrapassá-la através de uma redefinição do papel do resultado no conceito de prestação, preferiu eliminar o
outro dos seus termos: seria incorrecta a afirmação corrente de que o devedor deve a prestação. A «prestação»
visada pela maioria dos preceitos do direito das obrigações corresponderia à «realização do interesse do credor
através de um comportamento do devedor conforme com o dever» (cf. Leistungshandlung und Leistungserfolg im
bürgerlichen Schuldrecht, FS Nipperdey zum 70. Geburtstag, Vol. I, Beck, Munique, 1965, 783-813, 790-798) e seria de
rejeitar a afirmação (aparentemente tautológica) de que «o devedor deve a prestação», por não vigorar um princípio
geral de «responsabilidade incondicional» do devedor pela verificação do resultado (cf. WIEACKER, Leistungshandlung,
798-805 e 812).
10 Cf. o estudo fundador de E. ANSCOMBE, Intention, reimp., Harvard Univ., Cambridge (Mass.)/ Londres, 2000
(1957), passim, esp.te 37 ss., e os primeiros ensaios de D. DAVIDSON, Essays on actions and events, 2.ª ed., Clarendon,
Oxford, 2001 (1963-1985). Já temos por menos feliz, embora bastante próxima, a exposição de VON WRIGHT,
Explanation and Understanding, reimp., Cornell University, Ithaca, 2004 (1971), p. 68.
11 Para a crítica de entendimentos opostos, desenvolvidamente, M.ª LURDES PEREIRA, Conceito, 11-215. Nas prestações de coisa específica pertencente ao devedor, porém, há normalmente «cumprimento» desde que a coisa seja
recebida pelo credor, ainda que por facto natural ou por acto de terceiro que não pretenda cumprir. São pensáveis
casos com alguma semelhança em sede de obrigações genéricas. Isto tem algum interesse para a compreensão das
prestações de coisa, diminuindo o seu cunho de «prestações». Os casos inversos aos referidos no texto, em que o
resultado é impossibilitado, tb. tratados por M.ª L. PEREIRA, ibidem, são por vezes erradamente designados como
casos de «frustração do fim da prestação», o que confunde o resultado definidor com resultados exteriores. Cf. infra,
no texto das nn. 15 e ss.
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decisão equitativa do art. 883.º/1 ou nos «descontos» dos arts. 795.º/2 e 815.º/2. O dito que
recusamos deixaria entender que, ao lado da causação do resultado definidor, seria devida
alguma outra coisa, o que é falso. Neste ponto, aliás, as obrigações de resultado vinculam a
menos do que as obrigações de meios. Apesar de tudo, talvez seja útil manter ao lado da
formulação correcta a afirmação meio metafórica de que o devedor deve o resultado, mas
apenas por comodidade de linguagem, evitando rodeios. P. ex., as locuções cumprimento parcial e
impossibilidade parcial significam que só parte do resultado foi alcançada ou é possível. Nas obrigações de resultado, não se encontram partes do cumprimento nos actos de prestação.
Fica superada, em segundo lugar, a própria dificuldade de definir as obrigações de meios.
Dizia-se que, nelas, o devedor seria obrigado «apenas a certo esforço» ou «apenas a um comportamento diligente» na realização da actividade devida. Contudo, havia uma primeira insuficiência
ao falar-se de «actividade devida» e «esforço devido». Na verdade, não era claro aqui se o cumprimento era o «esforço» ou a «actividade». Se, por outro lado, se dissesse apenas que o devedor
fica obrigado «a certo esforço», cairíamos na total indeterminação. Qual o esforço devido?
A falha decisiva — que nos interessa especialmente — era a de nas obrigações de meios
se reduzir a definição da prestação ao emprego de um esforço de certa intensidade, de uma certa diligência, que seria determinada segundo o critério do bonus pater familias ou afim. Daqui se seguiria
também, numa conclusão a contrario, que nas obrigações de resultado o devedor estaria obrigado
a esforços de uma intensidade máxima, não podendo reclamar a eficácia exoneratória de um
acréscimo, ainda que enorme, de despesas. Assentando em que a distinção entre as obrigações
de meios e as obrigações de resultado não exige uma alusão às ideias de esforço ou de diligência,
mas só ao facto de que o devedor de meios tem de tentar adequadamente alcançar o resultado, e
não de causá-lo, é fácil reconhecer que a distinção não apoia um regime diverso quanto a custos.
Mais do que isso: a definição que propomos permite demonstrar que as obrigações de meios
seguem em matéria de custos precisamente o mesmo regime que valha para as de resultado.
Desde logo, note-se que as obrigações de meios também consentem a distinção entre
actos necessários e cautelas e que, nelas, como em quaisquer outras obrigações, estes dois tipos
de actos colocam problemas jurídicos completamente distintos em matéria de custos, em moldes
tais que revelam a inexistência de analogia.12 Nas obrigações de meios, o devedor está vinculado
a todo o acto necessário — necessário, não suficiente —, pois todos os actos indispensáveis ao
resultado definidor (i.e., necessários) se incluem forçosamente nos actos a ele adequados. Os
actos adequados englobam todos os actos necessários, embora insuficientes, e ainda, nos termos
gerais, as cautelas próprias do bonus pater à face da situação (salvo estipulação adicional). Segue-se
que, à semelhança do que acontece nos demais casos, actos necessários e cautelas desencadeiam
aqui questões distintas em matéria de custos: designadamente, a presença de uma obrigação de
meios implica só por si a vinculação aos actos necessários, sem que tenha de recorrer-se a
qualquer critério para afirmá-lo; o problema dos custos excessivos só se coloca ex post. A
Desenvolve-se a importância da distinção entre actos necessários e cautelas no artigo Medida da diligência e acréscimo
de custos da prestação, a publicar em breve.
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vinculação às cautelas, pelo contrário, sofre de uma indeterminação inicial; o problema dos
custos surge à partida.
Depois, não existe qualquer razão privativa das obrigações de meios que aponte para que
nelas os actos necessários se sujeitem a um regime de custos diverso do geral. Por um lado, a
circunstância de a execução dos actos necessários se traduzir, nas obrigações de meios, no
cumprimento (parcial) do dever de prestar não aponta para uma fasquia diversa das despesas a
suportar pelo devedor e muito menos para que esse limite, a existir, seja inferior ao que se
mostre valer nas obrigações de resultado (em que a realização dos actos necessários não
concretiza só por si o cumprimento, que supõe a ocorrência do resultado). Os actos necessários
não são devidos com «menos intensidade» nas obrigações de meios. Por outro lado, o facto de
as cautelas serem nas obrigações de meios elementos da prestação não pode, de forma nenhuma,
apoiar a ilação de que a prestação seria totalmente definida à luz do critério do bonus pater familias.
É certo que estas cautelas são diligência e, em simultâneo, elementos da prestação, mas não
esgotam a prestação nem afastam que esta se defina em função de um resultado. Sem referir o
resultado não se consegue identificar a prestação; e uma cautela devida também só é elemento
daquela prestação se se adequar ao resultado definidor, o que interessa para discernir deveres de
prestação e deveres de protecção. Se o critério da culpa é ao mesmo tempo critério da prestação,
a verdade é que não a consome, visto haver ainda os actos necessários, nem a identifica por si,
visto ser preciso referir o resultado.
Em reforço, deve registar-se que, numa perspectiva ex ante, os actos devidos são rigorosamente idênticos numa obrigação de meios e numa obrigação de resultado que visem o mesmo. Não
há distinção entre obrigações de meios e de resultado quanto aos actos concretamente devidos a
cada momento. Suponhamos que alguém contrata um advogado com vista a obter um projecto
contratual que evite certo custo tributário numa operação com imóveis. O contrato pode obrigar
o advogado a projectar a operação sem o custo fiscal ou apenas a fazer a correspondente tentativa. A obrigação será, pois, de resultado ou de meios conforme o que se convencione, relevando os critérios gerais de interpretação. As partes têm aqui total liberdade de estipulação, sem
prejuízo de que, em regra, só se estipula uma obrigação de resultado quando o sucesso é visto
como praticamente certo. No nosso caso, podia ser assim ou não. O que importa notar é que,
quer com uma, quer com outra estipulação, o advogado deverá realizar o mesmo trabalho. O
mesmo estudo, a mesma reflexão, as mesmas correcções: por outras palavras, o mesmo esforço
e diligência, os mesmos actos necessários e cautelas. Numa perspectiva ex ante, o devido é
idêntico. A diferença está apenas em que, se a obrigação for de meios, esses actos devidos ex ante
são sempre cumprimento da obrigação. Se a obrigação for de resultado, esses actos só são
cumprimento, só têm o nome de cumprimento e respectivos efeitos se o resultado for conseguido.
Em rigor, chama-se cumprimento ao último acto causador do resultado (no caso, a entrega do
projecto).
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Numa última nota, acrescente-se que pode ser aposta uma cláusula do razoável13 quer a
uma obrigação de meios, quer a uma obrigação de resultado. São fáceis de configurar fundamentos razoáveis para uma recusa válida do cumprimento em qualquer dos casos.
Conclua-se, pois, que, no plano dos custos, obrigações de resultado e de meios seguem
exactamente o mesmo regime. O recurso à ideia de esforço na definição das obrigações de
meios não só não permitia explicá-lo, como ainda o encobria e favorecia até a conclusão oposta.
Também por isso deve ser rejeitado.
Com o modo de delimitação sugerido, afastam-se os principais argumentos contra a
distinção. Sustentou-se a invalidade de uma separação entre obrigações de meios e de resultado
afirmando que, nas obrigações de meios, também se deveria um resultado, o próprio «esforço»
do devedor, ou que as obrigações de meios compreenderiam no seu interior outros resultados.
Neste sentido, um médico não estaria geralmente obrigado ao resultado cura, mas estaria
obrigado, por exemplo, a realizar certos exames: o exame seria, ele próprio, um resultado. Em
suma, pretendeu-se que as obrigações de meios seriam obrigações de resultado, embora o
resultado não fosse aquele em que normalmente se pensa.14 Essa argumentação é, todavia, incorrecta, por não atender ao conceito-chave de resultado definidor da prestação, que se contrapõe aos
resultados exteriores — por vezes chamados «fim da prestação»15 — e aos resultados subalternos, de
que aquele exame médico é exemplo. A tese que contesta a distinção entre obrigações de meios
e de resultado supunha que os resultados subalternos teriam um papel idêntico ao do resultado
definidor e que o resultado definidor de uma obrigação de meios seria um resultado exterior.
Ambas as suposições são incorrectas.
Entre o resultado definidor e os restantes há, a começar, uma diferença teórica. A
prestação, quer de meios, quer de resultado, não pode ser descrita com exactidão sem se referir
o resultado definidor, explícita ou implicitamente. Pelo contrário, os resultados exteriores e
subalternos são desnecessários a tal descrição e nela tendencialmente redundantes. Muitas vezes,
um resultado aparentemente subalterno ou exterior é, na verdade, co-definidor da prestação e
tem de ser referido, como veremos, mas esse é outro problema, o das frequentes obrigações
mistas. Saber o que é e o que não é resultado definidor depende da interpretação da fonte da
obrigação, maxime o contrato, nos termos gerais da interpretação e das regras interpretativas específicas que no caso caibam.
Cf. BAPTISTA MACHADO, A cláusula do razoável, na Obra dispersa, Scientia Iuridica, Braga, vol. I, 1991, 457-621. O
que se diz no texto parece-nos perfeitamente compatível com a exposição do autor.
14 Esta linha de argumentação foi usada por GOMES DA SILVA, O dever de prestar e o dever de indemnizar, vol. I, s. e.,
Lisboa, 1944, 233-248 (note-se que há duas impressões deste livro, com paginação distinta), e FERREIRA DE
ALMEIDA, Os contratos civis de prestação de serviço médico, in Direito da Saúde e Bioética, AAFDL, 1996, 110-2 e 118.
15 A terminologia não é constante. Na locação (arts. 1027.º, 1028.º, 1032.º, 1038.º, 1043.º, 1067.º, etc.) e no comodato (arts. 1131.º, 1135.º, 1136.º, etc.), a palavra «fim» pode ser substituída por «uso permitido» e designa um
elemento definidor da atribuição contratual. O sentido a que se alude no texto é o da doutrina geral sobre o «fim do
negócio jurídico» (incluindo a matéria do negócio indirecto), presente nos arts. 281.º, 293.º, 460.º, 913.º, 925.º e
1222.º, e noutros lugares expresso pelo termo «finalidade» (arts. 792.º, 936.º, 1198.º, etc.).
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Depois, os resultados exteriores, que respeitam a ambos os tipos de obrigação, distinguem-se do definidor por não terem de ser causados nem tentados. São resultados do resultado
definidor que só podem relevar de modo indirecto: ora representando o «interesse do credor»
convocado em certos casos de perturbação, determinada de outro modo (cf. arts. 792.º/2,
793.º/2, 802.º/2, 808.º, 1222.º/1, in fine, etc.), ora através da cláusula da boa fé, designadamente,
mas com pouca frequência, no instituto da alteração das circunstâncias, ora num momento
prévio, como argumentos para a interpretação e integração do negócio constitutivo, em especial
para a identificação do próprio resultado definidor (cf. as regras interpretativas dos arts. 767.º/2
— «quando o prejudique» — 913.º e 1032.º16 — «do fim» — ou 1208.º — «o uso ordinário ou
previsto»).
Cabe aqui uma prevenção: dada a relevância interpretativa decisiva dos resultados
exteriores, poderia querer dizer-se que eles também «definem» a obrigação. Este modo de dizer
não deve, todavia, ser aceite. Os resultados exteriores contribuem muito como pistas e argumentos para a identificação do resultado definidor. Nem se afasta, como dissemos, a possibilidade de
maiores reflexos através da boa fé. Contudo, logo que identificado o definidor, o resultado
exterior deixa de ter de ser referido, e não pode jamais dizer-se que incumba ao devedor causá-lo
ou tentá-lo. O devedor não se vincula a praticar actos adequados ao resultado exterior, mas sim
a causar ou tentar certo resultado que, no momento da celebração, foi tido como adequado a um
outro, o resultado exterior. Logo, este não define a obrigação. O mais frequente, aliás, é que não
se identifique no contrato o concreto resultado exterior, mas sim uma categoria de factos entre os
quais ele se inscreve. Junte-se que alguns resultados exteriores são até irrelevantes para o processo interpretativo, desde logo quando desconhecidos ou, porventura, não «aceites» pelo
devedor e, por isso, não «incluídos no contrato» (cf. arts. 913.º/2 e 1208.º ou o art. 2.º/b) LVC,
D.L. 67/2003, de 8 de Abril).
Se o resultado definidor foi causado ou adequadamente tentado, conforme os casos, a
obrigação considera-se cumprida mesmo que os resultados exteriores não ocorram e nem sequer
tenha havido actos concretamente adequados à sua causação: numa terminologia mais comum,
se a obrigação foi cumprida, a não realização do interesse final do credor cai totalmente na sua
«esfera de risco», não sendo oponível ao devedor. O mesmo se diga quando o resultado exterior
pretendido se altera ou torna impossível: não decorrem daí consequências para a obrigação, que
se mantém. Pelo contrário, quando o resultado definidor se torna impossível, a obrigação
extingue-se, quer por o cumprimento ser (total ou parcialmente) impossível, nas obrigações de
resultado e nas de meios ainda por executar, quer por ser impossível continuá-lo, nas obrigações
de meios em que já tenha havido actos de cumprimento. Um aspecto interessante é que, nas
obrigações de meios, segundo parece, a impossibilidade do resultado definidor só torna
impossível a prestação, extinguindo a obrigação, quando for conhecida ou cognoscível pelo devedor.
Na verdade, pode tentar-se o impossível enquanto não se souber que o é; depois de se saber,
Em boa verdade, o termo «fim», na locação, indica normalmente um elemento definidor da atribuição. Cf. a n.
anterior.
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pelo contrário, não será apropriado descrever comportamento algum como tentativa. P. ex., um
veterinário contratado para tratar um animal à beira da morte cumpre a sua obrigação enquanto
não for certo que o animal vai morrer, mesmo que posteriormente se determine que era
impossível salvá-lo desde o primeiro momento.17 Em suma, o resultado definidor de uma
obrigação de meios não é um resultado exterior. P. ex., um veterinário contratado para tratar um
animal, embora sabendo que o dono pensa levá-lo em breve a certo concurso, não vê a sua
obrigação afectada por o concurso ser cancelado, mas só pela verificação de que a doença é
incurável. A participação no concurso é um resultado exterior; a cura é o definidor.
Subalternos são os resultados destinados a causar ou a contribuir para causar o definidor.
A diferença entre uns e o outro confirma a bondade da distinção entre obrigações de meios e de
resultado. Nestas, os subalternos são irrelevantes. Nas de meios, a causação dos subalternos é
parte do cumprimento. Contudo, os subalternos não consomem os respectivos actos preparatórios, situando-se uns e outros no mesmo plano. P. ex., o advogado de um réu deverá entregar a
contestação. Este resultado subalterno é um acto de cumprimento, mas tem estatuto igual ao
dos actos de redigir a contestação, estudar o direito relevante, ler a petição inicial, etc. Se, por
qualquer causa, o processo se extinguir momentos antes da entrega da contestação, o advogado
não deixa de ter cumprido a sua obrigação, embora afinal menos extensa do que planeado, com
direito à remuneração que se apure. Se, pelo contrário, se tivesse estipulado simplesmente a obrigação de resultado de contestar, o cumprimento ter-se-ia tornado impossível.18 Numa obrigação
de resultado, o cumprimento depende de o resultado ocorrer causado pelo devedor; numa
obrigação de meios, a causação de um resultado subalterno é tão acto de cumprimento quanto
os actos que a prepararam. Precisamente por isso, a identificação de resultados (subalternos)
nestas últimas não traduz de modo nenhum o reconhecimento de obrigações de resultado no
interior das de meios, ao contrário do que sugerem os opositores da distinção. Acresce que os
subalternos não valem por si, mas só na medida em que se adeqúem ao definidor, com vários
reflexos. A impossibilidade de um resultado subalterno, mantendo-se possível o definidor, não
tem nenhum efeito na obrigação. Permanece a mesma, sendo sempre actos devidos e actos de
cumprimento aqueles que, em cada momento, sejam adequados ao resultado definidor. Veja-se
que a diferença é também metodológica: o resultado definidor, quer nas de meios, quer nas de
resultado, é estabelecido na fonte da obrigação; os subalternos determinam-se ao longo do
tempo em juízos de adequação ao definidor.
O sentido normativo da distinção entre obrigações de meios e de resultado detecta-se
em vários dos exemplos apresentados. Antes de sintetizar essa diferença de regras, convém
todavia esclarecer que as figuras não se situam em hemisférios incomunicáveis. Seria viável
configurar o direito do não cumprimento em termos genéricos, sem separar obrigações de meios
e de resultado. Nem nós pretendemos outra coisa, partindo do esquema básico da triplicidade.
Mas a distinção não deixa de ser normativa e indispensável. Tem papel semelhante à das
Outro exemplo claro é o de um detective contratado para procurar certa pessoa em certo país, quando se
descobre mais tarde e por outra via que a pessoa se encontra noutro.
18 Sobre os casos de impossibilidade «próximos» da mora do credor, cf. M.ª LURDES PEREIRA, Conceito, passim.
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dicotomias entre prestações fungíveis e infungíveis ou entre obrigações genéricas e específicas.
Há grupos distintos de soluções etiquetados destes modos. Por exemplo, dizer que a impossibilidade subjectiva só exonera nas prestações infungíveis (cf. art. 791.º) não acrescenta nada à
afirmação de que há impossibilidade quando é impossível a prestação tal como definida pela
interpretação do contrato. O mesmo raciocínio dispensaria, por assim dizer, o brocardo genus
nunquam perit e o art. 540.º. Mecanismos essencialmente interpretativos como os dos arts. 539.º
ou 767.º também não deixam de se enquadrar no problema geral da interpretação. No entanto,
estes tópicos não são verdadeiramente dispensáveis ao sistema externo, entendido como ferramenta para a aplicação, a fundamentação e a comunicação do direito. Seria superficial uma apresentação do direito do não cumprimento que quisesse deles prescindir. Ora, também a diferença
entre obrigações de meios e de resultado traz um acrescento significativo à compreensão das
regras jurídicas.
Em primeiro lugar, a diferença importa para a determinação do que é a impossibilidade
da prestação. Como visto, só há impossibilidade nas obrigações de meios se o devedor souber
ou dever saber que é impossível o resultado definidor. Encontra-se aqui um paralelo curioso, já
que o modo de determinação da impossibilidade marca igualmente uma clara diferença entre
obrigações genéricas e específicas ou fungíveis e infungíveis.19 A mais importante disparidade de
regime entre obrigações de meios e de resultado concerne, todavia, à determinação dos actos de
cumprimento. Nas primeiras, todos os actos necessários e cautelas adequados são momentos do
cumprimento. Nas segundas, todos esses actos são consumidos pela causação final do resultado
definidor, só ela valendo como cumprimento. Uma eventual relevância dos actos que a prepararam será sempre indirecta, como nos exemplos há pouco indicados. Simetricamente, é exacto
dizer que as obrigações de resultado, em certo sentido, exigem menos do que as de meios, por se
bastarem com aquela causação. Numa obrigação de meios, não é impensável que o resultado
tenha sido causado e, ainda assim, haja um não cumprimento, embora a questão deixe dúvidas.
Os reflexos na contraprestação são evidentes. Pagando-se pelo cumprimento, ser ele
uma coisa ou outra é essencial, como ainda sublinharemos. Mas também há reflexos em
problemas da prestação. Suponha-se que um devedor de meios consegue causar o resultado
definidor, mas imperfeitamente. Não temos aqui um cumprimento defeituoso, salvo se não
tiverem sido devidamente praticados os actos adequados. Não há por isso lugar a uma correcção
da prestação. De qualquer modo, a obrigação pode manter-se, quando caiba continuar a tentar o
resultado (perfeito); haverá assim um prolongamento da prestação. A propósito da «quantidade» do
prestado, diga-se que, numa «pura» obrigação de meios, dificilmente poderá falar-se de «cumprimento parcial» ou de «impossibilidade parcial». Nas obrigações de resultado, estes conceitos
aferem-se pela medida do resultado definidor causado. Nas de meios, não sendo devida a
Pelo contrário, a impossibilidade subjectiva tem o mesmo regime nas obrigações de meios e de resultado. Basta
pensar que os actos concretamente devidos, ex ante, são os mesmos numas e noutras ou que o devedor de meios
também pode fazer-se substituir no cumprimento. Cf., porém, M. DE ANDRADE, Teoria geral das obrigações, 3.ª ed.,
Almedina, Coimbra, 1966, 414-415, seguido por PIRES DE LIMA/ANTUNES VARELA, Código Civil anotado, Coimbra
Ed., Coimbra, vol. II, 4.ª ed., 1997, 44, criticados por PESSOA JORGE, Ensaio sobre os pressupostos da responsabilidade civil,
reimp., Almedina, Coimbra, 1995 (1968), 110-111, n. 76.
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causação, mas apenas o que se for determinando como adequado, a prestação será mais ou
menos extensa, faltando-lhe porém um todo de referência que permita a qualificação como
parcial. Assim, uma impossibilidade parcial do resultado definidor não tem consequências
inequívocas, porque podem não resultar daí variações na extensão da prestação; sem embargo de
que o interesse do credor deverá ser tido em conta para uma eventual extinção da obrigação.
Disposições como os arts. 793.º e 802.º valem, pois, em termos limitados. No entanto, já se
falará com simplicidade de cumprimento ou impossibilidade parcial se a prestação de meios for
também definida pelo período de tempo em que deva ser realizada, por um certo conjunto de
coisas (v.g., no depósito) ou pessoas (v.g., num contrato de serviços médicos ou de guarda de
crianças) a que respeite, ou por critério análogo. Ainda assim, a intervenção daquelas disposições
legais pode ter especialidades.
No campo da responsabilidade civil, pelo contrário, não há grande vantagem substantiva
em distinguir obrigações de meios e de resultado. O dano produz-se na esfera do credor,
podendo em qualquer caso abranger ou não a própria falta do resultado definidor. O pressuposto da culpa — hoc sensu, ilicitude subjectiva — corresponde sempre a uma situação de dolo
ou negligência, que se avaliam em termos comuns. O dolo, em qualquer caso, reporta-se à falta
do resultado definidor. Claro que isto não vale sem duas notas. Uma, comparativa, para dizer
que os direitos anglo-saxónicos admitirão a diferença entre obrigações de meios e de resultado
justamente por só nas primeiras a obrigação de indemnizar depender de culpa.20 Ou melhor: diz-se no common law que a «responsabilidade» por violação do contrato é «estrita», independente de
culpa. Em contratos que podemos traduzir como de obrigações de meios, porém, identifica-se
uma «excepção» à regra de strict liability.21
A outra nota serve para aflorar o tema do ónus da prova. Como é sabido, afirma-se
frequentemente que a «presunção» de culpa do art. 799.º/1 não vigora nas obrigações de
meios.22 A questão está longe de pacificada ou esclarecida. Aspecto crucial é o da ligação, no
ónus da prova, entre a dicotomia obrigações de meios/obrigações de resultado e a chamada
teoria das esferas de risco.23 Não sendo altura para desenvolvimentos, sirvam os parágrafos
20 Cf., p. ex., SCHMIDT-KESSEL, Standards vertraglicher Haftung nach englischem Recht. Limits of Frustration, Nomos,
Baden-Baden, 2003, 293-357, embora compreendendo a distinção em termos que não aprovamos totalmente,
MCKENDRICK, Contract law. Text, cases and materials, Oxford University, Oxford/Nova Iorque, 2003, 919-921, e ainda
as indicações supra, n. 2.
21 Esta regra, também chamada dos absolute contracts, vem firmada desde Paradine v. Jane, de 1647. A principal excepção é a conhecida doctrine of frustration, estabelecida como precedente em Taylor v. Caldwell, de 1863, mas este mesmo
aresto (facilmente acessível na Internet) indicava casos paralelos antes decididos, como o de morte do devedor de
prestações infungíveis.
22 Cf., recentemente, RIBEIRO DE FARIA, Da prova na responsabilidade civil médica. Reflexões em torno do direito alemão,
RFDUP, n.º I, 2004, 115-195, com indicações. O Autor, porém, define as obrigações de meios através da ideia de
diligência, o que, como se viu, não aceitamos, além de associá-las aos deveres de protecção, o que só sucederá em
casos contados, sobretudo de obrigações médicas. Lembre-se, inclusive, que cabe às partes determinar no contrato
aquilo a que se obrigam: se a tentar, se a causar.
23 Ligação apontada por HEINEMANN, Beweislastverteilung, sobretudo 25-35 e 89-112. Cf. MÚRIAS, Distribuição, 131 (n.
377), para uma síntese sobre a polémica quanto à relevância daquela dicotomia. A «teoria das esferas» foi primeiro
dogmatizada em 1964, por J. PRÖLSS, Die Beweislastverteilung nach Gefahrenbereichen, VersR 1964, 33(A), 901-906,
seguindo decisões dos tribunais supremos alemães (o RG e o BGH). Estes problemas são especialmente estudados
na responsabilidade civil de médicos, como pode ver-se no estudo citado na n. anterior. Alertamos para o facto de a
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anteriores apenas para evidenciar que, nas obrigações de meios, a falta do resultado definidor
não é ainda uma situação de não cumprimento, ficando por isso vedado partir daí para uma
atribuição ao devedor do risco da falta de prova. Acresce que os resultados subalternos numa
obrigação de meios não têm um estatuto probatório material idêntico ao do definidor de uma
obrigação de resultado. Por não constarem da fonte da obrigação e só serem devidos se assim
decorrer dum juízo de adequação feito ao longo do tempo, impõem um alargamento do tema de
prova, com certeza onerando o credor.
Insistimos que uma obrigação é de meios ou de resultado conforme dispuser a
respectiva fonte, em especial a convenção das partes.24 Certas actividades prestam-se mais a um
ou a outro caso, mas a natureza da actividade não é por si determinante, servindo sobretudo de
contexto interpretativo.25
A autonomia privada traz ainda à distinção algumas variações e figuras híbridas. A mais
frequente é a estipulação de obrigações subalternas,26 sobretudo obrigações de resultado subalternas. Assim, p. ex., quando um empreiteiro se obriga a usar certas ferramentas, a ter ao serviço
trabalhadores em certo número27 ou com certas qualificações, a realizar determinados testes
antes de entregar a obra ou a atingir determinadas fases dos trabalhos em prazos anteriores ao
prazo final. Veja-se que nenhuma destas cláusulas altera o resultado definidor, ao contrário do
que sucede, p. ex., quando o empreiteiro se obriga a usar certos materiais, a entregar uma
máquina que obtenha certos valores nos testes realizados ou, sendo o resultado definidor uma
acção, quando se obriga a realizá-la pessoalmente ou através de certos trabalhadores. No
primeiro conjunto de casos, os resultados subalternos da obrigação principal são definidores de
obrigações subalternas. A sua simples falta dá origem a situações de não cumprimento, que é
teoria das esferas de risco e domínio (fáctico ou devido) ser insuficientemente conhecida no direito português.
Temas importantes do ónus da prova em que ela pode jogar um papel decisivo têm sido aflorados exclusivamente
por outras vias (cf. a anot. de SINDE MONTEIRO ao ac. STJ de 12-11-1996, na RLJ 131, 1998, 48 ss. e RLJ 132,
1999, 27 ss.). Assim, p. ex., alguns famigerados casos de acidentes em auto-estradas causados por animais ou outros
objectos aí encontrados, em que a existência de uma clara esfera de domínio e dever da concessionária ou do
próprio Estado aconselha a uma distribuição do ónus da prova em seu desfavor (cf. hoje o art. 12.º/1 da L.
24/2007, de 18 de Julho, cuja redacção, aliás, suscita dúvidas). As disposições legais que mais claramente devem ser
interpretadas como regras de ónus da prova assentes na teoria das esferas são os arts. 491.º, 492.º, 493.º e 799.º/1.
Recorda-se, a propósito, que as regras sobre o non liquet, incluindo as chamadas presunções iuris tantum, não são
regras excepcionais, antes se sujeitando aos cânones metodológicos comuns, como se disse em P. MÚRIAS,
Distribuição, n. 436.
24 Assim, expressamente, o art. 5/5 dos PUC.
25 DEMOGUE, Traité, t. V, cit., 544, e t. VI (parte II, Effets des obligations, tomo VI, Arthur Rousseau, Paris, 1931), 184
e 188-189, dava a entender o contrário, embora admitisse «excepções».
26 Não lhes chamamos obrigações secundárias porque esta expressão pode querer representar acréscimos ao resultado
definidor da obrigação principal, como no caso de um vendedor se obrigar a instalar ou embalar a coisa vendida. As
obrigações subalternas, tal como as secundárias, não subsistem sem a obrigação principal. O não cumprimento das
subalternas, contudo, tem apenas o valor autónomo que seja adicionalmente estipulado, visto que não impede a
obtenção perfeita do resultado definidor da obrigação principal. Ainda assim, este não cumprimento origina, em
qualquer caso, um cumprimento defeituoso da obrigação principal, embora por natureza não danoso. Cf. já a seguir,
no texto.
27 Dá exemplo de uma cláusula destas o caso New Orleans v. Firemen (cf., v.g., A. BURROWS/ E. MCKENDRICK, Cases
and materials on the law of restitution, Oxford Univ., Oxford, 1997, 623-626).
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cumprimento defeituoso da obrigação principal, mesmo quando seja atingido o resultado
definidor desta. Se a obrigação principal for de resultado, actos que normalmente se qualificariam como cautelas passam a actos de cumprimento, embora cumprimento de uma obrigação
dependente de outra. Se a obrigação principal for de meios, gera-se uma figura mista, com
elementos de resultado. As obrigações subalternas são, de alguma sorte, o inverso da dispensa de
cautelas determinadas, que as partes estipulam atenuando a medida da diligência devida em
pontos específicos. A dispensa de cautelas situa-se num momento anterior ao das cláusulas de
exclusão de responsabilidade, embora apontando para finalidades equivalentes.28 A estipulação
de obrigações subalternas é como que uma forma de determinação das cautelas devidas, embora
dando-lhes por força um regime diferente do das cautelas em sentido próprio.
Ligeiramente diferentes são os casos, também mistos, de dupla definição da prestação,
em que o devedor se obriga a causar certo resultado enquanto tentativa de um outro. São casos
muito frequentes, que têm de ser tidos em conta mesmo numa apreciação sumária da matéria.
Algumas vezes, diz-se que estas são obrigações de meios. Outras, usam-se exemplos deste
género para contestar a distinção. Qualquer das leituras parece incorrecta. Normalmente, os
resultados do resultado definidor de uma obrigação causativa são exteriores, não tendo de ser
tentados. Contudo, excepto se assim se criasse alguma contradição no texto negocial, nada
impede as partes de estipularem como característica acrescida do resultado definidor a sua
adequação a um outro. Assim, p. ex., quando um veterinário se obriga a administrar certa droga
com vista a curar certa doença. Ele não se obriga genericamente a tentar a cura, mas só a administrar o medicamento com esse fim. Por outro lado, não se obriga só a administrar o medicamento, mas a fazê-lo para curar. A obrigação torna-se impossível quer quando a doença atinja
um estádio que a torne incurável, quer quando seja impossível administrar o medicamento.29
Parece que, quando um cirurgião ou uma clínica se vinculam a certa operação, a interpretação do
contrato também deverá ser, em regra, no sentido de que essa operação tem de ser em simultâneo um meio adequado para a cura,30 embora em face de exames anteriores ou de diagnósticos
doutros médicos. Mais um caso será o de alguém se obrigar a tentar descobrir uma morada
pesquisando num conjunto de bases de dados. A pesquisa nas bases de dados é um resultado
definidor, pois não há obrigação de pesquisar doutros modos; a obtenção da morada é um
segundo resultado definidor, pois a pesquisa só vale como cumprimento na medida em que
tenha esse fim. Se o devedor conseguir a morada por outra via — a que não estava obrigado —
não há cumprimento. Ainda assim, neste caso específico, o devedor terá porventura direito à
28 Cf. PINTO MONTEIRO, Cláusulas limitativas e de exclusão de responsabilidade civil, reimp. com aditamento, Almedina,
Coimbra, 2003 (1985), 116-129 e 224-231, e ANA PRATA, Cláusulas de exclusão e limitação da responsabilidade contratual,
Almedina, Coimbra 1985, 138-151 e 591-599. Já a dispensa de actos necessários envolveria, por definição, uma
dispensa do dever de cumprir. Conforme os casos, tratar-se-á de uma contradição no texto contratual ou de uma
condição extintiva.
29 Com maior verosimilhança, a obrigação tornar-se-ia contrária à lei com um diploma superveniente que proibisse
o medicamento.
30 Tratando-se, evidentemente, de uma operação destinada a curar alguma coisa.
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totalidade ou a parte da contraprestação, dada a instrumentalidade da sua tarefa, embora já não
numa simples aplicação do pacta sunt servanda.31
Teremos ainda um caso do mesmo género quando se cede um cavalo reprodutor para
emprenhar certa égua. É preciso, contudo, algum cuidado na interpretação do acordado, porque
algumas vezes a gravidez será apenas um resultado exterior. Pode trabalhar-se o exemplo para
ilustrar a diferença entre as duas situações: se o cavalo for alugado por x dias, asseverando o
locador as suas qualidades reprodutivas devido ao interesse que o locatário manifestou, a
gravidez da égua é uma finalidade exterior. Se o cavalo for «cedido pelo período conveniente a
engravidar a égua, com o limite de x dias» — suponhamos esse texto contratual — temos uma
definição dupla da atribuição: cedência do cavalo na medida em que adequada ao segundo
resultado definidor. Já vimos as consequências em sede de determinação do cumprimento e
impossibilidade.
A imaginação e as conveniências das partes permitem variações infinitas. O objectivo
destes parágrafos é apenas dar alguns exemplos que, supomos, ajudam a compreender a
distinção entre obrigações de meios e de resultado, e a diferença entre os resultados definidor,
subalternos e exteriores. Vejam-se agora os problemas da contraprestação. Paga-se em regra
pelo cumprimento. Ou seja, paga-se pela causação, nas de resultado, e pelos actos adequados nas
obrigações de meios. Por isso, é comum convencionar uma contraprestação unitária e predeterminada nas primeiras e, nas segundas, um pagamento em função das horas de trabalho efectivo
ou de outros custos. Nenhuma destas soluções é necessária, evidentemente, dada a liberdade
contratual, mas as cláusulas desviantes podem trazer alterações de estrutura. Numa obrigação de
resultado, desde logo, o modo de cálculo da contraprestação pode ser uma função dos actos
praticados e respectivos custos, o que sucede até com alguma frequência. Quer isto dizer que se
retribui apenas se houver causação, mas o montante da contraprestação dependerá dos meios
empregados. Aqui ainda há um puro sinalagma. Outras possibilidades já impedem que se fale de
«sinalagma» ou de «contraprestação» em sentido estrito. Estipulando-se uma obrigação de
resultado com retribuição dependente apenas dos actos praticados e dos custos, a impossibilidade fortuita da prestação não conduz, designadamente, ao disposto no art. 795.º/1, e o credor
só é plenamente protegido numa impossibilidade culposa através da responsabilidade civil. É
claro que este tipo de acordo não é comum. Convencionando-se uma obrigação de meios
apenas remunerada, total ou parcialmente, se o resultado definidor for causado, o contrato
aproxima-se de uma natureza aleatória. Estas cláusulas são vulgares, falando-se aqui normalmente de «prémios».
Havendo pois sinalagma, é sobretudo no regime da contraprestação que se patenteia
uma diferença de regime entre obrigações de meios e de resultado, aliás, a mais notória,
conquanto não única. Sendo idênticos os actos concretos devidos, ex ante, numas e noutras obrigações, nas de resultado retribui-se apenas se este ocorrer e na medida em que ocorra; nas de
A boa fé poderá fundar o direito à contraprestação. Seria um caso de primazia da materialidade subjacente, na
terminologia de MENEZES CORDEIRO.
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meios, cada acto devido cria um dever de remunerar. Embora, como dissemos, haja uma regra
geral unificadora: no sinalagma, retribui-se o cumprimento. Aquela oposição de soluções ajuda
ainda a mostrar uma outra coisa, já não relacionada com a contraprestação: nas obrigações de
resultado, as partes identificam como bem económico o resultado definidor; nas de meios, o
valor económico atribuído é a actividade do obrigado. O bem provindo da esfera do devedor e
obrigacionalmente destinado à esfera do credor é, nas primeiras, o resultado. Nas segundas, é a
própria actividade do devedor, todos os actos que a compõem e cada um deles.32 O que quer
dizer ainda que o resultado definidor de uma obrigação causativa consome todo o valor económico do processo que o produziu. Nas obrigações de meios, pelo contrário, são viáveis
distinções. Por isto mesmo, uma «pura» prestação de coisa será sempre uma obrigação de
resultado. Vendo agora às avessas, dir-se-á que, quando as partes tenham em vista como bem
económico o conjunto e cada parte da actividade do devedor, deverão estipular uma obrigação
de meios. Quando reconheçam como bem apenas o resultado definidor, será de esperar uma
obrigação de resultado. Isto, claro, a confirmar ou infirmar pela restante interpretação.
Repita-se, então, que não há a indicar nenhuma diferença no regime dos custos a
suportar pelo devedor. Esta a principal decorrência da delimitação que propomos entre obrigações de meios e obrigações de resultado. Resta precisar que tratámos o problema dos custos na
distinção entre obrigações de meios e de resultado abstraindo de eventuais obrigações de
reembolso. Questão de certa forma prévia é, na verdade, a da eventual obrigação de o credor
reembolsar o devedor das despesas necessárias ao cumprimento.33 Nestas situações, se certos
custos couberem nas despesas reembolsáveis, será naturalmente o credor quem poderá
pretender uma extinção ou modificação do contrato em face de um acréscimo desses custos, o
que conduz a problemas jurídicos que agora não nos interessam. Em obrigações tipicamente de
meios como as dos advogados, surgem com toda a frequência obrigações acessórias de reembolso. Numa relação de resultado como a de empreitada, é típica a inexistência dessas obrigações. Poderia pensar-se numa interferência deste tema na distinção entre obrigações de meios e
de resultado. Contudo, cabe esclarecer que as questões são autónomas. As obrigações de
reembolso podem surgir na empreitada, nos termos de estipulação nesse sentido (cf. art. 1210.º),
e com outras obrigações de resultado, tal como podem não surgir junto de obrigações de meios.
Veja-se o caso do contrato de agência, em que nem têm previsão legal específica.34 Portanto, as
eventuais obrigações de reembolso não deverão perturbar a identidade de regime quanto a
custos entre obrigações de meios e obrigações de resultado.35
Quando o resultado definidor duma obrigação de resultado é ainda uma actividade do devedor, parece que só
esse acto final compõe a atribuição, e já não os actos anteriores.
33 Sobre as obrigações de reembolso e a sua exterioridade a um sinalagma ou a qualquer outra configuração das
atribuições principais, cf. o início da al. c) do nosso Prestações de coisa: transferência do risco e obrigações de reddere, a
publicar em breve.
34 Cf. D.L. 178/86, de 3 de Julho.
35 Ficámos longe de esgotar o tema da distinção entre obrigações de meios e de resultado. A exposição destinou-se
a enquadrar o problema dos reflexos desta distinção em matéria de regime aplicável aos custos. Além de outros
atrás indicados, como o do ónus da prova, um tema que deixamos por tratar é o das possibilidades de «transfor32
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mação» de obrigações de resultado em obrigações de meios, ou mesmo vice-versa, em face de problemas quer
originários, por conversão do negócio (cf. art. 293.º), quer supervenientes. Outro tema pensável seria o de transportar a distinção para o plano da responsabilidade extra-obrigacional. O transporte parece, todavia, inadmissível,
sobretudo porque o campo extra-obrigacional não usa o conceito de cumprimento. Para efeitos de ónus da prova,
devem ser procurados argumentos directamente na teoria das esferas de risco (cf. supra, n. 23).
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A distinção entre obrigações de meios e