Universidade Católica Dom Bosco
Instituição Universitária Salesiana
INTERAÇÕES
Revista Internacional de Desenvolvimento Local
V. 1 N. 2 Março 2001
Universidade Católica Dom Bosco
Reitor
Pe. José Marinoni
Pró-Reitor Acadêmico
Pe. Arlindo Pereira de Lima
Pró-Reitor Administrativo
Pe. Giulio Boffi
Pró-Reitor Comunitário
Pe. Osvaldo Scotti
Editora da Universidade Católica Dom Bosco
Av. Tamandaré, 6000 - Jardim Seminário
79117-900 Campo Grande-MS
Fone: (0**67) 312-3373
Fax: (0**67) 312-3302
e-mail: [email protected]
www.ucdb.br
Coordenação
Heitor Romero Marques
INTER AÇÕES
Conselho Editorial
Revista Internacional de Desenvolvimento Local
Conselho de Redação
Cleonice Alexandre Le Bourlegat
Emília Mariko Kashimoto
Lúcia Salsa Corrêa
Marcelo Marinho
Regina Sueiro de Figueiredo
Editor Responsável
Marcelo Marinho
Coordenação da Edição Eletrônica
Gerson Luiz Martins
Coordenação de Editoração
Ereni dos Santos Benvenuti
Editoração Eletrônica
Rosilange de Almeida
Luís Alexandre Maciel (assistente)
Abstracts
Barbara Ann Newman
Resúmenes
Gabriela Isla Villar Martins
Revisão de Texto
Os próprios autores
Capa
Marcelo Marinho (projeto)
Adriana Rímoli (foto)
Tiragem
1000 exemplares
Distribuição
Bibliotecas universitárias
Adyr Balastreri Rodrigues (USP)
Alberto Palombo (Florida Atlantic University)
Alicia Rivero-Iwasita (SERCAL)
Amália Ines Geraiges de Lemos (USP)
Aurora García Ballesteros (Universidad Complutense de Madrid)
Cezar Augusto Benevides (UFMS)
Doris Morales Alarcón (Pontificia Universidad Javeriana)
Dorivaldo Walmor Poletto (PUCRS)
Emiko Kawakami Rezende (EMBRAPA)
Everson Alves Miranda (UNICAMP)
Javier Gutiérrez Puebla (Universidad Complutense de Madrid)
José Carpio Martín (Universidad Complutense de Madrid)
Leila Christina Dias (UFSC)
Marcel Bursztyn (UNB)
Maria Adélia Aparecida de Souza (UNICAMP)
Maria do Carmo Zinato (Florida Center for Environmental Studies)
Maria Helena Vallon (UFMS)
Maria Encarnação Beltrão Sposito (UNESP)
Marília Luiza Peluso (UNB)
Mário Cézar Leite (UFMT)
Marisa Bittar (UFSCar)
Maurides Batista de Macedo Filha Oliveira (UCG)
Michel Rochefort (IFU - Université de Paris VIII)
Miguel Ángel Troitiño Vinuesa (Univ. Complutense de Madrid)
Miguel Panadero Moya (Universidad de Castilla - La Mancha)
Milton Santos (USP)
Nilo Odalia (UNESP)
Ricardo Mendes Gutiérrez del Valle (Univ. Complutense de Madrid)
Rosa Esther Rossini (USP)
Sérgio Granemann (UCB)
Tito Carlos Machado de Oliveira (UFMS)
Interações. Revista Internacional de Desenvolvimento Local,
n. 2 (Março 2001). Campo Grande : UCDB, 2001.
70 p. V. 1
ISSN 1518-7012
Semestral
1. Desenvolvimento Local.
Cecilia Luna
Bibliotecária - CRB n. 1/1.201
Publicação do Programa Desenvolvimento Local da Universidade Católica Dom Bosco. Revista indexada em
GeoDados, Indexador de Geografia e Ciências Sociais.
Universidade Estadual de Maringá - DGE (www.dge.uem.br/geodados)
Editorial
Neste número de Interações, Revista
Internacional de Desenvolvimento Local,
busca-se avançar em direção a novas reflexões
no âmbito das mudanças ocorridas nas escalas
global e local. Desse modo, sublinha-se o
movimento dialético - cada vez mais significativo para a compreeensão dos fenômenos
sócio-econômicos que abalam o planeta - entre
esses dois níveis de organização das interações
sociais no mundo de hoje. O movimento, como
se poderá avaliar, implica em reestruturações
de escalas espaciais no planeta, conseqüência
da rápida evolução dos meios de transporte e
de comunicação, assim como de produção de
bens e serviços. Nesse contexto, as tecnologias
de informação e comunicação tornam-se
instrumentos de organização da sociedade e
de conformação dos territórios em rede.
Entretanto, uma maior conectividade
entre os lugares do planeta, ao conformar redes
de cooperação, tende a fortalecer unidades
territoriais na escala local, enquanto os
protagonistas dos novos espaços associativos
informacionais organizam processos de comunicação política, estabelecendo reformulações
espaciais que decorrem em meio a tensões de
várias naturezas.
Assim, um dos focos de reflexão apontados neste número da revista está na questão
dos desafios enfrentados pela democracia nas
sociedades modernas, cuja conseqüência é a
emergência da necessidade de reflexões em
torno da noção de cidadania e de sua ação
sobre operações democráticas de organização
social e de desenvolvimento endógeno.
As estratégias de desenvolvimento, por
outro lado, redimensionam-se territorialmente
e reformulam-se como práxis. No local, as comunidades desenvolvem a aguda percepção
da necessidade premente de tornarem-se agentes de seu próprio desenvolvimento, por intermédio do fortalecimento, no espaço contíguo,
de relações sociais de caráter primário e, no
espaço em rede, de relações de caráter secundário. A solidariedade, ao se estabelecer como
força sinérgica, é repensada como estratégia
de planificação do espaço construído, com o
objetivo de satisfazer as necessidades fundamentais dos segmentos sociais de baixa renda, a exemplo da moradia, da infraestrutura e
dos serviços básicos.
Por outro viés, a endogeneização das
potencialidades da consciência coletiva brotadas a partir do território vivido também se
transforma em força humana de desenvolvimento, no sentido de incentivar e aplicar
novas descobertas, com base na valorização de
recursos naturais internos e com amparo nos
avanços do saber técnico-científico. O leitor
poderá avaliar, através das leituras, experiências apontadas nesse sentido, como aquelas
relacionadas aos recursos auxiliares vegetais
que favorecem o desenvolvimento de atividades rurais. Os princípios ativos de certas
plantas, a exemplo daquelas com propriedades inseticidas, ou o melhoramento e a conservação genética, como no caso das seringueiras no estado de São Paulo, tornam-se alguns
desses objetos de estudo com vistas à melhoria
das condições de vida de populações rurais.
No espírito das reflexões desenvolvidas
em Interações, analisa-se, por fim, a precária
situação de comunidades indígenas - de grande expressão numérica - confinadas em exíguos territórios, espaços demasiadamente reduzidos para o prosseguimento de sua práxis
cultural tradicional. Tais são as condições em
que transcorre a difícil experiência dos Guarani
e dos Kaiowá. Todavia, ainda que em confronto com problemas das mais diversas origens,
tais comunidades buscam se organizar como
forças sociais para o agenciamento e a gestão
de seu próprio desenvolvimento.
***
Os pesquisadores empenhados em reflexões sobre o Desenvolvimento Local são novamente convidados a enviar seus trabalhos à
Interações, cuja indexação inicial encontra-se a
cargo de GeoDados, indexador da Universidade Estadual de Maringá. Ensejemos encontrar soluções viáveis, em âmbito local, para
algumas das inúmeras questões que afligem,
em escala global, larga parcela da população
mundial.
Índice
Artigos
A recomposição dos espaços .......................................................................................................... 7
Georges Benko
Las Tecnologías de Información y Comunicación (TIC) en el Desarrollo Local:
gobierno electrónico y redes ciudadanas .................................................................................... 13
Susana Finquelievich, Pablo Baumann e Alejandra Jara
Democracia Representativa y Democracia Participativa ........................................................... 27
Antonio Elizalde
Asentamientos Humanos y Desarrollo Local ............................................................................. 37
Alicia Rivero-Iwasita
Utilização de plantas com propriedades inseticidas: uma contribuição para o
Desenvolvimento Rural Sustentável ........................................................................................... 43
Antonia Railda Roel
Melhoramento e conservação genética aplicados ao Desenvolvimento Local –
o caso da seringueira (Hevea sp) ................................................................................................... 51
Reginaldo Brito da Costa, Paulo de Souza Gonçalves, Adriana Odalia-Rímoli e
Eduardo José de Arruda
Desenvolvimento Local em comunidades indígenas no Mato Grosso do Sul:
a construção de alternativas ......................................................................................................... 59
Antônio Brand
A recomposição dos espaços
The recomposition of spaces
La recomposición de los espacios
Georges Benko
Universidade de Paris I – Panthéon-Sorbonne / CEMI-EHESS
Contato: [email protected]
Resumo: As últimas décadas do século XX foram marcadas por uma nova reestruturação das escalas espaciais no
planeta, numa recomposição provocada pela rápida evolução dos meios de transporte, de comunicação e de produção
de bens e serviços. A esse processo dá-se o nome, no presente artigo, de “deslizamento de escala”. No patamar
superior, criam-se ou fortalecem-se os blocos econômicos, tomando o aspecto inicial de mercados comuns e rumando,
posteriormente, à organização em espaços política e economicamente unidos como é o caso da Europa; o patamar
inferior da escala caracteriza-se pelo reforço das unidades territoriais em nível regional. Este artigo discute algumas
das tensões decorrentes do “deslizamento de escala”.
Palavras-chave: Globalização; Desenvolvimento Local; Escalas espaciais.
Abstract: The final decades of the 20th century were marked by a new restructuring of space scales on the planet, in
a rearrangement provoked by a rapid evolution of, communication, means of transport and the production of goods
and services. This process, in this article is named, “scale sliding”. At the highest level, the economic blocks are created
or strengthened, taking on the appearance, initially, of common markets and, afterwards, going in the direction of the
organisation of spaces politically and economically united, as is the case in Europe; the lowest level of the scales is
characterised by reinforcing territorial units at regional level. This article discusses the tensions resulting from this
“scale sliding”.
Key Words: Globalization; Local Development; Space scales.
Resumen: Las últimas décadas del siglo XX fueron marcadas por una nueva reestructuración de las escalas espaciales
en el planeta, en una recomposición provocada por la rápida evolución de los medios de transporte, de comunicación
y de producción de bienes y servicios. A ese proceso se le llama, en este artículo, de “deslizamiento de escala”. En el
nivel superior, se crean o fortalecen los bloques económicos, tomando el aspecto inicial de mercados comunes e
tendiendo, posteriormente, a la organización en espacios política y económicamente unidos como es el caso de
Europa; el nivel inferior de la escala se caracteriza por el refuerzo de las unidades territoriales a nivel regional. Este
artículo discute algunas de las tensiones resultantes del “deslizamiento de escala”.
Palabras claves: Globalización; Desarrollo local; Escalas espaciales.
A recomposição dos espaços: o
deslizamento da escala
O fim da geografia?
Nas duas últimas décadas, os observadores – economistas, geógrafos, cientistas
políticos – seguem a tendência de chamar
nossa atenção sobre uma mudança, de
dimensões consideráveis, que eu qualifico
como um “deslizamento de escala”. Tratase de uma recomposição dos espaços: os
espaços clássicos – nos quais os sistemas
econômico, social e político evoluíram
praticamente ao longo de todo o século –
estão se deslocando ao mesmo tempo para
cima e para baixo. Na escala superior,
constata-se a criação ou o reforço dos blocos
econômicos, inicial e, freqüentemente, sob
forma de mercados comuns, evoluindo, em
seguida, rumo a espaços política e economicamente unidos como é o caso da Europa; o
deslocamento rumo ao patamar inferior da
escala caracteriza-se pelo reforço das
unidades territoriais em nível regional. O
nosso planeta tem assim quatro níveis
espaciais pertinentes de análise: o mundial,
o supra-nacional (blocos econômicos), o
nacional (estados-nação) e o regional (local
ou infranacional).
Nós passamos, ao longo do último
quarto do século XX, de um sistema econômico internacional a um sistema econômico
global. Trata-se de uma importante mutação
geopolítica das condições de produção, de
competição e de interdependência. O antigo
regime internacional era caracterizado pela
soberania dos estados, a quem competia
definir, entre outros, suas políticas monetárias e alfandegárias. A ordem que substitui
aquela é uma ordem global difusa na qual
as relações entre os estados diluem-se, em
uma certa medida, ao proveito das conexões
entre economias regionais afastadas, ligadas
entre elas por intercâmbios complexos feitos
de competição e de colaboração.
Vários analistas, ao observarem o crescimento do intercâmbio em escala mundial
em todos os domínios nessas duas últimas
décadas, aventaram a hipótese de que o fim
da geografia está próximo (O’Brien, 1992),
assim como outros haviam previsto o fim da
história (F. Fukuyama), o fim do trabalho (J.
Rifkin), o fim dos territórios (B. Badie) ou,
ainda, o fim dos estados-nação (K. Ohmae).
De maneira indiscutível, a mundialização da
INTERAÇÕES
Revista Internacional de Desenvolvimento Local. Vol. 1, N. 2, p. 7-12, Mar. 2001.
8
Georges Benko
economia, sustentada pelas novas tecnologias da informação e da comunicação,
assim como pelos transportes de alta
velocidade, modifica as escalas territoriais ou,
pelo menos, nossas relações ao espaço.
Essa abertura econômica recente é
mensurável por intermédio do crescimento
do comércio exterior. Em 1965, as exportações mundiais de bens representavam 6%
do PIB mundial, e as importações 6,3%; em
1998, respectivamente 16,3% e 16%, segundo dados da ONU. Esses números são definidos em relacão ao PIB que, ele próprio,
cresceu significativamente em termos absolutos ao longo do mesmo período. É igualmente necessário observar que o comércio
internacional de serviços teve um crescimento ainda mais rápido que aquele de bens.
Em termos absolutos, nós não estamos longe
de uma multiplicação por dez.
Contrariamente às hipóteses aventadas por muitos, o encolhimento do mundo
revitaliza a geografia. Os efeitos de distância
exercem uma influência considerável sobre
as estruturação das relações econômicas e
sociais. É claro que o tempo das Nações não
terminou, e os Estados continuam exercendo
um papel crucial em muitas áreas (notadamente na formação, nos equipamentos, nos
transportes, etc.); mas, preso entre a dimensão local e a global, seu lugar na economia
foi redefinido. Assiste-se, por um lado, a um
movimento de internacionalização da atividade econômica em um mundo cada vez
mais destituído de fronteiras reais, a tal ponto
que alguns não hesitam em aventar também
a hipótese de um iminente desaparecimento
do Estado soberano clássico, fundado sobre
a noção de território, um dos três elementos
constitutivos do Estado em direito internacional, ao lado do governo e da população;
por outro lado, sublinha-se a intensificação
do crescimento econômico de um certo
número de regiões, reconhecidas como os
motores da prosperidade mundial, e que dão
origem a uma recomposição da hierarquia
dos espaços produtivos. Essas regiões são,
principalmente, metropolitanas.
Tais noções podem se sustentar a partir de alguns dados inquestionáveis: o produto da aglomeração de Tóquio é o dobro
daquele do Brasil, o produto de Chicago
equivale àquele do México (concentrado
majoritariamente na cidade do México) ou,
ainda, o produto de Osaka excede em 25%
àquele da Índia, e o de Seul é superior àquele
da Indonésia. Globalização não significa,
portanto, homogeneização do espaço
mundial, mas, ao contrário, diferenciação e
especialização. Grandes polos se constituíram, formando uma economia em oásis, ou
seja, uma rede de regiões mais dinâmicas,
que deixam atrás de si o restante do mundo.
Pierre Veltz (1996) observa o crescimento de
pequenas Nações, por vezes de CidadesEstado, na hierarquia dos territórios prósperos, visto que tais regiões demonstram
uma melhor reatividade que os grandes
Estados, e que essas regiões dispõem das
mesmas vantagens de acesso aos mercados.
As regiões, ou melhor, os territórios,
tornaram-se, dessa maneira, fontes de vantagens concorrenciais. Ao longo dos anos 70 e
80, os Estados viram agravar-se seus déficits
públicos, fato que os incitou a conduzir
políticas de descentralização. A gestão de
inúmeros bens coletivos locais, tais como a
educação, a formação, as infraestruturas de
transportes, as ajudas sociais foram, a partir
de então e com freqüência, regionalizados.
Foi a ocasião de descobrir que a densidade
das relações entre os atores locais (empresas,
universidades, coletividades territoriais,
sindicatos, etc.) pode exercer um papel determinante na competitividade das atividades
econômicas.
Os distritos industriais – um conceito
introduzido no início do século XX pelo
economista britânico Alfred Marshall – estão,
doravante, de retorno, tanto no campo de
atividades quanto no de análises. Esses locais
têm uma característica interna, uma personalidade regional, como dizia Vidal de la
Blache, um dos pais da geografia francesa.
A especificidade dos distritos industriais
decorre de uma capacidade, no mais das
vezes herdada de uma cultura antiga, em
negociar modos de cooperação entre capital
e trabalho, entre grandes empresas e fornecedores de produtos intermediários, entre
administração pública e sociedade civil, entre
bancos e indústria, etc. Como observa o
economista Alain Lipietz, em Emília Romana
(Itália) ou no Bade-Wurtenberg (Alemanha),
dois polos de crescimento econômico, a
estratégia do Partido Comunista ou da
INTERAÇÕES
Revista Internacional de Desenvolvimento Local. Vol. 1, N. 2, Mar. 2001.
A recomposição dos espaços
Democracia Cristã consistiu em procurar
um melhor compromisso social lá onde fosse
possível nogociá-lo, ou seja, em âmbito local:
os altos salários, o melhoramento das
condições de vida, a qualificação da mão de
obra são a contrapartida à elevada competitividade das empresas dessas regiões.
As políticas de organização do território, tarefa do poder central até os anos 80,
também foram delegadas às coletividades
territoriais. O desenvolvimento local substitui, doravante, o desenvolvimento comandado por cima, estatizado e centralizador,
que caracterizou, na França pós-Guerra, os
“trinta anos gloriosos”. Nesse país, o período
foi o da redistribuição (a política do guichê,
das ajudas e da instalação de equipamentos);
hoje em dia, é o período dos projetos: “ajudese, o Estado o ajudará”. “Não há territórios
em crise, há somente territórios sem
projetos”, declarava, já em 1997, o ministro
francês da organização do território.
Essa perspectiva tornou-se obrigatória
tanto em economia quanto em política. A
consideração dos fatores locais nas dinâmicas econômicas aparece hoje como uma
evidência e uma necessidade rigorosas.
Trata-se, afinal de contas, de uma preocupação relativamente recente, que abre a via
rumo à diversificação das políticas econômicas, sociais e culturais. Os problemas
atuais ligados ao “Projeto Corso” são originários da mesma família de reflexões. E não
se trata de um problema exclusivamente
francês: uma certa aspiração à autonomia é
muito sensível também no Reino Unido, por
exemplo, no que se refere à Escócia ou ao
País de Gales.
Muito se escreveu também sobre a
nova geopolítica de produção que começou
a se cristalizar em torno dos vínculos entre
os dois níveis espaciais de atividades econômicas – o local e o global. Na competição
mundializada, as regiões e as localidades
encontram-se, doravante, em situação de
concorrência, mas esta última pode ser
analisada em dois planos distintos. O
primeiro é aquele definido pelo controle dos
custos e da otimização dos fatores de produção. Os custos da mão-de-obra, os preços da
energia, os juros e a fiscalidade são variáveis
que, para um grande número de produções,
torna as regiões indiferenciadas aos olhos
9
dos investidores. Pouco importa que um
brinquedo seja oriundo de uma “montadoramaquiadora” na fronteira mexicana ou de
uma zona econômica especial chinesa, pois
somente os custos entram na linha de conta.
Em compensação, as especifividades territoriais têm enorme importância em outros
domínios econômicos. Nesse caso, as diferentes regiões não são nem um pouco intercambiáveis entre si. Uma diferenciação durável
dos territórios, ou seja, uma diferenciação
não suscetível de ser colocada em causa pela
mobilidade dos fatores de produção, somente pode decorrer de uma especificidade dos
territórios reconhecida como tal. Mesmo que
se produzam excelentes vinhos espumantes
na Califórnia, o champanhe não é um
produto deslocalizável. Seu valor, como
aquele de outras produções, está ancorado
em um território, ele é o resultado daquilo
que os geógrafos chamam um “meio”. Esse
meio é criado em diversos domínios de
produção: na informática, por exemplo, há,
para os Estados Unidos, o Vale do Silicone
ou a Rota 128 (perto de Boston); para a
França, há Sofia-Antipólis, Grenoble ou
Toulouse. O bairro do Sentier, em Paris,
continua a atrair o prêt-à-porter, e o quarteirão da rua Faubourg Saint-Honoré tem na
alta costura a sua especificidade. Os exemplos são múltiplos quando os fatores decisivos
de localização estão fora do mercado (não
são quantificáveis), e os elementos qualitativos de um lugar são os que determinam as
escolhas das empresas. A diferença é uma
vantagem comparativa. Aquilo que se chama
“atmosfera industrial”, segundo Marshall,
está presente em todos os lugares, em cada
território.
Nosso mundo global é assim um
mosaico composto de uma miríade de
regiões, de localidades, de países, que não
são, necessariamente, equivalentes. A
“glocalização”, neologismo forjado para
designar a articulação expandida dos territórios locais em relação a economia mundial,
sublinha a persistência de uma inscrição
espacial dos fenômenos econômicos, sociais
e culturais. Contrariamente aos mais
sombrios prognósticos, os territórios – com
suas especificidades – não foram apagados
sob os fluxos econômicos da mundialização.
INTERAÇÕES
Revista Internacional de Desenvolvimento Local. Vol. 1, N. 2, Mar. 2001.
Georges Benko
10
Um sistema triádico
Um novo mapa mundial da economia
foi desenhado. Os espaços mais desenvolvidos do mundo estabeleceram-se sob a
forma de um sistema de economias regionais
polarizadas, construídas em torno de zonas
metropolitanas centrais ou sob forma de
regiões megalopolitanas como a Randstaad
holandesa, como a fachada atlântica dos
Estados Unidos, que vai de Boston à
Filadélfia, ou, ainda, como a megalópole
japonesa. Nesse mundo, dividido em tríades,
constituem o centro nervoso do sistema
mundial contemporâneo a Europa, a
América do Norte e o Japão, tríade completada por espaços anexos que correspondem,
de maneira esquemática, à África, à América
latina e a uma parte da Ásia. Essa ossatura
de base é mantida por vínculos comerciais e
pelos fluxos de investimentos.
Uma ordem social hierarquizada toma
assento em três níveis, uma estrutura
baseada numa divisão tanto espacial quanto
social. Essa divisão é ajudada pela rápida
evolução tecnológica. No plano espacial,
distinguem-se os líderes mundiais muito
desenvolvidos (em termos técnicos e econômicos), os espaços recentemente industrializados (marcados por uma renda média e
por uma fase tradicional de desenvolvimento) e os espaços subdesenvolvidos.
Mas essa tendência de abertura ou de
desaparecimento das fronteiras entre as
economias nacionais nos conduz em direção
a um único sistema econômico de integração
global. A questão da regulação de um grande
número de problemas coloca-se nesse
momento. A única instituição internacional
que se assemelha a uma estrutura governamental é a ONU, marcada por inúmeras
dificuldades em gerir o grande número de
distintas situações no mundo. Diante da
complexidade dos problemas (econômicos,
sociais, políticos e culturais), diferentes tipos
de instituições multiplicaram-se desde os
anos 60. Algumas são muito conhecidas, pois
suas ações são acompanhadas pela mídia;
contudo, a grande maioria trabalha de uma
maneira mais discreta sobre inúmeros
pontos de detalhe que é preciso coordenar
ou definir. Entre as instituições mais em vista,
encontram-se a ONU, a UNESCO, a OCDE,
a CNUCDE, o FMI, o BIT, a FAO, o Banco
Mundial, a OMC,ou as reuniões como o G7
ou Davos. Todavia, segundo as estatísticas
do Livro anual de associações internacionais
editado em Munique, foram recenseados, em
1998, mais de 5.600 associações internacionais e intergovernamentais, e quase 32.000
associações internacionais não governamentais, ou seja, houve uma multiplicação
numérica da ordem de 25 vezes, desde 1960.
Essas ONGs cobrem um leque muito amplo
de atividades e interesses, indo da saúde à
ecologia ou dos direitos cívicos às questões
de desenvolvimento.
No mundo das relações sociais, a
noção de “estruturação em tríade” também
é aplicável, mas sob bases diferentes. As
novas tecnologias conduzem a dois fenômenos contraditórios: por um lado, a globalização, ou seja, a interdependência no tempo
e no espaço (aquilo que Jacques Attali chama
de “conectividade”); por outro lado, a
solidão. Esses fenômenos não são incompatíveis. Torna-se cada vez mais interdependente, mas, também, cada vez mas solitário
nessa interdependência. Nós estamos em um
mundo de “comunicação solitária” (Benko,
1988). Pode-se dizer que mundialização é
uma justaposição de solidões conectadas.
No plano da organização social, a
tecnologia vai dividir a sociedade em três
grupos sociais. Primeiramente, um grupo
composto de várias dezenas de milhões de
pessoas que dispões de meios de acesso a
redes e à criação, pessoas que fabricam e
manipulam as informações. Diante desse
grupo, os nômades da miséria, na parte
inferior da escala social, que se submetem às
tecnologias e são obrigados a oferecer uma
grande mobilidade para encontrar trabalho
ou para sobreviver, em um grupo formado
por aproximadamente um quarto da
população mundial. Em terceiro lugar, uma
enorme classe média, com esperança de
agrupar-se à hiper-classe, mas receando
escorregar rumo à pobreza e ao nomadismo
planetário. Uma “sociedade afunilada em
relógio de areia” está nascendo, conforme
descreve Alain Lipietz. Essa classe média
viverá cada vez mais no espetáculo fornecido
pelos novos meios de comunicação; as
economias culturais tornam-se as atividades
de maior importância social (festas, esportes,
INTERAÇÕES
Revista Internacional de Desenvolvimento Local. Vol. 1, N. 2, Mar. 2001.
A recomposição dos espaços
jogos, lazer, viagens – tanto no espaço quanto
nas drogas). Para manter a ordem social,
essas distrações são necessárias, visto que elas
fazem esquecer a reversibilidade (ou a
instabilidade) das trajetórias individuais e a
precariedade, que se tornam regra geral.
Em conclusão, podem-se citar dois
antigos Chefes de Estado franceses, Charles
de Gaulle que dizia: “O esforço multisecular
que foi durante muito tempo necessário ao
nosso país para a manutenção de sua
unidade, malgrado as divergências das
províncias que lhe foram sucessivamente
agregadas, doravante não se impõe mais. Au
contrário, são as atividades regionais que
aparecem como a mola propulsora de sua
potência econômica de amanhã”. A visão de
François Mitterand, expressa em 1981, é
similar: “A França teve necessidade de um
poder forte e centralizado para se construir.
Ela tem necessidade, hoje, de um poder
descentralizado para não se descontruir”.
Desde um período recente, assiste-se a
uma nova configuração das entidades
territorias. As uniões econômicas e as regiões
tornaram-se conjuntos econômicos e
políticos de pleno direito, por intermédio da
edificação de uma nova estrutura da ordem
coletiva. Essa situação requisita um novo
modo de governança. Na Europa, as
reformas institucionais estão em marcha.
Penso que, no plano regional, o reforço e a
formalização de novas estruturas de governança econômica são, certamente, possíveis
a médio prazo, e não apenas unicamente na
França. As regiões são coletividades de
atividades interdependentes, cujos interesses
econômicos são melhores realizados quando
as formas institucionais de gestão e de
coodenação locais estão em funcionamento.
Os espaços regionais estão, igualmente, cada
vez mais vulneráveis na competição e na
tensão mundiais. Os Estados nacionais
encontram-se tenazmente presos entre entre
a constituição de grandes conjuntos econômicos (macroregiões supranacionais) e as
crescentes exigências de uma descentralização imposta pelas atividades econômicas
e políticas. Os Estados não têm mais a
faculdade de sempre proteger suas regiões
(infranacionais) ou de negociar em nome
delas, em um mundo cada vez mais aberto e
concorrencial.
11
Quatro forças combinam-se para
usurpar o poder econômcio dos Estados: o
capital, a comunicação, os consumidores e
as empresas multinacionais. Assim, Kenichi
Ohmae interrogava-se nestes termnos: “Os
Estados-Nação tornaram-se dissonauros
moribundos?”
Por fim, o renascimento dos meios
locais e regionais na qualidade de núcleos
da organização econômica, cultural e
política oferece novas e inesperadas possibilidades para a renovação da vida comunitária. A democracia e a cidadania tomam
um novo sentido no contexto da sociedade
local. A criação de novas identidades locais
e de novas ações democráticas entra em
perspectiva. A realização de uma nova visão
política local gesta-se em relação com o novo
contexto global. Como sugere o exemplo
europeu, um dos valores mais exigentes é a
coesão, ou seja, um desenvolvimento sustentável fundado sobre a solidariedade, uma
ferramenta indispensável para construir
uma grande Comunidade Européia (em
várias escalas) mais forte, mais ampla, mais
equilibrada e, portanto, melhor compreendida pelos povos que a compõem. Para
obter sucesso é preciso passar de uma Europa
abstrata a uma Europa política, social e
economicamente coerente, cuja integração
política é possível no âmbito de uma
federação de Estados-Nação.
Mundo
Blocos
Estados
sssss
sssssss
ss
Regiões
Figura 1: A transformação dos espaços: os blocos
econômicos e as regiões exercem um papel cada vez
mais importante na economia mundial.
INTERAÇÕES
Revista Internacional de Desenvolvimento Local. Vol. 1, N. 2, Mar. 2001.
Georges Benko
12
Tabela 1: Recomposição dos espaços e evoluções sócio-econômicas (cf. K. Ohmae, 1995, revisto pelo autor).
Período Industrial (1850-1975)
• Escala espacial dominante: Estado-Nação
• Estados: atores essenciais da economia
(dirigismo/centralisação)
• Centro de decisão: nacional
• Soberania nacional
• Barreiras alfandegárias
• Economia centrada na produção e consumo nacionais
• Iniciativas públicas
• Organização do território em âmbito nacional e
centralisado (“de cima”) (redistribuição)
• Estados-Providência
• Regulação social estável
• Lógica econômica majoritariamente fordista
• Crescimento fortalecido
• Evoluções lentas
Período Informacional (1975 - séc. XXI)
• Escala espacial dominante: região e união econômica
• Atores econômicos: capitais, empresas multinacionais,
unidades territoiras (regiões)
• Centro de decisão: supranacional e local
• Soberania dos cidadãos
• Abertura econômica (supressão de
fronteiras)/internacionalização da economia
• Economia baseada na informação e na comunicação /
maior importância da inovação
• Constituição de redes (“sociedade em redes”)
• Organização do território baseada na iniciativa local
(“de baixo”)
•
•
•
•
Regulação social “flexível”
Lógica econômica principalmente pós-fordista
Nova articulação: global/local
Evoluções rápidas
Espaços de referência:
− Vale do Silicone (São Francisco) / Orange County
(Los Angeles) / Rota 128 (Boston)
− Terceira Itália / Lombárdia
− Hong Kong / Taiwan
− Ile-de-France / Toulouse / Grenoble
− Irlanda / Escócia
− Grandes Metrópoles (e “cidades globais”)
Etc.
Espaços de referência:
− Grã-Bretanha
− Estados Unidos
− Alemanha
− Japão (a partir de 1950)
Artigo publicado originalmente em Agir – revue générale
de stratégie, n. 5. Paris, set-nov 2000, p. 11-18. Tradução:
Marcelo Marinho (UCDB). Revisão da tradução: Leila
Christina Dias (UFSC).
Bibliografia
BENKO, G. Les Nouveaux aspects de la théorie sociale. De la
géographie à la sociologie. Caen, Paradigme, 1988, p.
123-137.
BENKO, G.; LIPIETZ, A La richesse des régions. Paris,
PUF, 2000.
GUIGOU, J.-L. État, Nation, terrritoire: la recomposition.
In: Futuribles, n. 212, p. 21-34, 1996.
LIPIETZ, A. La société en sablier. Paris, La Découverte,
1996.
O’BRIEN, R. Global Financial Integration. The End of
Geography. Londres, Pinter, 1992.
OHMAE, K. The End of the Nation state, Free Press e The
Invisible Continent. Nova Iorque, Harper Collins,
1995.
SCOTT, A. J. Les Régions et l’Économie Mondiale. Paris,
L’Harmattan, 2000.
SIROËN, J. M. La régionalisation de l’économie mondiale.
Paris, La Découverte, 2000.
VELTZ, P. Mondialisation, villes et territoires. Paris, PUF,
1996.
INTERAÇÕES
Revista Internacional de Desenvolvimento Local. Vol. 1, N. 2, Mar. 2001.
Las Tecnologías de Información y Comunicación (TIC) en el Desarrollo Local:
gobierno electrónico y redes ciudadanas
Information and Communication Technologies (ICT) in Local Development:
electronic government and citizen webs
As Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC) no Desenvolvimento Local:
governo eletrônico e redes cidadãs
Susana Finquelievich, Pablo Baumann e Alejandra Jara
Universidad de Buenos Aires
Contato: [email protected]
Resumen: El artículo consta de dos partes: la primera, “La informática al servicio de los ciudadanos”, describe el rol
de la informática comunitaria y la importancia de su desarrollo para las tareas de las organizaciones de la sociedad
civil y la conformación y desarrollo de redes comunitarias. La segunda, “E-government y redes ciudadanas”, delinea
algunos elementos que deberán ser tenidos en cuenta para el diseño institucional de la Sociedad de la Información y
el rol que en éste último deberán tener las redes ciudadanas. El fortalecimiento de una política democrática depende
de la institucionalización de estos espacios asociativos en tanto ámbitos de participación consultiva. Se trata de
encauzar la participación ciudadana como medio para mejorar la representación social y la formación de la voluntad
política. Internet es un medio ideal para organizar procesos de comunicación política: foros de debate, espacios de
reflexión y de información aplicados a la discusión de planes estratégicos locales, presupuesto participativo, procesos
de descentralización, consejos consultivos de gobierno, y otros. “Internet es más voz que voto”.
Palabras claves: Gobierno electrónico; Redes ciudadanas; Gestión local.
Abstract: The first part of the article, “Information at the service of citizens”, describes the role of community data
processing and analyses the importance of this development for the tasks of the Organisations of civilian society as
well as for the configuration and development of community networks. The second part, “E-government and citizen
networks”, outlines some elements which should be considered for the institutional designing of the Information
Society, as well as the role which the citizen networks should play. The strengthening of a democratic strategy depends
on the institutionalisation of these associative spaces in instances of consultative participation. It is a question of
guaranteeing citizen participation as a way of improving the social representation and the formation of political
desire. The Internet is an ideal way of organising processes of political organisation: forums for debate, spaces for
reflection and government consultative councils, and others.
Key words: Electronic government; Citizen networks; Local administration.
Resumo: A primeira parte do artigo, “A informática a serviço dos cidadãos”, descreve o papel da informática
comunitária e analisa a importância de seu desenvolvimento para as tarefas das organizações da sociedade civil
assim como para a conformação e o desenvolvimento de redes comunitárias. A segunda parte, “Governo eletrônico
e redes cidadãs”, esboça alguns elementos que deverão ser considerados para o desenho institucional da Sociedade
da Informação, assim como o papel que deverão exercer as redes cidadãs. O fortalecimento de uma política democrática
depende da institucionalização desses espaços associativos em instâncias de participação consultiva. Trata-se de
caucionar a participação cidadã como forma de melhorar a representação social e a formação da vontade política. A
Internet é um meio ideal para organizar processos de organização política: fóruns de debate, espaços de reflexão e de
informação aplicados à discussão de planos estratégicos locais, de orçamentos participativos, de processos de
descentralização, de conselhos consultivos de governo, entre outros. “A Internet é mais voz do que voto”.
Palavras-chave: Governo eletrônico; Redes cidadãs; Gestão local.
Consideraciones iniciales
En Argentina, el 2000 fue señalado
como el año de la explosión de Internet. Las
áreas más evidentes son las de las finanzas,
el comercio y la educación, pero eso no es
todo. Se está revelando una necesidad
creciente en todos los sectores de la sociedad
de hallar los medios y las maneras de
optimizar las oportunidades que presentan
las Tecnologías de la Sociedad de la Información (TSI). La investigación y desarrollo
en sistemas informáticos y tecnología (IT) ha
implementado un modelo de funcionamiento en el que el individuo interactúa
directamente con la computadora, y a través
de ella, con otros individuos y grupos. La IT,
entonces, tiene la potencialidad, ya demos-
trada, de facilitar y ampliar en forma continua las capacidades de los individuos en el
contexto de las instituciones, empresas, organizaciones y gobiernos en los que trabajan.
La TSI también se usa en todo el
mundo para apoyar a las comunidades y a
las organizaciones comunitarias en sus tareas
en pos del desarrollo social y económico. La
informática comunitaria (IC) es una estrategia o disciplina que combina tecnología y
organización social, y que pone en red los
esfuerzos comunitarios por el desarrollo
socioeconómico en áreas como las redes
comunitarias y cívicas, los telecentros, la
democracia electrónica, la participación
comunitaria en la gestión de la ciudad, el
comercio electrónico, los grupos virtuales de
ayuda mutua, el desarrollo de la cultura, y
INTERAÇÕES
Revista Internacional de Desenvolvimento Local. Vol. 1, N. 2, p. 13-26, Mar. 2001.
14
Susana Finquelievich, Pablo Baumann e Alejandra Jara
otras. La IC puede definirse como los estudios
sobre las aplicaciones de IT y sus logros en
las comunidades para alcanzar objetivos
sociales, políticos, económicos y culturales.
Este artículo muestra los avances de la investigación “Nuevos paradigmas de participación ciudadana a través de las tecnologías
de información y comunicación”. El
proyecto, dirigido por Susana Finquelievich
y co-dirigido por Hilda Herzer, se desarrolla
en el Area de Estudios Urbanos del Instituto
de Investigaciones Gino Germani, Facultad
de Ciencias Sociales, Universidad de Buenos
Aires.
La informática al servicio de los
ciudadanos
1. Informática comunitaria: recursos y
herramientas para el desarrollo local
La informática comunitaria (IC), el uso
de las tecnologías de información y comunicación (TIC), también llamada Tecnologías
de la Sociedad de la Información (TSI) para
fines sociales, es a la vez una estrategia y una
disciplina tecno-científica. Plantea que “la
tecnología de Información y la Comunicación proporciona recursos y herramientas
que las comunidades y los individuos que
viven en ellas pueden usar para conseguir
sus metas en áreas como desarrollo económico local, desarrollo cultural, activismo
cívico, salud física y mental de la comunidad
y medio ambiente, entre otras” (Gurstein,
2000). La IC se focaliza sobre las necesidades
y objetivos de comunidades y grupos sociales,
para diseñar las tecnologías, instrumentos y
aplicaciones que refuercen y promuevan
respuestas a esas necesidades y objetivos.
Incluye a la vez preocupaciones por la
tecnología TSI y por los usuarios y los usos;
está tan concernida por los procesos de la
comunidad, la accesibilidad de los usuarios
a las TSI y la utilidad de tecnología como
por el análisis de los sistemas, el hardware y
el software. La IC tiene en cuenta el sistema
social dentro del cual se aplica la tecnología,
tanto como el sistema de tecnología con el
que interactúa; su propósito es lograr eficacia
en las acciones de la comunidad.
“Informática comunitaria” es, en
resumen, el estudio de la aplicación de ICT
al logro de metas sociales, económicas,
políticas o culturales. Pero para que estas
metas se alcancen, resulta fundamental el
acceso de los miembros de la comunidad a
la TSI. Michael Gurstein (2000) cita a
Clemente e Regan, quienes identifican un
“Arco iris de Acceso” que incluye siete
niveles: Gobernabilidad/formulación de
políticas; facilitación de alfabetización tecnológica y organización social; proveedores de
Servicio; contenidos/servicios; herramientas
de software; dispositivos, y medios de
transporte. Se incluyen en esta área problemas de acceso técnico (conexiones de
teléfonos y computadoras), acceso económico (el costo de usar y mantener estos
sistemas), acceso social (cultural, conocimientos tecnológicos, y barreras sociales que
limitan uso de los sistemas), y acceso físico
(se refiere a los discapacitados).
Se plantean algunas cuestiones
relevantes: a) Cómo identificar o crear la
institución u organización a través de las
cuales se proporciona a la comunidad el
acceso a las TSI. B) Cómo administrar a esta
organización o institución. C) Cómo organizar el contexto tecnológico (institucional,
orgánico, formación, etc.) para optimizar su
uso y las oportunidades que ofrece. D) Cómo
articular las oportunidades de acceso
comunitario a las TSI con servicios no
técnicos u otras estructuras organizacionales,
como por ejemplo, el caso en que el uso de
sitios web públicos podría articularse con
equipamientos comunitarios existentes. E)
Cómo articular las oportunidades de acceso
comunitario a las TSI con organizaciones ya
existentes en la Sociedad Civil.
2. Breve historia de la IC
Internet se desarrolló en los Estados
Unidos en la década de los 1960s, concebida
originalmente como una red privada para
facilitar la comunicación entre pequeñas
comunidades científicas, en especial aquéllas
que trabajaban en investigaciones concernidas con la defensa nacional. Estas
conexiones se extendieron a lo largo de varios
años entre otros científicos de diferentes
disciplinas y ciudades, primero a lo largo de
los Estados Unidos, luego del mundo. Los
estudiantes que usaron este tipo de
INTERAÇÕES
Revista Internacional de Desenvolvimento Local. Vol. 1, N. 2, Mar. 2001.
Las Tecnologías de Información y Comunicación (TIC) en el Desarrollo Local:
gobierno electrónico y redes ciudadanas
comunicación la extendieron a su vez a la
comunidad no científica. Hacia principios de
los años 1980, unieron varios miles de
computadoras en una red que interactuaba
usando las redes telefónicas.
En Estados Unidos algunos técnicos y
entusiastas de la informática instalaron y
participaron en los primeros BBS (Fejler,
2000). Los temas de discusión eran por lo
general técnicos: se discutía cómo y para qué
usar las máquinas y los BBS en sí. Hubo una
excepción: un BBS llamado CommuniTree
que, a diferencia de los restantes, estaba
específicamente enfocado a la idea de crear
comunidades. Se proponían conceptos de
discusión como la reciprocidad, la solidaridad, y la idea de armar algo socialmente
contenedor entre todos. Este proyecto no
prosperó, por la misma razón que no lo
hicieron otros tantos: mucha gente
aprovecha los medios libres de expresión
para agredir impunemente, y para expresar
más su disgusto social que para tratar de
construir algo alternativo (Fejler, 2000).
Gradualmente, se fueron fundando
Freenets, redes mantenidas por voluntarios
que extendieron los recursos de Internet de
las universidades a las comunidades y al
público en general. La primera fue la
Cleveland Freenet, creada en 1986 en la Case
Western Reserve University. Ofrecía acceso
dial-up gratis a un server de la Universidad
a miembros de la comunidad local que
poseían computadoras y querían conectarse
a Internet. Algunos Freenet evolucionaron
hacia organizaciones que mantienen el
principio del acceso público y gratuito a las
redes informáticas. Otras se transformaron
en “redes comunitarias” que cobran por el
servicio, a la vez que ocupan un rol fundamental para el desarrollo de la comunidad.
El cambio de “Free” Net (red gratuita y/o
libre) a “redes comunitarias” también ha
significado una importancia mayor otorgada
al desarrollo comunitario. Schuler (1997)
plantea que las Redes Comunitarias pueden
accionar, y lo hacen, en cualquier cuestión
en la que las TSI se intersecten con lo que
considera “valores centrales” de la
comunidad: educación, cultura, comunicación, democracia, salud y bienestar, y
equidad económica y de oportunidades.
15
3. El acceso comunitario a las TSI
¿Cómo puede implementarse el acceso
de los miembros de las comunidades locales
a las TSI? Las políticas varían según los
países. En Canadá, por ejemplo, el acceso
telefónico ha sido casi universal desde hace
décadas. Para mejorar el acceso de las áreas
rurales y remotas a Internet, el gobierno
canadiense lanzó el Community Access
program (CAP) (Programa de acceso
comunitario) para asegurar un acceso de
bajo costo a todas las localidades, hasta a
las más remotas. En el primer año, los
proveedores de Internet (ISP) del país se
dieron cuenta de que podían proveer
Internet a bajo costo a todos los canadienses.
El CAP evolucionó, de proveer acceso técnico
a Internet, a proveer acceso social,
incluyendo a los desempleados, a los que
carecen de computadoras y de formación en
su uso, y a los físicamente discapacitados.
Existen desarrollos similares en otras
regiones del mundo, como Europa, EE.UU.,
África y América Latina, a través de
programas de telecentros.
Los telecentros, según Robinson (2000)
son “una nueva figura en el panorama
institucional inducido por la revolución
digital que vivimos.” De los primeros años
de la década de los 90, representan los
esfuerzos de varios países para crear lugares
de acceso público que facilite el acceso a
Internet. En general, son lugares públicos
que pueden ser o no gratuitos, equipados de
cierto número de computadoras y otros
equipamientos informáticos, donde se puede
navegar Internet, usar el correo electrónico
y las cámaras digitales, y en algunos de ellos,
asistir a cursos de formación en los usos de
la tecnología informática. Estos telecentros
difieren de los cibercafés, dado que
“permiten y fomentan la construcción del
dominio público y la oferta de cursos de
capacitación en los oficios digitales, además
de la educación a la distancia con el apoyo
de los tutores en los respectivos temas. Un
telecentro es un compromiso para ofrecer
información y un adiestramiento en el
manejo de la misma, más allá de los temas
mercantiles. Una red nacional e internacional de telecentros es el anexo lógico de
las bibliotecas públicas en nuestro tiempo, y
INTERAÇÕES
Revista Internacional de Desenvolvimento Local. Vol. 1, N. 2, Mar. 2001.
16
Susana Finquelievich, Pablo Baumann e Alejandra Jara
es una propuesta para atenuar la división
digital que ahora marca la condición
poscolonial” (Robinson, 2000).
En Europa, el proyecto EPITELIO
(1996-1998), uno de los más exitosos hasta
ahora, se planteó en principio el desarrollo
de una plataforma telemática como medida
contra la exclusión social (www.epitelio.org)
(Serra, 2000). EPITELIO persigue dos metas
fundamentales: generar, no sólo una
plataforma telemática, sino una comunidad;
y además, una NUEVA comunidad.
Consideraba que, al igual que Internet
consiste en una nueva infraestructura de
información, diferente a las ya conocidas
(telecomunicaciones y medios gráficos y
verbales), esta infraestructura podría generar
una estructura social innovadora, diferente
a las actuales. El resultado excedió los
propósitos iniciales. Sus logros no sólo han
sido crear una plataforma telemática, o un
grupo de servicios de Internet, sino
desarrollar un grupo de nuevas organizaciones barriales (como en el caso de
Ravalnet), organizaciones de la ciudad (Rete
Ciudadana) y organizaciones europeas (la
Asociación Europea para Comunidad), lo
que permite materializar la innovadora
Sociedad de la Información. A raíz de estos
proyectos, se ha creado la organización
internacional Global Community Networks,
una iniciativa desarrollada por el Global CN
Partnership, la alianza internacional de
organizaciones de redes ciudadanas de
Europa, USA, Canadá, en colaboración con
las redes comunitarias en los Estados Unidos,
Argentina, Chile, Brasil, Uruguay, Australia,
México, Costa Rica, República Dominicana,
Nueva Zelanda, Japón, Rusia, India y África.
En diciembre del 2001 se celebrará en
Buenos Aires un Congreso Global de redes
ciudadanas, el Global 2001, que se orienta
sobre todo a fomentar la construcción de
redes ciudadanas en todo el mundo, sobre
la base de alianzas estratégicas con las
diferentes organizaciones de la sociedad civil,
el Estado, las empresas y las universidades.
Estas alianzas están dirigidas a la construcción de la nueva comunidad de la
Sociedad de la Información. Esta comunidad
se construye por medio de la articulación de
las iniciativas de los sectores involucrados,
el intercambio de metodologías, programas,
procesos, y la elaboración de nuevos
conocimientos.
En América Latina se multiplican los
proyectos de telecentros. En realidad, se está
desarrollando un verdadero movimiento de
creación de estos nuevos equipamientos
comunitarios (www.tele-centros.org.ar). A
pesar de que la entrada de la mayoría de la
población a la Sociedad de la Información
no es aún una prioridad para numerosos
gobiernos latinoamericanos, en algunos
países se están implementando experiencias
importantes a nivel nacional. En el Perú, la
Red Científica Peruana ha implementado las
Cabinas Públicas, desde donde los habitantes
navegan Internet, buscan trabajo, leen los
diarios y se comunican entre sí y con el
extranjero. En El Salvador se lanza en estos
momentos una red de telecentros que parte
de una iniciativa estatal (www.infocentros.
org.sv), y en México está en marcha un
proyecto para implementar telecentros
usando conexiones a Internet a través de
satélites o ISP locales (www.idrc.ca/pan/
telecentres.html) (Robinson, 2000).
La Informática Comunitaria se vuelve
más significativa en Argentina a partir de la
implementación de diversos programas de
telecentros. En 1999, mediante el decreto Nº
1018/98 se creó el Programa para el Desarrollo de las Comunicaciones Telemáticas
[email protected], a través del cual el
gobierno se proponía estimular el desarrollo
de redes nacionales y regionales para
favorecer el acceso a la mejor tecnología
disponible en este campo. Basicamente, los
CTC son redes informáticas locales
conectadas a INTERNET con contenidos y
desarrolos de web comunitarias, localizadas
en conglomerados humanos de nivel bajo
socioeconómico. Se integran en un sistema
general de CTC con subsistemas autónomos
de capacitación y desarrollos de contenidos,
cuya gestión puede ser realizada en forma
centralizada primero por la Secretaría de
Comunicaciones, y a partir del cambio de
gobierno nacional, de la Secretaría de
Tecnología, Ciencia e Innovación productiva
(SETCIP). Su objetivo es fomentar el uso de
Internet, promover la igualdad de oportunidades en el acceso a las tecnologías de
información, impulsar nuevas herramientas
pedagógicas mediante la utilización de redes
INTERAÇÕES
Revista Internacional de Desenvolvimento Local. Vol. 1, N. 2, Mar. 2001.
Las Tecnologías de Información y Comunicación (TIC) en el Desarrollo Local:
gobierno electrónico y redes ciudadanas
informáticas, y promover la generación de
contenidos locales útiles y autorreferenciables por parte de las comunidades y
conglomerados humanos huéspedes de CTC.
La cuestión del acceso a las TSI es
mucho más amplia que el mero acceso
técnico. El problema consiste en cómo
proporcionar un acceso público en los países
en los que escasean los recursos humanos,
financieros y tecnológicos necesarios para
apoyar los objetivos de la sociedad civil. Este
problema está siendo debatido en los países
en los que el costo del acceso individual es
prohibitivo, ahondando aún más la división
digital. También se lo discute en contextos
en los que puede haber razones para tener
acceso comunitario a Internet en vez del
tradicional acceso hogareño. En ambos casos,
la provisión de un acceso físico alternativo a
la red es un primer paso significativo. Una
vez implementado el mecanismo para
proveer el acceso comunitario, es necesario
determinar cómo administrar y mantener la
organización que servirá de proveedora de
acceso. También será necesario organizar el
equipamiento para optimizar el uso de la
tecnología y los usos que proporciona, así
como reflexionar sobre cómo se articularán
las posibilidades de acceso comunitario a
Internet con los servicios sociales existentes.
Por ejemplo, cómo relacionar los trámites
electrónicos con las oficinas municipales.
4. ¿Para qué sirve la informática
comunitaria?
Los usos y aplicaciones que permite la
IC son variados. Nos ocuparemos aquí de
aquellos relacionados con los que articulan
las TSI con los intereses y objetivos de la
sociedad civil. Según Gurstein (2000), los
usos y aplicaciones son los siguientes:
a) Acceso comunitario a las TSI
El acceso público a la TSI, como se ha
mencionado más arriba, puede ser
implementado a través de una variedad de
sitios de acceso, tanto en organismos gubernamentales, como no gubernamentales,
como los CGPs, telecentros, cibercafés,
bibliotecas públicas, locutorios telefónicos,
escuelas, etc. Es necesario tener en cuenta
que no basta con proveer el equipamiento
17
físico e informático, ni es suficiente con
proporcionar conexiones a Internet. Lo
realmente fundamental es proporcionar en
los telecentro, o en cualquier otro lugar de
acceso público a Internet, las condiciones de
formación básica para que los usuarios que
tienen conocimientos insuficientes en el uso
de las herramientas informáticas puedan
aprender a usarlas a full. También es
necesaria la presencia de instructores que
puedan auxiliar a los usuarios cuando éstos
experimenten dificultades.
b) Información comunitaria
¿Qué tipo de información interesa a las
organizaciones de la sociedad civil y al
público en general? La llamada “información comunitaria” incluye temas tan
variados como guías telefónicas, guías de
trámites municipales, una agenda de eventos
urbanos o barriales, bolsas de trabajo y de
estudio, cursos y actividades barriales y
urbanas, noticias sobre espectáculos y
telecompra de entradas, noticias políticas
locales, foros de discusión, etc. Es importante
que los gobiernos locales proporcionen
información sobre planes y proyectos
urbanos y otros. También puede contener
una base de datos sobre la comunidad local,
o una web-page comunitaria. En ocasiones,
ofrece información respecto al trabajo de
organizaciones comunitarias locales,
nacionales o internacionales. Algunas
iniciativas privadas pueden publicitar bienes
y servicios.
c) Participación cívica y comunitaria
en línea
¿Para qué se usan las TSI en la
sociedad civil? En general, se utilizan para
alentar procesos de participación social y
política a través de proyectos de democracia
electrónica, de foros de discusión partidarios
y de consultas gubernamentales al público
en asuntos de interés local. Este tipo de usos
permite la expresión en línea de opiniones,
críticas y propuestas relacionadas con planes
y problemas locales y la participación en la
planificación y gestión urbana. El
conocimiento, por parte de los habitantes,
de los planes y proyectos urbanos, la
administración del presupuesto, el uso de los
impuestos y otras cuestiones relativas a la
INTERAÇÕES
Revista Internacional de Desenvolvimento Local. Vol. 1, N. 2, Mar. 2001.
18
Susana Finquelievich, Pablo Baumann e Alejandra Jara
gestión urbana y provincial, es una cuestión
clave para la gobernabilidad. Pero la
participación no se limita a estas cuestiones:
municipalidades que comparten intereses o
problemáticas similares pueden conformar
redes de intercambio de información y
experiencias, como en el caso de la Red de
Municipios Mariano Moreno. O bien,
diversos barrios en la misma ciudad o en
ciudades diferentes pueden construir redes
que les ayuden a resolver sus problemáticas
y a optimizar el uso de sus recursos. Estos
tipos de información y de articulaciones
permiten la expresión, ya sea en reuniones
presenciales, en foros o en redes electrónicas,
de opiniones y propuestas relativas a planes
y proyectos urbanos, y alienta una mayor
participación pública en las cuestiones
urbanas.
d) Servicios en línea
Las TSI se usan en la IC para proveer
servicios públicos, incluyendo trámites
municipales, información sobre impuestos,
información y registros en lo que se refiere a
certificados y otros documentos, información y consejos sobre salud física y mental,
informaciones sobre catastros, así como sobre
empleos y sobre micro emprendimientos,
incluyendo un tutoreo de estos últimos.
Algunos centros de Gestión y Participación
(CGPs) de Buenos Aires ya están proporcionando este tipo de informaciones a sus
ciudadanos. La provisión directa de servicios
a individuos en sus barrios, pueblos o
ciudades, o en sus hogares, en Argentina,
está aún en pañales. No obstante, se espera
que crezca drásticamente en el futuro
cercano. Puede ser muy económico para
algunos sectores, en especial en áreas que
usan intensivamente información.
e) Comercio electrónico comunitario
Actualmente, el auge del comercio
electrónico no puede ser ignorado. La
publicidad nos informa de los esfuerzos que
se hacen por poner el e-commerce al alcance
de las comunidades geográficas y virtuales,
a través de páginas web, portales, shoppings
virtuales, etc. En todo el mundo se están
implementando iniciativas para articular el
comercio local con los mercados globales, a
través del comercio electrónico.
En Argentina, el informe de Roxana
Bassi (1999) indica progresos significativos en
esta área. Actualmente, se vive una verdadera
explosión: en marzo de 2000, los usuarios del
e-commerce gastaron 3 millones de pesos sólo
en CD (Diario Clarín, 17-05-2000). Según la
consultora Prince e Cook, el número de
navegantes en la Red crece a un ritmo del 4%
mensual, y estima la facturación del sector
para el año 2000 en 150 millones, y en 355
millones para el 2001. El auge del comercio
electrónico bien puede ser usado por
organizaciones comunitarias o emprendimientos locales para vender sus bienes y
servicios prescindiendo de intermediarios. Las
comunidades geográficamente aisladas, o
alejadas de los mercados representados por
las grandes ciudades pueden llegar de esta
manera al mercado global, siempre que
cuenten con la necesaria formación, no sólo
en herramientas tecnológicas, sino en gestión
de microempresas. Los telecentros o equipamientos similares pueden así constituirse en
lugares donde se impartan cursos sobre
administración de microempresas, emprendimientos comunitarios y comercio
electrónico, alentando de esta manera las
economías locales.
f) Teletrabajo
Las TSI pueden ser muy útiles para las
economías locales facilitando el teletrabajo,
sobre todo en ciudades pequeñas o remotas,
o para ciertos individuos con dificultades
para alejarse de su hogar, como madres de
niños pequeños, ancianos o personas con
impedimentos físicos. Se están multiplicando
las clases de trabajos que pueden ser
realizados a distancia. Un reciente ECATT
Survey (1999), referido a Europa, muestra
que el teletrabajo móvil es el más extendido.
Alrededor de 14% de las empresas europeas
utiliza esta forma de trabajo, y las compañías
empiezan a considerar seriamente la
posibilidad de alentar el teletrabajo. Los
teletrabajadores provienen de diferentes
profesiones y oficios: miembros de profesiones liberales, profesores secundarios y
universitarios, programadores informáticos,
investigadores, publicistas, artistas gráficos,
administrativos, empleados de compañías de
marketing, periodistas, etc. (Finquelievich,
1998, 2000).
INTERAÇÕES
Revista Internacional de Desenvolvimento Local. Vol. 1, N. 2, Mar. 2001.
Las Tecnologías de Información y Comunicación (TIC) en el Desarrollo Local:
gobierno electrónico y redes ciudadanas
g) Educación, formación y redes de
aprendizaje
La educación y la formación permanente son áreas que emergen rápidamente
en la IC. Áreas crecientes de educación y
enseñanza a todos los niveles serán proporcionadas en línea, incluyendo la distribución
a localidades remotas de material escrito,
CDs de sonido y videos, además del material
interactivo que se envía por Internet. A pesar
de que en Argentina están surgiendo
universidades virtuales, como la Universidad
Nacional de Quilmes o la Universidad de
Buenos Aires, recién se está aprendiendo a
manejar las técnicas y contenidos específicos
a la educación virtual. También se están
desarrollando metodologías para articular
facilidades educativas en línea con las
necesidades de formación continua, y con
las estructuras educativas tradicionales
existentes en las ciudades y barrios, con el
objeto de integrar al mayor número posible
de población a la Sociedad de la Información
y sus nuevas formas de trabajo.
h) Relocalizaciones urbanas
Las TSI facilitan tanto a los teletrabajadores, a los habitantes de las nuevas
urbanizaciones como a empresas de todo
tamaño, la posibilidad de elegir la localización física de sus vidas y actividades, siempre
y cuando se mantengan “conectados”. Los
servicios bancarios, las universidades
virtuales, la telecompra, los supermercados
digitales, los siguen dondequiera que vayan.
Pero estas relocalizaciones (y los consecuentes cambios en la estructura urbana y
en las infraestructuras y servicios que deben
acompañarlos) implican la necesidad de un
trabajo intensivo de planificación urbana.
Los Sistemas de Información Georeferenciados (GIS), adecuadamente utilizados,
permiten informar a la población sobre los
proyectos que los conciernen y también
posibilitan que los ciudadanos se expresen
con respecto a sus necesidades y preocupaciones, como el uso del suelo, la conservación
del medio ambiente, los servicios educativos
y de salud que les resultan necesarios, etc.
19
5. Contenidos para la informática
comunitaria
El acceso físico del público a las
herramientas informáticas o a Internet, sea
gratuitamente o a un precio bajo, es sólo un
primer paso. Como se ha expresado más
arriba, la siguiente cuestión clave se refiere
a los contenidos que se colocan en la Red,
los tipos de información y servicios que se
proporcionan a los ciudadanos. Los que
navegamos Internet sabemos que hay allí una
inmensa masa crítica de información,
servicios, propuestas del interactividad, foros
de debates, etc. Sin embargo, como señala
Gurstein (2000), sólo poco de este material
es utilizable o apropiable en contextos que
difieren de los países del Norte, y principalmente de los USA, donde se produce un alto
porcentaje de esta información. Esto se hace
más evidente cuando se consideran los
problemas de los países del sur en esta área:
falta de recursos financieros y tecnológicos,
falta de la formación en el uso de herramientas informáticas, resistencias culturales,
falta de interés gubernamental, barreras
idiomáticas, etc.
Para que los servicios online sean
realmente, es necesario desarrollar dos
elementos:
• La capacidad de discernimiento de los
usuarios con respecto a la masa de
información encontrada, por medio de
ofertas de formación permanente.
• La capacidad de los proveedores de
información (como los administradores de
telecentros) para que diseñen la oferta de
información y servicios que contemplen la
diversidad de circunstancias, contextos y
capitales culturales de los usuarios.
E-government y redes ciudadanas
El e-government (o gobierno electrónico) y las redes electrónicas comunitarias,
también llamadas redes ciudadanas,
parecen ubicarse en los extremos de la
tensión existente entre dos tendencias encontradas: la mercantilización y la politización
de la relaciones sociales (Baumann y Jara,
2001). En la primera de las prácticas, se
enfatiza la creación de varios canales
electrónicos de comunicación entre el
INTERAÇÕES
Revista Internacional de Desenvolvimento Local. Vol. 1, N. 2, Mar. 2001.
20
Susana Finquelievich, Pablo Baumann e Alejandra Jara
gobierno y los ciudadanos bajo la impronta
de la eficacia y eficiencia de la gestión estatal
y de la democratización y transparencia de
los procesos de administración. Se fortalece
la visión del ciudadano en tanto beneficiario
y consumidor de servicios públicos. En la
segunda, los canales de comunicación entre
ciudadanos y gobierno están orientados a
fomentar la deliberación pública como
fundamento de la participación política, y a
maximizar las posibilidades de satisfacción
de las demandas. La primera tiende a
socializar la política, esto es, llevarla al
terreno de la sociedad civil, asimilándola al
mercado. La segunda tiende a politizar a la
sociedad, recuperando el sentido de la acción
y el discurso tal y como lo entiende Hannah
Arendt, como “espacio de aparición”.
El concepto moderno de ciudadanía,
en tanto status legal otorgado por el Estado,
con un fuerte anclaje territorial, está en crisis,
porque el propio Estado.Nación, tal y como
surgió y se consolidó en las sociedades
modernas, es un Estado en crisis:
“Ser ciudadano no tiene que ver sólo con los
derechos reconocidos por los aparatos estatales
a quienes nacieron en un territorio, sino también
con las prácticas sociales y culturales que dan
sentido de pertenencia y hacen sentir diferentes
a quienes poseen una misma lengua, semejantes
formas de organizarse y satisfacer sus
necesidades” (García Canclini,1995).
Las redes ciudadanas, apoyadas en
herramientas electrónicas, aparecen a la vez
como nuevos actores y como los escenarios
innovadores de recreación de lo público y
revalorización del status político de la
ciudadanía, introduciendo en dicha idea
fuertes componentes culturales identitarios
y localistas, poniendo en juego a los mismos,
articulando sus discursos, más allá de la
relación individuo-Estado.
En general, los usos detectados hasta
el momento por parte de los gobiernos
locales ponen énfasis en la relación con el
ciudadano-usuario-consumidor-cliente y no
tienen en cuenta que éstos interactúan
activamente en redes de relaciones diferenciadas, lo cual termina agudizando los
problemas de gobernabilidad, dado que en
vez de articular demandas, las agrega
estadísticamente.
Ciudadanos de la era digital
La noción clásica de ciudadanía en
tanto en tanto status legal otorgado por parte
del Estado, hace referencia a los derechos y
obligaciones que posee todo individuo en
tanto miembro de una comunidad. El
derecho a la igualdad es la piedra angular
en la relación individuo-sociedad, ya que se
es portador de derechos y deberes en tanto
participe de una comunidad de iguales. La
ciudadanía como proceso histórico, posee un
desarrollo evolutivo, que va de los derechos
civiles en el siglo XVIII, a los derechos
políticos en el siglo XIX, y en el siglo XX
aparece la cuestión de los derechos sociales
y de las minorías. La problemática de la
ciudadanía aparece en cada momento
particular relacionada a contextos históricos,
política, social y materialmente diferentes.
La Sociedad Informacional-SI- puede
definirse como un proceso de redefinición
histórica de las relaciones de producción, de
poder, y de experiencia (Castells, 1998) que
deriva de la convergencia e interacción de
tres procesos, hasta cierto punto, independientes. Por supuesto, la revolución de la
tecnología es uno de ellos. Pero no podrían
comprenderse cabalmente los cambios
sociales a que asistimos sin tener en cuenta
la crisis económica y subsiguiente reestructuración del capitalismo en los ´70, por
un lado, y por el otro la crisis de las
instituciones políticas y el surgimiento de los
nuevos movimientos sociales. “Los ciudadanos aún son ciudadanos, pero dudan de
qué ciudad y de quién es la ciudad” (Castells,
1998). Ser ciudadano supone también,
reivindicar el derecho a acceder y pertenecer
al sistema socio-político, el derecho a la
diversidad en la igualdad, el derecho de
acceder, de influir, de constituirse en actor
del escenario social.
Schiavo (2000) reflexiona sobre los
requisitos necesarios para ser un ciudadano
en la SI, y menciona cuatro: la presencia,
otorgada por la dirección electrónica
provista al ciudadano por el gobierno local,
el acceso universal provisto por entidades
privadas o comunitarias, el capital que
implica un proceso de aprendizaje para
incorporar los saberes necesarios para actuar
en la plataforma digital, y el habitus que
INTERAÇÕES
Revista Internacional de Desenvolvimento Local. Vol. 1, N. 2, Mar. 2001.
Las Tecnologías de Información y Comunicación (TIC) en el Desarrollo Local:
gobierno electrónico y redes ciudadanas
posibilita incorporar los conocimientos (el
capital) a los modos de percibir pensar y
actuar en la vida cotidiana. Esta autora alude
a las posibilidades de multiplicación del
espacio público social, porque coexisten en
él, territorio urbano presencial y entorno
telemático.
Susana Finquelievich (1999) especula
acerca de los derechos de los ciudadanos en
la SI. Enuncia una serie de derechos entre
los cuales aparecen: el derecho a participar
de la SI, a disponer de medios de aprendizaje
de las técnicas y saberes tecnológicos y
organizacionales asociados a la informática,
el derecho de participar comunitariamente
en el uso de las herramientas tecnológicas
(acceso comunitario), derecho a establecer
redes electrónicas comunitarias, al acceso a
la información pública, el derecho a ser
consultados por los gobiernos sobre las
decisiones y planes que conciernen a la
ciudad y la calidad de vida de sus habitantes,
entre otros.
La ciudad como encuentro
La ciudad se transforma. La acepción
clásica de ciudad como lugar, cede ante la
noción de “la ciudad como encuentro, como
organización institucionalizada de comunicación entre grupos e individuos diferentes”
(Touraine, 1998). La idea de ciudad como
espacio de organización, defensa y fomento
de la comunicación es el lugar de redescubrimiento del ágora, de fortalecimiento de
la democracia y de reinvención del espacio
político. De este modo, la ciudad moderna,
con sus límites geográficos y políticos bien
definidos se superpone con la ciudad
informacional, la ciudad-red, cuyos límites
son sólo los límites de la comunicación.
En el proyecto que dá origen a este
artículo analizamos experiencias concretas
acerca de cómo los ciudadanos organizados
en diferentes expresiones de la sociedad civil
utilizaban la comunicación mediada por
computadoras - CMC - en función de sus
objetivos y para alcanzar sus propias metas.
Un sitio web, la participación en una lista
de discusión o simplemente una dirección de
correo electrónico les permitió innovar en la
gestión de sus recursos y en el establecimiento
de redes electrónicas comunitarias. Estos
21
grupos lograron incrementar sus posibilidades mediante la CMC, pudiendo acceder
a información, darse a conocer, informar a
la comunidad en general sobre sus objetivos
y formas de trabajo, fortalecer el vínculo con
los beneficiarios de sus actividades, ganar
respaldo y sobre todo reposicionarse en las
estructuras de poder locales y regionales.
Así es como, por ejemplo, un grupo que
actualmente supera los ciento cincuenta webmasters, han conformado un Circuito de
Ciudades Argentinas (www. argenguide.
com.ar) utilizando la red como medio para
difundir las noticias comunitarias, los emprendimientos productivos locales, promocionar los diferentes circuitos turísticos y
brindar un espacio de debate y encuentro a
los miembros de cada comunidad. Estos sitios
web son emprendimiento privados, financiados mediante el esfuerzo y los recursos de
sus creadores, se trata de iniciativas locales
que se llevan adelante en la mayoría de los
casos sin el apoyo de las instituciones locales
y que en muchos casos brinda acceso a
información publica y servicios comunitarios
generando aportes al desarrollo local, y
realizando un esfuerzo de resultado incierto
en la promoción y difusión de las tecnologías
de información y comunicación -TICs-, que
los propios municipios no ofrecen a los
ciudadanos.
Un grupo de vecinos del barrio de
Saavedra, movilizados por el problema de
la inseguridad en poco más de un año se ha
convertido en una fuerte red con presencia
en gran parte del Area Metropolitana, “Plan
Alerta”, nutriéndose de experiencias de
distintas partes del mundo. O es también el
caso de la Red del Trueque, que nuclea a
miles de personas que en poco tiempo han
constituido una red productiva y de
intercambio alternativa al mercado. O el de
la Comunidad de Indios Quilmes, en
Tucumán, que afirman su identidad y sus
derechos, convocando solidaridades de
diversos lugares del planeta, dando a
conocer su milenaria cultura y su mirada
sobre el mundo. Los casos se multiplican, se
teje la trama de las redes...
Sin embargo, en general y como
contrapartida, los usos de TICs detectados
hasta el momento por parte de los gobiernos
locales, ponen énfasis en la relación con el
INTERAÇÕES
Revista Internacional de Desenvolvimento Local. Vol. 1, N. 2, Mar. 2001.
22
Susana Finquelievich, Pablo Baumann e Alejandra Jara
ciudadano-usuario-consumidor-individuo y
no tienen en cuenta que estos interactúan
activamente en redes de relaciones
diferenciadas. Esto agudiza los problemas de
gobernabilidad, dado que en vez de articular
demandas, las agrega estadísticamente. Esta
misma perspectiva acerca de la participación
en la SI en tanto ciudadano-individuousuario-cliente, es la que prevalece, por
ejemplo, detrás de la línea de crédito blando
para la compra de equipamiento informático
implementada por el gobierno argentino,
donde se facilita el acceso a la adquisición
de equipamiento únicamente a los particulares, favoreciéndose el uso privado e
individual de las tecnologías teleinformáticas, en vez de propiciar el acceso
comunitario y fortalecer a las organizaciones
del tercer sector1, beneficiándolas también
con esta línea de créditos.
Retomando la idea inicial acerca de la
ciudad como organización institucionalizada de comunicación y su relación con los
usos sociales de las TICs, son los ciudadanos
organizados y no los gobiernos quienes están
dando los primeros pasos para articular,
organizar, y facilitar la creación de espacios
colectivos de comunicación y fortalecimiento
de la participación ciudadana.
Redes electrónicas ciudadanas
Al hablar de comunicación y política
democrática, hacemos referencia a los
discursos que convergen, de modo
contradictorio y no excluyente, en la esfera
de producción del discurso político y ”los
actores que tienen legitimidad para
expresarse sobre este tema: los políticos, los
periodistas y la opinión publica que se
expresa a través de los sondeos de opinión”
(Wolton, 2000) y, agregamos, las redes
electrónicas. En los sondeos de opinión
pública los ciudadanos pueden expresarse
en tanto sean consultados, por científicos y
técnicos, que re-elaboraran las opiniones
emitidas en un discurso que refleje de la
mejor manera posible la realidad social. Con
el acceso a las tecnologías teleinformáticas
se genera un nuevo canal de expresión a la
opinión publica, cualitativamente diferente,
porque los ciudadanos pueden participar
activamente en la difusión de sus opiniones,
debates y cuestiones de interés y podríamos
decir que se trata de opinión pública sin
mediaciones, aunque no por ello menos
socialmente elaborada.
Las redes electrónicas comunitarias
aparecen como los nuevos escenarios de
recreación de lo público y revalorización del
status político de la ciudadanía, facilitando
el acceso a la información pública y el debate
como fundamento de participación política,
permitiendo no solo un ida y vuelta entre
actores políticos y ciudadanos, sino fortaleciendo los lazos de relación horizontal entre
estos últimos.
La participación de los ciudadanos en
el sistema socio-político a través de la
opinión pública, que se expresa en las redes
electrónicas comunitarias, es un modelo
deseable de perfeccionamiento de la
representación social, de formación de la
voluntad política y de articulación de
intereses en la Sociedad de la Información
(SI). El diseño institucional de las redes
electrónicas comunitarias, aunque todavía
embrionario en su desarrollo, funciona en
base a relaciones horizontales, descentralizadas, multipartidarias, y no acotadas
geográficamente, que trasciende los límites
del sistema de representación tradicional,
partidario o parlamentario, y que puede
favorecer en su desarrollo el fortalecimiento
de una democracia representativa con fuerte
participación social; un modelo capaz
encauzar la participación ciudadana
propiciando instancias de deliberación social
propias del sistema democrático.
La participación de los ciudadanos en
las cuestiones de interés publico a través de
las redes telemáticas no se traduce
necesariamente en la intervención directa de
los ciudadanos en las decisiones colectiva.
El televoto, cada vez mas factible dada la
rápida difusión de las TICs en la población,
entraña posibles peligros. Sartori (1998)
previene contra los peligros de tomar a la
red como instrumento de acción política,
porque se anulan los sistemas de contrapesos
y balances propios del sistema representativo
y se facilita la instauración de un principio
mayoritario absoluto que puede violar el
principio de respeto a la minoría. La
experiencia norteamericana entre 1898 y
1918 demuestra que los instrumentos de la
INTERAÇÕES
Revista Internacional de Desenvolvimento Local. Vol. 1, N. 2, Mar. 2001.
Las Tecnologías de Información y Comunicación (TIC) en el Desarrollo Local:
gobierno electrónico y redes ciudadanas
democracia directa pueden servir tanto a
promover los derechos de las minorías como
a lesionarlos. Abundan los ejemplos de
discriminación racial, sexual, de género etc.
promovidas a través de iniciativas populares
y referéndum, al punto que se ha sostenido
que han sido un efectivo facilitador de
prejuicios (Cunil Grau, 2000).
Las redes electrónicas comunitarias
son mucho más que el hardware y el
software que las sustentan; reflejan el acceso
a un nuevo espacio de vinculación que
permite la aparición de distintos tipos de
organización social asociados al uso de las
herramientas informáticas (Carceglia y
Quiroga, 1999). Tal como menciona Douglas
Schuler (2000), “las redes electrónicas
comunitarias ofrecen una oportunidad
importante y excepcional para que las
comunidades desarrollen y administren y
una tecnología democrática”.
Los Municipios se suben a la Red
Los gobiernos municipales y locales son
actores fundamentales en esta nueva
geografía mixta (virtual y territorial), por
varias cuestiones En primer lugar, por una
cuestión estratégica y geopolítica: en tanto
los Estados-nación se ven inmersos en redes
variables de poderes y contrapoderes
globalizadas frente a las cuales pierden
soberanía y autonomía, delegando cada vez
más responsabilidades en los niveles
inferiores de gobierno, descentralizando
tareas y funciones para descomprimir los
crecientes niveles de demandas y garantizar
la gobernabilidad de los sistemas políticos,
los gobiernos locales asumen cada vez más
funciones y autonomía (esto último no
siempre se dá, dependiendo de la capacidad
de obtención de recursos propios que estos
tengan). Estos pueden implementar estrategias propias de desarrollo, estableciendo
alianzas con otros municipios dentro y por
fuera de los propios estados, conformando
redes, buscando nuevos mercados para sus
producciones, innovando y promoviendo el
surgimiento de nuevas actividades rentables,
promoviendo sus recursos, etc.
Las CMC o TICs, permiten establecer
nuevas formas de cooperación. Este es el caso
de la Red de Municipios Mariano Moreno,
23
el de la red de Webmasters Municipales o la
red URB-AL. En segundo lugar, por una
cuestión política, al permitir una mayor
integración en la medida en que, más que
agregar demandas, permiten desagregarlas
y articularlas, promoviendo espacios de
encuentro para la creación de consensos en
las localidades. En este sentido, si bien no se
ha extendido su uso aún, las CMCs constituyen una herramienta ideal para la elaboración de presupuestos participativos, planes
estratégicos, referendums y consultas populares, permitiendo una mayor gobernabilidad
a nivel local. Sin embargo, la utilización de
CMC por parte de los gobiernos locales, hasta
este momento, se ha limitado en la mayoría
de los casos al desarrollo de intranets, con el
fin de lograr una mayor eficiencia en el
procesamiento de las demandas, y a una
escasa utilización (o subutilización) de las
posibilidades de Internet, empleada más
como una “cartelera” virtual, como un push
media, que como una herramienta para la
participación ciudadana.
En pocos casos, se ha utilizado Internet
para transparentar las cuentas públicas y en
muy pocos casos para ofrecer servicios online (cobro de impuestos, reclamos, etc). En
este sentido, la utilización de las CMC
podemos decir que está siendo implementada basándose en una concepción estrecha
del concepto de gobernabilidad, que se limita
a plantear como centrales y excluyentes los
objetivos de eficacia, eficiencia y transparencia (en el sentido de accountability) y
en un concepto de “ciudadano” restringido
al de individuo - consumidor (abstraído de
su real situación en la sociedad) frente al
Estado, dejándo de lado la idea de
participación real en los debates y en la toma
de decisiones.
Si bien en muchos casos es mucho lo
que se ha hecho, no es suficiente. Los desafíos
son grandes y la velocidad de respuesta necesaria debe ser rápida. Por ejemplo, en el caso
del Gobierno de la Ciudad Autónoma de
Buenos Aires, si bien frente a lo que existía
anteriormente, el sitio www.buenosaires.gov.ar
resulta novedoso e innovador, son todavía
escasas las posibilidades de interacción, a no
ser por el formulario para enviar mails al jefe
de gobierno y las direcciones de e-mail de las
distintas secretarías. Uno puede consultar
INTERAÇÕES
Revista Internacional de Desenvolvimento Local. Vol. 1, N. 2, Mar. 2001.
Susana Finquelievich, Pablo Baumann e Alejandra Jara
24
información, pero no puede iniciar on-line
ningún trámite. No hay espacios para los
debates ni los reclamos. Una excepción a
destacar, sin embargo es el foro de debate
específico del portal educativo.
En la página de los Centros de Gestión
y Participación, el vecino puede consultar
cuál es el que corresponde a un domicilio
determinado y qué trámites pueden realizarse en ellos, no pudiéndo hacer más que
eso desde el sitio.
Una vuelta de tuerca más ha dado la
Legislatura, con su renovado sitio. Cualquier
ciudadano o grupo de ciudadanos puede
enviar un mail a cualquier legislador o
participar con alguno de ellos en un foro de
debate. Esta última iniciativa sería
prometedora y realmente innovadora, si
funcionara correctamente. Hasta el
momento no hemos podido participar en
ningún foro, porque la página está en
permanente construcción.
Conclusión
En un sistema en que el Estado Nación
pierde soberanía y se torna cada vez más
impotente para resolver los problemas
concretos de la gente, en el que los sistemas
políticos están en crisis poniendo en juego
su propia credibilidad ante los ciudadanos,
y en última instancia afectando a la misma
democracia, es cada vez más visible el rol de
los gobiernos locales como embriones de una
nueva política democrática. En primer lugar,
porque la tendencia es el crecimiento de una
autonomía en la elección de autoridades
locales, respecto a las lealtades o al voto para
autoridades nacionales, como ha quedado
demostrado en las últimas elecciones
nacionales. En segundo lugar porque el
control ciudadano sobre sus gobernantes se
hace más efectivo a nivel local, lo que
redunda en la construcción de una nueva
legitimidad política en dichos niveles. En
tercer lugar, porque los gobiernos regionales
y locales tienden a implementar procesos de
descentralización y participación ciudadana.
Castells (1998) observa:
“Cuando se suman los medios electrónicos (la
comunicación a través del ordenador o las
emisoras de radio y T.V. locales) para extender
la participación y consulta a los ciudadanos (por
ejemplo en Amsterdam o en la Prefectura de
Fukuoka), las nuevas tecnologías contribuyen a
aumentar la participación en el gobierno local.
Las experiencias de autogestión local, como la
desarrollada por la municipalidad de Cuiabá en
el Mato Grosso brasileño, muestran la posibilidad
de reconstruir vínculos de representación política
para compartir (si no controlar) los desafíos de
la globalización económica y el carácter
impredecible de la política”.
El otro pilar fundamental en la recreación de la democracia son las redes electrónicas comunitarias. Nuevos movimientos
sociales, organizaciones del tercer sector,
voluntariados, organizaciones no gubernamentales, utilizando y organizándose a
través de redes electrónicas, y telecentros
adquieren cada vez más una significación
política. Por un lado van ocupando los
lugares de los cuales el Estado de bienestar
va desertando. Por el otro van tejiendo una
nueva trama de solidaridades y lazos
sociales. Se conforman y actúan en red
porque saben que de esa manera tienen
mayor velocidad de reacción, porque pueden
compartir recursos y porque intuyen que es
la única manera de hacer frente a un poder
globalizado, concentrado y disperso a su vez
en redes de flujos de poder y riqueza.
Municipios on-line, redes electrónicas
comunitarias, quizás a partir de ellas se esté
recreando un nuevo concepto de ciudadanía
global, en la cual todos puedan ser
ciudadanos, sujetos de derechos y a sentirse
integrados política y socialmente en la
Sociedad de la Información.
Nota
1
Denominamos primer sector a lo concerniente a la
esfera de lo público estructurado en torno al Estado y
sus funciones, el segundo sector estaría conformado
por lo privado o el mercado y el tercer sector estaría
formado por las organizaciones de la sociedad civil.
Este artículo se basa en el texto de Susana Finquelievich,
Pablo Baumann y Alejandra Jara: Nuevos paradigmas
de participación ciudadana a través de las tecnologías
de información y comunicación, Documento de Trabajo
Nº 22, Instituto de Investigaciones Gino Germani,
Facultad de Ciencias Sociales, Universidad de Buenos
Aires, Febrero 2001.
Referencias bibliográficas
BAUMANN, Pablo. Usos sociales de las TIC. Gobiernos
locales y participación ciudadana. In: Finquelievich,
Susana. Ciudadanos, a la Red! Buenos Aires, Ciccus –
La Crujía, 2000.
INTERAÇÕES
Revista Internacional de Desenvolvimento Local. Vol. 1, N. 2, Mar. 2001.
Las Tecnologías de Información y Comunicación (TIC) en el Desarrollo Local:
gobierno electrónico y redes ciudadanas
BASSI, Roxana. Repport on E-commerce in Argentina
(www.cacenet.com.ar) and Gaiasur (planeta.
gaiasur.com.ar). 1999.
CARCEGLIA, Daniel; QUIROGA, Sol. Municipios online. Los panópticos de fin de milenio. ALAS XXII –
Concepción 10-99. Disponible en www.enredada.net
CASTELLS, Manuel. La Era de la Información.
Barcelona, Siglo XXI, 1998.
CUNIL GRAU, N. Repensando lo público a través de lo
social. CLAD, Nueva Sociedad, 2000.
CISLER, S. In: Artur Serra. The civic nets What they are,
how do they work? www.ac.upc.es, 1995.
FINQUELIEVICH, Susana. Redes electrónicas
comunitarias en la prevención de la salud mental.
www.enredando.com
_____. Los Derechos Ciudadanos en la Sociedad de la
Información. Publicado en En.red.ando, 1999.
www.enredando.com
FINQUELIEVICH, Susana; BAUMANN, Pablo; JARA,
Alejandra. Nuevos paradigmas de participación ciudadana
a través de las tecnologías de información y comunicación,
Documento de Trabajo Nº 22, Instituto de
Investigaciones Gino Germani, Facultad de Ciencias
Sociales, Universidad de Buenos Aires, Febrero 2001.
FINQUELIEVICH, Susana; SCHIAVO, Ester (coords.).
La ciudad y sus TICs. Buenos Aires, Universidad de
Quilmes, 1998.
FINQUELIEVICH, Susana (coord.). ¡Ciudadanos, a la Red!
Buenos Aires, La Crujía, 2000.
FINQUELIEVICH, Susana; JARA, Alejandra.
Community Informatics in Argentina. Act II,
SHAPING THE NETWORK SOCIETY, The Future
of the Public Sphere in Cyberspace, A Computer
Professionals for Social Responsibility Symposium,
www.scn.org/cpsr/diac-00, May 20 - May 23, 2000.
University of Washington HUB, Seattle, Washington,
USA
GARCÍA CANCLINI, S. Consumidores y Ciudadanos.
Buenos Aires, Grijalbo, 1995.
GURSTEIN, M.; Dienes, B. (June 1998). Community
enterprise networks: Partnerships for local economic
development. Paper presented at the Libraries ace
Leaders in Community Economic Development
conference, Victoria, BC. [Online]. ccen.uccb.ns.ca/
flexnet/CENs.html.
GURSTEIN, M. (Ed.) Community Informatics: Using
Technology to Enable Community Processes, Group
Publishing, Hershey PA, 2000.
JARA, Alejandra. Las redes comunitarias en el
ciberespacio. El caso de la Argentina. En: Susana
Finquelievich (coord.) ¡Ciudadanos, a la Red! Buenos
Aires, La Crujía, 2000.
RHEINGOLD, H. Virtual Community: homesteading on
the Electronic Frontier. Reading, Addison-Wesley,
1993.
ROBINSON, Scott. Telecentros en Mexico: desafíos y
posibilidades. In: Finquelievich, Susana. Ciudadanos,
a la Red! Buenos Aires, Ciccus – La Crujía, 2000.
SARTORI, Giovanni. Homo Videns. 1998.
SCHIAVO, Ester. Los Ciudadanos de la Sociedad de la
Información: entre los Señores del Aire y el Pueblo
Natal. In Finquelievich, Susana. Ciudadanos, a la Red!
Buenos Aires, Ciccus – La Crujía, 2000.
SCHULER, Douglas. Nuevas comunidades y nuevas
redes comunitarias. Construir nuevas instituciones
25
para enfrentar los desafíos. En Finquelievich, S.
Ciudadanos, a la red! Buenos Aires, Ciccus – La Crujía,
2000.
TOURAINE, Alan. La Transformación de las Metrópolis.
Revista La Factoría, n. 6 (1998) www.lafactoriaweb.com
WOLTON, D. La Comunicación Política: Construcción
de un Modelo. En El nuevo Espacio Público, 2000.
INTERAÇÕES
Revista Internacional de Desenvolvimento Local. Vol. 1, N. 2, Mar. 2001.
Democracia Representativa y Democracia Participativa
Representative Democracy and Participant Democracy
Democracia Representativa e Democracia Participativa
Antonio Elizalde
Universidad Bolivariana de Santiago (Chile)
Contato: [email protected]
Resumen: En el artículo se reflexiona sobre la democracia a partir de los desafíos que emanan de ella así como de los
desafíos que ella enfrenta en las sociedades actuales. Se analiza por otra parte la evolución y transformación de la
noción de ciudadanía y como afecta el operar democrático. Por último, se presentan nueve hipótesis respecto al futuro
de las democracias.
Palabras claves: Democracia participativa; Ciudadanía; Desarrollo a escala humana.
Abstract: Abstract: The article reflects on democracy, beginning with the challenges it gives rise to, as well as the
challenges faced by democracy in modern societies. On the other hand, the evolution and transformation of the notion
of citizenship is analysed together with this effect on democratic operations. Finally, nine hypotheses are presented
related to the future of democracies.
Key Words: Participant democracy; Citizenship; Development at human level.
Resumo: No artigo, reflete-se sobre a democracia a partir dos desafios que dela emanam, assim como sobre os
desafios enfrentados pela democracia nas sociedades modernas. Por outro lado, são analisadas a evolução e a
transformação da noção de cidadania e sua ação sobre as operações democráticas. Por último, apresentam-se nove
hipóteses em torno do futuro das democracias.
Palavras-chave: Democracia participativa; Cidadania; Desenvolvimento em escala humana.
“Es decir, que, por naturaleza, la ciudad es anterior a la casa y a cada uno de nosotros. Ya que el conjunto
es necesariamente anterior a la parte. Así que está claro que la ciudad es por naturaleza y es anterior a
cada uno. Porque si cada individuo por separado no es autosuficiente, entrará como las demás partes, en
función a un conjunto. Y el que no puede vivir en sociedad, o no necesita nada para su propia suficiencia,
no es miembro de la ciudad, sino una bestia o un dios” (Aristóteles, La Política, Libro I, cap.II)
Una breve reflexión inicial acerca de la
democracia
La democracia, decía alguien que no
recuerdo, es como el aire, mientras la
tenemos no nos damos cuenta de su existencia, pero cuando nos falta, hay que ver como
nos duele y como sentimos su ausencia.
Un destacado filósofo colombiano,
Estanislao Zuleta (1995), escribió algunas
profundas reflexiones sobre la democracia
que quiero compartir con ustedes.
Él afirmó que la democracia implica la
aceptación de un cierto grado de angustia,
ya que la democracia es la aceptación de la
angustia de tener que decidir por sí mismo,
y el pensar por sí mismo es más angustioso
que creer ciegamente en alguien. De ahí
entonces que la democracia es frágil. Su
fragilidad procede de que es difícil aceptar
el grado de angustia que significa pensar por
sí mismo, decidir por sí mismo y reconocer
el conflicto.
Nos señaló que la democracia implica
igualmente la modestia de reconocer que la
pluralidad de pensamientos, opiniones,
convicciones y visiones de mundo es
enriquecedora y que la propia visión del
mundo no es definitiva ni segura porque la
confrontación con otras podría obligarme a
cambiarla o a enriquecerla. La verdad no es
necesariamente la que yo propongo sino la
que resulta del debate, del conflicto; por tal
razón el pluralismo no hay que aceptarlo
resignadamente sino como el resultado de
reconocer el hecho de que los seres humanos,
no marchan el unísono como los relojes. Es
la existencia de diferentes puntos de vista,
partidos o convicciones algo que nos debe
llevar a la aceptación del pluralismo con
alegría, con la esperanza de que la confrontación de opiniones mejorará nuestros
puntos de vista. En tal sentido, para Zuleta,
la democracia es modestia, disposición a
cambiar, disposición a la reflexión autocrítica, disposición a oír al otro seriamente.
Afirmó asimismo que la democracia
implica igualmente la exigencia del respeto.
El respeto significa tomar en serio el pensamiento del otro: discutir con él sin agredirlo,
sin violentarlo, sin ofenderlo, sin desacreditar
su punto de vista, sin aprovechar los errores
que cometa o los malos ejemplos que
presente, tratando de saber que grado de
verdad tiene pero también al mismo tiempo
significa defender el pensamiento propio sin
caer en el pequeño pacto de respeto de
nuestras diferencias. En un debate seriamen-
INTERAÇÕES
Revista Internacional de Desenvolvimento Local. Vol. 1, N. 2, p. 27-36, Mar. 2001.
Antonio Elizalde
28
te llevado no hay perdedores: quien pierde
gana, sostenía un error y salió de él; quien
gana no pierde nada, sostenía una teoría que
resultó corroborada.
También Zuleta dice que debemos
reconocer que en el ser humano existen
profundas tendencias arcaicas contra la
democracia y, si queremos defenderla
realmente, debemos comenzar por reconocer
una de sus mayores dificultades: nuestros
orígenes no fueron democráticos. Para él, en
consecuencia la democracia es maduración.
La democracia no nos viene espontáneamente, sino como resultado de una
conquista, como aceptación de la angustia,
de la duda, de la duda sobre sí mismo y de
pasar por “la prueba de la duda”.
Nos señaló asimismo que somos
dogmáticos cuando no hacemos el esfuerzo
por demostrar. “La demostración es una gran
exigencia de la democracia porque implica
la igualdad: se le demuestra a un igual; a un
inferior se le intimida, se le ordena, se le
impone; a un superior se le suplica, se le
seduce o se le obedece. La demostración es
una lección práctica de tratar a los hombres
como nuestros iguales.”
estado griegas. Outhwaite y Bottomore
(1993) afirman claramente que “la democracia de la antigua Grecia fue democracia
directa: el pueblo gobernaba reuniéndose en
asamblea y tomando directamente las
decisiones políticas básicas.”
Más aún los procesos de globalización
y la conformación de megaestados al estilo
de la Unión Europea, hacen aún más
improbable el retorno hacia formas de
democracia directa. Ello en razón de que la
diversidad, complejidad y magnitud de los
problemas y sobre las cuales se debe tomar
día a día decisiones y que constituyen
habitualmente el ejercicio del accionar
democrático, hacen imposible que ellas sean
adecuadamente oportunas, eficaces,
informadas, legítimas e impersonales,
atributos estos entre otros que deben tener
las decisiones públicas en sociedades
complejas como las nuestras.
Surge aquí la necesaria consideración
de la tensión y a la vez complementariedad
que debe existir entre lo micro y lo macro,
entre lo global y lo local, entre lo societal y lo
comunitario (o la escala humana).
La emergencia de la multiculturalidad
Desafíos a la democracia
En la actualidad la democracia en
cuando sistema político propio de las
sociedades políticas modernas, enfrenta un
conjunto de desafíos que pueden ser a la vez
vistos como oportunidades o como amenazas. ¿Cuáles son estos nuevos desafíos?
El tamaño de la polis o el tema de la escala
humana
La creciente expansión que en términos demográficos han tenido todas las sociedades modernas ha desbordado el antiguo
concepto de la polis aristotélica, que era el
espacio en el cual se conformó la noción y el
ejercicio de la democracia. Nuestras ciudades, y que decir de nuestros estados naciones,
ya no tienen la escala que tenían las ciudades
griegas donde surgió la democracia y donde
fue posible desarrollar formas de democracia
directa o participativa. Nada de lo público
(de los asuntos de la polis) le era ajeno a los
ciudadanos que habitaban las ciudades
Hemos experimentado en los años
recientes un rápido tránsito desde sociedades
monoculturales o donde predominaba una
cultura única casi hegemónica a sociedades
multiculturales, donde coexisten muchas
culturas. Ello implica que hemos transitado
desde sociedades con visiones relativamente
compartidas que se traducían en una
posibilidad más fácil de lograr consensos a
sociedades donde coexisten personas que
sustentan creencias y concepciones respecto
a la realidad y a la naturaleza humana muy
diferentes, lo cual dificulta la elaboración de
acuerdos y la construcción de consensos.
El aumento del capital social
En nuestras sociedades se ha incrementado notoriamente el capital social
disponible entre sus ciudadanos. El aumento
de los niveles educativos de la población y la
casi desaparición del analfabetismo, no sólo
ha aumentado la población que puede y
debe participar en los procesos electorales,
INTERAÇÕES
Revista Internacional de Desenvolvimento Local. Vol. 1, N. 2, Mar. 2001.
Democracia Representativa y Democracia Participativa
incrementado así la ciudadanía electoral,
sino que también al hacer posible el acceso
generalizado a la información disponible en
sociedades que se comunican preferentemente por medio de la lectoescritura, ha
aumentado los niveles de conciencia respecto
a derechos humanos y las expectativas en
relación al mejoramiento de la calidad de
vida de la población, generando a su vez una
creciente demanda participativa.
El problema no resuelto de la inclusión
Hasta hace dos décadas, cuando se
hablaba de los pobres se hacía referencia a
la pobreza por déficit de integración, es decir
aquella parte de la población que no había
logrado integrarse a la vida moderna. Los
extremadamente pobres eran quienes no
habían experimentado un desarrollo cultural
y laboral como el requerido por el proceso
social moderno, y constituían un cierto
porcentaje de la sociedad que se aglomeraba
en la periferia de las grandes ciudades.
En síntesis, aquella marginación resultaba de la reorganización de la economía y la
estructura social que se verificaba por la
expansión de las formas industriales y
estatales modernas, que fueron desplazando
y desarticulando el tejido social y las
actividades de producción, distribución y
consumo tradicionales, afectando especialmente a los grupos sociales indígenas,
campesinos y artesanales. Como el sector
moderno crecía y manifestaba capacidades
para absorver fuerzas de trabajo y satisfacer
demandas de consumo, se producía
adicionalmente un efecto de atracción para
muchos que abandonaron prematuramente
sus formas de vida tradicionales y emigraron
hacia las ciudades en busca de otros modos
de vida. Pero los que no lograron integrarse,
no pudiendo tampoco darle en el contexto
marginal urbano un uso a sus capacidades y
destrezas laborales correspondientes a esos
modos de producción campesinos y
artesanales, encontraban sólo en la acción
social del sector público sus posibilidades de
sobrevivencia y de reinserción. Su actividad
social tendía a expresarse, entonces,
fundamentalmente en términos reivindicativos y de presión; pero también evidenciaron
capacidades propias en la solución de los
29
problemas más urgentes, especialmente en el
ámbito de la vivienda mediante la ocupación
de terrenos y el sistema de autoconstrucción
y mejoramiento progresivo de la vivienda.
Aquella, pobreza y marginación
residual, sigue existiendo en la actualidad.
Pero el mundo de los pobres es hoy mucho
más numeroso, porque ha sido engrosado por
una masa de personas que, habiendo
anteriormente alcanzado algún grado de
participación en el mundo laboral y en el
consumo y la vida moderna, han experimentado luego procesos de exclusión:
cesantía, pérdida de beneficios sociales,
subempleo, etc. Lo que ha sucedido es, en
síntesis, que el proceso industrial y estatal
moderno, no sólo no pudo absorver todas
las fuerzas de trabajo y las necesidades
sociales que crecían junto con la población,
sino que incluso comenzó a expeler a una
parte de quienes había en algún momento
incorporado. Este fenómeno de la exclusión
no sólo afecta a los sectores populares y al
mundo obrero, sino también a capas sociales
medias que se han visto rápidamente
empobrecidas por la pérdida de empleo y de
beneficios sociales que habían mantenido en
muchos casos por períodos prolongados. La
pobreza en que caen estas familias resulta
en ocasiones extremadamente dura, pues la
experimentan por primera vez y no han
desarrollado las estrategias de supervivencia
cotidiana que son connaturales a la
experiencia de la pobreza vivda desde la
infancia. Se verifica también un proceso que
puede entenderse como de inversión del
ascenso social de una generación a otra:
muchos jóvenes populares que habían
accedido a la educación moderna y que
adquieren por su intermedio las destrezas
necesarias para insertarse en el mundo del
trabajo, no encuentran las oportunidades de
hacerlo y recaen en la pobreza.
Algunas disgresiones sobre la
ciudadanía
El concepto de ciudadanía en su
acepción actual hace referencia a tres
dimensiones presentadas hace casi cuarenta
años atrás en el trabajo clásico de Thomas
H. Marshall (1965). En su análisis distingue
el surgimiento de los derechos propios de la
INTERAÇÕES
Revista Internacional de Desenvolvimento Local. Vol. 1, N. 2, Mar. 2001.
30
Antonio Elizalde
ciudadanía en tres momentos que se
materializaron en Inglaterra en tres siglos
sucesivos: derechos civiles que aparecen en
el siglo XVIII; derechos políticos que se
afirmaron en el siglo XIX; y derechos sociales
que se establecen en el siglo XX.
Desde esta perspectiva es ciudadano
“aquel que en una comunidad política goza
no sólo de derechos civiles (libertades
individuales), en los que insisten las tradiciones liberales, no sólo de derechos políticos
(participación política), en los que insisten
los republicanos, sino también de derechos
sociales (trabajo, educación, vivienda, salud,
prestaciones sociales en tiempos de especial
vulnerabilidad)” (Cortina, 1997:66).
Nuestras sociedades, actuando
reflejamente, fueron desarrollando estos
derechos ciudadanos que implicaron
momentos distintos en su desarrollo histórico,
la libertad de desplazamiento y de trabajo
respecto a la tierra (derechos civiles) para las
grandes mayorías campesinas fueron sólo
hace muy poco tiempo plenamente logrados.
Recordemos que en la formación social
histórica propia de la colonia, fueron la
plantación y la encomienda las formas
productivas dominantes en nuestra agricultura, las cuales se sustentaron en la
esclavitud y en el inquilinaje como formas
de trabajo, ambas sin libertad de trabajo ni
de movimiento.
El momento de la conformación de
nuestros estados naciones se llevó a cabo
mediante procesos de integración nacional
que requirieron el desarrollo de derechos
políticos para sustentar una forma de
gobierno independiente distinta a la
monarquía colonial. Derechos estos que se
fueron extendiendo en la medida que
surgieron crecientes demandas de legitimidad y a la vez de gobernabilidad.
Los derechos sociales han sido, en
nuestro caso latinoamericano, el resultado
de largas y dolorosas, e incluso cruentas
luchas sociales. No ha sido fácil la conquista
de esos derechos por parte de las mayorías
de nuestro continente.
Hoy, sin embargo, confrontamos una
tensión entre una noción restringida y una
noción ampliada de ciudadanía. Hasta hace
no más de una década predominaba y se
valoraba como tal a un sólo un tipo de
ejercicio ciudadano, el de tipo político. Existía
en el imaginario colectivo una concepción
fuerte de ciudadanía, aquella que transitaba
por la militancia partidaria, la permanente
preocupación por lo político electoral, la
referencia a grandes utopías y propuestas
transformadoras globales.
Actualmente, sin embargo, se evidencia un desinterés creciente por la política
partidaria y por los procesos electorales
(aumento de la no inscripción en los registros
electorales, abstencionismo y aumento de los
votos nulos y en blanco).
¿Es posible deducir de lo anterior un
desinterés por lo público, por la política, por
el interés general o por el bien común?
Aparentemente se podría concluir que
si, no obstante, es necesario considerar que
en los años recientes se ha ido configurando
una práctica ciudadana que ha ampliada la
noción de ciudadanía. Han surgido nuevas
formas de ejercicio ciudadano: nuevos
movimientos sociales tales como feministas,
ecologistas, consumidores, reivindicaciones
étnicas, etc.; y también nuevas formas de
organización social: organizaciones de
consumidores, organizaciones de usuarios de
servicios, etc.
Hay algunos autores que señalan
incluso el surgimiento de una concepción
“débil” o “leve” de la democracia. Según
Brunner, por ejemplo, subyacen hoy dos
concepciones de la democracia. La
concepción “fuerte” o “densa” y una “débil”
o “leve”. Él afirma que:
“Para la primera concepción, lo que vale es el
idioma de la participación política, la cooperación
colectiva y la capacidad de tomar parte en la
deliberación pública. Para la segunda, lo que
interesa es el desarrollo de capacidades
individuales y el involucramiento en redes
asociativas que hacen posible satisfacer
necesidades personales, sea a nivel de la familia,
el trabajo, el mercado o la cooperación
voluntaria” (Brunner, 1997:28).
Creo importante, por último, hacer
referencia al surgimiento de la dimensión
internacional de la ciudadanía. Muchas
personas encuentran sus referentes tanto en
el plano de sus concepciones como de sus
actuaciones en organizaciones ciudadanas
internacionales: Amnesty International,
Green Peace, etc.
INTERAÇÕES
Revista Internacional de Desenvolvimento Local. Vol. 1, N. 2, Mar. 2001.
Democracia Representativa y Democracia Participativa
Hipótesis respecto al devenir de nuestras
democracias
Con el telón de fondo que esquemáticamente he presentado, quiero ahora
compartir un conjunto de nueve hipótesis
que buscan resumir una necesaria reflexión
y debate de mucho más largo aliento sobre
el tema de la democracia.
Hipótesis 1: Estamos transitando desde
una forma de ejercicio democrático de
carácter elitario (de minorías) donde las
mayorías delegaban en aquellas su representación, y así la toma de decisiones, a una
forma de ejercicio democrático donde las
mayorías quieren hacerse presentes también
en la toma de decisiones.
De un modelo de democracia y de
organización política donde sólo unos pocos
pensaban y otros, la gran mayoría,
ejecutaban (absolutismo, regímenes de
fuerza, centralización, etc.) a otro modelo
donde todos piensan y ejecutan (descentralización, desconcentración, regionalización,
municipalización, etc.).
Ello se debe a varias causas:
a) el incremento generalizado de la
escolaridad, a la reducción de los niveles de
analfabetismo, haciendo posible así la
participación de todos en la información
escrita que fluye en las sociedades modernas.
b) la expansión y masificación de los
medios de comunicación, para los cuales no
hay barreras o fronteras posibles, y que hoy
llegan incluso a los lugares más apartados,
llevando al conocimiento de otras formas
de vida.
c) los recientes aportes provenientes
desde el ámbito de la reflexión científica y la
filosófica, en particular de la ética y de la
filosofía política que introduce varias
nociones nuevas, entre otras se pueden
mencionar las siguientes:
1. los sistemas para mantenerse ordenados (no disiparse) requieren de la novedad
que aporta la singularidad de todos sus
integrantes (cada ciudadano sabe algo que
el sistema necesita)
2. la noción de etnocentrismo, que nos
hace ver que “la retórica que los occidentales
usamos para tratar de hacer a todo el mundo
más similar a nosotros mejoraría si fuéramos
más francamente etnocéntricos y menos
31
pretendidamente universalistas” (Rorty,
1998:123)
3. la noción de justicia como lealtad
ampliada. Esta noción hace posible explicitar
dilemas morales presentes en nuestras
democracias expresados en la siguiente
pregunta: ¿hay que contraer el círculo de los
beneficiados por lealtad o expandirlo por
justicia?
4. la noción de multiculturalidad y la
ética de mínimos. Estamos transitando de
sociedades con una cultura única hacia
sociedades multiculturales, a las primeras
pudo corresponder la existencia de una ética
de máximos, propia de una sociedad y una
cultura con una cosmovisión compartida de
origen filosófico y religioso. Pero en sociedades multiculturales es necesaria una ética
de mínimos propia de sociedades caracterizadas por el pluralismo, es decir por la
coexistencia de distintas visiones filosóficas
y religiosas, y por tanto por concepciones
diferentes respecto a la forma de interpretar
la realidad y el sentido de la vida y de lo
humano. La ética mínima o de mínimos dice
relación con aquellos consensos básicos
construidos en sociedades plurales, pero que
son imprescindibles para perseguir colectivamente la felicidad humana, los cuales han
sido queridos por los afectados, tras un diálogo celebrado en condiciones de simetría.
Hipótesis 2: Hay una creciente pérdida
del monopolio de lo político por parte de los
partidos políticos. Las actuales formas de
organización del sistema político requieren
profundos cambios porque ya no dan
adecuada cuenta de las crecientes demandas
provenientes de las nuevas formas de
ciudadanía.
Todo el sistema político se configuró
siguiendo el esquema de las iglesias o sectas.
Se crearon organizaciones con el propósito
de luchar por el logro del control del aparato
del estado, ya sea para transformar la
sociedad o para mantenerla tal cual era. Su
estructura fue copiada siendo muy similar
al de las organizaciones religiosas: iglesias,
congregaciones o sectas. Se definía un conjunto de verdades absolutas (el programa
partidario), de allí derivaban ciertas formas
de comportamiento entre quienes subscribían ese programa quienes por tal hecho
pasaban a ser integrantes de esa organi-
INTERAÇÕES
Revista Internacional de Desenvolvimento Local. Vol. 1, N. 2, Mar. 2001.
32
Antonio Elizalde
zación, fieles o militantes de esa causa.
Se crearon diversas jerarquías internas
algunas formales y explícitas y otras informales (tácitas). Periódicamente se producían
escisiones, debido a discrepancias que no
habían podido ser resueltas (habitualmente
en torno a cuotas de poder o a negociaciones
con grupos externos) transformándose en
herejías que eran fuertemente combatidas.
Sin embargo, todos estos conflictos terminaban sólo siendo pugnas internas de muy
pequeños grupos (los dirgientes) que disputaban y detentabsn el poder, quedando
absolutamente ausentes a estas dinámicas las
grandes mayorías partidarias (las bases o
militancia).
Hipótesis 3: No bastan ya los principios
clásicos de la democracia representativa:
división de poderes del estado, alternancia
en el poder de las autoridades, consultas
periódicas a la ciudadanía en procesos
electorales, radicación de la soberanía en el
pueblo, etc. Se requiere diseñar e introducir
nuevos principios que aseguren una real y
efectiva democracia.
Como se señala en el Desarrollo a
Escala Humana (1986):
“Sólo un estilo de desarrollo orientado a la
satisfacción de las necesidades humanas puede
asumir el postergado desafío de hacer crecer a
toda la persona y a todas las personas. Sólo la
creciente autodependencia en los diversos
espacios y ámbitos puede enraizar dicho
desarrollo en el Continente Latinoamericano.
Sólo el inclaudicable respeto a la diversidad de
los innumerables mundos que habitan en el
ancho mundo de América Latina garantiza que
esa autonomía no se confine al jardín de las
utopías. Sólo el fomento y la articulación de estas
diversidades en un proyecto político democrático, desconcentrador y descentralizador
puede potenciar los recursos sinérgicos
indispensables para la decantación de un
desarrollo a la medida del ser humano.”
“El Desarrollo a Escala Humana no excluye
metas convencionales como crecimiento
económico para que todas las personas puedan
tener un acceso digno a bienes y servicios. Sin
embargo, la diferencia respecto de los estilos
dominantes radica en concentrar las metas del
desarrollo en el proceso mismo del desarrollo.
En otras palabras, que las necesidades humanas
fundamentales pueden comenzar a realizarse
desde el comienzo y durante todo el proceso de
desarrollo; o sea, que la realización de las
necesidades no sea la meta, sino el motor del
desarrollo mismo. Ello se logra en la medida en
que la estrategia de desarrollo sea capaz de
estimular permanentemente la generación de
satisfactores sinérgicos.”
“Integrar la realización armónica de necesidades
humanas en el proceso de desarrollo significa la
oportunidad de que las personas puedan vivir
ese desarrollo desde sus comienzos, dando
origen así a un desarrollo sano, autodependiente
y participativo, capaz de crear los fundamentos
para un orden en el que se pueda conciliar el
crecimiento económico, la solidaridad social y el
crecimiento de todas las personas y de la persona
toda.”
Hipótesis 4: El concepto de participación ha ido perdiendo su carácter crítico,
revolucionario o amenazante para el statu
quo, y transformándose y adquiriendo un
carácter eminentemente instrumental.
Se ha producido una tránsito desde la
participación vista como una utopía deseable
al de una suerte de panacea o vademecum,
convirtiéndola en un instrumento imprescindible para resolver los problemas de la
planificación e incluso la gestión de políticas
y proyectos.
En los años 60 la participación fué
introducida como una estrategia mediante
la cual resolver los déficit de integración
social de nuestras sociedades (Alianza para
el Progreso, Promoción Popular, etc.). En los
años 70 se la concibió como la forma
principal mediante la cual lograr transformaciones estructurales en nuestras sociedades (diversos frentes populares, Castroguevarismo, Sandinismo, etc.). En los años
80 durante la regresión autoritaria en el
continente se la interpretó como una amenaza a los bloques de poder internos y externos
(Guerra Fría, Doctrinas de Seguridad
Nacional). En los años 90 se la vió como un
mecanismo de recuperación y de ampliación
de la democracia. En los años más recientes
se la ha comenzado a ver como una forma
de operacionalizar y legitimar social y
políticamente las propuestas desarrollistas
vigentes (en 1996 el Banco Mundial publica
el libro maestro sobre participación, en 1997
el BID publica el libro de consulta sobre
participación, durante la década la GTZ
introduce y masifica el método ZOPP y desde
el mundo anglosajón se introduce y difunde
el marco lógico).
Hipótesis 5: Estamos viviendo un
tránsito inevitable hacia una democracia
global, hacia una democracia cosmopolita.
La constitución de un espacio unificado a nivel mundial, en la práctica la
INTERAÇÕES
Revista Internacional de Desenvolvimento Local. Vol. 1, N. 2, Mar. 2001.
Democracia Representativa y Democracia Participativa
conformación progresiva de un sólo territorio
plantea preguntas acuciantes respecto al
tamaño y carácter de las actuales democracias nacionales. La pregunta surge
cuando se constata la existencia de agentes
económicos cuya magnitud de operaciones
excede con creces la importancia económica
de la mayor parte de los estados nacionales.
Aparecen en forma evidente la enorme
debilidad que tienen las economías nacionales frente a eventuales intervenciones
(agresiones) del capital financiero internacional. Recordemos los varios miles de
millones de dólares que debió desembosar en
unas pocas semanas el Banco Central de
Brasil para defender el valor del real. ¿Quién
y desde dónde se regula al capital financiero
internacional? Se está planteando un
neokeynesianismo de nivel planetario para
enfrentar las crisis económicas globales cada
vez mayores y más recurrentes.
Pero a la vez surgen nuevos delitos que
transgreden las fronteras nacionales, como
los delitos informáticos o el terrorismo de
carácter internacional. Avanzan por otra
parte, la conciencia universal respecto a los
Derechos Humanos y a la necesidad de
sancionar a sus violadores, como lo demostró
el affaire Pinochet.
El Fondo Monetario Internacional y la
Organización Mundial de Comercio
adquieren una influencia y poder casi
omnímodo sobre los Ministerios de Hacienda
y Bancos Centrales de nuestras débiles
economías.
Hipótesis 6: La globalización genera
también elementos nuevos en el accionar de
la sociedad civil y se comienza a constituir
una sociedad civil de carácter planetario.
Hoy observamos la globalización de los
movimientos sociales: ecologistas, indigenistas, feministas, defensores de los Derechos
Humanos, consumidores, etc. Esta es una
nueva realidad que se va conformando
rápidamente con notables expresiones de
capacidad de convocatoria y movilización
como lo demostró recientemente lo ocurrido
en Seattle en la última reunión de la OMC.
Hay que tener cuidado con el
surgimiento de lecturas paranoicas, del tipo
de comenzar a conjeturar conspiraciones
internacionales propias del esquema de
guerra fría ya superado.
33
Cada grupo al interior de un país cuyos
intereses se vean afectados tenderá a
desarrollar visiones interpretativas de tipo
conspirativo, demonizante o inquisitorial,
apelando a nacionalismos estrechos. Detrás
de esas miradas y conductas hay un riesgo
de caer en fundamentalismos de todo tipo.
Es lo que está ocurriendo en el mundo
islámico y también en la apreciación que
sectores integristas de la Iglesia Católica
tienen respecto al crecimiento de otras
congregaciones cristianas de origen evangelista o pentecostal, y más aún respecto a
iglesias o sectas de otros orígenes.
Hipótesis 7: Es necesaria más sociedad
para gobernar el futuro. La democracia
requiere de más sociedad (Informe Desarrollo
Humano Chile 2000).
El tercer Informe sobre Desarrollo
Humano en Chile 2000 recientemene entregado por el PNUD intenta responder al pregunta ¿Cómo incrementar las capacidades
de gobierno de los chilenos? La propuesta
de respuesta es simple: “Chile requiere más
sociedad para gobernar el futuro. Hay que
mejorar la calidad de la vida social para que
los chilenos puedan incidir efectivamente
sobre la marcha del país.”
El informe trabaja sobre tres áreas
estratégicas del desarrollo.
“Por una parte, una sociedad fuerte supone la
existencia de algunas aspiraciones compartidas.
Tales ‘sueños colectivos’ esbozan horizontes de
futuro en miras de los cuales pueden aunarse
esfuerzos.
Por otra parte, la calidad de la vida
social depende de la trama asociativa y del
‘capital social’. Las capacidades sociales de
las personas aumentan cuando se consolidan
relaciones de confianza y cooperación en los
diversos ámbitos.
Por último, la fortaleza de la sociedad
se mide por el vigor de la acción ciudadana.
Esta es la forma que mejor expresa la voluntad y capacidad de determinar el destino de
la nación. Los tres aspectos se relacionan
entre sí y esa interdependencia indica la
capacidad de gobierno y la sustentabilidad
social que tiene el desarrollo de Chile para
hacer frente a los desafíos del siglo entrante”.
Hipótesis 8: Es necesaria hoy la
configuración de un sentido fuerte de
ciudadanía con la construcción y defensa de
lo público mediante la participación
INTERAÇÕES
Revista Internacional de Desenvolvimento Local. Vol. 1, N. 2, Mar. 2001.
34
Antonio Elizalde
democrática sin exclusiones en el ámbito del
uso ético de la razón práctica. Esto será
posible gracias a la conformación del “poder
comunicativo” (Arendt) como competencia
ciudadana en el espacio público y como
génesis de la “política deliberativa” y del
“patriotismo constitucional” (Habermas).
Ello requiere la existencia de un pluralismo razonable que implica reconocer al otro
como diferente pero a la vez como interlocutor
válido. Esto es como un “legítimo otro”
usando los conceptos de H. Maturana (1990).
Requiere al a vez la búsqueda de consensos
que apunten a la inclusión del otro y a regular
la xenofobia y en particular lo que Adela
Cortina llama la aporofobia (odio al pobre).
Para ello es fundamental reconocer
que la base de sustentación de la democracia
radica en el reconocimiento del necesario
“límite a las diferencias”, más allá del cual
se arriesga el desplome democrático y el
surgimiento del síndrome autoritario con
todos sus excesos.
Hay que recordar que la democracia
en la polis se fue constituyendo en el diálogo
y en el debate realizado en torno al mercado,
al foro o plaza pública, al templo y al coliseo,
plaza de toros o estadio. La democracia
necesita del espacio público para florecer.
Hipótesis 9: La continuidad y la profundización democrática requiere de una cultura
democrática arraigada en la vida cotidiana
(en el mundo de la vida al decir de Habermas).
La democracia se siembra en el comportamiento cotidiano de los ciudadanos. No
surge del aire, es algo que se construye (o se
destruye) en el día a día.
¿Cómo construir una cultura
democrática? ¿Cómo afianzar la democracia
a partir de la vida concreta de las personas?
¿Cómo hacer para que cada uno de nosotros
se sienta parte y responsable de la
democracia que aspiramos vivir? ¿Cómo
conectar las conductas cotidianas de las
personas con los éxitos o fracasos democráticos? Estas son preguntas que expresan la
necesaria reflexión en la búsqueda de una
democracia participativa, donde sea el
ciudadano quien ejerza, en el proceso de la
cotidianeidad, sus funciones de constituyente
primario; es la búsqueda de la democracia
en cada uno, en el proceso de aprender cada
día a convivir con otros.
“Entendemos por cultura democrática o
democracia de la cotidianeidad, formas de
conducta que generadas en las dimensiones
micromoleculares de la sociedad ( microorganizaciones, espacios locales, relaciones a
escala humana), estimulan, a la vez que respetan,
el surgimiento de los potenciales contenidos en
la diversidad, haciendo posible así conciliar
participación con heterogeneidad. Afirmándonos en un principio sistémico ecológico,
suponemos que el fomento de la diversidad es
positivo, por cuanto: la vulnerabilidad de un
sistema vivo es inversamente proporcional a la
diversidad que contiene” (Max-Neef y Elizalde,
1989: 3-4).
La cultura autoritaria está en la fábrica
y en la oficina, en el taller o en la sala de
clase, en la familia o en la iglesia, en el
partido político, en la relación entre municipios y comunidades, en la forma como se
distribuye el ingreso, en la administración de
la justicia y en las cárceles, en el trato a los
ancianos y a los niños, en la discriminación
sexual y étnica. Asentadas desde un extremo
a otro de la sociedad, y reproducidas en la
relación entre Estado y Sociedad Civil, las
costumbres coercitivas tienen su arraigo más
básico en lo cotidiano: en la casa y en el trabajo, en las relaciones diarias y permanentes.
De ahí entonces que si deseamos la
consolidación de la democracia política, la
base más sólida sobre la cual ésta puede
sustentarse es la democracia de la
cotidianeidad. La relación entre el Estado y
la Sociedad Civil es, simultáneamente,
productora y producto de múltiples
relaciones que se forjan al interior del tejido
social. Revertir el carácter autoritario que ha
ido asumiendo el Estado en nuestros países
exige fortalecer la vida democrática, pero
entendida ésta no solamente como la
expresión de las prácticas políticas sino que
del conjunto de nuestra existencia cotidiana.
No hay democracia compatible con la
discriminación y con el trato vejatorio hacia
otras personas, con la violencia ejercida en
cualquier grado o tipo sobre otros seres
humanos, con la violación de cualquier
derecho humano. No hay democracia
posible sin un respeto profundo por toda
forma de vida, sin una preocupación y
compromiso cotidiano por las necesidades
humanas fundamentales, sin el protagonismo permanente de las personas. Es
nuestra existencia cotidiana la que va
cristalizando en una cultura democrática, en
INTERAÇÕES
Revista Internacional de Desenvolvimento Local. Vol. 1, N. 2, Mar. 2001.
Democracia Representativa y Democracia Participativa
la producción de democracia como régimen
o estrategia de vida.
Ella es intrínsecamente antinómica con
la existencia de dobles estándares, con la
violación de los compromisos adquiridos, con
el engaño y la mentira en la relación con otros,
con todo tipo de imposición o de coacción
física o moral, con el aprovechamiento de los
más debiles, con la competencia desenfrenada, con la ausencia de crítica, con el estímulo de las pasiones e instintos individualistas, con las verdades absolutas, con todo
tipo de milenarismo o solución final; es decir
en síntesis: con la ausencia de un profundo
amor por la vida y por la diversidad.
La democracia, así entendida, implica
transitar desde las concepciones tradicionales de una democracia gobernada a una
democracia gobernante, y avanzar desde la
concepción liberal de una democracia que
proporciona garantías a los ciudadanos
hacia el concepto de democracia social, la
cual se orienta hacia la satisfacción de las
necesidades humanas fundamentales de las
personas y asegura los derechos económicos
y sociales de los integrantes de la sociedad.
Conferencia en la Universidad San Francisco de Asís,
La Paz, Bolivia en el seminario taller preparatorio del
Diálogo Nacional “Sistema Político y Profundización
Democrática” el día 11 de julio de 2000.
Referencias bibliográficas
BRUNNER, José Joaquín. Ciudadanía y participación.
In: Revista Avances de Actualidad, n. 28, Santiago, 1997.
CORTINA, Adela. Ciudadanos del Mundo. Hacia una teoría
de la ciudadanía. Madrid, Editorial Alianza, 1997.
MARSHALL, T. H. Social Poliy in the Twentieth Century.
Londres, Hutchison, 1965.
MATURANA, Humberto. Emociones y Lenguaje en
Educación y Política. Santiago, Chile, 1990. (Colección
Hachette/Comunicación).
MAX-NEEF, M.; Elizalde, A. Introducción, en Sociedad
Civil y Cultura Democrática: mensajes y paradojas.
Santiago, CEPAUR, 1989.
MAX-NEEF, M.; Elizalde, A.; Hopenhayn, M. Desarrollo
a escala humana: una opción para el futuro. Uppsala,
CEPAUR-Dag Hammarskjold Foundation, 1986.
OUTHWAITE, W.; BATTOMORE, T. The Blackwell
dictionary of twentieth-century social thought. Blackwell
Publishers, Oxford, 1993.
RORTY, Richard. Pragmatismo y Política. Barcelona,
Paidós, 1998.
ZULETA, Estanislao. Educación y Democracia, un campo
de combate. Corporación Tercer Milenio y Bogotá.
Fundación Estanislao Zuleta, 1995.
INTERAÇÕES
Revista Internacional de Desenvolvimento Local. Vol. 1, N. 2, Mar. 2001.
35
Asentamientos Humanos y Desarrollo Local
Human Settlements and Local Development
Assentamentos Humanos e Desenvolvimento Local
Alicia Rivero-Iwasita
SERCAL – Capítulo Argentino
Contato: [email protected]
Resumen: Esta es una reflexión sobre la necesidad de planificar, en forma estratégica, los proyectos habitacionales
para sectores de bajos ingresos insertándolos en el marco del desarrollo económico local. Se trata de sumarle a la
provisión de vivienda e infraestructura y servicios básicos los elementos necesarios para la producción y la
reproducción social de sus habitantes y de contribuir a la formación de comunidades capaces de transformarse en
agentes de su propio desarrollo. La primeras reflexiones de la autora acerca de la problemática surgieron en el
marco de una investigación sobre asentamientos humanos y vivienda en El Salvador de posguerra.
Palabras claves: Asentamientos Humanos; Planificación estratégica; Desarrollo Económico Local.
Abstract: This is a reflection on the necessity of strategically planning the housing projects for the low income
sectors, inserting them in the framework of the local economic development. In addition to providing housing,
basic infrastructure and services, the necessary conditions for the production and social reproduction of the
inhabitants must be given. The planning must contribute to the formation of communities able to produce their
own development. First ideas on this issue arose in the framework of a research on human settlements and housing
in El Salvador of the post-war.
Key words: Human Settlements; Strategically Planning; Local Economical Development.
Resumo: Esta é uma reflexão sobre a necessidade de planejar, de forma estratégica, os projetos habitacionais para
camadas de baixa renda, inserindo-os no âmbito do desenvolvimento econômico local. Trata-se de somar, à provisão
de moradia, infra-estrutura e serviços básicos, os elementos necessários para a produção e a reprodução social de
seus habitantes, assim como contribuir para a formação de comunidades capazes de transformarem-se em agentes
de seu próprio desenvolvimento. As primeiras reflexões da autora em torno do problema surgiram no âmbito de
uma pesquisa sobre assentamentos humanos e moradia no El Salvador do período pós-guerra.
Palavras-chave: Assentamentos humanos; Planejamento estratégico; Desenvolvimento econômico local.
1. Introducción
La provisión de vivienda e infraestructura básica para la población de bajos
ingresos de los países en desarrollo es un
desafío que los responsables sectoriales, en
general, no han podido enfrentar con el
necesario éxito, ni aún con la colaboración de
la cooperación internacional.
Hoy, en América Latina se puede hablar
de un desarrollo del sector caracterizado por
los siguientes factores determinantes: un
avance positivo materializado en la adopción
de medidas alternativas y/o innovadoras por
parte de las instituciones responsables del
sector, acompañado de una tendencia a su
democratización así como una diversificación
de los actores intervinientes, y por otro lado
por el reinado de las políticas neoliberales
cuyos ajustes y prioridades dejan escasos
fondos para realizar los respectivos proyectos
o programas, constatándose una acelerada
tendencia a la exclusión de los sectores
sociales en cuestión.
Entre algunos de los nuevos objetivos
perseguidos por los organismos de vivienda
y desarrollo urbano de la región se
encuentran: la implementación de medidas
de apoyo más integrales para los sectores de
bajos ingresos, condiciones de financiamiento
más apropiadas, una mayor integración del
sector privado y de las ONGs en la ejecución
de las medidas, el mejoramiento del marco
jurídico respectivo. Se observa que el Estado
pasa de su rol de ejecutor al de facilitador de
medidas, retirándose progresivamente del
apoyo directo a la ejecución de vivienda.
Sin embargo, a pesar de que los
proyectos habitacionales operaran transformaciones territoriales, no suelen ser concebidos desde una planificación estratégica del
territorio. Una mirada desde esta metodología
permitiría aumentar el impacto de las
acciones que se llevan a cabo, las que dejarían
de ser simplemente proyectos aislados en
términos de desarrollo local. Si se articularan
los proyectos específicos en una gran “malla”,
estructurándolos de modo que se potenciaran
unos a otros, se podría optimizar el uso de
los (generalmente) escasos recursos.
El abordaje integral de este tipo de
proyectos dadas las características socioeconómicas de la población meta se convierte
en un punto central, hay que atender sus
necesidades básicas, pero es necesario ir más
allá. La construcción de asentamientos
humanos como hecho físico en si mismo no
garantiza ni la permanencia de la población
ni su desarrollo. Ella debe tener una base de
sustento económico y disponer de infraestructura técnica para la producción material
y la reproducción social. Sin embargo cabe
INTERAÇÕES
Revista Internacional de Desenvolvimento Local. Vol. 1, N. 2, p. 37-42, Mar. 2001.
38
Alicia Rivero-Iwasita
mencionar que ambas cuestiones van más allá
de los límites de los asentamientos mismos e
implican las condiciones de la región en los
que se encuentran.
Es necesario inaugurar un cambio de
paradigma en la planificación de los
asentamientos humanos. Desde hace tres
décadas la investigación académica viene
abogando por la construcción de sujetos
sociales capaces de impulsar el desarrollo
local y construir nuevos marcos de acción en
el ámbito regional.
2. Construcción de comunidad y desarrollo
local
La visión oficial que predominó hasta
fines de los años setenta en América Latina
consideraba lo regional como objeto de desarrollo. El Estado privilegiaba a través de sus
políticas a los sectores sociales involucrados
en el proyecto industrializador e intentaba
generar una dinámica de cambio social que
envolviera a los restantes sectores sociales.
En los años ochenta, con la aplicación
de los planes de ajuste estructural en las
economías de América Latina se generaron
profundos cambios en sus sociedades y
estados. El nuevo modelo de acumulación
potenció el mercado y creó nuevas condiciones para la articulación de las economías
periféricas a los centros rectores de la economía mundial. El Estado interventor, pasó a
ser facilitador de la empresa privada y
algunos campos cubiertos por el sector público comenzaron a ser cedidos a organizaciones de la sociedad civil (Lungo et al., 1995).
En este contexto, en América Latina
comenzó un proceso de descentralización
acompañado de una revalorización de lo local
que adquirió así una nueva dimensión. En el
campo social lo local cumple un rol clave para
que la sociedad civil pueda ejercer su papel
en el proceso de desarrollo.
Por su parte, la dimensión territorial
acotada de lo local brinda el marco apropiado
para la construcción de comunidades de
modo que éstas se conviertan en espacios de
y con actores de la gestión del desarrollo local.
Lungo (1987), a partir de la reflexión de
Heller1 (1985) acerca de la relación entre
individuo y comunidad infiere dos cuestiones. Una es que la comunidad se construye, se
estructura a partir de un conjunto de
motivaciones de determinados grupos
sociales y la otra es una interrogante: es una
elección libre la pertenencia a una comunidad? Según Lungo esta interrogante se
remite a la permanente contradicción
existente entre individuo y comunidad y la
forma en que esa contradicción se soluciona
históricamente, constituye la base de la
construcción de comunidades, un proceso en
el que no sólo inciden los valores del grupo
sino también la relación con los proyectos
globales de desarrollo a nivel regional,
nacional e internacional.
El aspecto organizativo es otro elemento fundamental en el proceso de constitución
de lo local e implica la dimensión socio-cultural, en la cual individuos y grupos encuentran elementos de identidad y solidaridad a
partir del reconocimiento de la existencia de
una historia común que les permite la
construcción de comunidades en las cuales
se reconocen y proyectan socialmente.
Pero el potencial organizativo sólo se
desarrolla cuando existen condiciones que lo
favorecen y esto ocurre cuando los grupos
organizados logran definir determinados
proyectos políticos; cuando se unen para
realizar una práctica común en torno a
componentes parciales de un proyecto
determinado. Allí se encuentra la génesis de
los movimientos sociales, locales o regionales.
Los asentamientos humanos son un
elemento clave para el desarrollo local.
Pueden jugar un rol dinamizador o convertirse en verdaderos obstáculos. Para ello
Primero, deben ser el elemento motor
de un crecimiento económico que, aún en el
marco de una economía regida por el
mercado, disminuya la pobreza y reduzca la
concentración de las riquezas producidas a
nivel local.
Segundo, tienen que posibilitar la
conformación de verdaderas comunidades
que reviertan las tendencias imperantes a la
fragmentación social.
Tercero, ser espacios en que los
procesos de gestión política del desarrollo
local permita la construcción de ciudadanía
para todos, combatiendo así la exclusión y
marginación política prevalecientes.
Cuarto, estos asentamientos deben
jugar un rol esencial en la utilización y el
INTERAÇÕES
Revista Internacional de Desenvolvimento Local. Vol. 1, N. 2, Mar. 2001.
Asentamientos Humanos y Desarrollo Local
desarrollo sostenible del medio ambiente en
que se encuentren (Lungo et al., 1995).
Las relaciones entre Estado y Sociedad
Civil están cambiando. Hay una redefinición
lenta pero en marcha de las relaciones de
poder. Por ello se necesita una sociedad civil
capaz de ser una contraparte activa en el
proceso que implican las nuevas formas de
gestión del desarrollo.
3. Desarrollo territorial planificado vs.
desarrollo territorial espontáneo
Entre los instrumentos básicos de
gestión municipal, los municipios alemanes
cuentan con el derecho a elaborar planos
directores2, es decir planos de uso y urbanización del suelo con el fin de ordenar y
organizar el territorio comunal3.
En América Latina la falta de intervención del Estado dejó (y aún deja) la determinación de los usos del suelo de una parte de
sus territorios en manos de empresarios 4
(Rivero, 1993), actores sociales a quienes el
nuevo paradigma de desarrollo les asigna un
papel sumamente importante, pero quienes
por razones obvias no pueden reemplazar el
papel regulador y de generador de políticas
territoriales que le cabe al Estado. Y esto
ocurre aún cuando muchos municipios de la
región cuentan con instrumentos adecuados
de intervención.
La planificación estratégica territorial se
ha transformado hoy en día en uno de los
instrumentos más utilizados por las administraciones públicas; sin embargo, encontrar
una respuesta territorial adecuada es todavía
un reto que las sobrepasa.
A pesar de los conocimientos producidos por el mundo académico, aún tras décadas de acciones locales y hasta de reflexiones
conjuntas planetarias inauguradas con la
Primera Conferencia de las Naciones Unidas
sobre los Asentamientos Humanos en
Vancouver (1976), en la planificación de los
asentamientos humanos en el llamado mundo
subdesarrollado se sigue considerando de
manera casi excluyente sólo el aspecto físico,
obviando el carácter histórico del espacio, es
decir ignorando los procesos sociales y
políticos que en él se dan, pero por sobre todo
desatendiendo la necesidad de planificarlos
de una manera integral, en la que se considere
39
como prioritario el aspecto del desarrollo
económico de sus habitantes -y no su mera
subsistencia-.
En la última conferencia mundial sobre
los asentamientos humanos -Hábitat IIllevada a cabo en Estambul (1996), se trataron
temas importantes al respecto. En efecto, el
Plan de Acción Mundial recomienda una serie
de estrategias de aplicación que si fueran
incorporadas a las políticas territoriales de los
estados firmantes, podrían contribuir a
generar un cambio de paradigma en la
planificación de los asentamientos humanos.
Los objetivos principales de discusión
de Hábitat II eran “Una vivienda adecuada
para todos y Desarrollo sostenible de los
asentamientos humanos en un mundo en
proceso de urbanización”. Respecto a los
asentamientos humanos en el documento
final conjunto, la Declaración de Estambul, se
afirma que el desarrollo sostenible combina
el desarrollo económico, el desarrollo social
y la protección del medio ambiente y reconoce
el derecho al desarrollo como un derecho a
respetar por los gobiernos suscriptores.
También hace mención al hecho de que todos
ellos son componentes interdependientes y
sinérgicos del desarrollo sostenible.
En el apartado correspondiente a
Políticas de Vivienda se reconoce como un
principio fundamental para poder formular
una política realista en la materia, la necesidad
de integrar las políticas de vivienda y de
asentamiento humanos con las políticas de
población y desarrollo de los recursos
humanos, de medio ambiente, infraestructura y ordenamiento territorial, la planificación
urbana y rural, como así también con las
iniciativas privadas y oficiales de generación
de empleo (Hábitat II, 1996).
Suelen mediar grandes distancias entre
los conocimientos producidos por el mundo
académico y la implementación de sus
recomendaciones en la realidad. Sin embargo
ellos marcan primero tendencias y finalmente direcciones que con el correr del tiempo van
afectando en distintos grados las acciones
sobre las que pretenden incidir.
La firma de documentos como el de
Hábitat II constituye el primer paso por parte
de los gobiernos, en el largo proceso de
transformar la letra escrita en acción. Un
proceso en el que ellos no son los únicos
INTERAÇÕES
Revista Internacional de Desenvolvimento Local. Vol. 1, N. 2, Mar. 2001.
40
Alicia Rivero-Iwasita
actores y en el que a veces la sociedad civil o
sectores determinados de ella deben luchar
para imponer esa transformación, precisamente contra la voluntad política del propio
gobierno.
4. Asentamientos humanos y desarrollo
económico local
El nuevo paradigma de desarrollo, el
desarrollo económico local intenta potenciar las
condiciones de un territorio a partir de los
recursos de que éste dispone. Requiere por lo
tanto de estrategias concertadas entre sus
principales agentes – autoridades, sector
privado, comunidad –, quienes deben
coordinar acciones para generar un proceso
que apunte a mejorar la calidad de vida de
sus habitantes. El papel del municipio en este
proceso debe ser de liderazgo para convertirse
así en el motor de desarrollo del territorio que
le compete, en un generador de
oportunidades para sus habitantes.
La concertación de intereses de los
actores de la sociedad civil requiere de su
participación, un elemento clave en el proceso
de desarrollo porque aporta la visión de las
personas, empresas y/o instituciones
involucradas directa o indirectamente en él.
Ese espacio de participación no sólo
representa el derecho a defender los propios
intereses, sino que puede aportar soluciones
a los problemas y ayudar a detectar
oportunidades.
Hoy en día se considera que el
desarrollo desigual de los territorios dentro
de un país depende más bien de fuerzas y
corrientes internas y externas procedentes del
entorno espacial. Es decir, se corporiza la idea
del desarrollo endógeno en el cual los
procesos económicos y sociales, las actividades y relaciones que se dan dentro de un
territorio, sea éste una localidad, región o subregión, deben ser considerados como agentes
de transformación.
Es cierto que la evidencia empírica
respecto al dinamismo desigual mostrado por
los diferentes territorios y sistemas productivos locales en la que se basa el marco
teórico del desarrollo económico local
proviene del llamado mundo desarrollado,
por lo que se debe tener sumo cuidado en no
extrapolar realidades diferentes. Pero también
es cierto que en América Latina, el anterior
paradigma de desarrollo económico acentuó
las desigualdades regionales, agudizó las
diferencias urbano-rurales y contribuyó muy
poco a fortalecer el tejido social en sus
diferentes niveles de participación (local,
regional, nacional).
Tal como afirma Alburquerque (1996),
hay que destacar la existencia de dinámicas
territoriales específicas dependientes no sólo
de los capitales extranjeros, sino también de
su capacidad para impulsar procesos
endógenos, estimulando las iniciativas
locales. En el proceso de desarrollo regional
habría que diferenciar entonces por lo menos
dos lógicas distintas: la global, que implica
una fragmentación de la producción y la
división espacial de las funciones de la
empresa y la lógica territorial dependiente del
conjunto de interdependencias existentes
entre los diferentes actores en el territorio.
Visto así, el territorio deja de ser un soporte
pasivo de localización de empresas o
actividades para convertirse en un entorno
innovador activo.
La lucha contra la pobreza y la
inequidad desde una óptica que apunte a
modificar las causas de estos fenómenos debe
incorporar además de una lógica de desarrollo productivo, una política de fortalecimiento de los sistemas productivos locales.
En ese sentido el desarrollo económico
debe ser un proceso de cambio estructural que
incorpore las circunstancias históricas,
sociales e institucionales que ocurren en un
territorio y que condicionan siempre la
organización de las actividades económicas.
Es una forma de darle protagonismo a los
actores económicos y sociales, agentes de ese
cambio. La experiencia adquirida indica que
no existe una sola vía de desarrollo, sino
diversas líneas de desenvolvimiento, en las
cuales los diferentes actores sociales desempeñan funciones relevantes en cada territorio
concreto. Por qué no incluir de manera
sistemática a los sectores de bajos ingresos?
En la actualidad los oligopolios marcan
el rumbo del desarrollo económico mundial,
y hoy como nunca antes, se han trasladado a
la sociedad valores y metodologías
empresariales. Quizás por eso mismo se ha
convertido en un lugar común hablar de
solidaridad, de desarrollo humano, de crecimiento
INTERAÇÕES
Revista Internacional de Desenvolvimento Local. Vol. 1, N. 2, Mar. 2001.
Asentamientos Humanos y Desarrollo Local
con equidad cuando es posible que territorios
completos de países y regiones jamás puedan
acceder al mundo de la globalización.
Por ello, aunque el desarrollo económico local no represente la solución a todos
los problemas de una comunidad, es sin
embargo una herramienta que, usada adecuadamente, tiene un gran potencial para producir los cambios requeridos por el
diagnóstico de la situación que se quiere
modificar.
Respecto a la planificación de los
asentamientos humanos, sería interesante
intercambiar experiencias dentro de la región
latinoamericana. Los municipios chilenos, por
ejemplo, han desarrollado instrumentos de
gestión municipal en el marco del desarrollo
económico local. Uno de ellos, el Plan
Regulador comunal es
“(...) un instrumento de planificación local que
está inserto dentro del Plan de Desarrollo
Regional y Comunal. Como tal debe considerar
lineamientos estratégicos, de acuerdo a las
políticas de desarrollo socioeconómico, sus áreas
de influencia, metas de crecimiento, prioridades
y oportunidades de inversión en infraestructura
sanitaria, vial, energética, de comunicaciones, de
equipamientos, u otros.
De esta forma el Plano Regulador
Comunal se constituye en un instrumento
básico de gestión municipal en el ámbito del
desarrollo económico local, ya que regula y
orienta las inversiones a través de la
localización de actividades productivas en un
territorio determinado (Asociación Chilena de
Municipalidades, 1996).
El Plan Regulador es un instrumento de
planificación territorial que proporciona
alternativas concretas y viables para
optimizar el uso del suelo en función de un
Plan de Desarrollo Local sustentable.
Profundizar la democratización de la
relación Estado-sociedad civil, la descentralización, promover la construcción de comunidad cohesionando a la población en torno
a proyectos comunes, facilitar y promover la
participación de todos los actores, lograr
consensos, son todas condiciones necesarias
para echar a andar el proceso de desarrollo
local. Integrar la construcción de asentamientos humanos a ese proceso, promoviendo el desarrollo de sus habitantes
requiere además de un fortalecimiento de la
dimensión territorial en la planificación de los
gobiernos, de la consideración de aspectos
41
que van más allá de los puramente físicos. Así
como se ha ampliado y adoptado un concepto
de vivienda para los sectores poblacionales
en cuestión, en el que se incorporaron
aspectos sociales, técnicos, ecológicos y
legales (hábitat), así deberían planificarse los
asentamientos de una manera estratégica,
multidisciplinaria, integral y articulada entre
todas las instancias de gobierno, respetando
además el principio de subsidiaridad5 entre
ellas.
Lo que se propone concretamente es
darle el mismo peso a los componentes de
carácter económico que a los espaciales,
promoviendo la generación de empleo y
fortaleciendo la economía de los micro - y
pequeños emprendimientos. Éste no es de
ninguna manera un aspecto nuevo en el caso
de los sectores en cuestión. Hay en la región
muchas experiencias de provisión de
infraestructura y vivienda y hasta de renovación urbana integral6 asociada a la generación de renta. Sin embargo esa medidas no
deben ser meramente compensatorias sino
auto-sustentables.
La experiencia de los últimos años
muestra la necesidad de que el Estado
establezca mecanismos de participación, pues
esa condición es fundamental para alcanzar
el desarrollo local; una participación en la que
todos los actores, hombres y mujeres,
instituciones, empresas y organizaciones de
la sociedad civil se encuentren involucrados
y en la que el Estado aliente a los ciudadanos
a pasar de la situación de destinatarios a la
de actores involucrados luchando por sus
intereses.
Notas
1
Heller ha sostenido que la relación entre individuo y
comunidad contiene una triple diferencia: entre
individuo y sociedad, individuo y grupo e individuo
y masa, concibiendo a la comunidad como una unidad
estructurada de grupos con valores homogéneos a la
cual pertenecen necesariamente los individuos (Heller,
1985).
2
Bauleitpläne: planificación del uso del suelo compuesta
por dos instancias: la zonificación en áreas
residenciales, industriales, de recreación, de usos
mixtos, etc. y la determinación más detallada de sus
usos específicos y su organización.
3
Esta atribución no sólo existe como letra escrita, sino
que es ejercida por ellos. De hecho, en Alemania está
prohibido construir viviendas en zonas desprovistas
de infraestructura y la construcción está tan regulada
que a veces los ciudadanos alemanes se quejan del
INTERAÇÕES
Revista Internacional de Desenvolvimento Local. Vol. 1, N. 2, Mar. 2001.
42
Alicia Rivero-Iwasita
“excesivo intervensionismo” del Estado.
Esto vale fundamentalmente para las periferias de las
grandes ciudades de América Latina. Como es sabido,
una parte considerable de su desarrollo urbano se
produjo por este tipo de loteo de tierras, en el que los
empresarios se limitaron a medir y subdividir los
terrenos y en el mejor de los casos a efectuar el trazado
de alguna calle de tierra, con lo cual estos
asentamientos nacieron con infraestructura social y
técnica insuficiente.
5
De acuerdo al principio de subsidiaridad, las instancias
superiores deben intervenir en problemas que le
competen a instancias inferiores sólo en la medida que
éstas lo necesiten y soliciten.
6
Sólo a modo de ejemplo se mencionan dos casos: el de
provisión de infraestructura y apoyo a los
microempresarios, el Proyecto PRORENDA de
Fortaleza, Brasil, en el que intervinieron instituciones
estatales, el Gobierno Municipal, organizaciones de
la sociedad civil y la Agencia Alemana de Cooperación
Técnica -GTZ-), y el Programa de Renovación Urbana
Integral (1988-1993) en San Salvador, El Salvador, C.A.,
que contaba entre sus componentes, además de
vivienda, infraestructura y servicios, tenencia de la
tierra, equipamiento social, el apoyo a la generación
de empleo y en el que intervinieron la comunidad, la
Alcaldía Municipal, ONGs locales e internacionales y
también la GTZ.
4
Bibliografía
ALBURQUERQUE, F. Desarrollo Económico Local y
distribución del progreso técnico. Una respuesta a las
exigencias del ajuste estructural. Santiago, ILPES/
CEPAL/ONU, 1996.
ASOCIACIÓN CHILENA DE MUNICIPALIDADES.
Desarrollo Económico Local. Santiago, 1996.
HÁBITAT II. Programa Hábitat. Plan de Acción Mundial:
Estrategias para la aplicación. New York, ONU, 1996.
HELLER, A. Historia y vida cotidiana. México, Grijalbo,
1985.
LUNGO, M. Condiciones de vida y organización social
en los asentamientos populares urbanos. In: Estudios
Sociales Centroamericanos, n. 44, San José, mayo/
agosto 1987.
LUNGO, M.; RIVERO, A.; UMAÑA, N. Desarrollo Local
y Asentamientos Humanos en las Zonas Ex-Conflictivas
en El Salvador. San Salvador, FUNDASAL, 1995.
RIVERO,
A.
Wohnungsprobleme
in
lateinamerikanischen Städten -Der geförderte
Selbstbau als Alternative zum Habitat Popular- Am
Beispiel von Buenos Aires. Tesis de doctorado. Bonn,
Rheinische Friedrich-Wilhelm Universität, 1993.
INTERAÇÕES
Revista Internacional de Desenvolvimento Local. Vol. 1, N. 2, Mar. 2001.
Utilização de plantas com propriedades inseticidas: uma contribuição para o
Desenvolvimento Rural Sustentável
The use of plants with insecticide properties: a contribution for Sustainable Rural Development
Utilización de plantas com propiedades insecticidas: uma contribución para el Desarrollo
Rural Sostenible
Antonia Railda Roel
Universidade Católica Dom Bosco
Contato: [email protected]
Resumo: Os estudos de plantas com propriedades inseticidas foram retomados após a constatação de graves
problemas de contaminação ambiental causados pela utilização de produtos químicos. Atualmente, muitas pesquisas
estão sendo desenvolvidas sobre a exploração de plantas e seus efeitos diversos sobre pragas no campo, em armazéns
e na saúde pública. Na agricultura, o uso de inseticidas botânicos diminui os custos de produção, preserva o
ambiente e os alimentos da contaminação química, tornando-se prática adequada à agricultura sustentável e
contribuindo para o aprimoramento da qualidade de vida das populações envolvidas.
Palavras-chave: Plantas inseticidas; Controle de pragas; Agricultura sustentável.
Abstract: The studies of plants with insecticide properties were retake after evidences of serious problems of
environmental contamination caused by use of chemical products. Actually, there are many researches on exploration
of plants and its several effects on pests in field, warehouses and in public health. In agriculture, the use of botanical
insecticides decreases the production costs; it preserves the environment and foods of chemical contamination,
becoming activity adapted to sustainable agriculture and contributing to improvement of life quality of involved
populations.
Key words: Control of pests; Botanical insecticides; Sustainable agriculture .
Resumen: Los estudios de plantas con propriedades insecticidas fueron retomados después de la constatación de
problemas graves de contaminación ambiental causados por el uso de productos químicos. Actualmente, muchas
investigaciones están siendo desarrolladas sobre la explotación de plantas y sus efectos diversos sobre plagas en el
campo, en almacenes y en la salud pública. En la agricultura, el uso de insecticidas botánicos disminuye los costos de
producción y preserva el ambiente y los alimentos de la contaminación química, volviéndose una práctica adecuada
para la agricultura sostenible y contribuyendo para la mejora de la calidad de vida de las poblaciones involucradas.
Palabras clave: Plantas insecticidas; Control de plagas; Agricultura sostenible.
Introdução
A modernização da agricultura, após
a Segunda Guerra, acrescentou, ao processo
de produção de alimentos, a utilização de
máquinas e equipamentos agrícolas, além de
fertilizantes e pesticidas químicos, tornando
o sistema altamente dependente de recursos
(insumos agrícolas) externos às propriedades
rurais. A aplicação dessa tecnologia acarreta
o aumento dos custos de produção com
conseqüente aumento dos preços dos alimentos para os consumidores, inviabilizando
freqüentemente as produções agrícolas. Com
esse sistema vieram também muitos casos de
intoxicações de operadores, aumento da
mortalidade de animais domésticos e silvestres, contaminação dos solos, das águas e dos
alimentos com resíduos de pesticidas, um
conjunto de ocorrências que afeta, direta e
indiretamente, a saúde das comunidades
envolvidas na produção de alimentos.
No contexto agrícola latino-americano,
autores questionam o avanço tecnológico
nesse modelo agrícola, mostrando que, no
período, ocorreu somente 7% de crescimento
per capita na produção de alimentos. De
acordo com Paschoal (1983), no período de
1964 a 1979 o consumo de fertilizantes
minerais solúveis aumentou em 1.243%, o
de pesticidas em 421%, o de máquinas agrícolas em 389%, enquanto, no mesmo período, o aumento da produtividade agrícola
(média de 15 culturas) foi de apenas 4,9%.
Estima-se que, da renda agrícola, cerca de
66% dos lucros convergem para a indústria
(insumos e máquinas), 19% para o comércio
e apenas 11% dos lucros são destinados a
quem realmente os produziu. Nesse sistema
industrializado de produção de alimentos e
fibras, os fertilizantes sintéticos e pesticidas
somam cerca de 40 a 80% dos custos de
produção. De acordo com Ponte1, no período
de 1976 a 1985 o consumo de pesticidas
cresceu em 500%, enquanto registrou-se um
aumento de apenas 5% da produtividade.
O Brasil, maior consumidor de pesticida da
América Latina, utiliza 1,5 kg de ingrediente
ativo por hectare cultivado, sendo que na
horticultura o consumo médio anual sobe a
10 kg por hectare. Nesse contexto, os maiores
atingidos são os naturalistas consumidores
de verduras, legumes e cereais integrais,
quando produzidos em sistema não orgânicos, assim como a saúde e o bem-estar das
populações ligadas diretamente à produção.
INTERAÇÕES
Revista Internacional de Desenvolvimento Local. Vol. 1, N. 2, p. 43-50, Mar. 2001.
44
Antonia Railda Roel
Quando acompanhamos a agricultura
dita industrializada, notamos a necessidade
cada vez maior de utilização de pesticidas
simultaneamente ao aparecimento de novas
pragas e de populações resistentes aos inseticidas em uso. Em seu livro “As plantas que adoecem dos agrotóxicos: a teoria da trofobiose”,
Charboussou (1987) expõe a teoria de que o
ataque de pragas relaciona-se com o estado
metabólico alterado das plantas. A utilização
de pesticidas, de acordo com o autor, as torna
alimento adequado aos insetos e, portanto,
mais susceptíveis ao ataque de parasitas.
Dessa forma, os insetos teriam maiores
condições de sobrevivência, pela maior oferta
de alimentos e maior crescimento populacional. Nessas condições, ocorreria maior
incidência de pragas, fato que justificaria
novas aplicações, aumentando-se, assim, a
dependência de pesticidas. Colocando em
causa o uso indiscriminado de pesticidas
sintéticos, Charboussou acrescenta que “todo
parasita morre numa planta sã”.
A América Latina foi favorecida pela
natureza com uma grande abundância de
recursos renováveis e não renováveis que
vêm, entretanto, sendo utilizados segundo
a lógica do “solapamento” (Altieri e Mazera,
1998). Apesar das variações de riquezas
naturais entre diferentes países ou no interior
de um só país, a degradação atinge todo o
continente. Essa degradação envolve o solo
e a água (erosão, poluição, sedimentação
química), além de provocar a destruição da
biodiversidade e a redução da diversidade
genética (causadas por desmatamento e
alteração no habitat, entre outros), condições
que acarretam o declínio das produtividades
regionais. Como lembra Elizalde (2000), em
um instigante estudo sobre o Desenvolvimento Local, a paisagem do Chile, entre
outros problemas ambientais, é carcomida
por extensos monocultivos e contaminada
por toneladas de pesticidas e agroquímicos.
O impacto ecológico dos pesticidas não só
causa mortalidade de animais silvestres e
domésticos, inimigos naturais das pragas e
outros organismos benéficos, como altera o
equilíbrio do solo, causando mortalidade de
microorganismos e influenciando, finalmente, toda a cadeia alimentar.
Recente Relatório da FAO classifica o
Brasil como o 3º maior consumidor de pesti-
cida e, coincidentemente ou não, o 3º em
mortalidade por câncer (Ponte, 1999). Em
Fortaleza, de acordo com levantamento em
hospitais, 51% das pessoas atacadas de
cirrose hepática são abstêmias e, em sua
maioria, consumidoras de dieta a base de
frutas e hortaliças, justamente as culturas
mais “protegidas” por pesticidas (Ponte,
1999). Como conseqüência de intoxicações
por pesticidas são citadas moléstias tais como
câncer, cirrose hepática, abortos, deformações fetais, impotência sexual, fibrose pulmonar, braquicardia, distúrbios do sistema
nervoso, hepatite, acnes, pancreatite, diabete,
úlcera, alergia e distúrbios audiovisuais, que
se somam a outras intoxicações consideradas
leves (Ponte, 1999).
O emprego de substâncias extraídas de
plantas silvestres, na qualidade de inseticidas,
tem inúmeras vantagens quando comparado
ao emprego de sintéticos: os inseticidas
naturais são obtidos de recursos renováveis e
são rapidamente degradáveis (ou seja, não
persistem no ambiente); o desenvolvimento
da resistência dos insetos a essas substâncias
- compostas da associação de vários princípios
ativos - é um processo lento; esses pesticidas
são de fácil acesso e obtenção por agricultores
e não deixam resíduos em alimentos, além de
apresentarem baixo custo de produção. É,
portanto, aconselhável, a produção de
alimentos em sistema orgânico, quando da
implantação de programas de agricultura
sustentável e de desenvolvimento local.
Em todas as regiões do mundo, a utilização doméstica de plantas com fins medicinais, assim como seu emprego pesticida na
agricultura, são hábitos comuns e arraigados
na cultura popular. A agricultura de subsistência na América Latina tem utilizado plantas para controlar insetos, entre as quais podem citar-se as mais conhecidas: alho (Allium
sativum), fruta do conde (Annona squamosa),
artemisia (Artemisia ludoviciana), mamona
(Ricinus cummunis), louro (Laurus nobilis),
coentro (Coriandrum sativum), arruda (Ruta
graveolens), cravo-de-defuntos (Tagetes sp),
urtiga (Urtica urens), maria-preta (Cordis
verbenacea); chagas (Trapaeolum mejus);
cavalinha (Equisetum arvense); erva-de-santamaria (Chenopodium ambrosioides); mentrasto
(Ageratum conyzoides); cardo-santo (Argemone
mexicana); quebra-pedra (Euphorbia prostata),
INTERAÇÕES
Revista Internacional de Desenvolvimento Local. Vol. 1, N. 2, Mar. 2001.
Utilização de plantas com propriedades inseticidas: uma contribuição para o
Desenvolvimento Rural Sustentável
guanxuma (Sida rhombifolia), gerânio (Pelargonium zonale), hortelã (Mentha piperita), esporinhas (Delphinium sp.), alamandra (Allamanda
nobilis), e ainda os atrativos/repelentes tayuiá
(Cayaponia tayuya) e eucalipto (Eucalyptus spp),
além de muitas outras mais (Guerra et al. 1985;
Laca-Buendia e Brandão, 1988).
Em uma alternativa de produção de
alimentos tal como se concebe a agricultura
sustentável, busca-se mobilizar harmoniosamente todos os recursos disponíveis na unidade de produção de forma a reduzir o
impacto ambiental e a poluição, a minimizar
a dependência externa das matérias primas,
a atingir a otimização do balanço energético
da produção e a produzir alimentos baratos
e de alta qualidade biológica para suprir
necessidades internas e gerar excedentes
exportáveis. O resgate de informações sobre
a utilização popular de plantas no controle
de enfermidades do homem, de animais
domésticos e de plantas cultividas pelas
comunidades, valoriza o conhecimento
popular, importante fator a ser considerado
nos programas de pesquisa em desenvolvimento local e na busca da sustentabilidade
na agricultura, principalmente quando se
trata de pequenas propriedades em regiões
economicamente desfavorecidas.
Utilização de produtos de origem vegetal
como praguicida nas lavouras, armazéns
e residências
Os estudos de controle de pragas com
produtos derivados de plantas foram retomados após a constatação de graves problemas de contaminação ambiental, denunciados principalmente por Raquel Carson
em seu livro Primavera Silenciosa, publicado
em 1962. Essas contaminações são causadas,
majoritariamente, pela utilização de produtos químicos, pesticidas e fertilizantes na
agricultura moderna industrializada.
Já nos tempo do rei Jerjes da Pérsia, em
aproximadamente 400 A.C., o piretro, derivado do crisântemo (Chrysanthemum cinerariafolium), era utilizado com o nome de “Pó
(polvos) da Pérsia”. De acordo com Lagunes
e Rodriguez (1992), os primeiros fitoinseticidas utilizados foram a nicotina extraída de
Nicotiana tabacum, a rianodina extraída de
Ryania speciosa, a sabadina e outros alcalóides
45
extraídos de Schoenocaulon officinale, as piretrinas extraídas do piretro C. cinerariaefolium
e a rotenona extraída de Derris spp e Lonchocarpus spp. Algumas plantas têm contribuído
para o controle de pragas fornecendo ingredientes ativos inseticidas ou, ainda, como
base para a síntese de novas moléculas para
uso na agricultura, como por exemplo a planta
Physostigma venenosum, utilizada para a
síntese dos inseticidas carbamatos por
Stedman e Berger (Silva, 1990).
Na década de 50, Maranhão (1954)
relacionou cerca de 2.000 plantas inseticidas
(distribuídas em 170 famílias) com atividade
tóxica para diversos insetos. De acordo com
esse autor, os inseticidas comerciais de origem vegetal eram obtidos, principalmente de
cinco famílias botânicas: Solanaceae, Compositae, Leguminosae, Chenopodiaceae e
Liliaceae, das quais se extraíam, respectivamente, a nicotina, piretro, timbó, heléboro
e anabasina. Grainge e Ahmed (1988) catalogaram 2.400 espécies de plantas com propriedades úteis no controle de insetos, além
de listarem cerca de 800 pragas controladas
por essas plantas e, ainda, 100 plantas com
outras substâncias químicas reportadas no
controle de doenças e nematóides parasitas
do homem e de animais. Schumutterer
(1992) citou as famílias Meliaceae, Asteraceae, Labiaceae, Aristolochiaceae e
Annonaceae como principais fontes de
princípios ativos inseticidas.
Os derivados botânicos podem causar
diversos efeitos sobre os insetos, tais como
repelência, inibição de oviposição e da alimentação, alterações no sistema hormonal,
causando distúrbios no desenvolvimento,
deformações, infertilidade e mortalidade nas
diversas fases. A extensão dos efeitos e o
tempo de ação são dependentes da dosagem
utilizada, de maneira que a morte ocorre nas
dosagens maiores e os efeitos menos intensos
e mais duradouros nas dosagens menores. A
utilização de doses sub-letais causa redução
das populações a longo prazo e necessita de
menores quantidade de produtos. As doses
letais muitas vezes tornam sua utilização
inviável pela grande quantidade necessária.
A eficiência da utilização de qualquer
bioinseticida aumenta quando as lavouras são
monitoradas regularmente, e o produto é
aplicado em populações menores, com
INTERAÇÕES
Revista Internacional de Desenvolvimento Local. Vol. 1, N. 2, Mar. 2001.
46
Antonia Railda Roel
indivíduos no início do desenvolvimento.
Dependendo da espécie vegetal e do tipo de
utilização, os derivados pesticidas podem ser
utilizados sob forma pura, em estado de
maceramento, em forma de pós ou de extratos
(especialmente em soluções aquosas), além de
outras formas específicas, condições que
facilitam o manuseio e a utilização.
No Brasil há, atualmente, inúmeras
pesquisas sobre o potencial fitoinseticida de
algumas plantas nativas. Investigações sobre
a utilização de extratos da pimenta-do-reino
Piper nigrum na proteção de grãos contra a
traça-dos-cereais Sitotroga cerealela obteve
resultados promissores (Boff e Almeida, 1995),
assim como sobre larvas de Culex (Culex)
quinquefasciatus, vetor da filariose bancroftiana (Chahad e Boff, 1994). Para o controle do
bicudo do algodoeiro, Anthonomus grandis,
comprovou-se o potencial dos extratos de
Melia azedarach (cinamomo), Chenopodium
ambrosioides (erva de santa maria) e principalmente dos frutos de Piper nigrum (pimenta
preta), para uso em programas de manejo de
populações de insetos (Fernandes et al., 1993).
A mamona, Ricinus communis, demonstrou
ser eficiente no combate a formigas cortadeiras
em testes feitos por Hebling (1996). A canela
Cynnamomum zeylanicum demonstrou ter
efeito repelente sobre Zabrotes subfasciatus,
praga de grãos armazenados, em testes feitos
em laboratório por Oliveira et al. (2000). Os
ingredientes ativos contidos nas folhas de
Eucaliptus citriodora e outras espécies do
gênero se mostraram promissores para o
controle tanto de pragas de grãos armazenados quanto de formigas cortadeiras do
gênero Atta (Nakano e Cortez, 1967; Anjos e
Santana, 1994).
Planta nativa da matas da Amazônia,
Venezuela e América Central, a quina ou
Quasia amara é comumente encontrada nos
quintais dessas regiões, devido ao uso medicinal feito pela população. A quina é indicada,
na bibliografia científica, como repelente de
moscas e no controle de pulgões, pequenos
insetos fitófagos e polífagos muito comuns em
lavouras e plantas ornamentais. Para se
sublinhar a importância do conhecimento
popular para o desenvolvimento da ciência,
note-se que, no ano de 1995, um pequeno
agricultor observou, no Pará, grande quantidade de gafanhotos mortos sob a árvore de
quina, cujas folhas tinham sido devoradas.
Ora, o gafanhoto conhecido como tucura é
praga voraz e causa muitos prejuízos aos
produtores da região, especialmente em mandiocais, base da agricultura de subsistência.
A partir do relato feito com fulcro em um
conhecimento popular empírico, foram
conduzidas várias experiências sobre os
efeitos da planta em relação a esse inseto,
resultando em recomendações sobre o uso e
a preservação dessa planta na região.
A manipueira, líquido de aspecto
leitoso derivado da indústria da farinha de
mandioca Manihot esculenta, contém goma,
glicose e outros açúcares, proteínas, células
descamadas das raízes, ácido cianídrico e
derivados cianogênicos, sais minerais e substâncias orgânicas diversas. Estudos demonstram sua utilidade na agricultura por sua
eficiência como inseticida e nematicida, e
também são salientadas suas propriedades
fertilizantes, decorrentes de uma composição
química na qual se encerra a maioria dos
macro e micro nutrientes (Ponte, 1999).
Testes também demonstraram sua eficiência
inseticida para a cochonilha de carapaça
Coccus hesperidium, o pulgão negro Toxoptera
citricidus e a cochonilha escama-farinha
Pinaspis aspidistrae (Ponte et al., 1988).
A família botânica Meliaceae é atualmente muito investigada, por possuir muitas
espécies que são fonte de princípios ativos
com propriedades inseticidas e diferentes
modos de ação em relação a muitas espécies
de insetos (Rodríguez, 1995). Destaca-se,
dentre estas, a Azadirachta indica, conhecida
popularmente como nim (Koul et al., 1990).
Os derivados dessa planta têm sido usados
tradicionalmente por agricultores, na Ásia e
África, contra insetos nocivos à produção
agrícola. Originária das regiões áridas da
Índia, essa planta é utilizada, numa prática
antiga e corrente nesse país, em culturas de
subsistência. Nessa perspectiva, as folhas
secas do nim são misturadas com grãos
armazenados ou seus frutos são esmagados
nas paredes dos armazéns, para evitar danos
provocados por insetos. Possui alta capacidade como inseticida e é capaz de exercer
diversos modos de ação sobre os insetos, tais
como: inibição alimentar, inibição da síntese
do ecdisônio, inibição da biosíntese da
quitina, deformações em pupas e adultos,
INTERAÇÕES
Revista Internacional de Desenvolvimento Local. Vol. 1, N. 2, Mar. 2001.
Utilização de plantas com propriedades inseticidas: uma contribuição para o
Desenvolvimento Rural Sustentável
redução da fecundidade e longevidade de
adultos, alterações na capacidade de atração
dos feromônios, esterilização e inibição de
oviposição, diminuição da transmissão de vírus e mortalidade (Koul et al., 1990; Mordue
(Luntz) e Backell, 1993 e Schmutterer, 1988;
Rodríguez, 1995).
O cinamomo, Melia azedarach, também
da família Meliaceae, e outras espécies deste
gênero são também utilizadas e estudadas
por suas propriedades inseticidas (Silva,
1990). O cinamomo foi testado por muitos
autores para o controle de gafanhotos migratórios, Schistocerca cancellata, com resultados
satisfatórios de mortalidade ou repelência,
a partir da utilização de extratos de folhas e
frutos frescos ou secos (Lepage et al., 1946).
No entanto, o extrato de frutos de M. azedarach foi apresentado, em estudos, como
tóxico a animais de sangue quente, embora o
produto extraído das folhas demonstre uma
toxicidade bastante reduzida (Saxena, 1989).
Espécies vegetais do gênero Trichilia
(Meliaceae) mostram-se bastante promissoras para uso inseticida. No México, sementes
de milho são impregnadas, durante um dia,
antes da semeadura, com uma pasta aquosa
obtida dos frutos de Trichilia havanensis, para
proteção contra pragas de solo (Hernández
et al., 1983). Em estudos recentes, destacase a Trichilia pallida como uma das espécies
com maior bioatividade (Torrecillas, 1997;
Roel, 1998). Roel (1998), utilizando extrato
acetato de etila de Trichilia pallida sobre o
desenvolvimento da lagarta-do-cartucho-domilho Spodoptera frugiperda, observou sua
eficiência no controle de insetos com efeitos
semelhantes aos constatados pela ação do
nim. Essa espécie possui a vantagem de ser
comum no cerrado brasileiro, e sua madeira
tem a reconhecida qualidade de ser resistente
a cupins.
Plantas que possuem certas substâncias com propriedades atraentes a insetos
podem, também, auxiliar nesse controle,
quando agem como armadilhas. A cucurbitacina, presente principalmente em plantas
da família Cucurbitaceae, possui efeito
atraente de alimentação para o besouro verde
amarelo Diabrotica speciosa. Devido a essa
característica, pedaços de abóbora-d’agua
Lagenaria vulgaris (Cucurbitaceae), tratadas
com inseticida, podem ser utilizados no
47
controle de vaquinhas em cultura de batata
inglesa (Roel e Zatarim, 1990). Nesse caso,
besouros adultos voam em direção às
“armadilhas”, atraídos pela cucurbitacina,
alimentam-se e morrem pelo efeito do
pesticida impregnado no vegetal.
Brocas de caule e ramos são pragas
sérias em citricultura, causam prejuízos na
produção e podem provocar a morte das
árvores. Essas pragas podem ser controladas
com o plantio intercalado de maria-preta,
planta que funciona como armadilhas a esses
insetos. As fêmeas adultas fazem a postura
na maria-preta, deixando livres da praga as
árvores da frutífera cultivada. Espécies de
plantas do gênero Crotalaria spp. (entre
outras), utilizadas em sistema de rotação com
a cultura, têm apresentado bons resultados
no controle de nematóides formadores de
galhas do gênero Meloidoigyne. Esses vermes
do solo são atraídos para essas plantas
armadilhas, sem contudo conseguirem nela
se desenvolver, diminuindo as infestações
nos plantios posteriores (Kimati et al, 1997).
Substâncias repelentes presentes em
certas plantas podem também ser utilizadas
no controle de insetos e nematóides. Plantas
de gergelim são conhecidas como repelente
de formigas cortadeiras; recomenda-se cultivá-las como bordadura de plantações que se
quer proteger desses insetos. Da mesma
maneira, plantas de cravo-de-defuntos
(Tagetes sp.) podem ser utilizadas no controle de pulgões, por seu efeito repelente sobre
esses insetos.
Na pecuária, muitos produtos de origem vegetal são eficientes no controle de ectoparasitas (carrapatos, sarna, berne, bicheiras) e endoparasitas (vermes). Paschoal
(1994) recomenda produtos de origem vegetal como derris e piretrina, entre outros, para
controlar sarnas, bernes e carrapatos, em uso
restrito na criação de animais em sistema
orgânico. A manipueira, testada como carrapaticida, mostrou-se tão eficiente quanto os
produtos convencionais, com 100% de controle (Ponte, 2000 b). Segundo Burg e Mayer
(1999), a rotenona, extraída do timbó,
controla bernes, carrapatos e sarnas de
animais domésticos. Soluções de fumo, de
fruta do conde (Anonna squamosa), de cravode-defuntos (Tagetes sp.) ou de mamona
(Riccinus comunis) são descritas como eficien-
INTERAÇÕES
Revista Internacional de Desenvolvimento Local. Vol. 1, N. 2, Mar. 2001.
48
Antonia Railda Roel
tes no controle de pulgas e piolhos. Produtos
a base de nin são citados como eficientes no
controle de carrapatos em bovinos, por Neves
(2000). De acordo com Menezes 2 , o alho
Allium sativum apresenta propriedades medicinais, atuando como bacteriostático, repelente de insetos e promotor de crescimento
em algumas espécies animais (suínos, aves e
peixes). A pesquisadora comunicou que está
conduzindo um experimento, na fazenda
Lagoa da Cruz (UCDB), sobre o desempenho
do alho, adicionado à ração, no crescimento
de suínos; em fase posterior, serão avaliados
a ocorrência de ecto e endo parasitas nos
animais testados no mesmo regime alimentar. A pesquisadora salientou ainda que, no
local dos ensaios, foi observada a redução
da população de moscas domésticas.
Igualmente na área da saúde, diversos
extratos vegetais vêm sendo pesquisados em
testes visando principalmente transmissores
de doenças tais como mosquitos hematófagos, moscas domésticas, baratas, percevejos. Esses insetos provocam transtornos no
campo e, cada vez mais, nas cidades, principalmente em regiões mais carentes, razão
pela qual esses estudos são da maior importância para populações de determinados
locais. Tal é um aspecto importante a ser
abordado em programas de desenvolvimento
local, no sentido de preservar a saúde e
melhorar o conforto do homem nas suas
comunidades. Assim, no Nordeste, alguns
trabalhos vêm sendo conduzidos com
extratos vegetais nativos no controle de percevejos Triatoma infestans, transmissor do
Triopanossoma cruzi, causador da doença de
chagas, ocasião em que foram observados
resultados promissores. Lagunes et al. (1984)
testaram extratos aquosos do córtex de
Trichilia havanensis e de folhas de Trichilia
hirta, e constaram a toxicidade à barata
doméstica Periplaneta americana. Para o
controle de linhagens da mosca doméstica,
Musca domestica, Costa et al. (1997) testaram
duas espécies de Timbó, Derris urucu e Derris
nicou, na forma de pó da raiz e em diversas
dosagens, observando que, embora ambas
sejam eficientes, há sensíveis diferenças de
efeito entre as linhagens. Também para o
controle da mosca doméstica, Costa et al.
(1997) conduziram investigações com espécies de timbó e obtiveram resultados satisfa-
tórios, concluindo que, a despeito de sua
toxicidade a mamíferos, a rotenona é
relativamente inofensiva quando utilizada
adequadamente. Folhas de louro Laurus
nobilis, utilizadas em armários para controle
de baratas, foram testadas por Machado et
al. (1995), estudo que constatou os compostos voláteis do louro são repelentes, mas não
são tóxicos à Periplaneta americana.
Deve-se, no entanto, observar alguns
cuidados na manipulação de produtos de
origem vegetal. Alguns dos fitoinseticidas
elencados no presente artigo apresentaram
toxicidade a animais de sangue quente, tais
como, por exemplo, os extraídos da família
Annonaceae. Outros derivados vegetais podem ser prejudiciais a insetos úteis às plantas
e ao homem, tais como polinizadores, inimigos naturais de pragas e abelhas. Igualmente,
produtos de origem da nicotina são de uso
restrito, segundo a legislação nos Estados
Unidos, por sua toxicidade, assim como o
cinamomo é citado como tóxico a animais de
sangue quente. Assim, os estudos dos pesticidas baseados em ingredientes ativos presentes nas plantas devem resgatar o conhecimento acumulado das comunidades sem
desprezar no entanto, o avanço tecnológico
proporcionado pelo processo de modernização, com o objetivo de aumentar a eficiência
do controle sanitário assim como o de
proporcionar maior segurança aos usuários.
Considerações Finais
No processo de modernização ou
industrialização, a agricultura se tornou
dependente de insumos produzidos fora do
setor agrícola, como máquinas, equipamentos, fertilizantes e pesticidas, insumos
que encarecem a produção e diminuem a
margem de lucro dos produtores de alimentos e fibras. A retomada dos estudos sobre a
utilização de produtos de origem vegetal na
agricultura não só é um resgate das práticas
realizadas por nossos ancestrais, como se
enquadra nos programas de desenvolvimento local e de sustentabilidade de
propriedades rurais. Em termos de pequenas
propriedades rurais, as plantas que podem
ser utilizadas como inseticidas devem ser
plantadas no próprio local, com o objetivo
de facilitar a coleta dos materiais vegetais e
INTERAÇÕES
Revista Internacional de Desenvolvimento Local. Vol. 1, N. 2, Mar. 2001.
Utilização de plantas com propriedades inseticidas: uma contribuição para o
Desenvolvimento Rural Sustentável
sua manipulação. Os extratos normalmente
utilizados por pequenos agricultores devem
ser aquosos, pela facilidade de obtenção e
uso. As caldas, de fácil preparo, devem, no
entanto, ser preparadas segundo as recomendações de especialistas e imediatamente
antes do uso, pois os princípios ativos degradam-se facilmente em presença de luz. As
vantagens dessa prática envolvem os
aspectos sociais, econômicos e ambientais, e
são aqui considerados desde a segurança dos
operadores até a proteção ambiental, da
possibilidade de obtenção de maiores lucros
à permanência do homem no campo.
Todos os aspectos devem ser considerados para os estudos e divulgação dessa
técnica. Produtos de origem vegetal são
biodegradáveis, ou seja, não persistem no
ambiente, no entanto, essa característica
limita o controle de determinadas pragas, por
possuírem pequeno efeito residual, levando
à necessidade de novas aplicações. Esses
bioinseticidas são um recurso facilmente
disponível por sua ocorrência natural, todavia podem ser esgotados se não forem constantemente repostos. O problema é maior
quando se trata de planta exótica como o
nim, fato que salienta a importância de estudos com plantas nativas ou silvestres, que
possam ser encontradas e plantadas com
maior segurança. A exploração das plantas
deve ser feita de tal maneira que permita a
preservação e a conservação das espécies.
Outro ponto que deve ser considerado é a
toxicidade dos produtos vegetais, as variações entre as espécies, as partes vegetais utilizadas e as formas de extração. A toxicidade
de todo ingrediente ativo está obviamente
associado à dosagem utilizada em relação
ao peso do indivíduo, e é relacionada
também a forma de aplicação. Todas as
informações sobre eficiência, modo de usar,
dosagens, cuidados e outras, devem ser
fornecidas por trabalhos científicos devidamente conduzidos, para maior segurança e
eficiência no emprego e maior credibilidade
científica das informações.
Para garantir o sucesso do emprego de
inseticidas botânicos, todos os aspectos
devem ser considerados, desde o levantamento e as avaliações de espécies silvestres
até o mapeamento dos ingredientes ativos e
suas concentrações nas diferentes partes
49
vegetais. Importante também é conhecer a
estabilidade e a persistência do produto no
armazenamento e no campo, a toxicidade
ao homem e animais domésticos, o impacto
sobre inimigos naturais, a relação custo/
benefício e outros. Para tanto é necessário o
envolvimento de um trabalho integrado
envolvendo entomologistas, botânicos
(fitotaxonomistas), químicos (fitoquímicos),
toxicologistas e outros pesquisadores empenhados na recuperação e na sistematização
de um saber popular e, muitas vezes, de
âmbito regional.
Notas
1
2
Palestra proferida pelo Prof. Dr. José Júlio da Ponte,
da UFCE, presidente da Academia Cearence de
Ciências, no “I Congresso Brasileiro de Defensivos
Agrícolas Naturais”, em 5/11/2000.
Informação da Veterinária Giovanna Padoa de
Menezes, Mestranda em Meio Ambiente e Especialista
em Suinocultura. Professora da UCDB.
Referências Bibliográficas
ALTIERI, M. A.; MASERA, O. Desenvolvimento rural
sustentável na América Latina: construindo de baixo
para cima. In: Reconstruindo a Agricultura: idéias e
ideais na perspectiva do desenvolvimento rural
sustentável. Alcione Almeida e Zander Navarro(org.).
2. ed., Porto Alegre, UFRGS, 1998, p. 72-105.
ANJOS, N.; SANTANA, D. L. Q. Alterações deletérias
no comportamento de Atta laevigata (F. Smith) e Atta
sexdens rubropilosa Forel (Hymenoptera: Formicidae),
causadas por folhas de Eucaliptus spp. Sociedade
Entomológica do Brasil. Anais... Londrina, Sociedade
Entomológica do Brasil, v. 23, n.1, 1994, p. 25-30.
BOFF, M. I. C.; ALMEIDA, A. A. de. Efeito residual de
extratos aquosos de Piper nigrum (L.) sobre larvas
neonatas de Sitotroga cerealella (Oliv.). Sociedade
Entomológica do Brasil. Anais... Londrina/PR,
Sociedade Entomológica do Brasil, v. 24, n.1, 1995.
BURG, I. C.; MAYER, P. H. Alternativas ecológicas para
prevenção e controle de pragas e doenças. 7. ed. Francisco
Beltrão/PR, Grafit, 1999.
CARSON, R. Primavera silenciosa. 2. ed. São Paulo,
Melhoramentos, 1969, 305 p.
CHADAD, S.; BOFF, M. I. C. Efeito de extratos de pimenta preta sobre larvas de Culex (Culex) quinquefasciatus
Say (Diptera: Culicidae). Sociedade Entomológica do
Brasil. Anais... Londrina, Sociedade Entomológica do
Brasil, v. 23, n. 1, 1994, p. 13-18.
CHARBOUSSOU, F. Plantas doentes pelo uso de agrotóxicos:
a teoria da trofobiose. Porto Alegre, L & PM, 1987.
COSTA, J. P. da; BÉLO, M.; BARBOSA, J. C. Efeitos de
espécies de timbós (Derris spp.: Fabaceae) em
populações de Musca domestica L. Sociedade
Entomológica do Brasil. Anais... Londrina, Sociedade
Entomológica do Brasil, v. 26, n. 1, 1997, p.163-168.
ELIZALDE, A. Desarrollo a Escala Humana: conceptos
INTERAÇÕES
Revista Internacional de Desenvolvimento Local. Vol. 1, N. 2, Mar. 2001.
50
Antonia Railda Roel
y experiencias. Interações, UCDB, Campo Grande, v.
1, n. 1, set. 2000.
FERNANDES, W. D.; FERRAZ, J. M. G.; FERRACINI,
V. L.; SANTOS, A. B. Avaliação do efeito deterrente
de alguns extratos vegetais sobre Anthonomus grandis
Boheman, 1843 (Coleoptera: Curculionidae) e,
condições de laboratório. In: CONGRESSO
BRASILEIRO DE ENTOMOLOGIA, 14, 1993,
Piracicaba. Resumos... Piracicaba, Sociedade
Entomologica do Brasil, 1993, p. 573.
GRAINGE, M.; AHMED, S. Handbook of plants with pestcontrol properties. John Wiley & Sons, Inc. 1988, 470 p.
GUERRA, M. S. Receituário caseiro: alternativas para o
controle de pragas e doenças de plantas cultivadas e
de seus produtos. Brasília, EMBRATER, 1985, 166 p.
(EMBRATER. Informações Técnicas, 7).
HEBLING, M. J. A. Toxic effect of Ricinus communis
(Euphorbiaceae) to laboratory nests of Atta sexdens
rubropilosa (Hymenoptera: Formicidae). Bulletin of
Entomological Research, v. 86, 1996, p. 253-256.
HERNANDEZ, X. E.; INZUNZA, M. F.; SOLANO, S. C.
B. Insectos de control de plagas y enfermidades
identificadas en la agricultura tradicional en México.
Revista Chapingó, Chapingo, v. 40, n. 55-6, 1983.
KIMATI, H.; AMORIM, L.; BERGAMIN, FILHO, L. E.
A.; REZENDE, J. A. M. Manual de Fitopatologia. 3. ed.
São Paulo, Agronômica Ceres, 1997 Ill, 774 p.
KOUL, O. ISMAN, M. B.; KETKAR, C. M. Proporties
and uses of neem, Azadirachta indica. Canadian Journal
of Botany, Ottawa, v. 68, n.1, 1990, p. 1-11.
LACA-BUENDIA, J. P.; BRANDÃO, M. Usos pouco
conhecidos de plantas daninhas como companheiras,
repelentes, inseticidas, iscas, moluscicidas e
nematicidas. Informe Agropecuário, Belo Horizonte,
v. 13, n. 150, 1988, p. 30-33.
LAGUNES, T. A.; ARENAS, L. C; RODRÍGUEZ, H. C.
Extractos acuosos y polvos vegetales con propiedades
insecticidas. Chapingo, Colégio de Postgraduados,
Centro de Entomologia y Acarologia, 1984, 203 p.
LAGUNES, T. A.; RODRÍGUEZ, H. C. Los extractos
acuosos vegetales con actividad insecticida: el combate
de la conchuela del frijol. Tezcoco, USAIDCONACYT-SME-CP, 1992, 57 p. (Temas Selectos de
Manejo de Insecticidas Agrícolas, 3).
LEPAGE, H. S.; GIANNOTTI, O.; ORLANDO, A.
Proteção das culturas contra gafanhotos por meio
de extratos hde Melia azedarach. Biológico, v. 12, 1946,
p. 265-271.
MACHADO, V. L. L.; PALMA, M. S.; COSTA, O. M.
Ação repelente das frações de óleos essenciais da
folha de louro (Laurus nobilis L.) em ninfas e adultos
de Periplaneta americana (L.) (Blattaria: Blattidae).
Sociedade Entomológica do Brasil. Anais...
Londrina, Sociedade Entomológica do Brasil, v. 24,
n. 1, 1995.
MARANHÃO, Z. C. Plantas inseticidas. Revista da
Agricultura, v. 29, n. 3-4, p.113-121, 1954.
MORDUE (LUNTZ), A.J.; BLACKWELL, A.
Azadirachtin: an updatte. Journal of Insect Physiology,
Oxford, v. 39, n. 11, 1993, p. 903-924.
NAKANO, O; CORTEZ, J. Ensaio de controle às pragas
do milho armazenado, com óleo de eucalipto
(Eucaliptus citriodora Hooker) e sua eficiência
comparada ao malathion. Revista da Agricultura,
Piracicaba, v. 42, n. 3, p. 95-98, 1967.
NEVES, B. P. das. Nim, princípios e aplicações como
defensivo agrícola. In: CONGRESSO BRASILEIRO
DE DEFENSIVOS AGRÍCOLAS NATURAIS.
Resumos... 1. ACECI, Fortaleza/CE, 2000, p. 95.
OLIVEIRA, J. V.; SILVA, G. J. R.; COUTINHO, R. L. B.
C.; SANTOS, A. S. Influência de pós vegetais na viabilidade de ovos e emergência de Zabrotes subfasciatus
(Boh.) (Coleoptera: Bruchidae) em feijão, Phaseolus
vulgaris, armazenado. In: I CONGRESSO
BRASILEIRO DE DEFENSIVOS AGRÍCOLAS
NATURAIS. Resumos...,1. ACECI, Fortaleza/CE,
2000, p. 41.
PASCHOAL , A. D. Produção orgânica de alimentos.
Agricultura Sustentável para os séculos XX e XXI.
Piracicaba/SP, Adilson Paschoal, 1983, 191 p.
PONTE, J. J. da. Cartilha da manipueira, uso do composto
como insumo agrícola. Fortaleza, SECITECE, 1999, 53 p.
_____. Utilização da manipueira como fertilizante e
defensivo agrícolas. In: Congresso Brasileiro De
Defensivos Agrícolas Naturais. Resumos... 1. ACECI,
Fortaleza/CE, 2000a, p. 91.
_____. Eficiência da manipueira como carrapaticida.
Teste preliminar. CONGRESSO BRASILEIRO DE
DEFENSIVOS AGRÍCOLAS NATURAIS. Resumos...
1. COBRADAN, Fortaleza/CE, 2000B.
PONTE, J. J. da.; FRANCO, A.; SANTOS, J. H. R. DOS.
Teste preliminar sobre a utilização da manipueira
como inseticida. Revista Brasileira da Mandioca, Cruz
das Almas, v. 7, n. 1, p. 89-90, 1988.
RODRÍGUEZ, H. C. Efeito de extratos aquosos de
Meliaceae no desenvolvimento de Spodoptera
frugiperda (J. E. SMITH, 1797) (Lepidoptera: Noctuidae).
Piracicaba, 1995, 100 p. Dissertação (Mestrado) – USP.
ROEL, A. R. Efeito de extratos orgânicos de Trichilia
pallida Swartz (Meliaceae) na sobrevivência e
desenvolvimento de Spodoptera frugiperda (J. E. Smith,
1797) (Lepidoptera: Noctuidae). Piracicaba, 1998, 115
p. Tese (Doutorado) – ESAL/USP.
ROEL, A. R.; ZATARIM, M. Eficiência de iscas a base de
abóbora d’água Lagenaria vulgaris (Cucurbitaceae),
tratadas com inseticida na atratividade de Diabrotica
speciosa. Sociedade Entomológica do Brasil. Anais...
Londrina, Sociedade Entomológica do Brasil, 1987.
SCHMUTTERER, H. Potencial of azadirachtincontaining pesticides for integated pest control in
developing and industrialized countries. Journal of
Insect Physiology, v. 34, n. 7, 1988, p. 713-9.
SILVA, A. C. da. Efeitos inseticida, deterrente e
supressor alimentar de alguns extratos vegetais
sobre Ceratitis capitata (Wiedmann, 1824) (Diptera:
Tephritidae) e Ascia monuste orseis (Latreille, 1819)
(Lepidoptera: Pieridae), em laboratório. Lavras,
1990, 129 p. Tese (Doutorado) – Escola Superior de
Agricultura de Lavras.
TORRECILAS, S. Efeito de extratos aquosos de Trichilia
pallida, SWARTZ (Meliaceae) no desenvolvimento de
Spodoptera frugiperda (J. E. SMITH, 1797) (Lepidoptera:
Noctuidae) criada em diferentes genótipos de milho.
Piracicaba, 1997, 143 p. Dissertação (Mestrado) – USP.
INTERAÇÕES
Revista Internacional de Desenvolvimento Local. Vol. 1, N. 2, Mar. 2001.
Melhoramento e conservação genética aplicados ao Desenvolvimento Local – o caso da
seringueira (Hevea sp)
Genetic improvement and conservation applied to Local Development – the case of rubber tree (Hevea sp)
Mejora y conservación genética aplicados al Desarrollo Local – el caso del caucho (Hevea sp)
Reginaldo Brito da Costaa, Paulo de Souza Gonçalvesb, Adriana Odalia-Rímolia e
Eduardo José de Arrudaa
a
Universidade Católica Dom Bosco / bInstituto Agronômico de Campinas (IAC)
Contato: [email protected]
Resumo: A seringueira Hevea sp foi domesticada por ser uma das maiores fontes produtoras de borracha vegetal.
Sua importância decorre da influência que a borracha veio a exercer sobre a civilização moderna. O Brasil já
ocupou posição de destaque no mercado mundial, sendo responsável por 98% da produção no início do século.
Hoje, o país produz aproximadamente 1% da produção mundial e importa em torno de 75% do que consome.
Neste artigo, analisa-se a origem, a domesticação e a produção de látex da seringueira, como meio de garantir
opções econômicas às comunidades, propiciar o desenvolvimento local e a melhoria na qualidade de vida das
populações envolvidas.
Palavras-chave: Seringueira; Produção de látex; Desenvolvimento Local.
Abstract: The rubber-tree, Hevea sp., was domesticated because of its productivity as a source of latex. Its importance
arose as a result of the influence that rubber came to play in modern civilization. Brazil was once the World’s major
producer, being responsible for 98% of supplies at the beginning of the twentieth century. Today, the country
contributes only 1% of World production and imports around 75% of the rubber it consumes. This paper presents
a study of the origin, the domestication and the production of latex by the rubber-tree, in order to guarantee
economic options for communities, stimulating local development and improving the quality of life of the
populations involved.
Key Words: Rubber-tree; Latex production; Local Development.
Resumen: El caucho Hevea sp fué domesticado por ser una de las principales fuentes productoras de goma vegetal.
Su importancia resulta de la influencia que el caucho vino a ejercer sobre la civilización moderna. El Brasil ya
ocupó posición de destaque em el mercado mundial, siendo responsable por 98% de la produção en inicios del
siglo. Hoy, el país produce aproximadamente 1% da produção mundial e importa casi de 75% de lo que consume.
En este artículo, se analiza el origen, la domesticación y la producción de látex del caucho, com el reto de garantizar
opciones económicas a las comunidades, permitir el desarrollo local y desencadenar la mejora de la calidad de
vida de las poblaciones involucradas.
Palabras clave: Caucho; Producción de latex; Desarrollo Local.
1. Introdução
O gênero Hevea pertence à família
Euphorbiaceae e tem como área de ocorrência
e dispersão natural a Amazônia brasileira e
países próximos, como Bolívia, Colômbia,
Peru, Venezuela, Equador, Suriname e Guiana.
A classificação atual do gênero Hevea
apresenta onze espécies, dentre as quais destaca-se Hevea brasiliensis, com maior capacidade produtiva e variabilidade genética . Ao
contrário da maioria das plantas cultivadas,
Hevea brasiliensis, a espécie mais importante
do gênero, está sendo domesticada num ambiente moderno, em razão de ser uma das
maiores fontes produtoras de borracha vegetal. Sua importância decorre da influência que
a borracha veio a exercer sobre a nossa civilização, chegando mesmo a caracterizar uma
época denominada de “ciclo da borracha”. É
desta época a posição de destaque que o Brasil
ocupou no mercado mundial, sendo responsável por 98% da produção no início do
século. Hoje o país produz aproximadamente
1% da produção mundial e importa em torno
de 75% do que consome.
O látex produzido pela árvore é uma
suspensão aquosa contendo 30 a 40% de
sólidos em forma de partículas de borracha
visíveis em ultramicroscópio. Com propriedades únicas entre os produtos naturais
poliméricos, a borracha natural combina elasticidade, plasticidade, resistência ao desgaste
(fricção), propriedades de isolamento elétrico
e impermeabilidade à líquidos e gases
(Gonçalves et al., 1990). Desta forma, devido
ao seu valor econômico e grande utilidade
tem influenciado profundamente a civilização moderna.
Considerando o exposto, o presente
artigo objetiva mostrar aspectos relacionados
com a origem e a domesticação da espécie,
bem como apresentar dados sócio-econômicos relevantes, obtidos a partir do programa de conservação e melhoramento genético
da espécie, que proporcionaram uma opção
econômica e melhoria na qualidade de vida
dos pequenos e médios produtores de borracha do interior paulista e, portanto, desencadeando o desenvolvimento local.
INTERAÇÕES
Revista Internacional de Desenvolvimento Local. Vol. 1, N. 2, p. 51-58, Mar. 2001.
52
Reginaldo Brito da Costa, Paulo de Souza Gonçalves, Adriana Odalia-Rímoli e
Eduardo José de Arruda
2. A descoberta da Hevea
Conforme dados levantados por
Polhamus (1962), não se sabe exatamente
quando a borracha foi descoberta. Os
primeiros registros literários sobre o assunto
datam da viagem de Cristovão Colombo à
América, quando seu uso foi observado entre
os nativos do continente. Na Amazônia, a
borracha foi mencionada pelo jesuíta Samuel
Fritz e pelo frei carmelita Manoel de Esperança, entre os índios Camibebas ou Omáguas.
Em 1743, Charles Marie de La
Condamine, cientista francês que realizou
estudos geodésicos na América Meridional
escreveu a propósito de uma árvore que os
nativos de Quito chamavam Cau-chu (que
significa “pau que dá leite”). Do látex desta
planta, fabricavam uma goma que usavam
para fazer diversos artefatos, tais como:
garrafas, calçados, bolsas, bolas e bombas ou
seringas (daí a designação em português da
planta), objetos esses que chamavam a
atenção pela sua impermeabilidade e
elasticidade (Batista,1976). Nessa época, o
naturalista francês François Fresnau, em
estudos na Guiana Francesa, também se
interessava pelas árvores de cujo leite os
índios faziam usos variados. A Hevea
guianensis, estudada por Fresnau, teria sido a
primeira espécie a ser descrita.
Segundo Schultes (1977a,b) o botânico
brasileiro Adolfo Ducke foi o que mais se
dedicou ao estudo do gênero. Seus estudos
taxonômicos de quase 50 anos foram divididos em três períodos distintos. Na primeira
fase, ele descreveu diversas pequenas variações como espécies. No segundo período, ele
as reduziu para variedades e formas. Mais
tarde, em 1943, no fim de sua carreira, ele
tornou a reconhecer um número reduzido de
espécies. Atualmente, são conhecidas onze
espécies no Brasil (Gonçalves et al., 1973),
enquanto que na Ásia, somente nove espécies
são catalogadas.
3. Importância econômica do cultivo da
Havea
O Brasil, no início do século XX, se
destacou no mercado mundial da borracha,
servindo este produto oriundo do extrativismo de suporte à nossa receita cambial,
participando com 98% da produção mundial
(Bernardes et al.,1990), quando ainda a
extração era proveniente de seringais nativos
da Amazônia.Com o aparecimento do fungo
Microcyclus ulei, causador do mal das folhas,
este passou a ser o maior entrave para o
desenvolvimento e produtividade da seringueira, e o Brasil perdeu espaço para outros
países produtores como a Malásia, Indonésia
e Tailândia.
A demanda mundial de borracha foi
influenciada pela indústria automobilística e
principalmente pelos países em industrialização, de forma proporcional ao aumento da
renda per capita ou a produção industrial.
Com a acelerada industrialização mundial
pós-guerra, a demanda do produto tornouse maior a curto prazo e os países desenvolvidos viram-se forçados a buscar alternativas
para suprir suas exigências. Com isso, ocorreu
a descoberta da borracha sintética a partir do
petróleo, dando novos rumos à economia e à
indústria.
Apesar de o consumo da borracha
natural ser menor que o da borracha sintética
(Bernardes et al., 1990), a borracha natural,
em função de suas características de elasticidade, plasticidade, resistência à fricção e
impermeabilidade para líquidos, sempre será
de grande importância para a indústria, uma
vez que para a produção de sub-produtos, é
insubstituível. Um outro fator que poderá
influenciar no mercado de borracha natural
e/ou sintética, são os futuros aumentos de
preço do petróleo, que refletirão na competitividade da borracha natural, pois, cerca de
70% do custo de produção de borracha
sintética provém dessa matéria prima e para
a borracha natural apenas 15% dos insumos
necessários são baseados no petróleo.
A partir de 1982, a produção de
borracha natural no Brasil apresentou um
incremento significativo, resultante das
políticas adotadas de incentivo através da
SUDHEVEA, com o Programa de Incentivo a
Produção de Borracha Natural (PROBOR) e,
também através da iniciativa privada nas
regiões de escape(áreas delimitadas geograficamente com mínima incidência do mal das
folhas), sobretudo nos estados de São Paulo,
Minas Gerais, Goiás e Mato Grosso (Dean,
1989). Estes estados são, atualmente, os
maiores produtores de borracha natural.
INTERAÇÕES
Revista Internacional de Desenvolvimento Local. Vol. 1, N. 2, Mar. 2001.
Melhoramento e conservação genética aplicados ao Desenvolvimento Local –
o caso da seringueira (Hevea sp)
Apesar de sua condição de principal
produtor e exportador de borracha natural no
início do século XX, o Brasil, nos anos
cinqüenta, passa à condição de produtor e
importador em função da queda de produção.
Mesmo assim, em 1985, atingiu o seu pico de
produção anual com 40 mil toneladas de
borracha seca, suprindo 40% do seu consumo
interno (Bernardes et al.,1990). Dados de 1990
mostram que o Brasil produziu apenas 24%
do seu consumo com uma área de aproximadamente 200.000 ha e uma produtividade
média de 800 kg/ha/ano (Furtado, 1992).
Essa produtividade é considerada baixa,
quando comparada com a do estado de São
Paulo, cuja média é de 1250 kg/ha/ano
(Brioschi et al., 1992).
4. Domesticação
A domesticação da Hevea brasiliensis é
o evento mais importante na história da
Heveicultura.
4.1 A coleta de Wickman
O marco mais importante da domesticação da seringueira foi a coleta bem sucedida
do inglês Henry Alexander Wickman em
1876. Wickman aportou no rio Tapajós e, na
região de Boim, com a ajuda dos índios Mura,
teria coletado 70.000 sementes de seringueira.
Enviadas a Londres pelo navio “Amazonas”,
as sementes chegaram ao seu destino
dezesseis dias depois (Reis, 1953). Aproximadamente 2.800 das 70.000 sementes germinaram em casa de vegetação. O plano original
previa que as plântulas fossem enviadas para
Burma, mas, devido aos problemas locais, o
fato não se concretizou. A rapidez de
crescimento das plântulas nas casas de
vegetação de Kew exigiu seu embarque
imediato para os trópicos, e seu destino foi o
Jardim Botânico do Ceilão. Em seguida, as 22
mudas foram enviadas para numerosas
localidades na Malásia e outros países
asiáticos. De acordo com Polhamus (1962),
somente 22 plântulas foram destinadas à
Malásia. Dessa forma, toda plantação
comercial moderna da Ásia foi constituída
com base em progênies de Hevea brasiliensis
dessas plantas introduzidas por Wickman.
53
4.2 Etapas de domesticação
Pode-se considerar que a domesticação
da seringueira consistiu de seis etapas. A primeira etapa foi a bem sucedida introdução, no
Oriente, do material genético coletado por
Wickman na região de Boim, no Pará, e livre
do “mal-das-folhas” (Imle, 1978). A chegada
de algumas plântulas de Wickman ao Jardim
Botânico de Singapura foi o estágio inicial para
a segunda etapa, uma vez que o aperfeiçoamento do sistema de corte ou sangria da seringueira, desenvolvido por H. N. Ridley, em 1898,
foi uma importante conquista tecnológica.
Ridley observou que o método de
sangria empregado nos seringais nativos da
Amazônia não se aplicaria aos plantios
racionais. Após paciente trabalho, desenvolveu um sistema de corte que causava pouco
dano às seringueiras, economizava consumo
de casca, permitia à árvore ser sangrada mais
de 100 vezes por ano, e ainda possibilitava o
aumento na produção anual de borracha. Seu
sistema de corte, com poucas modificações,
permanece em uso até hoje.
O material original coletado por
Wickman foi a base da variabilidade genética
para a seringueira cultivada em extensas
áreas da Ásia. Também a variabilidade
genética, disponível para cada país, originouse da mesma constituição da amostra recebida
desse material. Dessa forma, a variabilidade
existente na Malásia deve-se a 22 plântulas
obtidas originalmente.
A terceira etapa da domesticação teve
início logo após a fixação genética dessas árvores, facilitada através da técnica de enxertia
(Gonçalves et al., 1990). Com a enxertia,
tornou-se possível o desenvolvimento de
clones partindo-se de plantas matrizes de
qualidade superior. Uma conseqüência desse
desenvolvimento foi o aumento evidente na
produção e a substituição e ampliação de plantios com árvores geneticamente diversificadas.
A quarta etapa na domesticação da
seringueira envolveu hibridação seletiva de
clones superiores e propagação de clones
obtidos dos híbridos superiores. Tal fato
promoveu recombinação entre genótipos tidos
como elites, ampliando as fronteiras para uma
nova seleção e aumentando consideravelmente o potencial de produção. Conforme
dados apresentados por Tan (1978), os mais
INTERAÇÕES
Revista Internacional de Desenvolvimento Local. Vol. 1, N. 2, Mar. 2001.
54
Reginaldo Brito da Costa, Paulo de Souza Gonçalves, Adriana Odalia-Rímoli e
Eduardo José de Arruda
modernos clones comerciais são derivados
desse método de cruzamento, que vem
aumentando a produção média comercial para
1200 kg/ha/ano e chegando a produzir até
1600 kg/ha/ano em alguns plantios. Já existem
clones com potencial de até 2500 kg/ha/ano.
A descoberta e desenvolvimento de
resistência ao “mal das folhas” podem se
considerados como a quinta etapa na domesticação da seringueira. Enquanto os plantios
com base em clones primários superiores no
sudeste da Ásia iam cada vez mais se
expandindo, no Brasil o principal problema era
o fungo Micocyclus ulei. Nos primeiros 20 anos
deste século, as plantações de seringueira das
Guianas falharam, em decorrência do “mal das
folhas” (Holliday, 1970). Plantios estabelecidos
de sementes oriundas da região amazônica e
de clones asiáticos em Fordlândia, em 1927, e
em Belterra em 1934, foram também
severamente atacados pelo “mal da folhas”.
Em 1937, a Companhia Ford iniciou programas
de cruzamentos e enxertia de copas com o
objetivo de combinar alta produção e
resistência ao “mal das folhas”, através de
manejo silvicultural e genético combinados.
Esse programa teve prosseguimento a partir
de 1964, pelo Instituto Agronômico do Norte
(IAN), hoje Centro de Pesquisa Agropecuária
do Trópico Úmido (CPATU), seguindo os
mesmos objetivos.
5. Melhoramento e conservação genética
5.1 Melhoramento genético no Brasil
5.1.1 Fordlândia e Berterra
Em face da crescente necessidade de
borracha para atender a expansão da
indústria automobilística, e buscando fugir da
dependência do produto asiático, os norteamericanos solicitaram e obtiveram do
governo brasileiro a concessão de 1.200.000
hectares de terras, às margens do rio Tapajós,
no Estado do Pará, para o plantio de seringueiras. Em 1928, a Companhia Ford estabeleceu os primeiros plantios em Fordlândia.
O material plantado foi obtido de sementes
da região do rio Solimões e Machado,
próximo a Belém. A tentativa foi, porém,
frustrada, em razão da ocorrência freqüente
do “mal das folhas” provocado pelo fungo
Microcyclus ulei. Fracassado o empreen-
dimento em Fordlândia, suspenso em 1933,
começaram então os plantios em Belterra que
sofreram, também, com a incidência da
doença. No total foram plantados 6.570
hectares na região, utilizando-se também
clones do Oriente introduzidos em princípios
de 1934 (Gonçalves, 1995). Apesar da grande
incidência de Microcyclus ulei, os 3.000
hectares plantados em Fordlândia não foram
abandonados. Algumas plantas mostraram
graus variáveis de resistência à doença.
5.1.2 Primeiros trabalhos de seleção
As primeiras seleções para resistência
ao “mal das folhas”, no Brasil, foram realizadas pela Companhia Ford. Durante os anos
de 1942 e 1945 o programa se expandiu, sendo
conduzido em cooperação entre a própria
Companhia Ford, o então recém criado Instituto Agronômico do Norte (IAN) e o Departamento de Agricultura dos Estados Unidos.
O primeiro passo foi a seleção de
matrizes que haviam mostrado resistência à
doença em Fordlândia. Cruzamentos entre
clones resistentes ao mal-das-folhas e clones
produtivos do Oriente obtendo-se material
genético desejado naquela fase da conservação ‘ex-situ’ e melhoramento genético. Este
material genético serviria de base, em anos
subseqüentes, para o Instituto Agronô mico
do Norte (Gonçalves, 1995).
De posse do material resistente e do
material produtivo foi desenvolvido um
programa de melhoramento e conservação
genética intraespecífico, visando associar, em
uma mesma planta, os caracteres desejáveis
de produção de borracha seca e resistência
ao mal das folhas. Neste contexto, o Instituto
Agronômico de Campinas (IAC) tem
contribuído significativamente, conservando
e desenvolvendo o melhoramento genético da
espécie ao longo das últimas três décadas.
5.2 Estágio atual do melhoramento e da
conservação genética
Os objetivos do melhoramento genético
da seringueira variam de acordo com as
necessidade específicas de cada região.
Segundo Gonçalves (1986), todo objetivo se
fundamenta principalmente na obtenção de
clones com alto potencial de produção,
INTERAÇÕES
Revista Internacional de Desenvolvimento Local. Vol. 1, N. 2, Mar. 2001.
Melhoramento e conservação genética aplicados ao Desenvolvimento Local –
o caso da seringueira (Hevea sp)
seguido de outros caracteres secundários
desejáveis que contribuem para a redução do
potencial de produtividade.
5.2.1 Escolha dos parentais
A maior parte dos cruzamentos são
feitos com parentais os quais apresentam bom
desempenho nos experimentos e plantios
comerciais, principalmente em relação a
produção e resistência a doenças. Nos últimos
anos, a escolha dos parentais está se tornando
mais complexa devido a multiplicidade de
caracteres envolvidos no programa, desde
quando alta produção deixou de ser o único
objetivo e se incluiram outros carcteres
secundários, tais como precocidade, tipo de
esgalhamento para resistência ao vento,
dentre outros (Gonçalves, 1995).
O uso da genética quantitativa no estudo de caracteres econômicos pode em princípio favorecer o entendimento do modelo da
herança da cultura. Um aspecto de grande importância nesse sentido é que ele proporciona
aos melhoristas a escolha dos parentais e
consequentemente bom planejamento do
programa de melhoramento. Vários pesquisadores (Simonds, 1969; Gilbert et al., 1973;
NGA & Subramanian, 1974; Tan e Subramanian, 1976 e Gonçalves et al., 1990) concluíram
que a variância genética aditiva da produção
e do vigor contribui com uma parcela significativa na variância genética total, sugerindo
que a seleção fenotípica dos parentais pode
ser efetiva, mas a seleção baseada em valores
genotípicos é mais precisa e confiável.
Os primeiros trabalhos para estimar os
valores da Capacidade Geral de combinação
(CGC) em seringueira foram realizados por
Gilbert et al. (1973). Obtiveram valores de
CGC de parentais utilizados no início do programa de melhoramento do Rubber Research
Institute of Malaysia. Além de identificarem
alta CGC dos parentais, foi possível também
predizer bons cruzamentos potenciais não
conduzidos em programas anteriores.
A possibilidade de se determinar o
valor da CGC dos parentais em plantas jovens
para sete diferentes caracteres foi primeiramente conduzida por Tan e Subramanian
(1976). Os valores de CGC encontrados para
os caracteres estudados em plantas jovens
foram semelhantes aos obtidos para árvores
adultas, sugerindo a possibilidade do uso de
55
plantas jovens em testes de progênies. Posteriormente Tan (1977, 1978a e b) confirmou
essa possibilidade, utilizando dados de
produção de progênies de dois anos e meio
de idade. Concluindo que tais informações
seriam úteis ao melhoramento com a possibilidade de identificar em estádio precoce
alguns bons parentais, acelerando, dessa
forma, o progresso genético da cultura.
5.2.2 Polinização controlada
A percentagem média de sucesso da
polinização obtida na Malásia e Indonésia
gira em torno de 3 a 5%. O sucesso dependerá
do paternal feminino utilizado e das condições do tempo (Dijkman, 1951). Percentagem
em torno de 15% foi relatada por Ehret (1948)
citado por Gonçalves (1995) no Vietnam,
provavelmente devido às condições de clima
e solo. O sucesso da polinização controlada
obtido no Instituto Agronômico de Campinas
(IAC) é relatado por Gonçalves (1995) na faixa
de 2 a 2,5%. O maior ou menor sucesso,
salienta o autor, depende de fatores como
ataque de Microcyclus ulei, chuva, umidade
relativa do ar, estado nutricional da planta e
parentais utilizados.
5.2.3 Ciclo utilizado em programas de seleção e
melhoramento genético da seringueira
O ciclo para obtenção de clones compreende diversas etapas, conforme preconiza
Gonçalves et al. (1990), como é mostrado na
Figura 1. Inicialmente, procura-se obter
sementes de polinização aberta ou controlada.
As sementes obtidas são plantadas em sacos
de polietileno e, após quatro a seis meses de
plantio, quando as plântulas apresentam dois
lançamentos foliares, são levadas para o
viveiro de cruzamento, obedecendo espaçamento de 1,5m x 1,5m. Aos dois anos e meio,
os ortetes são selecionados e clonados para
testes de competição em pequena escala.
INTERAÇÕES
Revista Internacional de Desenvolvimento Local. Vol. 1, N. 2, Mar. 2001.
Reginaldo Brito da Costa, Paulo de Souza Gonçalves, Adriana Odalia-Rímoli e
Eduardo José de Arruda
56
ANO
0
2-2 1/2
POPULAÇÃO BASE
VIVEIROS DE PROGÊNIES
SELEÇÃO
INDIVÍDUOS SUPERIORES
EXPERIMENTAÇÃO EM
PEQUENA ESCALA
3
10
PARCELAS DE
PROMOÇÃO
NOVA SELEÇÃO E
AVALIAÇÃO DOS
PARENTAIS
13
AVALIAÇÃO E SELEÇÃO
15
EXPERIMENTAÇÃO EM
GRANDE ESCALA
RECOMENDADO
PARA PLANTIO EM
PEQUENA ESCALA
20
RECOMENDADO
PARA PLANTIO EM
PEQUENA ESCALA
RECOMENDADO
PARA PLANTIO EM
GRANDE ESCALA
24
30
RECOMENDADO
PARA PLANTIO EM
GRANDE ESCALA
Figura 1: Estratégias de melhoramento para H. brasiliensis
Os caracteres considerados na condução
da seleção em viveiro são os seguintes: a)
produção de borracha seca, obtida com base
em teste precoce de produção HMM modificado, conforme prescreve Tan e Subramanian
(1976), que consiste de sangrias a serem
efetuadas no sistema S/2, D/3 com dois ciclos
de dez cortes por teste com repouso de 10 dias
entre ciclos; b) vigor, avaliado pelo diâmetro e
altura das plântulas; c) arquitetura da
ramificação da copa, baseando-se no ângulo
do ramo, tamanho e número de galhos; d)
incidência de doenças das folhas, principalmente em viveiros localizados em regiões
de alta umidade.
Quando as plantas completam a idade
de 30 meses, são decepadas a uma altura de
1,5m para produzir novas brotações. As
hastes produzidas são utilizadas como
material de multiplicação, que será observado
na fase seguinte em experimentos de clones
em pequena escala. Estabelecidos no campo,
sob delineamento látice simples, látice
retangular ou blocos ao acaso com testemunhas comuns com três repetições e oito
plantas por parcela.
Os novos clones (rametes), originários
de ortetes selecionados dentro de progênies
de meio-irmãos ou irmãos-germanos, são
plantados em experimentos de competição.
Após dois anos e meio de sangria os clones
promissores são selecionados, considerandose as características: produção, precocidade,
formato de esgalhamento e incidência de
doenças e, se possível, qualidade do látex.
Os clones que apresentarem boa
produção e caracteres secundários aceitáveis
são multiplicados e plantados em ensaios em
grande escala. O objetivo dos ensaios em
grande escala é obter informações sobre a
performance dos clones sob diferentes
condições ambientais antes de fazer qualquer
recomendação para plantios comerciais. Os
tratamentos que dele fazem parte são
constituidos de clones promissores de outras
instituições de pesquisa, juntamente com
clones selecionados nos experimentos de
avaliação de clones em pequena escala.
São incluídos no experimento clones de
performace conhecida como testemunha. Parcelas entre 40 e 60 plantas são recomendadas,
dando-se preferência a sua instalação em
áreas de produtores. As avaliações anuais da
produção, vigor, tolerância ao vento e
evolução de doenças e pragas, são feitas nesta
última fase de maneira semelhante àquelas
preconizadas para os experimentos em
pequena escala.
A etapa descrita abrange geralmente 12
a 15 anos, até que se possa recomendar um
clone para plantio em grande escala. O trabalho de pesquisa, especialmente no melhoramento genético da espécie, desenvolvido pelo
Instituto Agronômico de Campinas (IAC),
disponibilizou, aos produtores do planalto
paulista, um material genético produtivo,
mais resistente a doenças e mais competitivo
no mercado nacional e internacional. A
conseqüência direta destas ações estão
refletidas na condição privilegiada do Estado
de São Paulo, em sua posição de maior
produtor de borracha seca/hectare/ano do
Brasil, bem como em seu status de detentor
de clones que competem em igualdade de
produção com os clones asiáticos.
6. A heveicultura e o desenvolvimento local
Embora a introdução da cultura da
seringueira no planalto paulista tenha sido
fruto de uma política pública formulada e
conduzida pala Secretaria do Estado de São
INTERAÇÕES
Revista Internacional de Desenvolvimento Local. Vol. 1, N. 2, Mar. 2001.
Melhoramento e conservação genética aplicados ao Desenvolvimento Local –
o caso da seringueira (Hevea sp)
Paulo, com o objetivo de dispor de uma nova
alternativa para os produtores paulistas (Pino
et al., 2000), a comunidade rural influenciou
no processo de implantação do programa,
sugerindo a incorporação dessa espécie
perene no contexto regional. Ávila, 2000
mostra que a perspectiva de desenvolvimento
local começa na própria comunidade. Os
pequenos e médios produtores, ou seja, a
própria comunidade descobriu e desenvolveu
suas capacidades, competências, habilidades
de agenciamento e gestão das próprias
condições visando a melhoria na qualidade
de vida.
No contexto acima referenciado, a própria comunidade assumiu o agenciamento do
seu desenvolvimento e os agentes externos
envolveram-se com o objetivo de que a comu-
57
nidade se tornasse capaz de iniciar o processo
visando sua fixação e melhoria na qualidade
de vida.
As ações desencadeadas pelos agentes
externos, com a participação efetiva das comunidades rurais, impulsionaram a heveicultura
na região. Conforme levantamento censitário
de Unidades de Produção Agrícola (UPAs) no
Estado de São Paulo, realizado no período de
1995-96, a heveicultura ocupava 40,5 mil
hectares, com 17 milhões de plantas, densidade
média estimada em 442 plantas/ha, em 2453
UPAs, ocorrendo entre 5 e 500 ha por propriedade rural (Pino et al., 2000). Os indicadores
contidos na Tabela 1 proporcionam uma visão
mais ampla do contexto da heveicultura na
região, mostrando o quadro sócio-econômico
das comunidades envolvidas.
Tabela 1: Indicadores relacionados à heveicultura no Estado de São Paulo, 1995-96 (Adaptado de Pino et al., 2000).
Indicadores
O produtor
Faz parte de cooperativa de produtores
Faz parte de associação de produtores
Faz parte de sindicato de produtores
Não utiliza assistência técnica
Utiliza somente assist. téc. Governamental
Utiliza somente assist. téc. Privada
Utiliza as duas assistências técnicas
Dispõe de comunicação telefônica
Utiliza crédito rural
Dispõe de energia elétrica residencial
Dispõe de energia elétrica para atividade agrícola
Faz análise de solo
Faz calagem, quando necessário
Faz adubação orgânica/verde, quando necessário
Utiliza práticas de conservação do solo
Utiliza mão-de-obra familiar
É proprietário sem instrução ou com instrução incompleta
É proprietário com antigo primário completo
É proprietário com antigo 1º grau completo
É proprietário com antigo 2º grau completo
É proprietário com curso superior completo
Observa-se, pelos indicadores da
Tabela 1, o grau de conscientização e de utilização de recursos tecnológicos e administrativos, fator que acompanha o nível de
instrução dos proprietários Nota-se, também,
a participação dos produtores associados em
cooperativas de produção agropecuária. É
importante ressaltar que, na maior parte das
UPAs com seringueira, utiliza-se mão-deobra familiar, em função do prolongamento
UPAs
Número
%
1.517
61,84
791
32,25
1.098
44,76
398
16,23
810
33,02
444
18,10
801
32,65
663
27,03
616
25,11
2.221
90,54
1.586
64,66
1.769
72,12
1.851
75,46
1.14
46,51
1.911
77,90
1.742
71,02
266
10,84
687
28,01
202
8,23
356
14,51
942
38,40
Área da cultura
Hectare
%
30.243
74,65
17.631
43,52
22.595
55,77
4.604
11,37
8.900
21,97
10.182
25,13
16.825
41,53
20.570
50,78
13.130
32,41
38.538
95,13
28.700
70,84
34.603
85,41
35.040
86,49
22.339
55,14
36.101
89,11
3.205
7,91
5.141
12,69
2.939
7,26
5.810
14,34
23.415
57,80
do período de produção, que chega a 10 meses
por ano. Esse é um fator relevante de agregação familiar, geração de empregos, fixação
no campo e desenvolvimento local.
Conforme dados obtidos por Pino et al.
(2000), o cultivo da seringueira vem assumindo importância crescente na agricultura
paulista, tendo em vista que cerca de 60% do
consumo brasileiro de borracha natural é de
matéria-prima importada.
INTERAÇÕES
Revista Internacional de Desenvolvimento Local. Vol. 1, N. 2, Mar. 2001.
58
Reginaldo Brito da Costa, Paulo de Souza Gonçalves, Adriana Odalia-Rímoli e
Eduardo José de Arruda
Considerações finais
O estudo de caso da seringueira pode
ser considerado um exemplo evidente da
relação entre a pesquisa desenvolvida por
agentes externos e a satisfação dos anseios das
comunidades rurais, propiciando o desenvolvimento local. Essa relação ocorre a partir da
descoberta das potencialidades e aspirações
da comunidade, devidamente respaldados
pelo conhecimento científico, resultando em
ações concretas. Tais ações irão desencadear
a melhoria na qualidade de vida das
populações envolvidas.
No entanto, é importante que a comunidade, a curto e médio prazo, torne-se autosuficiente para determinar e gerenciar os
próximos passos no seu processo de desenvolvimento. Assim, a influência dos agentes
externos irá diminuindo paulatinamente e a
comunidade poderá estimular, pelo exemplo
e pelas experiências e tecnologias locais,
outras comunidades. Todavia, a participação
do agente externo poderá ser novamente
solicitada pela comunidade, caso ocorra uma
nova situação que comprometa a atividade
em questão.
Referências bibliográficas
ÁVILA, V. F. Pressupostos para a formação educacional
em desenvolvimento Local. Interações. Revista
Internacional de Desenvolvimento Local, v. 1, n. 1,
p. 63-76, set. 2000.
BATISTA, S. O complexo da Amazônia: análise do
progresso de desenvolvimento. Rio de Janeiro,
Conquista, 1976, 292 p.
BERNARDES, M. S.; VEIGA, A. S.; FONSECA FILHO,
H. Mercado brasileiro de borracha vegetal. In:
Bernardes, M. S. (Ed.). Sangria da seringueira. Piracicaba, ESALQ / USP / FEALQ, 1990, p. 179-205.
BRIOSCHI, A.P.; ORTOLANI, A.A.; MARTINEZ, A. A.
Heveicultura no Estado de São Paulo: prioridades e
ações necessárias. Campinas/SP, 1992, 9 p. (Relatório
da Comissão Técnica de Seringueira).
DEAN, W. A luta pela borracha no Brasil, em estudo de
história ecológica. São Paulo, Nobel, 1989. 286 p.
DIJKMAN, M. J. Hevea thirty years of research in far east.
Florida University of Miami Press, 1951, 329 p.
FURTADO, R. Mineirice à francesa: extrativismo. Globo
rural, São Paulo, 7 (80): 28-35, 1992.
GILBERT, N. E.; DODDS, K. S.; SUBRAMANIAN, S.
Progress of breeding investigations with Hevea
brasiliensis. V. Analysis of data from earlier crosses.
Journal Rubber Research Institute of Malaysia, Kuala
Lumpur, 23(5):365-380. 1973.
GONÇALVES, P. de S.; MATOS, A. P.; MÜLLER, N.
W.; VIEGA, I. de J. M. II Coleta de material nativo
de alta produção em seringais do Estado do Acre e
Território Federal de Rondônia. Belém, IPEAN, 1973,
24 p. (relatório).
GONÇALVES, P. de S; CARDOSO, M.; COLOMBO, C.
C.; ORTOLANI. A. A.; MARTINS, A. L. M.; SANTOS,
I. C. I. Variabilidade genética da produção anual da
da seringueira: estimativas de parâmetros genéticos
e estudo de interação genótipo x ambiente. Bragantia,
Campinas, 49(2):305-320, 1990.
GONÇALVES, P. de S. Melhoramento genético da
seringueira (Hevea spp). In: Simpósio sobre a cultura
da seringueira no Estado de São Paulo. Piracicaba,
1986, Campinas, Fundação Cargil, cap. 5 p. 95-123,
1986.
_____. Melhoramento genético da seringueira. Circular
Técnica - IAC. Campinas, 1995, 42 p.
HOLLIDAY, P. South American leaf blight (Microcyclus
ulei) of Hevea brasiliensis. Kew, Commonwealth
Mycological Institute, 1970.
IMLE, E. P. Hevea Rubber - past and future. Economical
Botanic, 32:264-77, 1978.
NGA, B. H.; SUBRAMANIAN, S. Variation in Hevea
brasiliensis. I. Yield and girth data of the 1937 hand
pollinated seedlings. Journal Rubber Research Institute
of Malaysia, Kuala Lumpur, 24(2):69-74, 1974.
PINO, F. A.; FRANCISCO, V. L. F. dos S.; MARTIN, N.
B.; CORTEZ, J. V. Perfil da heveicultura no estado
de São Paulo, 1995-96. Informações Econômicas, v. 30,
n. 8, ago. 2000.
POLHAMUS, L. G. Botany of Hevea. In: POLHAMUS,
L. G. Rubber, botany production and utilization. London,
Leonard Hill, 1962, p. 63-90.
REIS, A. C. F. O seringal e o seringueiro. Rio de Janeiro,
Ministério da Agricultura, SIA, 1953, 194 p.
SCHULTES, R. E. The odissey of the cultivated rubber
tree. Endeavour, 1(7):33-8, 1977a.
_____. Wild Hevea: an undapped source of germ plasm.
Journal Rubber Research, Institute of Sri Lanka,
54(1):227-57, 1977b.
SIMMONDS, N. W. Genetical bases of plant breeding.
Journal Rubber Research Institute of Malaysia, 21(1):110, 1969.
TAN, H.; SUBRAMANIAN, S. A five-parent diallel
cross analysis for certain characters of young Hevea
seedlings. In: International Rubber Conference,
Kuala Lumpur, 1975. Proceedings, 2:13-16, 1976.
TAN, H. Estimates of general combening ability in Hevea
breeding at the Rubber Research Institute of
Malaysia. I. Phases II and IIIa. Theoretical Applied
Genetics, 51:29-34, 1977.
_____. Assesment of parental performace for yield in
Hevea breeding. Euphytica, 27:521-8, 1978a.
_____. Estimates of parental combining abilities in
rubber (Hevea brasiliensis) based on young seedlings
progeny. Euphytica, 27:817-23, 1978b.
INTERAÇÕES
Revista Internacional de Desenvolvimento Local. Vol. 1, N. 2, Mar. 2001.
Desenvolvimento Local em comunidades indígenas no Mato Grosso do Sul:
a construção de alternativas
Local Development in indigenous communities in South Mato Grosso:
the construction of alternatives
Desarrollo Local em comunidades indígenas em el Mato Grosso do Sul:
la construcción de alternativas
Antônio Brand
Universidade Católica Dom Bosco
Contato: [email protected]
Resumo: Este artigo trata do impacto do processo histórico de confinamento sobre a economia dos índios Kaiowá/
Guarani, no Mato Grosso do Sul. Após destacar as características principais das economias tradicionais, apoiado na
obra clássica de Sahlins (1977) e outros, analisa as razões do sistemático fracasso dos projetos de desenvolvimento
econômico implantados, durante as últimas décadas, de fora para dentro. Conclui-se com a proposta de Unidades
Experimentais de produção de alimentos e artesanato a serem constituídas a partir das escolas indígenas e voltadas à
construção de alternativas de desenvolvimento.
Palavras-chave: Povos Indígenas; Economias tradicionais; Desenvolvimento Local.
Abstract: This article handles the impact of the historical process of confinement on the economy of the Kaiwá/
Guarani Indians of South Mato Grosso. After pointing out the main characteristics of the traditional economies, based
on the classic work of Sahlins (1977) and others, analyses the reasons for the systematic failure of development
projects installed from the outside throughout recent decades. The article concludes with a proposal of Experimental
Units for the production of food and crafts to be constituted from within the indigenous schools and directed to the
construction of development alternatives.
Key words: Indigenous peoples; Traditional economies; Local Development.
Resumen: El artículo trata del impacto del proceso histórico de confinamiento sobre la economía de los indios
Kaiowá/Guarani, en el Mato Grosso do Sul. Después de destacar las características principales de las economías
tradicionales, apoyado en la obra clásica de Sahlins (1977) y otros, analiza las razones de fracaso sistemático de los
proyectos de desarrollo económico implantados durante las últimas décadas, de afuera para adentro. Se concluye
con la propuesta de Unidades Experimentales de producción de alimentos y artesanía a ser constituidas a partir de las
escuelas indígenas, en dirección a la construción de alternativas de desarrollo.
Palabras claves: Poblaciones indígenas; Economías tradicionales; Desarrollo Local.
1. Os povos indígenas em Mato Grosso
do Sul
Mato Grosso do Sul é o estado brasileiro que possui a segunda maior população
indígena no país, perfazendo um total de
aproximadamente 50.000 pessoas. Cinco
povos1 destacam-se hoje no cenário multicultural do estado: os Kaiowá/Guarani, os
Terena, os Kadiwéu, os Guató e os Ofaiet.
Os Kaiowá/Guarani e os Terena apresentam o maior contingente populacional com,
respectivamente, 25 mil e 20 mil pessoas, e
constituem, em termos quantitativos, duas
das mais importantes populações indígenas
do país. Os Guarani contemporâneos são,
convencionalmente, divididos em três subgrupos: os Ñandéva/Chiripá, os Mbyá e os
Kaiowá. No Mato Grosso do Sul, predomina
a presença dos Kaiowá e, em menor número,
dos Ñandéva/Chiripá, sendo estes últimos
os únicos que se autodenominam “Guarani”.
O que caracteriza a situação desses
povos em nosso estado é o seu confinamento
em áreas de terra insuficientes para a sua
sobrevivência física e cultural. O processo
histórico tem se caracterizado pela progressi-
va perda territorial para as frentes de colonização que adentraram os territórios indígenas tradicionais. Esses povos vivem hoje em
reservas de terra que, em sua maior parte,
são demarcadas pelo Serviço de Proteção aos
Índios (SPI). Todas são, porém, superpovoadas, considerando-se o modo específico
de vida e as relações que tradicionalmente
esses indígenas mantêm com a natureza. Os
recursos naturais estão profundamente
comprometidos, não oferecendo mais as
mínimas condições para a sobrevivência
dessas coletividades. Os indígenas são
obrigados, então, a se assalariarem nas
usinas de produção de álcool e açúcar.
Por essa razão emerge, com força, a
questão dos territórios, em seu aspecto de
construção cultural, ou enquanto espaço de
afirmação da identidade e da autonomia de
culturas distintas. Desde a década de 1980,
esses povos, em especial os Kaiowá/
Guarani, vêm desenvolvendo progressivo e
sistemático movimento no sentido de recuperar parcelas cada vez mais expressivas de
terras, consideradas, por eles, como territórios tradicionais e historicamente perdidos
frente ao avanço do processo de colonização
INTERAÇÕES
Revista Internacional de Desenvolvimento Local. Vol. 1, N. 2, p. 59-68, Mar. 2001.
60
Antônio Brand
no estado. Lutam, dessa forma, para quebrar
o confinamento geográfico que lhes foi
imposto e, assim, reviabilizar seus projetos
culturais específicos.
Como conseqüência de um processo
histórico extremamente desfavorável, que
acarretou perda de parte significativa dos
territórios, assim como dos equívocos gerados por alternativas econômicas implantadas
de fora para dentro, os povos indígenas
vêem sua qualidade de vida deteriorandose gradativamente. Entre outros problemas,
surgem o alcoolismo, a prostituição, a violência interna, os suicídios entre os Kaiowá/
Guarani2, e uma migração cada vez maior
para as periferias das cidades, por parte da
população Terena. É dentro deste contexto
que se situam as discussões em torno da
busca de alternativas de desenvolvimento
que tenham em conta o conhecimento e a
experiência histórica e cultural específica de
cada um destes povos, com vistas à
reconstrução de sua qualidade de vida.
O desenvolvimento em escala
humana, segundo Max-Neef, Elizalde e
Hopenhayn (1986:14), concentra-se e
sustenta-se “na satisfação das necessidades
humanas fundamentais, na geração de
níveis crescentes de autodependência e na
articulação orgânica dos seres humanos com
a natureza e a tecnologia, dos processos
globais com os comportamentos locais, do
pessoal com o social, do planejamento com
a autonomia (...)”.
Nessa perspectiva, o objeto de estudos
passa, portanto, a ser a qualidade de vida
das pessoas. Ora, qualidade de vida, em
especial no caso dos povos indígenas, tem a
ver com seus territórios, sua identidade
cultural, seus valores e cosmovisão. Por isso,
um projeto de desenvolvimento em escala
humana remete, necessariamente, ao
conhecimento e ao respeito à diversidade
cultural. Todavia, não se deve tomar a noção
de respeito à diversidade cultural no sentido
considerado pelo capital globalizado, que
busca transformar a diversidade em produto
exótico, passível de venda no mercado: mas
deve-se tomá-la como referencial básico para
o protagonismo do local nos processos de
desenvolvimento em escala humana.
É a partir dos territórios que se efetiva
o protagonismo “real” das pessoas, tendo em
vista a necessária “autonomia” dos espaços
(Max-Neef, Elizalde e Hopenhayn, 1986:14)
e das comunidades, enquanto atores que
constróem e semiotizam os espaços. Os territórios constituem-se nos espaços necessários
para a afirmação da autonomia das comunidades indígenas. No entanto, essa autonomia passa também, e cada vez mais, pela
busca de alternativas de desenvolvimento,
apoiadas na sustentabilidade, na participação e na autogestão dessas comunidades.
É, certamente, ilusório falar em noções
como “respeito à diversidade cultural” e em
“autonomia” num contexto de total dependência econômica e ausência de recursos
para a sobrevivência, como é o caso dos
povos indígenas que são o objeto do presente
estudo. A reconquista da terra, embora
elemento indispensável, não basta, atualmente, para garantir qualidade de vida aos
povos indígenas no país.
Ao formularmos a pergunta sobre o
que determina a qualidade de vida de uma
pessoa ou de um grupo culturalmente
distinto, afirma-se a necessidade de uma
proposta específica de desenvolvimento
voltada para as comunidades indígenas. Tal
proposta exige, além do estudo das necessidades verificadas em uma determinada
comunidade, relacionando-os com os “bens
e serviços” que possam satisfazê-las ou,
ainda, entre necessidades/demandas e bens
econômicos/recursos, mas impõe a compreensão da relação com “práticas sociais,
formas de organização, modelos políticos e
valores que repercutem sobre as formas em
que se expressam as necessidades (...)” (MaxNeef, Elizalde e Hopenhayn, 1986:36). São
relevantes as formas internas de organização
de uma comunidade indígena, sua estrutura
política, práticas sociais, valores, normas,
espaços, sua cosmovisão.
Nesse sentido, tratar da qualidade de
vida de um povo indígena assume caráter
de estudo de caso em um país multicultural
e pluriétnico. Concepções culturalmente distintas de território, bem como as formas próprias de se relacionar com o mesmo, organizar e redistribuir a produção e a relação
deste processo com as demais esferas da
respectiva sociedade, são elementos decisivos
na discussão sobre desenvolvimento em
escala humana.
INTERAÇÕES
Revista Internacional de Desenvolvimento Local. Vol. 1, N. 2, Mar. 2001.
Desenvolvimento L6ocal em comunidades indígenas no Mato Grosso do Sul:
a construção de alternativas
2. Território e recursos naturais
Recentes trabalhos realizados por
pesquisadores junto a diversos povos indígenas demonstram o profundo conhecimento desses povos sobre os recursos naturais
localizados em seus territórios e sobre a
diversidade de formas possíveis de utilização
de tais recursos. Os Kaiapó, no Pará, conhecedores de práticas agrícolas em regiões de
cerrado, ao iniciar uma roça, introduzem
grande número de espécies e variedades. Os
pesquisadores registraram na aldeia Gorotire
(Pará), em média, 50 espécies de plantas
cultivadas por roça, incluindo 17 variedades
de mandioca e macaxeira, assim como 33
variedades de batata doce, inhame e taioba.
Robert Carneiro (1987:47) constata que os
Kuikuro (Brasil Central) “adquiriram um
conhecimento detalhado e preciso da
floresta tropical”, não só no que se refere à
identificação das espécies aí localizadas, mas
também quanto ao uso das árvores e
arbustos, cipós e ervas de seu habitat para a
confecção de abrigos, artefatos, transporte,
alimentação, medicação, perfume e
cosméticos.
Inúmeros outros exemplos atestando
esse extraordinário conhecimento indígena
dos recursos naturais e suas formas de
exploração poderiam ser aqui citados. A
ciência ocidental, tardiamente, vem se dando
conta da profunda sabedoria acumulada
por esses povos sobre o meio em que estão
inseridos a milhares de anos. O desenvolvimento agrícola ocidental “pautou-se pela
eliminação da complexidade, mediante a
imposição de um número limitado e
controlado de monoculturas específicas,
altamente rentáveis” (Posey, 1987:21). Como
conseqüência, comprometeu-se a diversidade
e destruiu-se o meio ambiente natural.
Parte significativa dos desafios que os
povos indígenas enfrentam hoje, no Brasil,
tem sua origem, exatamente, na imposição
do modelo ocidental de desenvolvimento
altamente concentrador, excludente e destruidor da natureza. A perda dos territórios
e, acima de tudo, a destruição dos recursos
naturais, mediante a imposição da monocultura, comprometeu as bases da economia
indígena, apoiada na diversidade de
alternativas, destruindo, progressivamente,
61
os seus sistemas de auto-sustentação e
instaurando, dessa forma, um processo
ininterrupto de empobrecimento.
Tendo como referência a situação dos
territórios e das riquezas naturais aí localizadas, restam aos povos indígenas, fundamentalmente, três alternativas, para suprir
as necessidades básicas de subsistência. Nos
casos em que os índios ainda são possuidores
de recursos naturais, como madeira ou
minério, tais recursos seguem sendo explorados, na maior parte dos casos, em detrimento do meio ambiente e dos próprios
povos indígenas. É o que se verifica em
Rondônia e outras regiões do Brasil, especialmente na Amazônia. São raros, ainda, os
casos em que os próprios povos indígenas
conseguem fugir das imposições da
economia regional e realizar uma exploração
auto-sustentável dos recursos naturais e em
proveito de suas comunidades.
Porém, em parte significativa das áreas
indígenas, os recursos naturais já foram
totalmente destruídos, restando apenas a
terra, que é arrendada a terceiros. E esse
arrendamento, embora proibido por lei, é
“viabilizado” através do envolvimento de
determinadas lideranças indígenas com os
interesses econômicos regionais e/ou pela
total falta de recursos técnicos e financeiros
para explorar sua terra por conta própria,
nas condições impostas pela economia
regional (agricultura mecanizada). É o que
se verifica nas áreas indígenas no Sul do
Brasil e em algumas Reservas de Mato Grosso
de Sul.
Finalmente, há aqueles casos mais
dramáticos de povos indígenas que perderam
suas terras ou as viram demasiadamente
reduzidas, fato que inviabiliza a sua exploração. Tal é o caso dos Kaiowá/Guarani que,
a partir de 1978, começam a reivindicar o
direito de permanecer nas antigas aldeias ou,
então, o de retornar àquelas já perdidas,
começando uma luta para interromper uma
prática histórica, comum em toda a região.
Pois, enquanto fossem necessários como mãode-obra nas fazendas, eles poderiam
permanecer em suas aldeias tradicionais.
Porém, concluído o desmatamento das
propriedades, eram transferidos para oito
reservas de terra, demarcadas pelo Governo
Federal entre os anos de 1915 e 1928, em um
INTERAÇÕES
Revista Internacional de Desenvolvimento Local. Vol. 1, N. 2, Mar. 2001.
Antônio Brand
62
espaço cada vez mais superpovoado. Após
submeter-se a esse confinamento, o único
bem que lhes restou para ser vendido no
“mercado” regional é sua mão-de-obra.
Assim, a alternativa é o assalariamento
compulsório, como acontece na maior parte
das comunidades indígenas em Mato Grosso
do Sul.
Além das perdas provocadas pela
redução das extensões de terra ocupadas, a
qualidade de vida dessas comunidades foi
comprometida mais ainda por modelo de
desenvolvimento agrícola transplantado das
grandes propriedades rurais regionais. Esse
modelo, centrado na monocultura e na
mecanização, provocou a destruição dos
recursos naturais, desarticulando as formas
tradicionais de produção, sem conseguir
gerar, no entanto, os alimentos necessários
ao sustento das mesmas comunidades. Essa
imposição de fora para dentro contribuiu
para o aumento da fome e da desnutrição
entre a população indígena local.
4. A economia dos povos indígenas
Para avaliar o impacto do processo
histórico de perda dos territórios e do conseqüente comprometimento dos recursos
naturais e, ainda, os resultados provocados
pelos projetos de desenvolvimento implantados de fora para dentro, é fundamental
atentar para algumas características das
economias tradicionais. As economias
indígenas, ou economias tradicionais, são
organizadas, especialmente, a partir do
parentesco, relação que se constitui no
elemento fundamental para compreender os
processos internos de produção e redistribuição. Nessas economias, a geração de
alimentos ocupa posição preponderante e a
divisão sexual do trabalho perpassa todas as
atividades. Ao contrário do que é verificado
nas sociedades ocidentais, essas economias
são voltadas para as necessidades macrofamiliares, e a produção é, tradicionalmente,
dirigida para o consumo e para o exercício
da reciprocidade e não para o mercado, fato
que caracteriza uma economia antiexcedente. Nesse contexto, todos tinham
acesso direto aos “produtos estratégicos” e,
historicamente, ninguém podia ser privado
de seus direitos.
A redistribuição interna dos bens,
considerado o exercício organizado de
direitos e obrigações associado ao cacicado,
incluía o patrocínio de cerimoniais, de
pompas social e de guerra, de hospitalidade,
do socorro a viúvas e órfãos (Sahlins, 1977).
Não existia, portanto, no interior das
comunidades indígenas, a possibilidade de
se constituir uma categoria de Sem Terra. É,
também, importante atentar que, nessas
sociedades, é difícil separar e diferenciar as
esferas sócio-religiosa e econômica. Todo
intercâmbio, toda prática da reciprocidade,
traz dentro de si o peso político da reconciliação, pois, para o indígena, o pior sempre
será não poder ofertar presentes. E, nesse
sentido, tal prática traz um “coeficiente de
solidariedade” que faz com que ela nunca
possa ser reduzida a seus termos materiais,
excluindo o social. Se os amigos oferecem
presentes, são os presentes que fazem os
amigos, diz Sahlins (1977:204).
Nessas sociedades, centradas nas relações de parentesco3, a economia, segundo
Sahlins (1977:91), é muito mais “una función
de la sociedad que una estructura”, porque
a armação do processo econômico vem de
grupos considerados “no económicos”, os
grupos domésticos. Ou seja, as relações internas, em especial as relações de parentesco,
“son las relaciones principales de la
producción dentro de la sociedad” (1977:92).
O mesmo caráter coletivo e democrático que
é verificado no acesso aos recursos naturais,
também afeta o aparato tecnológico, de
confecção caseira e à disposição da maioria,
manejado por grupos familiares e indivíduos. Em seu artigo Ecologia e cultura:
algumas comparações, George C. L. Zarur
(1987:277), constata que a cultura material
dos grupos Jê, do Brasil Central, ocupantes
de regiões de cerrado e em constantes
deslocamentos, era composta por um
“pequeno elenco de objetos portáteis”, em
geral resistentes ao choque, cultura também
marcada pela ausência de canoas e de
cerâmica. Zarur (1987) cita, como exemplo,
um inventário, realizado entre os Kraho, que
demonstrou o fato de que aproximadamente
65% dos artefatos eram confeccionados com
folhas de palmeira e, portanto, implicavam
grande facilidade de fabrico. No entanto, o
fato de as comunidades indígenas serem
INTERAÇÕES
Revista Internacional de Desenvolvimento Local. Vol. 1, N. 2, Mar. 2001.
Desenvolvimento L6ocal em comunidades indígenas no Mato Grosso do Sul:
a construção de alternativas
usuárias de tecnologias consideradas rústicas
pelo senso comum levou à formulação da
convicção, também do senso comum, de que
as economias indígenas eram capazes de
prover apenas a sua subsistência.
Marshall Sahlins, em sua clássica obra
Economia de la edad de la piedra (1977), aborda
essa polêmica questão. Até que ponto a
economia dos povos caçadores e coletores era
apenas de subsistência ou poderia ser
caracterizada como economia de opulência?
Para buscar uma resposta, o autor (1977:13)
parte da constatação de que “una sociedad
opulenta es aquella en la que se satisfacen
con facilidad todas las necesidades materiales
de sus componentes” e chega à conclusão
de que há dois caminhos para se chegar à
opulência: “o bien produciendo mucho, o
bien deseando poco”. E aí reside outra
distinção entre as economias tradicionais e
a economia ocidental. Para as primeiras, as
necessidades materiais do homem são finitas
e escassas, e os recursos técnicos normalmente adequados para tais fins (Sahlins,
1977:14). E, nesse sentido, a escassez percebida pelo senso comum não seria uma
propriedade intrínseca e conseqüência dos
meios técnicos disponíveis, mas resultado da
relação entre meios e fins. Ou seja, como o
objetivo das economias indígenas não é
produzir excedentes para o comércio ou para
a estocagem, mas apenas o suficiente para o
sustento macrofamiliar, baseado no exercício
da reciprocidade e da generosidade, as
tecnologias indígenas seriam perfeitamente
adequadas aos fins esperados e buscados
(1977:17). Ou seja, suas tecnologias, ao
contrário das modernas tecnologias, seriam
perfeitamente adequadas para gerar a
produção esperada e necessária.
Portanto, como a ideologia subjacente
a uma sociedade apoiada em relações de
reciprocidade não permite a emergência da
acumulação de bens como um valor social,
a produção de excedente é restrita às
exigências da reciprocidade. Assim, observa
Sahlins (1977:152), ao mesmo tempo em que
“la ética de la generosidad del jefe legitima
la desigualdad” porque, para poder ser
generoso, é importante ter o que distribuir,
de outra parte “el ideal de reciprocidad niega
que esto produzca alguna diferencia”,
porque impõe a constante redistribuição.
63
O dever da distribuição impede a
acumulação e, por ser um dever, não exige
manifestações de gratidão. A conexão entre
hierarquia e reciprocidade se expressa,
segundo Sahlins (1977:226), de acordo com
a fórmula “ser noble es ser generoso” e,
segundo, “ser generoso es ser noble”. Há,
portanto, clara interdependência entre
liderança e reciprocidade. Dessa forma, a
acumulação de riquezas, para determinados
povos, só era admitida na perspectiva de sua
redistribuição (1977:233). Volker von
Bremen (1987:19-20) sublinha o dever de
compartilhar (repartir) em voga entre os
índios caçadores e coletores do Chaco
Paraguaio, sendo que essa distribuição se
diferencia “según el grado de parentesco, la
edad, el sexo y la distancia que separa a un
pariente de outro”. Esse dever de repartir,
segundo Regehr (1984:93), representa
também o princípio da “maxima distribución
posible” dos riscos, em uma sociedade
dependente dos recursos disponíveis na
natureza.
Sabemos que um membro de um povo
indígena trabalhava muito menos horas por
dia do que um cidadão em nossa sociedade.
Citando o exemplo dos Bosquímanos,
Sahlins (1977:34-36) conclui que o trabalho
de um homem na caça e na coleta possibilitava o sustento de mais quatro a cinco
outras pessoas ou, mais exatamente, 65 de
cada 100 pessoas trabalhavam aproximadamente 36% de seu tempo, chegando a dois
dias e meio de trabalho por semana. Cabe
lembrar aqui que Schmidl (1945) afirmou
que, no momento da chegada dos Espanhóis
à Bacia do Prata, com o objetivo de
estabelecerem o seu primeiro contato com os
Guarani, no sec. XVI, havia abundância e
variedade de comida entre os indígenas.
No entanto, é incontestável que,
devido, especialmente, à perda de seus territórios e dos recursos naturais, as comunidades indígenas têm suas formas tradicionais
de economia cada vez mais comprometidas
e, por conseguinte, estão cada vez “mais
próximas” e dependentes de nossas lógicas
econômicas, em especial do mercado, que vai
entrando em busca dos restos de recursos
naturais e, na ausência destes, da mão-deobra indígena. O roubo histórico desses
recursos não permitiu a geração de outras
INTERAÇÕES
Revista Internacional de Desenvolvimento Local. Vol. 1, N. 2, Mar. 2001.
Antônio Brand
64
alternativas capazes de suprir as necessidades básicas desses povos, nem a produção
de outros bens, provocando, em muitos
casos, a crescente degradação da qualidade
de vida, tendo como indicador o crescimento
da fome em parte significativa das aldeias
indígenas nos dias de hoje.
5. O fracasso dos projetos de
desenvolvimento
Há surpreendente consenso entre os
economistas e pesquisadores sobre os sucessivos fracassos de projetos de desenvolvimento,
centrados exclusivamente em critérios de
crescimento econômico e avanço tecnológico.
Torna-se cada vez mais difícil ignorar uma
série de indicadores negativos que são
resultantes desses projetos. Um darwinismo
social, cada vez mais descontrolado, tem
provocado crescente desigualdade social em
todos os países, além de comprometer os
recursos naturais. Caem por terra os mitos
de que o crescimento econômico, a modernização e as inovações tecnológicas possam
superar os desequilíbrios sócio-ambientais
(Elizalde, 1992). O mesmo fracasso verificase nos assim denominados “projetos de
desenvolvimento”, implantados em sociedades tradicionais, em especial nas comunidades indígenas, mesmo naquelas já com
maior tempo de inserção na economia
regional. Diversos fatores podem ser elencados como responsáveis por esses fracassos,
porém todos têm em comum o fato de desconsiderar ou desconhecer as características
próprias e distintas das economias indígenas
e de suas relações com o território.
Já foram amplamente analisados os
impactos das iniciativas de mecanização das
lavouras nas áreas indígenas, em especial no
Sul, Sudeste e Centro-Oeste do país, durante
as décadas de 1970 e 80. Seus resultados
foram desastrosos e resultaram num comprometimento ainda maior dos recursos
naturais no interior das comunidades
indígenas. Estimularam, em muitas delas,
uma crescente concentração fundiária, além
de acentuar as relações de paternalismo
ainda hoje de difícil superação.
Silva (1982:76), em seu estudo intitulado Os Kaiowá e a Ideologia dos Projetos
Econômicos, ao analisar os projetos comuni-
tários implantados entre os Kaiowá de
Panambi, município de Douradina, Mato
Grosso do Sul, conclui que esses projetos
foram “uma reprodução do sistema econômico regional, ligeiramente adaptados à
realidade tribal quanto à forma em que o
trabalho é executado”, aproveitando o que
a FUNAI acreditava serem princípios da
organização do grupo tribal, o chamado
“comunitarismo”.
Embora trouxessem a preocupação
fundamental de romper o círculo vicioso do
trabalho assalariado fora das áreas indígenas
e a integração dos indígenas à sociedade
nacional, esses projetos de desenvolvimento
acabavam reproduzindo, contraditoriamente, as mesmas relações de dependência
que procuravam superar. Foram simples
transferência para o interior das áreas indígenas de práticas da agricultura convencional,
apoiadas no amplo uso da mecanização e
de insumos químicos. Os resultados têm sido
desastrosos, provocando crescente degradação das condições de vida e aumento da
dependência do assalariamento externo à
aldeia.
Estavam, tais projetos, apoiados
apenas na constatação certamente correta
do comprometimento das economias indígenas e de sua crescente inviabilização. Porém,
os povos indígenas seguiam e seguem orientando-se a partir de suas lógicas específicas.
Uma longa e ininterrupta história de inserção
colonial e de profundas alterações nas condições externas às comunidades indígenas não
eliminaram, mas apenas transformaram
seus mecanismos de conduta próprios4.
Cabe destacar que essa longa história
colonial, centrada na disputa pelos territórios
indígenas e na exploração dos recursos aí
existentes, provocou um claro descompasso
entre as bases concretas da economia das
sociedades tradicionais, rápida e profundamente alteradas durante as últimas décadas,
e o modo de pensar desses povos. O ritmo
das transformações do mundo dos valores e
da cosmovisão não tem sido o mesmo das
transformações impostas pela nossa sociedade ao território e ao entorno. Esse descompasso tende a crescer, haja vista a complexa
questão do ritmo das mudanças, cada vez
mais rápidas, que marcam a sociedade
globalizada. Encontram-se indicativos desse
INTERAÇÕES
Revista Internacional de Desenvolvimento Local. Vol. 1, N. 2, Mar. 2001.
Desenvolvimento L6ocal em comunidades indígenas no Mato Grosso do Sul:
a construção de alternativas
descompasso em praticamente todos os
relatórios técnicos avaliativos de processos
de construção de alternativas econômicas em
comunidades indígenas.
Para Bremen (1987:16), há uma
tendência dos agentes promotores de
projetos de desenvolvimento, de considerar
as comunidades indígenas como inseridas na
mesma problemática da sociedade envolvente, considerando apenas os indicativos de
ordem econômica. Pelo fato de utilizarem
algumas de nossas tecnologias, essas sociedades passam a ser consideradas integradas
em nossa lógica capitalista5.
No entanto, os sistemáticos fracassos
na implementação de projetos de desenvolvimento não têm levado os agentes promotores à necessária revisão crítica de suas
propostas e à percepção de que cada povo
tem esquemas específicos que orientam a
redistribuição dos bens econômicos e que
esses esquemas são sustentados por valores/
lógicas que os lubrificam e mantém. Tem
sido, certamente, mais fácil, segundo
Bremen (1987:66), culpar os próprios
indígenas pelos seus fracassos, afirmando
serem “incapaces de cumplir con lo previsto
para ellos durante la planificación del
proiecto”, ou que eles se mostraram mais
incapazes do que o suposto.
O planejamento e a análise dos projetos
restringem-se a fatores tais como condições
ecológicas, infra-estrutura e mercados,
aspectos relevantes para o desenvolvimento
segundo a concepção ocidental. Segundo
Bremen (1987:50-51), a criação de uma base
econômico-produtiva própria, como principal objetivo dos projetos de desenvolvimento,
já indicaria não se tratar de iniciativa indígena. Questionando a alegada participação
dos indígenas na elaboração desses projetos,
o autor constata que os argumentos
indígenas coincidem, em muitos casos, com
os dos promotores. Ao investigar as razões
dessa aparente concordância, Bremen ressalta uma outra dimensão não considerada por
diversas iniciativas de desenvolvimento junto
a povos indígenas. Os povos indígenas,
embora fortemente submetidos no decorrer
da história colonial e inseridos em contextos
regionais onde se constituem em minorias,
nunca deixaram de definir suas estratégias
próprias a partir da análise que fazem de
65
suas possibilidades em cada momento
histórico. Nesse sentido, os projetos de
desenvolvimento, embora alheios às suas
expectativas, têm seus objetivos reinterpretados a partir de critérios próprios e tradicionais. A concordância formal com os seus
pressupostos constitui-se, sob esse aspecto,
numa estratégia ou num esforço de subordinar os aportes externos às suas necessidades e estratégias internas. Conseguem,
dessa forma e em muitos casos, seguir como
sujeitos de seu processo interno6.
Certamente muitos projetos fracassam, ainda, por não terem, suficientemente,
em conta as condições da economia regional.
Esse é um dado de difícil compreensão para
muitos povos indígenas e não é fácil chegar
a uma certa ou até necessária adequação
entre as exigências do mercado regional e as
características/condições próprias das
comunidades indígenas. Por isso Regehr
(1984:90) afirma que o “germen del fracaso
se suele introducir en todos los projectos por
la equivocación de ambas partes...”
6. Unidades experimentais de produção de
alimentos e artesanato para a população
Kaiowá/Guarani - a busca de alternativas
de desenvolvimento a partir das escolas7
Com o desmatamento sistemático da
região em que se localizam os Kaiowá/
Guarani, no Mato Grosso do Sul, dezenas
de aldeias tradicionais foram ocupadas por
fazendeiros e a população indígena foi
aleatoriamente concentrada nas Reservas de
terra demercadas, para esse fim, pelo
Governo Federal. Esse processo de redução
e confinamento compulsório8 prosseguiu
inexorável, ao arrepio de toda legislação já
existente em favor dos direitos indígenas à
terra, até o final da década de 1970. Como
conseqüência da superpopulação, o ecossistema no interior das Reservas Indígenas está
completamente alterado, conforme já anteriormente descrito. A Reserva de Caarapó,
onde se pretende construir as primeiras
Unidades experimentais de produção de
alimentos e artesanato, é uma das grandes
Reservas Indígenas, com extensão de 3.600
hectares e uma população hoje estimada em
2.500 pessoas, num total de 500 famílias.
Os objetivos das Unidades experimen-
INTERAÇÕES
Revista Internacional de Desenvolvimento Local. Vol. 1, N. 2, Mar. 2001.
66
Antônio Brand
tais de produção de alimentos e artesanato são
viabilizar no interior das áreas indígenas e
diretamente articulado com as escolas da
comunidade, espaços experimentais onde os
alunos possam, com acompanhamento
técnico qualificado, pesquisar e desenvolver
alternativas de produção e beneficiamento
de alimentos e artesanato, a partir de
tecnologias alternativas, sem o uso de agrotóxicos e apoiados em seu conhecimento e
experiência histórica específica. Pretende-se
obter não apenas melhorias na alimentação
consumida pela comunidade, mas também
construir alternativas de geração de renda e
sustentabilidade.
Como objetivos específicos destacamse a criação de espaços experimentais para
a pesquisa e a implementação da produção,
com a participação direta de alunos e
estagiários indígenas, privilegiando tecnologias alternativas, incluindo a reprodução
de sementes nativas; a discussão e a implementação de técnicas agrícolas mais próximas do universo cultural indígena; o treinamento de alunos e estagiários indígenas,
visando à transferência de tecnologias para
a produção e beneficiamento de alimentos
às demais áreas indígenas; a geração de
renda mediante a comercialização da
produção excedente, criando uma alternativa ao assalariamento existente; o incentivo
à criação de pequenos animais para a
composição da dieta alimentar da comunidade, servindo como fonte de proteínas.
As Unidades Experimentais pretendem,
ainda, constituir-se em áreas de demonstração, onde os integrantes da comunidade
indígena possam visualizar possibilidades
alternativas de produção de alimentos,
numa parceria do conhecimento tradicional
indígena e o conhecimento técnico ocidental.
Por isso será estimulada a circulação e a
participação nas atividades em andamento
não só de alunos, mas também de índios
adultos.
O desafio fundamental que perpassa
as iniciativas de desenvolvimento em comunidades indígenas é a articulação de racionalidades diversas. Sob o argumento de que
o entorno é outro, considera-se, facilmente,
como imprestável o conhecimento tradicional e próprio desses povos. No entanto, soluções para os impasses que os povos indígenas
enfrentam só poderão ser encontradas
através de uma busca conjunta, ou através
do diálogo entre os dois conhecimentos.
Essa busca conjunta ou diálogo deve
abranger todos os momentos e passos, desde
o diagnóstico até a concretização da iniciativa, lembrando sempre, no entanto, que cabe
a eles, aos indígenas, a palavra decisiva, haja
vista sua condição de profundos conhecedores dos recursos naturais regionais. Esta
será, inclusive, uma exigência para a afirmação do protagonismo indígena, condição
necessária para um desenvolvimento em
escala humana. Por isso, segundo Bremen
(1987:96), mais importante do que os
objetivos de um programa de desenvolvimento é o próprio caminho que se segue para
a sua implementação, acentuando-se
novamente, aqui, a importância do protagonismo indígena frente à parafernália
tecnológica ocidental.
O diálogo ou a parceria na construção
de novas alternativas voltadas para a recomposição da qualidade de vida dos povos
indígenas tem como pré-requisitos indispensáveis, da parte dos técnicos externos, um
conhecimento cada vez mais aprofundado
da economia dos povos com os quais trabalham e de sua lógica interna e, da parte das
comunidades indígenas, conhecimentos
básicos sobre o funcionamento da economia
no entorno regional, das suas possibilidades
e limitações.
Por isso, a discussão em torno da construção de alternativas de desenvolvimento,
solidamente assentadas no protagonismo
indígena, implica em estudos sobre a
experiência histórica já acumulada por eles,
sobre as mudanças verificadas através dos
longos anos de contato com a nossa sociedade, sobre as experiências novas pelas quais
passaram, fracassadas ou bem logradas,
assim como sobre a leitura e interpretação
que a comunidade indígena faz dessas
experiências. Constitui-se investigação
relevante detectar até onde eventuais
aspectos novos foram incorporados pelos
índios, ou foram reinterpretados, e em que
sentido? Qualquer experiência nova virá,
necessariamente, instruída pelo olhar da
tradição, ou seja, pelo olhar da cultura
própria de cada povo. No entanto, como
nenhuma cultura é estática, estudar as
INTERAÇÕES
Revista Internacional de Desenvolvimento Local. Vol. 1, N. 2, Mar. 2001.
Desenvolvimento L6ocal em comunidades indígenas no Mato Grosso do Sul:
a construção de alternativas
culturas indígenas não significa rebuscar os
arquivos para saber como eram quando os
europeus aqui chegaram. Esse estudo pode,
certamente, contribuir para uma melhor
compreensão da situação atual. São, porém,
relevantes os processos de mudança cultural
em curso, as transformações resultantes do
impacto com o entorno e a visão de mundo
que norteia estes povos no limiar do novo
milênio.
Medologicamente, a proposta de
Unidades Experimentais está apoiada em dois
eixos complementares: a pesquisa e a
intervenção, de caráter interdisciplinar e
interinstitucional. Avanços qualitativos em
programas de desenvolvimento local e,
portanto, centrados na qualidade de vida,
são mensuráveis pelo engajamento, participação e protagonismo das próprias comunidades indígenas. Por essa razão, todas as
atividades de tais programas devem privilegiar mecanismos de participação articulada da comunidade indígena envolvida.
Notas
1
O conceito de povo é utilizado pelo direito comparado,
em especial pela Convenção 169, da Organização
Internacional do Trabalho (OIT) e também pela nova
LDB.
2
Entre os anos de 1980 a 1999, foi constatado um total
de 384 casos de suicídio entre os Kaiowá/Guarani, na
região da Grande Dourados, em Mato Grosso do Sul
(Brand, 2000).
3
Sahlins (1977:93) alerta que, embora normalmente
“grupo doméstico” seja equivalente a “familiar”, isso
nem sempre acontece, pois nem sempre as atividades
econômicas estão restritas ao grupo doméstico. Há
atividades que exigem a cooperação mais ampla. No
entanto, isso não “instituye una estructura de
producción sui generis y con finalidades proprias”,
mas constitui, segundo ao autor (1977:94), “un hecho
de naturaleza técnica”, sem comprometer a autonomia
e predomínio dos objetivos domésticos da economia.
4
A abundância e a variedade de alternativas oferecidas
pela natureza não exigiam, dos povos caçadores e
coletores, armazenamento ou planejamento. Por isso,
as constantes observações sobre sua “falta de
previsão” e despreocupação com o amanhã (Bremen,
1987:44), atitudes calcadas na absoluta confiança de
que “enquanto há abundância hoje, não há porque se
preocupar com o amanhã”. Frente a tais condições,
por que armazenar? Para povos caçadores e coletores,
a questão fundamental não é produzir, mas apropriarse dos bens que já existem.
5
Nessa mesma linha e a título de exemplo, há a questão
da dimensão comunitária das iniciativas econômicas.
Parte-se do princípio de que os povos indígenas, por
terem sido ou ainda serem sociedades igualitárias e
por conhecer, talvez superficialmente, alguns
67
esquemas de acesso e redistribuição dos bens entre
um ou outro povo indígena, todos os projetos de
desenvolvimento caracterizavam-se pelo seu coletivo,
segundo nossas concepções.
6
Nesse sentido, os órgãos oficiais e as ONGs constituemse hoje em “un nuevo y amplio medio ambiente” para
a coleta de bens destinados à satisfação das
necessidades básicas desses povos coletores (Bremen,
1987:89).
7
A proposta Unidades Experimentais foi elaborada em
conjunto com Katya Vietta, assessora antropológica
do Programa Kaiowá/Guarani, e contou com a
contribuição dos integrantes do sub-programa
Recuperação Ambiental e Produção de Alimentos
8
Entende-se por confinamento compulsório a
transferência sistemática e forçada das diversas aldeias
tradicionais Kaiowá/Guarani para as oito Reservas
demarcadas pelo governo entre 1915 e 1928. Cerca de
cem aldeias tradicionais foram perdidas pelos Kaiowá/
Guarani no decorrer desse processo (Brand, 1997).
Bibliografia
ANDERSON, Anthony; POSEY, Darrel. Reflorestamento indígena. In: Ciência Hoje, vol. 6, n. 31, p. 4451, mai. 1987.
AZCONA, Jesus. Antropologia II - a cultura. Trad. Lúcia
Mathilde Endlich Orth. Petrópolis, Vozes, 1993.
BRAND, Antonio. O impacto da perda da terra sobre a
tradição kaiowá/guarani: os difíceis caminhos da
Palavra. Porto Alegre, 1997. Tese (Doutorado) –
PUC/RS.
_____. O confinamento e o seu impacto sobre os Pãi/Kaiowá.
Dissertação (Mestrado). Porto Alegre, PUC/RS, 1993.
_____. Quando chegou esses que são nossos contrários
– A ocupação espacial e o processo de confinamento
dos Kaiowá/Guarani no Mato Grosso do Sul. In:
Multitemas, Campo Grande, UCDB, n. 12, p. 21-51,
nov. 1998.
_____. Autonomia e globalização, temas fundamentais
no debate sobre educação escolar indígena no
contexto do Mercosul. In: Série-Estudos, periódico do
Mestrado em Educação da UCDB, n. 7, p. 7-20, abr.
1999.
_____. Novo aumento no número de suicídios entre os Kaiowá/
Guarani no Mato Grosso do Sul, 14 de março de 2000, 2
p. (datilografado).
BREMEN, Volker von. Fuentes de caza y recolección
modernas – Projectos de ayuda al desarrollo destinados a los indígenas del Gran Chaco. Trad. Carlos
Fernández-Molina. Stuttgart, 1987, 102 p.
(datilografado).
CARNEIRO, Robert. Uso do solo e classificação da
floresta (Kuikúro). In: Suma etnológica brasileira.
BERTA, Ribeiro (org.). 2. ed. Petrópolis, Vozes/
FINEP, 1987, p. 47-56. V. 1.
ELIZALDE, Antonio. Desarrollo y sustentabilidad:
límites y potencialidades. In: Documentación Social, n.
89, 1992.
_____. Desarrollo a Escala Humana: conceptos y experiencias. In: Interações, v. 1, p. 51-62, set. 2000.
MAX-NEEF, Manfred; ELIZALDE, Antonio;
HOPENHAYN, Martin. Desarollo a escala humana.
Una opción para el futuro. In: Development Dialogue,
INTERAÇÕES
Revista Internacional de Desenvolvimento Local. Vol. 1, N. 2, Mar. 2001.
68
Antônio Brand
número especial CEPAUR, Uppsala, Suécia, 1986.
OLIVEIRA FILHO, João Pacheco. Um etnologia dos
“índios misturados”: situação colonial, territorialização e fluxos culturais. In Oliveira Filho (org.). A
viagem de volta. Rio de Janeiro : Contra Capa, 1999, p.
11-40.
POUTIGNAT, Philippe; STREIFF-FENART, Jocelyne.
Teorias da Etnicidade. Trad. Elcio Fernandes. São Paulo,
Unesp, 1998.
POSEY, Darrel. Introdução etnobiologia: teoria e prática.
In: BERTA, Ribeiro (org.). Suma etnológica brasileira.
2. ed. Petrópolis : Vozes/FINEP, 1987, p. 15-25. V. 1.
REGEHR, Walter. Teorias del desarrollo y autogestión
indígena. In: Revista del Centro de Estudios
Antropológicos, Universidade Católica de Assunção,
v. XIX, n. 1, p. 89-95, jun. 1984. (Suplemento
antropológico).
RIBEIRO, Berta (coord). Etnobiologia. In: Suma etnológica
brasileira. 2. ed. Petrópolis : Vozes, 1987. 1 v.
SAHLINS, Marshall. Economia de la edad de piedra. Trad.
ao castelhano de Emilio Muniz e Ema Rosa
Fondevila. Madrid, Akal editor, 1977.
SCHMIDL, Ulrico. Viaje al rio de la Plata. Buenos Aires,
Emece, 1945.
SEMPRINI, Andrea. Multiculturalismo. Trad. Laureano
Pelegrini. Bauru, EDUSC, 1999.
SILVA, Joana Fernandes. Os Kaiowá e a ideologia dos
projetos econômicos. Campinas/SP, 1982. Dissertação
(Mestrado) – UNICAMP.
ZARUR, George Cerqueira Leite. Ecologia e cultura:
algumas comparações. In: Suma etnológica brasileira.
BERTA, Ribeiro (org.). 2. ed. Petrópolis, Vozes/
FINEP, 1987, p. 273-280. V. 1.
VIETTA, Katya. Não tem quem orienta, a pessoa
sozinha é que nem uma folha que vai com o vento:
análise sobre alguns impasses presentes entre os
Kaiowá/Guarani. In: Multitemas, n. 12, p. 52-73, nov.
1998.
_____. Programa Kaiowá/Guarani: algumas reflexões
sobre antropologia prática indigenista. In: Multitemas,
UCDB, n. 4, p. 68-85, out. 1997.
INTERAÇÕES
Revista Internacional de Desenvolvimento Local. Vol. 1, N. 2, Mar. 2001.
INTER AÇÕES
Revista Internacional de Desenvolvimento Local
Critérios para publicação
Art. 1 - Interações, Revista Internacional do Programa
de Desenvolvimento Local da Universidade Católica
Dom Bosco, destina-se à publicação de matérias que,
pelo seu conteúdo, possam contribuir para a
formação de pesquisadores e para o desenvolvimento científico, além de permitir a constante
atualização de conhecimentos na área específica do
Desenvolvimento Local.
Art. 2 - A periodicidade da Revista será, inicialmente,
semestral, podendo alterar-se de acordo com as
necessidades e exigências do Programa; o calendário
de publicação da Revista, bem como a data de
fechamento de cada edição, serão, igualmente,
definidos por essas necessidades.
Art. 3 - A publicação dos trabalhos deverá passar pela
supervisão de um Conselho de Redação composto
por cinco professores do Programa de Desenvolvimento Local da UCDB, escolhidos pelos seus pares.
Art. 4 - Ao Conselho Editorial Internacional caberá a
avaliação de trabalhos para publicação.
Parágrafo 1º - Os membros do Conselho Editorial Internacional serão indicados pelo corpo de professores
do Programa de Mestrado em Desenvolvimento
Local, com exercício válido para o prazo de dois anos,
entre autoridades com reconhecida produção
científica em âmbito nacional e internacional;
Parágrafo 2º - A publicação de artigos é condicionada a
parecer positivo, devidamente circunstanciado,
exarado por membro do Conselho Editorial
Internacional;
Parágrafo 3º - O Conselho Editorial Internacional, se
necessário, submeterá os artigos a consultores
externos, para apreciação e parecer, em decorrência
de especificidades das áreas de conhecimento;
Parágrafo 4º - O Conselho Editorial Internacional poderá
propor ao Conselho de Redação a adequação dos
procedimentos de apresentação dos trabalhos,
segundo as especificidades de cada área.
Art. 5 - A Revista publicará trabalhos da seguinte
natureza:
I - Artigos originais, de revisão ou de atualização, que
envolvam, sob forma de estudos conclusivos,
abordagens teóricas ou práticas referentes à pesquisa
em Desenvolvimento Local, e que apresentem
contribuição relevante à temática em questão;
II - Traduções de textos fundamentais, isto, é daqueles
textos clássicos não disponíveis em língua portuguesa ou espanhola, que constituam fundamentos
da área específica da Revista e que, por essa razão,
contribuam para dar sustentação e densidade à
reflexão acadêmica, com a devida autorização do
autor do texto original;
III - Entrevistas com autoridades reconhecidas na área
do Desenvolvimento Local, que vêm apresentando
trabalhos inéditos, de relevância nacional e
internacional, com o propósito de manter o caráter
de atualidade do Periódico;
IV - Resenhas de obras inéditas e relevantes que possam
manter a comunidade acadêmica informada sobre o
avanço das reflexões na área do Desenvolvimento
Local;
Art. 6 - A entrega dos originais para a Revista deverá
obedecer aos seguintes critérios:
I - Os artigos deverão conter obrigatoriamente:
a) título em português ou espanhol;
b) nome do(s) autor(es), identificando-se em rodapé
dados relativos à produção do artigo, ao(s) seu(s)
autor(es) e respectivas instituições, bem como a
auxílios institucionais e endereços eletrônicos;
c) resumo em português ou espanhol (máximo de 6
linhas, ou 400 caracteres) e abstract fiel ao resumo,
acompanhados, respectivamente, de palavras-chave
e keywords, ambos em número de 3, para efeito de
indexação do periódico;
d) texto com as devidas remissões bibliográficas no
corpo do próprio texto;
e) notas finais, eliminando-se os recursos das notas de
rodapé;
f) referências bibliográficas.
II - Os trabalhos devem ser encaminhados dentro da
seguinte formatação:
a) uma cópia em disquete no padrão Microsoft Word
6.0;
b) três cópias impressas, sendo uma delas sem
identificação de autoria e outra acompanhada de
autorização para publicação devidamente assinada
pelo autor;
c) a extensão do texto deverá se situar entre 10 e 18
páginas redigidas em espaço duplo;
d) caso o artigo traga gráficos, tabelas ou fotografias, o
número de toques deverá ser reduzido em função
do espaço ocupado por aqueles;
e) a fonte utilizada deve ser a Times New Roman,
tamanho 12;
f) os caracteres itálicos serão reservados exclusivamente a títulos de publicações e a palavras em idioma
distinto daquele usado no texto, eliminando-se,
igualmente, o recurso a caracteres sublinhados, em
negrito, ou em caixa alta; todavia, os subtítulos do
artigo virão em negrito;
g) as citações virão entre aspas, em fonte normal (não
itálica).
III - Todos os trabalhos devem ser elaborados em
português ou espanhol, e encaminhados em três vias,
com texto rigorosamente corrigido e revisado;
IV - Eventuais ilustrações e tabelas com respectivas
legendas devem ser contrastadas e apresentadas
separadamente, com indicação, no texto, do lugar
onde serão inseridas. Todo material fotográfico será,
preferencialmente, em preto e branco;
V - As referências bibliográficas e remissões deverão
ser elaboradas de acordo com as normas de
referência da Associação Brasileira de Normas
Técnicas (ABNT)-6023;
VI - Os limites estabelecidos para os diversos trabalhos
somente poderão ser excedidos em casos realmente
excepcionais, por sugestão do Conselho Editorial
Internacional e a critério do Conselho de Redação;
Art. 7 - Não serão aceitos textos fora das normas
estabelecidas, com exceção dos casos previstos no
artigo arterior, e os textos recusados serão devolvidos
para os autores acompanhados de justificativa, no
prazo máximo de três meses.
Art. 8 - Ao autor de trabalho aprovado e publicado serão
fornecidos, gratuitamente, dois exemplares do
número correspondente da Revista.
Art. 9 - Uma vez publicados os trabalhos, a Revista
reserva-se todos os direitos autorais, inclusive os de
tradução, permitindo, entretanto, a sua posterior
reprodução como transcrição, e com a devida citação
da fonte.
Para fins de apresentação do artigo, considerem-se os
seguintes exemplos (as aspas delimitando os exemplos
foram intencionalmente suprimidas):
a) Remissão bibliográfica após citações:
In extenso: O pesquisador afirma: “a sub-espécie Callithrix
argentata, após várias tentativas de aproximação, revelouse avessa ao contato com o ser humano” (Soares, 1998:35).
Paráfrase: como afirma Soares (1998), a sub-espécie
Callithrix argentata tem se mostrado “avessa ao contato
com o ser humano”...
b) Referências bibliográficas:
JACOBY, Russell. Os últimos intelectuais: a cultura
americana na era da academia. Trad. Magda Lopes.
São Paulo, Trajetória/Edusp, 1990.
SANTOS, Milton. A natureza do espaço: técnica e tempo,
razão e emoção. São Paulo, Hucitec, 1996.
____. A redefinição do lugar. In: ENCONTRO NACIONAL DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE PÓSGRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA, 1995, Aracaju.
Anais... Recife, Associação Nacional de PósGraduação em Geografia, 1996, p. 45-67.
____. O espaço do cidadão. São Paulo, Nobel, 1987.
SOJA, Edward. Geografias pós-modernas: a reafirmação
do espaço na teoria social crítica. Rio de Janeiro, Jorge
Zahar, 1993.
SOUZA, Marcelo L. Algumas notas sobre a importância
do espaço para o desenvolvimento social. In: Revista
Território (3), p. 14-35, 1997.
WIENER, Norbert. Cibernética e sociedade: o uso humano
de seres humanos. 9. ed. São Paulo, Cultrix, 1993.
c) Emprego de caracteres em tipo itálico: os programas
de pós-graduação stricto sensu da universidade em
questão...; a sub-espécie Callithrix argentata tem se
mostrado...
Endereço para correspondência, assinaturas e permutas:
Universidade Católica Dom Bosco
Programa de Desenvolvimento Local
Av. Tamandaré, 6000 - Jardim Seminário
Caixa Postal 100
CEP 79117-800 Campo Grande-MS
Fone: (0**67) 312-3800
e-mail: [email protected]
Download

INTERAÇÕES