Universidade Católica Dom Bosco Instituição Universitária Salesiana INTERAÇÕES Revista Internacional de Desenvolvimento Local V. 1 N. 2 Março 2001 Universidade Católica Dom Bosco Reitor Pe. José Marinoni Pró-Reitor Acadêmico Pe. Arlindo Pereira de Lima Pró-Reitor Administrativo Pe. Giulio Boffi Pró-Reitor Comunitário Pe. Osvaldo Scotti Editora da Universidade Católica Dom Bosco Av. Tamandaré, 6000 - Jardim Seminário 79117-900 Campo Grande-MS Fone: (0**67) 312-3373 Fax: (0**67) 312-3302 e-mail: [email protected] www.ucdb.br Coordenação Heitor Romero Marques INTER AÇÕES Conselho Editorial Revista Internacional de Desenvolvimento Local Conselho de Redação Cleonice Alexandre Le Bourlegat Emília Mariko Kashimoto Lúcia Salsa Corrêa Marcelo Marinho Regina Sueiro de Figueiredo Editor Responsável Marcelo Marinho Coordenação da Edição Eletrônica Gerson Luiz Martins Coordenação de Editoração Ereni dos Santos Benvenuti Editoração Eletrônica Rosilange de Almeida Luís Alexandre Maciel (assistente) Abstracts Barbara Ann Newman Resúmenes Gabriela Isla Villar Martins Revisão de Texto Os próprios autores Capa Marcelo Marinho (projeto) Adriana Rímoli (foto) Tiragem 1000 exemplares Distribuição Bibliotecas universitárias Adyr Balastreri Rodrigues (USP) Alberto Palombo (Florida Atlantic University) Alicia Rivero-Iwasita (SERCAL) Amália Ines Geraiges de Lemos (USP) Aurora García Ballesteros (Universidad Complutense de Madrid) Cezar Augusto Benevides (UFMS) Doris Morales Alarcón (Pontificia Universidad Javeriana) Dorivaldo Walmor Poletto (PUCRS) Emiko Kawakami Rezende (EMBRAPA) Everson Alves Miranda (UNICAMP) Javier Gutiérrez Puebla (Universidad Complutense de Madrid) José Carpio Martín (Universidad Complutense de Madrid) Leila Christina Dias (UFSC) Marcel Bursztyn (UNB) Maria Adélia Aparecida de Souza (UNICAMP) Maria do Carmo Zinato (Florida Center for Environmental Studies) Maria Helena Vallon (UFMS) Maria Encarnação Beltrão Sposito (UNESP) Marília Luiza Peluso (UNB) Mário Cézar Leite (UFMT) Marisa Bittar (UFSCar) Maurides Batista de Macedo Filha Oliveira (UCG) Michel Rochefort (IFU - Université de Paris VIII) Miguel Ángel Troitiño Vinuesa (Univ. Complutense de Madrid) Miguel Panadero Moya (Universidad de Castilla - La Mancha) Milton Santos (USP) Nilo Odalia (UNESP) Ricardo Mendes Gutiérrez del Valle (Univ. Complutense de Madrid) Rosa Esther Rossini (USP) Sérgio Granemann (UCB) Tito Carlos Machado de Oliveira (UFMS) Interações. Revista Internacional de Desenvolvimento Local, n. 2 (Março 2001). Campo Grande : UCDB, 2001. 70 p. V. 1 ISSN 1518-7012 Semestral 1. Desenvolvimento Local. Cecilia Luna Bibliotecária - CRB n. 1/1.201 Publicação do Programa Desenvolvimento Local da Universidade Católica Dom Bosco. Revista indexada em GeoDados, Indexador de Geografia e Ciências Sociais. Universidade Estadual de Maringá - DGE (www.dge.uem.br/geodados) Editorial Neste número de Interações, Revista Internacional de Desenvolvimento Local, busca-se avançar em direção a novas reflexões no âmbito das mudanças ocorridas nas escalas global e local. Desse modo, sublinha-se o movimento dialético - cada vez mais significativo para a compreeensão dos fenômenos sócio-econômicos que abalam o planeta - entre esses dois níveis de organização das interações sociais no mundo de hoje. O movimento, como se poderá avaliar, implica em reestruturações de escalas espaciais no planeta, conseqüência da rápida evolução dos meios de transporte e de comunicação, assim como de produção de bens e serviços. Nesse contexto, as tecnologias de informação e comunicação tornam-se instrumentos de organização da sociedade e de conformação dos territórios em rede. Entretanto, uma maior conectividade entre os lugares do planeta, ao conformar redes de cooperação, tende a fortalecer unidades territoriais na escala local, enquanto os protagonistas dos novos espaços associativos informacionais organizam processos de comunicação política, estabelecendo reformulações espaciais que decorrem em meio a tensões de várias naturezas. Assim, um dos focos de reflexão apontados neste número da revista está na questão dos desafios enfrentados pela democracia nas sociedades modernas, cuja conseqüência é a emergência da necessidade de reflexões em torno da noção de cidadania e de sua ação sobre operações democráticas de organização social e de desenvolvimento endógeno. As estratégias de desenvolvimento, por outro lado, redimensionam-se territorialmente e reformulam-se como práxis. No local, as comunidades desenvolvem a aguda percepção da necessidade premente de tornarem-se agentes de seu próprio desenvolvimento, por intermédio do fortalecimento, no espaço contíguo, de relações sociais de caráter primário e, no espaço em rede, de relações de caráter secundário. A solidariedade, ao se estabelecer como força sinérgica, é repensada como estratégia de planificação do espaço construído, com o objetivo de satisfazer as necessidades fundamentais dos segmentos sociais de baixa renda, a exemplo da moradia, da infraestrutura e dos serviços básicos. Por outro viés, a endogeneização das potencialidades da consciência coletiva brotadas a partir do território vivido também se transforma em força humana de desenvolvimento, no sentido de incentivar e aplicar novas descobertas, com base na valorização de recursos naturais internos e com amparo nos avanços do saber técnico-científico. O leitor poderá avaliar, através das leituras, experiências apontadas nesse sentido, como aquelas relacionadas aos recursos auxiliares vegetais que favorecem o desenvolvimento de atividades rurais. Os princípios ativos de certas plantas, a exemplo daquelas com propriedades inseticidas, ou o melhoramento e a conservação genética, como no caso das seringueiras no estado de São Paulo, tornam-se alguns desses objetos de estudo com vistas à melhoria das condições de vida de populações rurais. No espírito das reflexões desenvolvidas em Interações, analisa-se, por fim, a precária situação de comunidades indígenas - de grande expressão numérica - confinadas em exíguos territórios, espaços demasiadamente reduzidos para o prosseguimento de sua práxis cultural tradicional. Tais são as condições em que transcorre a difícil experiência dos Guarani e dos Kaiowá. Todavia, ainda que em confronto com problemas das mais diversas origens, tais comunidades buscam se organizar como forças sociais para o agenciamento e a gestão de seu próprio desenvolvimento. *** Os pesquisadores empenhados em reflexões sobre o Desenvolvimento Local são novamente convidados a enviar seus trabalhos à Interações, cuja indexação inicial encontra-se a cargo de GeoDados, indexador da Universidade Estadual de Maringá. Ensejemos encontrar soluções viáveis, em âmbito local, para algumas das inúmeras questões que afligem, em escala global, larga parcela da população mundial. Índice Artigos A recomposição dos espaços .......................................................................................................... 7 Georges Benko Las Tecnologías de Información y Comunicación (TIC) en el Desarrollo Local: gobierno electrónico y redes ciudadanas .................................................................................... 13 Susana Finquelievich, Pablo Baumann e Alejandra Jara Democracia Representativa y Democracia Participativa ........................................................... 27 Antonio Elizalde Asentamientos Humanos y Desarrollo Local ............................................................................. 37 Alicia Rivero-Iwasita Utilização de plantas com propriedades inseticidas: uma contribuição para o Desenvolvimento Rural Sustentável ........................................................................................... 43 Antonia Railda Roel Melhoramento e conservação genética aplicados ao Desenvolvimento Local – o caso da seringueira (Hevea sp) ................................................................................................... 51 Reginaldo Brito da Costa, Paulo de Souza Gonçalves, Adriana Odalia-Rímoli e Eduardo José de Arruda Desenvolvimento Local em comunidades indígenas no Mato Grosso do Sul: a construção de alternativas ......................................................................................................... 59 Antônio Brand A recomposição dos espaços The recomposition of spaces La recomposición de los espacios Georges Benko Universidade de Paris I – Panthéon-Sorbonne / CEMI-EHESS Contato: [email protected] Resumo: As últimas décadas do século XX foram marcadas por uma nova reestruturação das escalas espaciais no planeta, numa recomposição provocada pela rápida evolução dos meios de transporte, de comunicação e de produção de bens e serviços. A esse processo dá-se o nome, no presente artigo, de “deslizamento de escala”. No patamar superior, criam-se ou fortalecem-se os blocos econômicos, tomando o aspecto inicial de mercados comuns e rumando, posteriormente, à organização em espaços política e economicamente unidos como é o caso da Europa; o patamar inferior da escala caracteriza-se pelo reforço das unidades territoriais em nível regional. Este artigo discute algumas das tensões decorrentes do “deslizamento de escala”. Palavras-chave: Globalização; Desenvolvimento Local; Escalas espaciais. Abstract: The final decades of the 20th century were marked by a new restructuring of space scales on the planet, in a rearrangement provoked by a rapid evolution of, communication, means of transport and the production of goods and services. This process, in this article is named, “scale sliding”. At the highest level, the economic blocks are created or strengthened, taking on the appearance, initially, of common markets and, afterwards, going in the direction of the organisation of spaces politically and economically united, as is the case in Europe; the lowest level of the scales is characterised by reinforcing territorial units at regional level. This article discusses the tensions resulting from this “scale sliding”. Key Words: Globalization; Local Development; Space scales. Resumen: Las últimas décadas del siglo XX fueron marcadas por una nueva reestructuración de las escalas espaciales en el planeta, en una recomposición provocada por la rápida evolución de los medios de transporte, de comunicación y de producción de bienes y servicios. A ese proceso se le llama, en este artículo, de “deslizamiento de escala”. En el nivel superior, se crean o fortalecen los bloques económicos, tomando el aspecto inicial de mercados comunes e tendiendo, posteriormente, a la organización en espacios política y económicamente unidos como es el caso de Europa; el nivel inferior de la escala se caracteriza por el refuerzo de las unidades territoriales a nivel regional. Este artículo discute algunas de las tensiones resultantes del “deslizamiento de escala”. Palabras claves: Globalización; Desarrollo local; Escalas espaciales. A recomposição dos espaços: o deslizamento da escala O fim da geografia? Nas duas últimas décadas, os observadores – economistas, geógrafos, cientistas políticos – seguem a tendência de chamar nossa atenção sobre uma mudança, de dimensões consideráveis, que eu qualifico como um “deslizamento de escala”. Tratase de uma recomposição dos espaços: os espaços clássicos – nos quais os sistemas econômico, social e político evoluíram praticamente ao longo de todo o século – estão se deslocando ao mesmo tempo para cima e para baixo. Na escala superior, constata-se a criação ou o reforço dos blocos econômicos, inicial e, freqüentemente, sob forma de mercados comuns, evoluindo, em seguida, rumo a espaços política e economicamente unidos como é o caso da Europa; o deslocamento rumo ao patamar inferior da escala caracteriza-se pelo reforço das unidades territoriais em nível regional. O nosso planeta tem assim quatro níveis espaciais pertinentes de análise: o mundial, o supra-nacional (blocos econômicos), o nacional (estados-nação) e o regional (local ou infranacional). Nós passamos, ao longo do último quarto do século XX, de um sistema econômico internacional a um sistema econômico global. Trata-se de uma importante mutação geopolítica das condições de produção, de competição e de interdependência. O antigo regime internacional era caracterizado pela soberania dos estados, a quem competia definir, entre outros, suas políticas monetárias e alfandegárias. A ordem que substitui aquela é uma ordem global difusa na qual as relações entre os estados diluem-se, em uma certa medida, ao proveito das conexões entre economias regionais afastadas, ligadas entre elas por intercâmbios complexos feitos de competição e de colaboração. Vários analistas, ao observarem o crescimento do intercâmbio em escala mundial em todos os domínios nessas duas últimas décadas, aventaram a hipótese de que o fim da geografia está próximo (O’Brien, 1992), assim como outros haviam previsto o fim da história (F. Fukuyama), o fim do trabalho (J. Rifkin), o fim dos territórios (B. Badie) ou, ainda, o fim dos estados-nação (K. Ohmae). De maneira indiscutível, a mundialização da INTERAÇÕES Revista Internacional de Desenvolvimento Local. Vol. 1, N. 2, p. 7-12, Mar. 2001. 8 Georges Benko economia, sustentada pelas novas tecnologias da informação e da comunicação, assim como pelos transportes de alta velocidade, modifica as escalas territoriais ou, pelo menos, nossas relações ao espaço. Essa abertura econômica recente é mensurável por intermédio do crescimento do comércio exterior. Em 1965, as exportações mundiais de bens representavam 6% do PIB mundial, e as importações 6,3%; em 1998, respectivamente 16,3% e 16%, segundo dados da ONU. Esses números são definidos em relacão ao PIB que, ele próprio, cresceu significativamente em termos absolutos ao longo do mesmo período. É igualmente necessário observar que o comércio internacional de serviços teve um crescimento ainda mais rápido que aquele de bens. Em termos absolutos, nós não estamos longe de uma multiplicação por dez. Contrariamente às hipóteses aventadas por muitos, o encolhimento do mundo revitaliza a geografia. Os efeitos de distância exercem uma influência considerável sobre as estruturação das relações econômicas e sociais. É claro que o tempo das Nações não terminou, e os Estados continuam exercendo um papel crucial em muitas áreas (notadamente na formação, nos equipamentos, nos transportes, etc.); mas, preso entre a dimensão local e a global, seu lugar na economia foi redefinido. Assiste-se, por um lado, a um movimento de internacionalização da atividade econômica em um mundo cada vez mais destituído de fronteiras reais, a tal ponto que alguns não hesitam em aventar também a hipótese de um iminente desaparecimento do Estado soberano clássico, fundado sobre a noção de território, um dos três elementos constitutivos do Estado em direito internacional, ao lado do governo e da população; por outro lado, sublinha-se a intensificação do crescimento econômico de um certo número de regiões, reconhecidas como os motores da prosperidade mundial, e que dão origem a uma recomposição da hierarquia dos espaços produtivos. Essas regiões são, principalmente, metropolitanas. Tais noções podem se sustentar a partir de alguns dados inquestionáveis: o produto da aglomeração de Tóquio é o dobro daquele do Brasil, o produto de Chicago equivale àquele do México (concentrado majoritariamente na cidade do México) ou, ainda, o produto de Osaka excede em 25% àquele da Índia, e o de Seul é superior àquele da Indonésia. Globalização não significa, portanto, homogeneização do espaço mundial, mas, ao contrário, diferenciação e especialização. Grandes polos se constituíram, formando uma economia em oásis, ou seja, uma rede de regiões mais dinâmicas, que deixam atrás de si o restante do mundo. Pierre Veltz (1996) observa o crescimento de pequenas Nações, por vezes de CidadesEstado, na hierarquia dos territórios prósperos, visto que tais regiões demonstram uma melhor reatividade que os grandes Estados, e que essas regiões dispõem das mesmas vantagens de acesso aos mercados. As regiões, ou melhor, os territórios, tornaram-se, dessa maneira, fontes de vantagens concorrenciais. Ao longo dos anos 70 e 80, os Estados viram agravar-se seus déficits públicos, fato que os incitou a conduzir políticas de descentralização. A gestão de inúmeros bens coletivos locais, tais como a educação, a formação, as infraestruturas de transportes, as ajudas sociais foram, a partir de então e com freqüência, regionalizados. Foi a ocasião de descobrir que a densidade das relações entre os atores locais (empresas, universidades, coletividades territoriais, sindicatos, etc.) pode exercer um papel determinante na competitividade das atividades econômicas. Os distritos industriais – um conceito introduzido no início do século XX pelo economista britânico Alfred Marshall – estão, doravante, de retorno, tanto no campo de atividades quanto no de análises. Esses locais têm uma característica interna, uma personalidade regional, como dizia Vidal de la Blache, um dos pais da geografia francesa. A especificidade dos distritos industriais decorre de uma capacidade, no mais das vezes herdada de uma cultura antiga, em negociar modos de cooperação entre capital e trabalho, entre grandes empresas e fornecedores de produtos intermediários, entre administração pública e sociedade civil, entre bancos e indústria, etc. Como observa o economista Alain Lipietz, em Emília Romana (Itália) ou no Bade-Wurtenberg (Alemanha), dois polos de crescimento econômico, a estratégia do Partido Comunista ou da INTERAÇÕES Revista Internacional de Desenvolvimento Local. Vol. 1, N. 2, Mar. 2001. A recomposição dos espaços Democracia Cristã consistiu em procurar um melhor compromisso social lá onde fosse possível nogociá-lo, ou seja, em âmbito local: os altos salários, o melhoramento das condições de vida, a qualificação da mão de obra são a contrapartida à elevada competitividade das empresas dessas regiões. As políticas de organização do território, tarefa do poder central até os anos 80, também foram delegadas às coletividades territoriais. O desenvolvimento local substitui, doravante, o desenvolvimento comandado por cima, estatizado e centralizador, que caracterizou, na França pós-Guerra, os “trinta anos gloriosos”. Nesse país, o período foi o da redistribuição (a política do guichê, das ajudas e da instalação de equipamentos); hoje em dia, é o período dos projetos: “ajudese, o Estado o ajudará”. “Não há territórios em crise, há somente territórios sem projetos”, declarava, já em 1997, o ministro francês da organização do território. Essa perspectiva tornou-se obrigatória tanto em economia quanto em política. A consideração dos fatores locais nas dinâmicas econômicas aparece hoje como uma evidência e uma necessidade rigorosas. Trata-se, afinal de contas, de uma preocupação relativamente recente, que abre a via rumo à diversificação das políticas econômicas, sociais e culturais. Os problemas atuais ligados ao “Projeto Corso” são originários da mesma família de reflexões. E não se trata de um problema exclusivamente francês: uma certa aspiração à autonomia é muito sensível também no Reino Unido, por exemplo, no que se refere à Escócia ou ao País de Gales. Muito se escreveu também sobre a nova geopolítica de produção que começou a se cristalizar em torno dos vínculos entre os dois níveis espaciais de atividades econômicas – o local e o global. Na competição mundializada, as regiões e as localidades encontram-se, doravante, em situação de concorrência, mas esta última pode ser analisada em dois planos distintos. O primeiro é aquele definido pelo controle dos custos e da otimização dos fatores de produção. Os custos da mão-de-obra, os preços da energia, os juros e a fiscalidade são variáveis que, para um grande número de produções, torna as regiões indiferenciadas aos olhos 9 dos investidores. Pouco importa que um brinquedo seja oriundo de uma “montadoramaquiadora” na fronteira mexicana ou de uma zona econômica especial chinesa, pois somente os custos entram na linha de conta. Em compensação, as especifividades territoriais têm enorme importância em outros domínios econômicos. Nesse caso, as diferentes regiões não são nem um pouco intercambiáveis entre si. Uma diferenciação durável dos territórios, ou seja, uma diferenciação não suscetível de ser colocada em causa pela mobilidade dos fatores de produção, somente pode decorrer de uma especificidade dos territórios reconhecida como tal. Mesmo que se produzam excelentes vinhos espumantes na Califórnia, o champanhe não é um produto deslocalizável. Seu valor, como aquele de outras produções, está ancorado em um território, ele é o resultado daquilo que os geógrafos chamam um “meio”. Esse meio é criado em diversos domínios de produção: na informática, por exemplo, há, para os Estados Unidos, o Vale do Silicone ou a Rota 128 (perto de Boston); para a França, há Sofia-Antipólis, Grenoble ou Toulouse. O bairro do Sentier, em Paris, continua a atrair o prêt-à-porter, e o quarteirão da rua Faubourg Saint-Honoré tem na alta costura a sua especificidade. Os exemplos são múltiplos quando os fatores decisivos de localização estão fora do mercado (não são quantificáveis), e os elementos qualitativos de um lugar são os que determinam as escolhas das empresas. A diferença é uma vantagem comparativa. Aquilo que se chama “atmosfera industrial”, segundo Marshall, está presente em todos os lugares, em cada território. Nosso mundo global é assim um mosaico composto de uma miríade de regiões, de localidades, de países, que não são, necessariamente, equivalentes. A “glocalização”, neologismo forjado para designar a articulação expandida dos territórios locais em relação a economia mundial, sublinha a persistência de uma inscrição espacial dos fenômenos econômicos, sociais e culturais. Contrariamente aos mais sombrios prognósticos, os territórios – com suas especificidades – não foram apagados sob os fluxos econômicos da mundialização. INTERAÇÕES Revista Internacional de Desenvolvimento Local. Vol. 1, N. 2, Mar. 2001. Georges Benko 10 Um sistema triádico Um novo mapa mundial da economia foi desenhado. Os espaços mais desenvolvidos do mundo estabeleceram-se sob a forma de um sistema de economias regionais polarizadas, construídas em torno de zonas metropolitanas centrais ou sob forma de regiões megalopolitanas como a Randstaad holandesa, como a fachada atlântica dos Estados Unidos, que vai de Boston à Filadélfia, ou, ainda, como a megalópole japonesa. Nesse mundo, dividido em tríades, constituem o centro nervoso do sistema mundial contemporâneo a Europa, a América do Norte e o Japão, tríade completada por espaços anexos que correspondem, de maneira esquemática, à África, à América latina e a uma parte da Ásia. Essa ossatura de base é mantida por vínculos comerciais e pelos fluxos de investimentos. Uma ordem social hierarquizada toma assento em três níveis, uma estrutura baseada numa divisão tanto espacial quanto social. Essa divisão é ajudada pela rápida evolução tecnológica. No plano espacial, distinguem-se os líderes mundiais muito desenvolvidos (em termos técnicos e econômicos), os espaços recentemente industrializados (marcados por uma renda média e por uma fase tradicional de desenvolvimento) e os espaços subdesenvolvidos. Mas essa tendência de abertura ou de desaparecimento das fronteiras entre as economias nacionais nos conduz em direção a um único sistema econômico de integração global. A questão da regulação de um grande número de problemas coloca-se nesse momento. A única instituição internacional que se assemelha a uma estrutura governamental é a ONU, marcada por inúmeras dificuldades em gerir o grande número de distintas situações no mundo. Diante da complexidade dos problemas (econômicos, sociais, políticos e culturais), diferentes tipos de instituições multiplicaram-se desde os anos 60. Algumas são muito conhecidas, pois suas ações são acompanhadas pela mídia; contudo, a grande maioria trabalha de uma maneira mais discreta sobre inúmeros pontos de detalhe que é preciso coordenar ou definir. Entre as instituições mais em vista, encontram-se a ONU, a UNESCO, a OCDE, a CNUCDE, o FMI, o BIT, a FAO, o Banco Mundial, a OMC,ou as reuniões como o G7 ou Davos. Todavia, segundo as estatísticas do Livro anual de associações internacionais editado em Munique, foram recenseados, em 1998, mais de 5.600 associações internacionais e intergovernamentais, e quase 32.000 associações internacionais não governamentais, ou seja, houve uma multiplicação numérica da ordem de 25 vezes, desde 1960. Essas ONGs cobrem um leque muito amplo de atividades e interesses, indo da saúde à ecologia ou dos direitos cívicos às questões de desenvolvimento. No mundo das relações sociais, a noção de “estruturação em tríade” também é aplicável, mas sob bases diferentes. As novas tecnologias conduzem a dois fenômenos contraditórios: por um lado, a globalização, ou seja, a interdependência no tempo e no espaço (aquilo que Jacques Attali chama de “conectividade”); por outro lado, a solidão. Esses fenômenos não são incompatíveis. Torna-se cada vez mais interdependente, mas, também, cada vez mas solitário nessa interdependência. Nós estamos em um mundo de “comunicação solitária” (Benko, 1988). Pode-se dizer que mundialização é uma justaposição de solidões conectadas. No plano da organização social, a tecnologia vai dividir a sociedade em três grupos sociais. Primeiramente, um grupo composto de várias dezenas de milhões de pessoas que dispões de meios de acesso a redes e à criação, pessoas que fabricam e manipulam as informações. Diante desse grupo, os nômades da miséria, na parte inferior da escala social, que se submetem às tecnologias e são obrigados a oferecer uma grande mobilidade para encontrar trabalho ou para sobreviver, em um grupo formado por aproximadamente um quarto da população mundial. Em terceiro lugar, uma enorme classe média, com esperança de agrupar-se à hiper-classe, mas receando escorregar rumo à pobreza e ao nomadismo planetário. Uma “sociedade afunilada em relógio de areia” está nascendo, conforme descreve Alain Lipietz. Essa classe média viverá cada vez mais no espetáculo fornecido pelos novos meios de comunicação; as economias culturais tornam-se as atividades de maior importância social (festas, esportes, INTERAÇÕES Revista Internacional de Desenvolvimento Local. Vol. 1, N. 2, Mar. 2001. A recomposição dos espaços jogos, lazer, viagens – tanto no espaço quanto nas drogas). Para manter a ordem social, essas distrações são necessárias, visto que elas fazem esquecer a reversibilidade (ou a instabilidade) das trajetórias individuais e a precariedade, que se tornam regra geral. Em conclusão, podem-se citar dois antigos Chefes de Estado franceses, Charles de Gaulle que dizia: “O esforço multisecular que foi durante muito tempo necessário ao nosso país para a manutenção de sua unidade, malgrado as divergências das províncias que lhe foram sucessivamente agregadas, doravante não se impõe mais. Au contrário, são as atividades regionais que aparecem como a mola propulsora de sua potência econômica de amanhã”. A visão de François Mitterand, expressa em 1981, é similar: “A França teve necessidade de um poder forte e centralizado para se construir. Ela tem necessidade, hoje, de um poder descentralizado para não se descontruir”. Desde um período recente, assiste-se a uma nova configuração das entidades territorias. As uniões econômicas e as regiões tornaram-se conjuntos econômicos e políticos de pleno direito, por intermédio da edificação de uma nova estrutura da ordem coletiva. Essa situação requisita um novo modo de governança. Na Europa, as reformas institucionais estão em marcha. Penso que, no plano regional, o reforço e a formalização de novas estruturas de governança econômica são, certamente, possíveis a médio prazo, e não apenas unicamente na França. As regiões são coletividades de atividades interdependentes, cujos interesses econômicos são melhores realizados quando as formas institucionais de gestão e de coodenação locais estão em funcionamento. Os espaços regionais estão, igualmente, cada vez mais vulneráveis na competição e na tensão mundiais. Os Estados nacionais encontram-se tenazmente presos entre entre a constituição de grandes conjuntos econômicos (macroregiões supranacionais) e as crescentes exigências de uma descentralização imposta pelas atividades econômicas e políticas. Os Estados não têm mais a faculdade de sempre proteger suas regiões (infranacionais) ou de negociar em nome delas, em um mundo cada vez mais aberto e concorrencial. 11 Quatro forças combinam-se para usurpar o poder econômcio dos Estados: o capital, a comunicação, os consumidores e as empresas multinacionais. Assim, Kenichi Ohmae interrogava-se nestes termnos: “Os Estados-Nação tornaram-se dissonauros moribundos?” Por fim, o renascimento dos meios locais e regionais na qualidade de núcleos da organização econômica, cultural e política oferece novas e inesperadas possibilidades para a renovação da vida comunitária. A democracia e a cidadania tomam um novo sentido no contexto da sociedade local. A criação de novas identidades locais e de novas ações democráticas entra em perspectiva. A realização de uma nova visão política local gesta-se em relação com o novo contexto global. Como sugere o exemplo europeu, um dos valores mais exigentes é a coesão, ou seja, um desenvolvimento sustentável fundado sobre a solidariedade, uma ferramenta indispensável para construir uma grande Comunidade Européia (em várias escalas) mais forte, mais ampla, mais equilibrada e, portanto, melhor compreendida pelos povos que a compõem. Para obter sucesso é preciso passar de uma Europa abstrata a uma Europa política, social e economicamente coerente, cuja integração política é possível no âmbito de uma federação de Estados-Nação. Mundo Blocos Estados sssss sssssss ss Regiões Figura 1: A transformação dos espaços: os blocos econômicos e as regiões exercem um papel cada vez mais importante na economia mundial. INTERAÇÕES Revista Internacional de Desenvolvimento Local. Vol. 1, N. 2, Mar. 2001. Georges Benko 12 Tabela 1: Recomposição dos espaços e evoluções sócio-econômicas (cf. K. Ohmae, 1995, revisto pelo autor). Período Industrial (1850-1975) • Escala espacial dominante: Estado-Nação • Estados: atores essenciais da economia (dirigismo/centralisação) • Centro de decisão: nacional • Soberania nacional • Barreiras alfandegárias • Economia centrada na produção e consumo nacionais • Iniciativas públicas • Organização do território em âmbito nacional e centralisado (“de cima”) (redistribuição) • Estados-Providência • Regulação social estável • Lógica econômica majoritariamente fordista • Crescimento fortalecido • Evoluções lentas Período Informacional (1975 - séc. XXI) • Escala espacial dominante: região e união econômica • Atores econômicos: capitais, empresas multinacionais, unidades territoiras (regiões) • Centro de decisão: supranacional e local • Soberania dos cidadãos • Abertura econômica (supressão de fronteiras)/internacionalização da economia • Economia baseada na informação e na comunicação / maior importância da inovação • Constituição de redes (“sociedade em redes”) • Organização do território baseada na iniciativa local (“de baixo”) • • • • Regulação social “flexível” Lógica econômica principalmente pós-fordista Nova articulação: global/local Evoluções rápidas Espaços de referência: − Vale do Silicone (São Francisco) / Orange County (Los Angeles) / Rota 128 (Boston) − Terceira Itália / Lombárdia − Hong Kong / Taiwan − Ile-de-France / Toulouse / Grenoble − Irlanda / Escócia − Grandes Metrópoles (e “cidades globais”) Etc. Espaços de referência: − Grã-Bretanha − Estados Unidos − Alemanha − Japão (a partir de 1950) Artigo publicado originalmente em Agir – revue générale de stratégie, n. 5. Paris, set-nov 2000, p. 11-18. Tradução: Marcelo Marinho (UCDB). Revisão da tradução: Leila Christina Dias (UFSC). Bibliografia BENKO, G. Les Nouveaux aspects de la théorie sociale. De la géographie à la sociologie. Caen, Paradigme, 1988, p. 123-137. BENKO, G.; LIPIETZ, A La richesse des régions. Paris, PUF, 2000. GUIGOU, J.-L. État, Nation, terrritoire: la recomposition. In: Futuribles, n. 212, p. 21-34, 1996. LIPIETZ, A. La société en sablier. Paris, La Découverte, 1996. O’BRIEN, R. Global Financial Integration. The End of Geography. Londres, Pinter, 1992. OHMAE, K. The End of the Nation state, Free Press e The Invisible Continent. Nova Iorque, Harper Collins, 1995. SCOTT, A. J. Les Régions et l’Économie Mondiale. Paris, L’Harmattan, 2000. SIROËN, J. M. La régionalisation de l’économie mondiale. Paris, La Découverte, 2000. VELTZ, P. Mondialisation, villes et territoires. Paris, PUF, 1996. INTERAÇÕES Revista Internacional de Desenvolvimento Local. Vol. 1, N. 2, Mar. 2001. Las Tecnologías de Información y Comunicación (TIC) en el Desarrollo Local: gobierno electrónico y redes ciudadanas Information and Communication Technologies (ICT) in Local Development: electronic government and citizen webs As Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC) no Desenvolvimento Local: governo eletrônico e redes cidadãs Susana Finquelievich, Pablo Baumann e Alejandra Jara Universidad de Buenos Aires Contato: [email protected] Resumen: El artículo consta de dos partes: la primera, “La informática al servicio de los ciudadanos”, describe el rol de la informática comunitaria y la importancia de su desarrollo para las tareas de las organizaciones de la sociedad civil y la conformación y desarrollo de redes comunitarias. La segunda, “E-government y redes ciudadanas”, delinea algunos elementos que deberán ser tenidos en cuenta para el diseño institucional de la Sociedad de la Información y el rol que en éste último deberán tener las redes ciudadanas. El fortalecimiento de una política democrática depende de la institucionalización de estos espacios asociativos en tanto ámbitos de participación consultiva. Se trata de encauzar la participación ciudadana como medio para mejorar la representación social y la formación de la voluntad política. Internet es un medio ideal para organizar procesos de comunicación política: foros de debate, espacios de reflexión y de información aplicados a la discusión de planes estratégicos locales, presupuesto participativo, procesos de descentralización, consejos consultivos de gobierno, y otros. “Internet es más voz que voto”. Palabras claves: Gobierno electrónico; Redes ciudadanas; Gestión local. Abstract: The first part of the article, “Information at the service of citizens”, describes the role of community data processing and analyses the importance of this development for the tasks of the Organisations of civilian society as well as for the configuration and development of community networks. The second part, “E-government and citizen networks”, outlines some elements which should be considered for the institutional designing of the Information Society, as well as the role which the citizen networks should play. The strengthening of a democratic strategy depends on the institutionalisation of these associative spaces in instances of consultative participation. It is a question of guaranteeing citizen participation as a way of improving the social representation and the formation of political desire. The Internet is an ideal way of organising processes of political organisation: forums for debate, spaces for reflection and government consultative councils, and others. Key words: Electronic government; Citizen networks; Local administration. Resumo: A primeira parte do artigo, “A informática a serviço dos cidadãos”, descreve o papel da informática comunitária e analisa a importância de seu desenvolvimento para as tarefas das organizações da sociedade civil assim como para a conformação e o desenvolvimento de redes comunitárias. A segunda parte, “Governo eletrônico e redes cidadãs”, esboça alguns elementos que deverão ser considerados para o desenho institucional da Sociedade da Informação, assim como o papel que deverão exercer as redes cidadãs. O fortalecimento de uma política democrática depende da institucionalização desses espaços associativos em instâncias de participação consultiva. Trata-se de caucionar a participação cidadã como forma de melhorar a representação social e a formação da vontade política. A Internet é um meio ideal para organizar processos de organização política: fóruns de debate, espaços de reflexão e de informação aplicados à discussão de planos estratégicos locais, de orçamentos participativos, de processos de descentralização, de conselhos consultivos de governo, entre outros. “A Internet é mais voz do que voto”. Palavras-chave: Governo eletrônico; Redes cidadãs; Gestão local. Consideraciones iniciales En Argentina, el 2000 fue señalado como el año de la explosión de Internet. Las áreas más evidentes son las de las finanzas, el comercio y la educación, pero eso no es todo. Se está revelando una necesidad creciente en todos los sectores de la sociedad de hallar los medios y las maneras de optimizar las oportunidades que presentan las Tecnologías de la Sociedad de la Información (TSI). La investigación y desarrollo en sistemas informáticos y tecnología (IT) ha implementado un modelo de funcionamiento en el que el individuo interactúa directamente con la computadora, y a través de ella, con otros individuos y grupos. La IT, entonces, tiene la potencialidad, ya demos- trada, de facilitar y ampliar en forma continua las capacidades de los individuos en el contexto de las instituciones, empresas, organizaciones y gobiernos en los que trabajan. La TSI también se usa en todo el mundo para apoyar a las comunidades y a las organizaciones comunitarias en sus tareas en pos del desarrollo social y económico. La informática comunitaria (IC) es una estrategia o disciplina que combina tecnología y organización social, y que pone en red los esfuerzos comunitarios por el desarrollo socioeconómico en áreas como las redes comunitarias y cívicas, los telecentros, la democracia electrónica, la participación comunitaria en la gestión de la ciudad, el comercio electrónico, los grupos virtuales de ayuda mutua, el desarrollo de la cultura, y INTERAÇÕES Revista Internacional de Desenvolvimento Local. Vol. 1, N. 2, p. 13-26, Mar. 2001. 14 Susana Finquelievich, Pablo Baumann e Alejandra Jara otras. La IC puede definirse como los estudios sobre las aplicaciones de IT y sus logros en las comunidades para alcanzar objetivos sociales, políticos, económicos y culturales. Este artículo muestra los avances de la investigación “Nuevos paradigmas de participación ciudadana a través de las tecnologías de información y comunicación”. El proyecto, dirigido por Susana Finquelievich y co-dirigido por Hilda Herzer, se desarrolla en el Area de Estudios Urbanos del Instituto de Investigaciones Gino Germani, Facultad de Ciencias Sociales, Universidad de Buenos Aires. La informática al servicio de los ciudadanos 1. Informática comunitaria: recursos y herramientas para el desarrollo local La informática comunitaria (IC), el uso de las tecnologías de información y comunicación (TIC), también llamada Tecnologías de la Sociedad de la Información (TSI) para fines sociales, es a la vez una estrategia y una disciplina tecno-científica. Plantea que “la tecnología de Información y la Comunicación proporciona recursos y herramientas que las comunidades y los individuos que viven en ellas pueden usar para conseguir sus metas en áreas como desarrollo económico local, desarrollo cultural, activismo cívico, salud física y mental de la comunidad y medio ambiente, entre otras” (Gurstein, 2000). La IC se focaliza sobre las necesidades y objetivos de comunidades y grupos sociales, para diseñar las tecnologías, instrumentos y aplicaciones que refuercen y promuevan respuestas a esas necesidades y objetivos. Incluye a la vez preocupaciones por la tecnología TSI y por los usuarios y los usos; está tan concernida por los procesos de la comunidad, la accesibilidad de los usuarios a las TSI y la utilidad de tecnología como por el análisis de los sistemas, el hardware y el software. La IC tiene en cuenta el sistema social dentro del cual se aplica la tecnología, tanto como el sistema de tecnología con el que interactúa; su propósito es lograr eficacia en las acciones de la comunidad. “Informática comunitaria” es, en resumen, el estudio de la aplicación de ICT al logro de metas sociales, económicas, políticas o culturales. Pero para que estas metas se alcancen, resulta fundamental el acceso de los miembros de la comunidad a la TSI. Michael Gurstein (2000) cita a Clemente e Regan, quienes identifican un “Arco iris de Acceso” que incluye siete niveles: Gobernabilidad/formulación de políticas; facilitación de alfabetización tecnológica y organización social; proveedores de Servicio; contenidos/servicios; herramientas de software; dispositivos, y medios de transporte. Se incluyen en esta área problemas de acceso técnico (conexiones de teléfonos y computadoras), acceso económico (el costo de usar y mantener estos sistemas), acceso social (cultural, conocimientos tecnológicos, y barreras sociales que limitan uso de los sistemas), y acceso físico (se refiere a los discapacitados). Se plantean algunas cuestiones relevantes: a) Cómo identificar o crear la institución u organización a través de las cuales se proporciona a la comunidad el acceso a las TSI. B) Cómo administrar a esta organización o institución. C) Cómo organizar el contexto tecnológico (institucional, orgánico, formación, etc.) para optimizar su uso y las oportunidades que ofrece. D) Cómo articular las oportunidades de acceso comunitario a las TSI con servicios no técnicos u otras estructuras organizacionales, como por ejemplo, el caso en que el uso de sitios web públicos podría articularse con equipamientos comunitarios existentes. E) Cómo articular las oportunidades de acceso comunitario a las TSI con organizaciones ya existentes en la Sociedad Civil. 2. Breve historia de la IC Internet se desarrolló en los Estados Unidos en la década de los 1960s, concebida originalmente como una red privada para facilitar la comunicación entre pequeñas comunidades científicas, en especial aquéllas que trabajaban en investigaciones concernidas con la defensa nacional. Estas conexiones se extendieron a lo largo de varios años entre otros científicos de diferentes disciplinas y ciudades, primero a lo largo de los Estados Unidos, luego del mundo. Los estudiantes que usaron este tipo de INTERAÇÕES Revista Internacional de Desenvolvimento Local. Vol. 1, N. 2, Mar. 2001. Las Tecnologías de Información y Comunicación (TIC) en el Desarrollo Local: gobierno electrónico y redes ciudadanas comunicación la extendieron a su vez a la comunidad no científica. Hacia principios de los años 1980, unieron varios miles de computadoras en una red que interactuaba usando las redes telefónicas. En Estados Unidos algunos técnicos y entusiastas de la informática instalaron y participaron en los primeros BBS (Fejler, 2000). Los temas de discusión eran por lo general técnicos: se discutía cómo y para qué usar las máquinas y los BBS en sí. Hubo una excepción: un BBS llamado CommuniTree que, a diferencia de los restantes, estaba específicamente enfocado a la idea de crear comunidades. Se proponían conceptos de discusión como la reciprocidad, la solidaridad, y la idea de armar algo socialmente contenedor entre todos. Este proyecto no prosperó, por la misma razón que no lo hicieron otros tantos: mucha gente aprovecha los medios libres de expresión para agredir impunemente, y para expresar más su disgusto social que para tratar de construir algo alternativo (Fejler, 2000). Gradualmente, se fueron fundando Freenets, redes mantenidas por voluntarios que extendieron los recursos de Internet de las universidades a las comunidades y al público en general. La primera fue la Cleveland Freenet, creada en 1986 en la Case Western Reserve University. Ofrecía acceso dial-up gratis a un server de la Universidad a miembros de la comunidad local que poseían computadoras y querían conectarse a Internet. Algunos Freenet evolucionaron hacia organizaciones que mantienen el principio del acceso público y gratuito a las redes informáticas. Otras se transformaron en “redes comunitarias” que cobran por el servicio, a la vez que ocupan un rol fundamental para el desarrollo de la comunidad. El cambio de “Free” Net (red gratuita y/o libre) a “redes comunitarias” también ha significado una importancia mayor otorgada al desarrollo comunitario. Schuler (1997) plantea que las Redes Comunitarias pueden accionar, y lo hacen, en cualquier cuestión en la que las TSI se intersecten con lo que considera “valores centrales” de la comunidad: educación, cultura, comunicación, democracia, salud y bienestar, y equidad económica y de oportunidades. 15 3. El acceso comunitario a las TSI ¿Cómo puede implementarse el acceso de los miembros de las comunidades locales a las TSI? Las políticas varían según los países. En Canadá, por ejemplo, el acceso telefónico ha sido casi universal desde hace décadas. Para mejorar el acceso de las áreas rurales y remotas a Internet, el gobierno canadiense lanzó el Community Access program (CAP) (Programa de acceso comunitario) para asegurar un acceso de bajo costo a todas las localidades, hasta a las más remotas. En el primer año, los proveedores de Internet (ISP) del país se dieron cuenta de que podían proveer Internet a bajo costo a todos los canadienses. El CAP evolucionó, de proveer acceso técnico a Internet, a proveer acceso social, incluyendo a los desempleados, a los que carecen de computadoras y de formación en su uso, y a los físicamente discapacitados. Existen desarrollos similares en otras regiones del mundo, como Europa, EE.UU., África y América Latina, a través de programas de telecentros. Los telecentros, según Robinson (2000) son “una nueva figura en el panorama institucional inducido por la revolución digital que vivimos.” De los primeros años de la década de los 90, representan los esfuerzos de varios países para crear lugares de acceso público que facilite el acceso a Internet. En general, son lugares públicos que pueden ser o no gratuitos, equipados de cierto número de computadoras y otros equipamientos informáticos, donde se puede navegar Internet, usar el correo electrónico y las cámaras digitales, y en algunos de ellos, asistir a cursos de formación en los usos de la tecnología informática. Estos telecentros difieren de los cibercafés, dado que “permiten y fomentan la construcción del dominio público y la oferta de cursos de capacitación en los oficios digitales, además de la educación a la distancia con el apoyo de los tutores en los respectivos temas. Un telecentro es un compromiso para ofrecer información y un adiestramiento en el manejo de la misma, más allá de los temas mercantiles. Una red nacional e internacional de telecentros es el anexo lógico de las bibliotecas públicas en nuestro tiempo, y INTERAÇÕES Revista Internacional de Desenvolvimento Local. Vol. 1, N. 2, Mar. 2001. 16 Susana Finquelievich, Pablo Baumann e Alejandra Jara es una propuesta para atenuar la división digital que ahora marca la condición poscolonial” (Robinson, 2000). En Europa, el proyecto EPITELIO (1996-1998), uno de los más exitosos hasta ahora, se planteó en principio el desarrollo de una plataforma telemática como medida contra la exclusión social (www.epitelio.org) (Serra, 2000). EPITELIO persigue dos metas fundamentales: generar, no sólo una plataforma telemática, sino una comunidad; y además, una NUEVA comunidad. Consideraba que, al igual que Internet consiste en una nueva infraestructura de información, diferente a las ya conocidas (telecomunicaciones y medios gráficos y verbales), esta infraestructura podría generar una estructura social innovadora, diferente a las actuales. El resultado excedió los propósitos iniciales. Sus logros no sólo han sido crear una plataforma telemática, o un grupo de servicios de Internet, sino desarrollar un grupo de nuevas organizaciones barriales (como en el caso de Ravalnet), organizaciones de la ciudad (Rete Ciudadana) y organizaciones europeas (la Asociación Europea para Comunidad), lo que permite materializar la innovadora Sociedad de la Información. A raíz de estos proyectos, se ha creado la organización internacional Global Community Networks, una iniciativa desarrollada por el Global CN Partnership, la alianza internacional de organizaciones de redes ciudadanas de Europa, USA, Canadá, en colaboración con las redes comunitarias en los Estados Unidos, Argentina, Chile, Brasil, Uruguay, Australia, México, Costa Rica, República Dominicana, Nueva Zelanda, Japón, Rusia, India y África. En diciembre del 2001 se celebrará en Buenos Aires un Congreso Global de redes ciudadanas, el Global 2001, que se orienta sobre todo a fomentar la construcción de redes ciudadanas en todo el mundo, sobre la base de alianzas estratégicas con las diferentes organizaciones de la sociedad civil, el Estado, las empresas y las universidades. Estas alianzas están dirigidas a la construcción de la nueva comunidad de la Sociedad de la Información. Esta comunidad se construye por medio de la articulación de las iniciativas de los sectores involucrados, el intercambio de metodologías, programas, procesos, y la elaboración de nuevos conocimientos. En América Latina se multiplican los proyectos de telecentros. En realidad, se está desarrollando un verdadero movimiento de creación de estos nuevos equipamientos comunitarios (www.tele-centros.org.ar). A pesar de que la entrada de la mayoría de la población a la Sociedad de la Información no es aún una prioridad para numerosos gobiernos latinoamericanos, en algunos países se están implementando experiencias importantes a nivel nacional. En el Perú, la Red Científica Peruana ha implementado las Cabinas Públicas, desde donde los habitantes navegan Internet, buscan trabajo, leen los diarios y se comunican entre sí y con el extranjero. En El Salvador se lanza en estos momentos una red de telecentros que parte de una iniciativa estatal (www.infocentros. org.sv), y en México está en marcha un proyecto para implementar telecentros usando conexiones a Internet a través de satélites o ISP locales (www.idrc.ca/pan/ telecentres.html) (Robinson, 2000). La Informática Comunitaria se vuelve más significativa en Argentina a partir de la implementación de diversos programas de telecentros. En 1999, mediante el decreto Nº 1018/98 se creó el Programa para el Desarrollo de las Comunicaciones Telemáticas [email protected], a través del cual el gobierno se proponía estimular el desarrollo de redes nacionales y regionales para favorecer el acceso a la mejor tecnología disponible en este campo. Basicamente, los CTC son redes informáticas locales conectadas a INTERNET con contenidos y desarrolos de web comunitarias, localizadas en conglomerados humanos de nivel bajo socioeconómico. Se integran en un sistema general de CTC con subsistemas autónomos de capacitación y desarrollos de contenidos, cuya gestión puede ser realizada en forma centralizada primero por la Secretaría de Comunicaciones, y a partir del cambio de gobierno nacional, de la Secretaría de Tecnología, Ciencia e Innovación productiva (SETCIP). Su objetivo es fomentar el uso de Internet, promover la igualdad de oportunidades en el acceso a las tecnologías de información, impulsar nuevas herramientas pedagógicas mediante la utilización de redes INTERAÇÕES Revista Internacional de Desenvolvimento Local. Vol. 1, N. 2, Mar. 2001. Las Tecnologías de Información y Comunicación (TIC) en el Desarrollo Local: gobierno electrónico y redes ciudadanas informáticas, y promover la generación de contenidos locales útiles y autorreferenciables por parte de las comunidades y conglomerados humanos huéspedes de CTC. La cuestión del acceso a las TSI es mucho más amplia que el mero acceso técnico. El problema consiste en cómo proporcionar un acceso público en los países en los que escasean los recursos humanos, financieros y tecnológicos necesarios para apoyar los objetivos de la sociedad civil. Este problema está siendo debatido en los países en los que el costo del acceso individual es prohibitivo, ahondando aún más la división digital. También se lo discute en contextos en los que puede haber razones para tener acceso comunitario a Internet en vez del tradicional acceso hogareño. En ambos casos, la provisión de un acceso físico alternativo a la red es un primer paso significativo. Una vez implementado el mecanismo para proveer el acceso comunitario, es necesario determinar cómo administrar y mantener la organización que servirá de proveedora de acceso. También será necesario organizar el equipamiento para optimizar el uso de la tecnología y los usos que proporciona, así como reflexionar sobre cómo se articularán las posibilidades de acceso comunitario a Internet con los servicios sociales existentes. Por ejemplo, cómo relacionar los trámites electrónicos con las oficinas municipales. 4. ¿Para qué sirve la informática comunitaria? Los usos y aplicaciones que permite la IC son variados. Nos ocuparemos aquí de aquellos relacionados con los que articulan las TSI con los intereses y objetivos de la sociedad civil. Según Gurstein (2000), los usos y aplicaciones son los siguientes: a) Acceso comunitario a las TSI El acceso público a la TSI, como se ha mencionado más arriba, puede ser implementado a través de una variedad de sitios de acceso, tanto en organismos gubernamentales, como no gubernamentales, como los CGPs, telecentros, cibercafés, bibliotecas públicas, locutorios telefónicos, escuelas, etc. Es necesario tener en cuenta que no basta con proveer el equipamiento 17 físico e informático, ni es suficiente con proporcionar conexiones a Internet. Lo realmente fundamental es proporcionar en los telecentro, o en cualquier otro lugar de acceso público a Internet, las condiciones de formación básica para que los usuarios que tienen conocimientos insuficientes en el uso de las herramientas informáticas puedan aprender a usarlas a full. También es necesaria la presencia de instructores que puedan auxiliar a los usuarios cuando éstos experimenten dificultades. b) Información comunitaria ¿Qué tipo de información interesa a las organizaciones de la sociedad civil y al público en general? La llamada “información comunitaria” incluye temas tan variados como guías telefónicas, guías de trámites municipales, una agenda de eventos urbanos o barriales, bolsas de trabajo y de estudio, cursos y actividades barriales y urbanas, noticias sobre espectáculos y telecompra de entradas, noticias políticas locales, foros de discusión, etc. Es importante que los gobiernos locales proporcionen información sobre planes y proyectos urbanos y otros. También puede contener una base de datos sobre la comunidad local, o una web-page comunitaria. En ocasiones, ofrece información respecto al trabajo de organizaciones comunitarias locales, nacionales o internacionales. Algunas iniciativas privadas pueden publicitar bienes y servicios. c) Participación cívica y comunitaria en línea ¿Para qué se usan las TSI en la sociedad civil? En general, se utilizan para alentar procesos de participación social y política a través de proyectos de democracia electrónica, de foros de discusión partidarios y de consultas gubernamentales al público en asuntos de interés local. Este tipo de usos permite la expresión en línea de opiniones, críticas y propuestas relacionadas con planes y problemas locales y la participación en la planificación y gestión urbana. El conocimiento, por parte de los habitantes, de los planes y proyectos urbanos, la administración del presupuesto, el uso de los impuestos y otras cuestiones relativas a la INTERAÇÕES Revista Internacional de Desenvolvimento Local. Vol. 1, N. 2, Mar. 2001. 18 Susana Finquelievich, Pablo Baumann e Alejandra Jara gestión urbana y provincial, es una cuestión clave para la gobernabilidad. Pero la participación no se limita a estas cuestiones: municipalidades que comparten intereses o problemáticas similares pueden conformar redes de intercambio de información y experiencias, como en el caso de la Red de Municipios Mariano Moreno. O bien, diversos barrios en la misma ciudad o en ciudades diferentes pueden construir redes que les ayuden a resolver sus problemáticas y a optimizar el uso de sus recursos. Estos tipos de información y de articulaciones permiten la expresión, ya sea en reuniones presenciales, en foros o en redes electrónicas, de opiniones y propuestas relativas a planes y proyectos urbanos, y alienta una mayor participación pública en las cuestiones urbanas. d) Servicios en línea Las TSI se usan en la IC para proveer servicios públicos, incluyendo trámites municipales, información sobre impuestos, información y registros en lo que se refiere a certificados y otros documentos, información y consejos sobre salud física y mental, informaciones sobre catastros, así como sobre empleos y sobre micro emprendimientos, incluyendo un tutoreo de estos últimos. Algunos centros de Gestión y Participación (CGPs) de Buenos Aires ya están proporcionando este tipo de informaciones a sus ciudadanos. La provisión directa de servicios a individuos en sus barrios, pueblos o ciudades, o en sus hogares, en Argentina, está aún en pañales. No obstante, se espera que crezca drásticamente en el futuro cercano. Puede ser muy económico para algunos sectores, en especial en áreas que usan intensivamente información. e) Comercio electrónico comunitario Actualmente, el auge del comercio electrónico no puede ser ignorado. La publicidad nos informa de los esfuerzos que se hacen por poner el e-commerce al alcance de las comunidades geográficas y virtuales, a través de páginas web, portales, shoppings virtuales, etc. En todo el mundo se están implementando iniciativas para articular el comercio local con los mercados globales, a través del comercio electrónico. En Argentina, el informe de Roxana Bassi (1999) indica progresos significativos en esta área. Actualmente, se vive una verdadera explosión: en marzo de 2000, los usuarios del e-commerce gastaron 3 millones de pesos sólo en CD (Diario Clarín, 17-05-2000). Según la consultora Prince e Cook, el número de navegantes en la Red crece a un ritmo del 4% mensual, y estima la facturación del sector para el año 2000 en 150 millones, y en 355 millones para el 2001. El auge del comercio electrónico bien puede ser usado por organizaciones comunitarias o emprendimientos locales para vender sus bienes y servicios prescindiendo de intermediarios. Las comunidades geográficamente aisladas, o alejadas de los mercados representados por las grandes ciudades pueden llegar de esta manera al mercado global, siempre que cuenten con la necesaria formación, no sólo en herramientas tecnológicas, sino en gestión de microempresas. Los telecentros o equipamientos similares pueden así constituirse en lugares donde se impartan cursos sobre administración de microempresas, emprendimientos comunitarios y comercio electrónico, alentando de esta manera las economías locales. f) Teletrabajo Las TSI pueden ser muy útiles para las economías locales facilitando el teletrabajo, sobre todo en ciudades pequeñas o remotas, o para ciertos individuos con dificultades para alejarse de su hogar, como madres de niños pequeños, ancianos o personas con impedimentos físicos. Se están multiplicando las clases de trabajos que pueden ser realizados a distancia. Un reciente ECATT Survey (1999), referido a Europa, muestra que el teletrabajo móvil es el más extendido. Alrededor de 14% de las empresas europeas utiliza esta forma de trabajo, y las compañías empiezan a considerar seriamente la posibilidad de alentar el teletrabajo. Los teletrabajadores provienen de diferentes profesiones y oficios: miembros de profesiones liberales, profesores secundarios y universitarios, programadores informáticos, investigadores, publicistas, artistas gráficos, administrativos, empleados de compañías de marketing, periodistas, etc. (Finquelievich, 1998, 2000). INTERAÇÕES Revista Internacional de Desenvolvimento Local. Vol. 1, N. 2, Mar. 2001. Las Tecnologías de Información y Comunicación (TIC) en el Desarrollo Local: gobierno electrónico y redes ciudadanas g) Educación, formación y redes de aprendizaje La educación y la formación permanente son áreas que emergen rápidamente en la IC. Áreas crecientes de educación y enseñanza a todos los niveles serán proporcionadas en línea, incluyendo la distribución a localidades remotas de material escrito, CDs de sonido y videos, además del material interactivo que se envía por Internet. A pesar de que en Argentina están surgiendo universidades virtuales, como la Universidad Nacional de Quilmes o la Universidad de Buenos Aires, recién se está aprendiendo a manejar las técnicas y contenidos específicos a la educación virtual. También se están desarrollando metodologías para articular facilidades educativas en línea con las necesidades de formación continua, y con las estructuras educativas tradicionales existentes en las ciudades y barrios, con el objeto de integrar al mayor número posible de población a la Sociedad de la Información y sus nuevas formas de trabajo. h) Relocalizaciones urbanas Las TSI facilitan tanto a los teletrabajadores, a los habitantes de las nuevas urbanizaciones como a empresas de todo tamaño, la posibilidad de elegir la localización física de sus vidas y actividades, siempre y cuando se mantengan “conectados”. Los servicios bancarios, las universidades virtuales, la telecompra, los supermercados digitales, los siguen dondequiera que vayan. Pero estas relocalizaciones (y los consecuentes cambios en la estructura urbana y en las infraestructuras y servicios que deben acompañarlos) implican la necesidad de un trabajo intensivo de planificación urbana. Los Sistemas de Información Georeferenciados (GIS), adecuadamente utilizados, permiten informar a la población sobre los proyectos que los conciernen y también posibilitan que los ciudadanos se expresen con respecto a sus necesidades y preocupaciones, como el uso del suelo, la conservación del medio ambiente, los servicios educativos y de salud que les resultan necesarios, etc. 19 5. Contenidos para la informática comunitaria El acceso físico del público a las herramientas informáticas o a Internet, sea gratuitamente o a un precio bajo, es sólo un primer paso. Como se ha expresado más arriba, la siguiente cuestión clave se refiere a los contenidos que se colocan en la Red, los tipos de información y servicios que se proporcionan a los ciudadanos. Los que navegamos Internet sabemos que hay allí una inmensa masa crítica de información, servicios, propuestas del interactividad, foros de debates, etc. Sin embargo, como señala Gurstein (2000), sólo poco de este material es utilizable o apropiable en contextos que difieren de los países del Norte, y principalmente de los USA, donde se produce un alto porcentaje de esta información. Esto se hace más evidente cuando se consideran los problemas de los países del sur en esta área: falta de recursos financieros y tecnológicos, falta de la formación en el uso de herramientas informáticas, resistencias culturales, falta de interés gubernamental, barreras idiomáticas, etc. Para que los servicios online sean realmente, es necesario desarrollar dos elementos: • La capacidad de discernimiento de los usuarios con respecto a la masa de información encontrada, por medio de ofertas de formación permanente. • La capacidad de los proveedores de información (como los administradores de telecentros) para que diseñen la oferta de información y servicios que contemplen la diversidad de circunstancias, contextos y capitales culturales de los usuarios. E-government y redes ciudadanas El e-government (o gobierno electrónico) y las redes electrónicas comunitarias, también llamadas redes ciudadanas, parecen ubicarse en los extremos de la tensión existente entre dos tendencias encontradas: la mercantilización y la politización de la relaciones sociales (Baumann y Jara, 2001). En la primera de las prácticas, se enfatiza la creación de varios canales electrónicos de comunicación entre el INTERAÇÕES Revista Internacional de Desenvolvimento Local. Vol. 1, N. 2, Mar. 2001. 20 Susana Finquelievich, Pablo Baumann e Alejandra Jara gobierno y los ciudadanos bajo la impronta de la eficacia y eficiencia de la gestión estatal y de la democratización y transparencia de los procesos de administración. Se fortalece la visión del ciudadano en tanto beneficiario y consumidor de servicios públicos. En la segunda, los canales de comunicación entre ciudadanos y gobierno están orientados a fomentar la deliberación pública como fundamento de la participación política, y a maximizar las posibilidades de satisfacción de las demandas. La primera tiende a socializar la política, esto es, llevarla al terreno de la sociedad civil, asimilándola al mercado. La segunda tiende a politizar a la sociedad, recuperando el sentido de la acción y el discurso tal y como lo entiende Hannah Arendt, como “espacio de aparición”. El concepto moderno de ciudadanía, en tanto status legal otorgado por el Estado, con un fuerte anclaje territorial, está en crisis, porque el propio Estado.Nación, tal y como surgió y se consolidó en las sociedades modernas, es un Estado en crisis: “Ser ciudadano no tiene que ver sólo con los derechos reconocidos por los aparatos estatales a quienes nacieron en un territorio, sino también con las prácticas sociales y culturales que dan sentido de pertenencia y hacen sentir diferentes a quienes poseen una misma lengua, semejantes formas de organizarse y satisfacer sus necesidades” (García Canclini,1995). Las redes ciudadanas, apoyadas en herramientas electrónicas, aparecen a la vez como nuevos actores y como los escenarios innovadores de recreación de lo público y revalorización del status político de la ciudadanía, introduciendo en dicha idea fuertes componentes culturales identitarios y localistas, poniendo en juego a los mismos, articulando sus discursos, más allá de la relación individuo-Estado. En general, los usos detectados hasta el momento por parte de los gobiernos locales ponen énfasis en la relación con el ciudadano-usuario-consumidor-cliente y no tienen en cuenta que éstos interactúan activamente en redes de relaciones diferenciadas, lo cual termina agudizando los problemas de gobernabilidad, dado que en vez de articular demandas, las agrega estadísticamente. Ciudadanos de la era digital La noción clásica de ciudadanía en tanto en tanto status legal otorgado por parte del Estado, hace referencia a los derechos y obligaciones que posee todo individuo en tanto miembro de una comunidad. El derecho a la igualdad es la piedra angular en la relación individuo-sociedad, ya que se es portador de derechos y deberes en tanto participe de una comunidad de iguales. La ciudadanía como proceso histórico, posee un desarrollo evolutivo, que va de los derechos civiles en el siglo XVIII, a los derechos políticos en el siglo XIX, y en el siglo XX aparece la cuestión de los derechos sociales y de las minorías. La problemática de la ciudadanía aparece en cada momento particular relacionada a contextos históricos, política, social y materialmente diferentes. La Sociedad Informacional-SI- puede definirse como un proceso de redefinición histórica de las relaciones de producción, de poder, y de experiencia (Castells, 1998) que deriva de la convergencia e interacción de tres procesos, hasta cierto punto, independientes. Por supuesto, la revolución de la tecnología es uno de ellos. Pero no podrían comprenderse cabalmente los cambios sociales a que asistimos sin tener en cuenta la crisis económica y subsiguiente reestructuración del capitalismo en los ´70, por un lado, y por el otro la crisis de las instituciones políticas y el surgimiento de los nuevos movimientos sociales. “Los ciudadanos aún son ciudadanos, pero dudan de qué ciudad y de quién es la ciudad” (Castells, 1998). Ser ciudadano supone también, reivindicar el derecho a acceder y pertenecer al sistema socio-político, el derecho a la diversidad en la igualdad, el derecho de acceder, de influir, de constituirse en actor del escenario social. Schiavo (2000) reflexiona sobre los requisitos necesarios para ser un ciudadano en la SI, y menciona cuatro: la presencia, otorgada por la dirección electrónica provista al ciudadano por el gobierno local, el acceso universal provisto por entidades privadas o comunitarias, el capital que implica un proceso de aprendizaje para incorporar los saberes necesarios para actuar en la plataforma digital, y el habitus que INTERAÇÕES Revista Internacional de Desenvolvimento Local. Vol. 1, N. 2, Mar. 2001. Las Tecnologías de Información y Comunicación (TIC) en el Desarrollo Local: gobierno electrónico y redes ciudadanas posibilita incorporar los conocimientos (el capital) a los modos de percibir pensar y actuar en la vida cotidiana. Esta autora alude a las posibilidades de multiplicación del espacio público social, porque coexisten en él, territorio urbano presencial y entorno telemático. Susana Finquelievich (1999) especula acerca de los derechos de los ciudadanos en la SI. Enuncia una serie de derechos entre los cuales aparecen: el derecho a participar de la SI, a disponer de medios de aprendizaje de las técnicas y saberes tecnológicos y organizacionales asociados a la informática, el derecho de participar comunitariamente en el uso de las herramientas tecnológicas (acceso comunitario), derecho a establecer redes electrónicas comunitarias, al acceso a la información pública, el derecho a ser consultados por los gobiernos sobre las decisiones y planes que conciernen a la ciudad y la calidad de vida de sus habitantes, entre otros. La ciudad como encuentro La ciudad se transforma. La acepción clásica de ciudad como lugar, cede ante la noción de “la ciudad como encuentro, como organización institucionalizada de comunicación entre grupos e individuos diferentes” (Touraine, 1998). La idea de ciudad como espacio de organización, defensa y fomento de la comunicación es el lugar de redescubrimiento del ágora, de fortalecimiento de la democracia y de reinvención del espacio político. De este modo, la ciudad moderna, con sus límites geográficos y políticos bien definidos se superpone con la ciudad informacional, la ciudad-red, cuyos límites son sólo los límites de la comunicación. En el proyecto que dá origen a este artículo analizamos experiencias concretas acerca de cómo los ciudadanos organizados en diferentes expresiones de la sociedad civil utilizaban la comunicación mediada por computadoras - CMC - en función de sus objetivos y para alcanzar sus propias metas. Un sitio web, la participación en una lista de discusión o simplemente una dirección de correo electrónico les permitió innovar en la gestión de sus recursos y en el establecimiento de redes electrónicas comunitarias. Estos 21 grupos lograron incrementar sus posibilidades mediante la CMC, pudiendo acceder a información, darse a conocer, informar a la comunidad en general sobre sus objetivos y formas de trabajo, fortalecer el vínculo con los beneficiarios de sus actividades, ganar respaldo y sobre todo reposicionarse en las estructuras de poder locales y regionales. Así es como, por ejemplo, un grupo que actualmente supera los ciento cincuenta webmasters, han conformado un Circuito de Ciudades Argentinas (www. argenguide. com.ar) utilizando la red como medio para difundir las noticias comunitarias, los emprendimientos productivos locales, promocionar los diferentes circuitos turísticos y brindar un espacio de debate y encuentro a los miembros de cada comunidad. Estos sitios web son emprendimiento privados, financiados mediante el esfuerzo y los recursos de sus creadores, se trata de iniciativas locales que se llevan adelante en la mayoría de los casos sin el apoyo de las instituciones locales y que en muchos casos brinda acceso a información publica y servicios comunitarios generando aportes al desarrollo local, y realizando un esfuerzo de resultado incierto en la promoción y difusión de las tecnologías de información y comunicación -TICs-, que los propios municipios no ofrecen a los ciudadanos. Un grupo de vecinos del barrio de Saavedra, movilizados por el problema de la inseguridad en poco más de un año se ha convertido en una fuerte red con presencia en gran parte del Area Metropolitana, “Plan Alerta”, nutriéndose de experiencias de distintas partes del mundo. O es también el caso de la Red del Trueque, que nuclea a miles de personas que en poco tiempo han constituido una red productiva y de intercambio alternativa al mercado. O el de la Comunidad de Indios Quilmes, en Tucumán, que afirman su identidad y sus derechos, convocando solidaridades de diversos lugares del planeta, dando a conocer su milenaria cultura y su mirada sobre el mundo. Los casos se multiplican, se teje la trama de las redes... Sin embargo, en general y como contrapartida, los usos de TICs detectados hasta el momento por parte de los gobiernos locales, ponen énfasis en la relación con el INTERAÇÕES Revista Internacional de Desenvolvimento Local. Vol. 1, N. 2, Mar. 2001. 22 Susana Finquelievich, Pablo Baumann e Alejandra Jara ciudadano-usuario-consumidor-individuo y no tienen en cuenta que estos interactúan activamente en redes de relaciones diferenciadas. Esto agudiza los problemas de gobernabilidad, dado que en vez de articular demandas, las agrega estadísticamente. Esta misma perspectiva acerca de la participación en la SI en tanto ciudadano-individuousuario-cliente, es la que prevalece, por ejemplo, detrás de la línea de crédito blando para la compra de equipamiento informático implementada por el gobierno argentino, donde se facilita el acceso a la adquisición de equipamiento únicamente a los particulares, favoreciéndose el uso privado e individual de las tecnologías teleinformáticas, en vez de propiciar el acceso comunitario y fortalecer a las organizaciones del tercer sector1, beneficiándolas también con esta línea de créditos. Retomando la idea inicial acerca de la ciudad como organización institucionalizada de comunicación y su relación con los usos sociales de las TICs, son los ciudadanos organizados y no los gobiernos quienes están dando los primeros pasos para articular, organizar, y facilitar la creación de espacios colectivos de comunicación y fortalecimiento de la participación ciudadana. Redes electrónicas ciudadanas Al hablar de comunicación y política democrática, hacemos referencia a los discursos que convergen, de modo contradictorio y no excluyente, en la esfera de producción del discurso político y ”los actores que tienen legitimidad para expresarse sobre este tema: los políticos, los periodistas y la opinión publica que se expresa a través de los sondeos de opinión” (Wolton, 2000) y, agregamos, las redes electrónicas. En los sondeos de opinión pública los ciudadanos pueden expresarse en tanto sean consultados, por científicos y técnicos, que re-elaboraran las opiniones emitidas en un discurso que refleje de la mejor manera posible la realidad social. Con el acceso a las tecnologías teleinformáticas se genera un nuevo canal de expresión a la opinión publica, cualitativamente diferente, porque los ciudadanos pueden participar activamente en la difusión de sus opiniones, debates y cuestiones de interés y podríamos decir que se trata de opinión pública sin mediaciones, aunque no por ello menos socialmente elaborada. Las redes electrónicas comunitarias aparecen como los nuevos escenarios de recreación de lo público y revalorización del status político de la ciudadanía, facilitando el acceso a la información pública y el debate como fundamento de participación política, permitiendo no solo un ida y vuelta entre actores políticos y ciudadanos, sino fortaleciendo los lazos de relación horizontal entre estos últimos. La participación de los ciudadanos en el sistema socio-político a través de la opinión pública, que se expresa en las redes electrónicas comunitarias, es un modelo deseable de perfeccionamiento de la representación social, de formación de la voluntad política y de articulación de intereses en la Sociedad de la Información (SI). El diseño institucional de las redes electrónicas comunitarias, aunque todavía embrionario en su desarrollo, funciona en base a relaciones horizontales, descentralizadas, multipartidarias, y no acotadas geográficamente, que trasciende los límites del sistema de representación tradicional, partidario o parlamentario, y que puede favorecer en su desarrollo el fortalecimiento de una democracia representativa con fuerte participación social; un modelo capaz encauzar la participación ciudadana propiciando instancias de deliberación social propias del sistema democrático. La participación de los ciudadanos en las cuestiones de interés publico a través de las redes telemáticas no se traduce necesariamente en la intervención directa de los ciudadanos en las decisiones colectiva. El televoto, cada vez mas factible dada la rápida difusión de las TICs en la población, entraña posibles peligros. Sartori (1998) previene contra los peligros de tomar a la red como instrumento de acción política, porque se anulan los sistemas de contrapesos y balances propios del sistema representativo y se facilita la instauración de un principio mayoritario absoluto que puede violar el principio de respeto a la minoría. La experiencia norteamericana entre 1898 y 1918 demuestra que los instrumentos de la INTERAÇÕES Revista Internacional de Desenvolvimento Local. Vol. 1, N. 2, Mar. 2001. Las Tecnologías de Información y Comunicación (TIC) en el Desarrollo Local: gobierno electrónico y redes ciudadanas democracia directa pueden servir tanto a promover los derechos de las minorías como a lesionarlos. Abundan los ejemplos de discriminación racial, sexual, de género etc. promovidas a través de iniciativas populares y referéndum, al punto que se ha sostenido que han sido un efectivo facilitador de prejuicios (Cunil Grau, 2000). Las redes electrónicas comunitarias son mucho más que el hardware y el software que las sustentan; reflejan el acceso a un nuevo espacio de vinculación que permite la aparición de distintos tipos de organización social asociados al uso de las herramientas informáticas (Carceglia y Quiroga, 1999). Tal como menciona Douglas Schuler (2000), “las redes electrónicas comunitarias ofrecen una oportunidad importante y excepcional para que las comunidades desarrollen y administren y una tecnología democrática”. Los Municipios se suben a la Red Los gobiernos municipales y locales son actores fundamentales en esta nueva geografía mixta (virtual y territorial), por varias cuestiones En primer lugar, por una cuestión estratégica y geopolítica: en tanto los Estados-nación se ven inmersos en redes variables de poderes y contrapoderes globalizadas frente a las cuales pierden soberanía y autonomía, delegando cada vez más responsabilidades en los niveles inferiores de gobierno, descentralizando tareas y funciones para descomprimir los crecientes niveles de demandas y garantizar la gobernabilidad de los sistemas políticos, los gobiernos locales asumen cada vez más funciones y autonomía (esto último no siempre se dá, dependiendo de la capacidad de obtención de recursos propios que estos tengan). Estos pueden implementar estrategias propias de desarrollo, estableciendo alianzas con otros municipios dentro y por fuera de los propios estados, conformando redes, buscando nuevos mercados para sus producciones, innovando y promoviendo el surgimiento de nuevas actividades rentables, promoviendo sus recursos, etc. Las CMC o TICs, permiten establecer nuevas formas de cooperación. Este es el caso de la Red de Municipios Mariano Moreno, 23 el de la red de Webmasters Municipales o la red URB-AL. En segundo lugar, por una cuestión política, al permitir una mayor integración en la medida en que, más que agregar demandas, permiten desagregarlas y articularlas, promoviendo espacios de encuentro para la creación de consensos en las localidades. En este sentido, si bien no se ha extendido su uso aún, las CMCs constituyen una herramienta ideal para la elaboración de presupuestos participativos, planes estratégicos, referendums y consultas populares, permitiendo una mayor gobernabilidad a nivel local. Sin embargo, la utilización de CMC por parte de los gobiernos locales, hasta este momento, se ha limitado en la mayoría de los casos al desarrollo de intranets, con el fin de lograr una mayor eficiencia en el procesamiento de las demandas, y a una escasa utilización (o subutilización) de las posibilidades de Internet, empleada más como una “cartelera” virtual, como un push media, que como una herramienta para la participación ciudadana. En pocos casos, se ha utilizado Internet para transparentar las cuentas públicas y en muy pocos casos para ofrecer servicios online (cobro de impuestos, reclamos, etc). En este sentido, la utilización de las CMC podemos decir que está siendo implementada basándose en una concepción estrecha del concepto de gobernabilidad, que se limita a plantear como centrales y excluyentes los objetivos de eficacia, eficiencia y transparencia (en el sentido de accountability) y en un concepto de “ciudadano” restringido al de individuo - consumidor (abstraído de su real situación en la sociedad) frente al Estado, dejándo de lado la idea de participación real en los debates y en la toma de decisiones. Si bien en muchos casos es mucho lo que se ha hecho, no es suficiente. Los desafíos son grandes y la velocidad de respuesta necesaria debe ser rápida. Por ejemplo, en el caso del Gobierno de la Ciudad Autónoma de Buenos Aires, si bien frente a lo que existía anteriormente, el sitio www.buenosaires.gov.ar resulta novedoso e innovador, son todavía escasas las posibilidades de interacción, a no ser por el formulario para enviar mails al jefe de gobierno y las direcciones de e-mail de las distintas secretarías. Uno puede consultar INTERAÇÕES Revista Internacional de Desenvolvimento Local. Vol. 1, N. 2, Mar. 2001. Susana Finquelievich, Pablo Baumann e Alejandra Jara 24 información, pero no puede iniciar on-line ningún trámite. No hay espacios para los debates ni los reclamos. Una excepción a destacar, sin embargo es el foro de debate específico del portal educativo. En la página de los Centros de Gestión y Participación, el vecino puede consultar cuál es el que corresponde a un domicilio determinado y qué trámites pueden realizarse en ellos, no pudiéndo hacer más que eso desde el sitio. Una vuelta de tuerca más ha dado la Legislatura, con su renovado sitio. Cualquier ciudadano o grupo de ciudadanos puede enviar un mail a cualquier legislador o participar con alguno de ellos en un foro de debate. Esta última iniciativa sería prometedora y realmente innovadora, si funcionara correctamente. Hasta el momento no hemos podido participar en ningún foro, porque la página está en permanente construcción. Conclusión En un sistema en que el Estado Nación pierde soberanía y se torna cada vez más impotente para resolver los problemas concretos de la gente, en el que los sistemas políticos están en crisis poniendo en juego su propia credibilidad ante los ciudadanos, y en última instancia afectando a la misma democracia, es cada vez más visible el rol de los gobiernos locales como embriones de una nueva política democrática. En primer lugar, porque la tendencia es el crecimiento de una autonomía en la elección de autoridades locales, respecto a las lealtades o al voto para autoridades nacionales, como ha quedado demostrado en las últimas elecciones nacionales. En segundo lugar porque el control ciudadano sobre sus gobernantes se hace más efectivo a nivel local, lo que redunda en la construcción de una nueva legitimidad política en dichos niveles. En tercer lugar, porque los gobiernos regionales y locales tienden a implementar procesos de descentralización y participación ciudadana. Castells (1998) observa: “Cuando se suman los medios electrónicos (la comunicación a través del ordenador o las emisoras de radio y T.V. locales) para extender la participación y consulta a los ciudadanos (por ejemplo en Amsterdam o en la Prefectura de Fukuoka), las nuevas tecnologías contribuyen a aumentar la participación en el gobierno local. Las experiencias de autogestión local, como la desarrollada por la municipalidad de Cuiabá en el Mato Grosso brasileño, muestran la posibilidad de reconstruir vínculos de representación política para compartir (si no controlar) los desafíos de la globalización económica y el carácter impredecible de la política”. El otro pilar fundamental en la recreación de la democracia son las redes electrónicas comunitarias. Nuevos movimientos sociales, organizaciones del tercer sector, voluntariados, organizaciones no gubernamentales, utilizando y organizándose a través de redes electrónicas, y telecentros adquieren cada vez más una significación política. Por un lado van ocupando los lugares de los cuales el Estado de bienestar va desertando. Por el otro van tejiendo una nueva trama de solidaridades y lazos sociales. Se conforman y actúan en red porque saben que de esa manera tienen mayor velocidad de reacción, porque pueden compartir recursos y porque intuyen que es la única manera de hacer frente a un poder globalizado, concentrado y disperso a su vez en redes de flujos de poder y riqueza. Municipios on-line, redes electrónicas comunitarias, quizás a partir de ellas se esté recreando un nuevo concepto de ciudadanía global, en la cual todos puedan ser ciudadanos, sujetos de derechos y a sentirse integrados política y socialmente en la Sociedad de la Información. Nota 1 Denominamos primer sector a lo concerniente a la esfera de lo público estructurado en torno al Estado y sus funciones, el segundo sector estaría conformado por lo privado o el mercado y el tercer sector estaría formado por las organizaciones de la sociedad civil. Este artículo se basa en el texto de Susana Finquelievich, Pablo Baumann y Alejandra Jara: Nuevos paradigmas de participación ciudadana a través de las tecnologías de información y comunicación, Documento de Trabajo Nº 22, Instituto de Investigaciones Gino Germani, Facultad de Ciencias Sociales, Universidad de Buenos Aires, Febrero 2001. Referencias bibliográficas BAUMANN, Pablo. Usos sociales de las TIC. Gobiernos locales y participación ciudadana. In: Finquelievich, Susana. Ciudadanos, a la Red! Buenos Aires, Ciccus – La Crujía, 2000. INTERAÇÕES Revista Internacional de Desenvolvimento Local. Vol. 1, N. 2, Mar. 2001. Las Tecnologías de Información y Comunicación (TIC) en el Desarrollo Local: gobierno electrónico y redes ciudadanas BASSI, Roxana. Repport on E-commerce in Argentina (www.cacenet.com.ar) and Gaiasur (planeta. gaiasur.com.ar). 1999. CARCEGLIA, Daniel; QUIROGA, Sol. Municipios online. Los panópticos de fin de milenio. ALAS XXII – Concepción 10-99. Disponible en www.enredada.net CASTELLS, Manuel. La Era de la Información. Barcelona, Siglo XXI, 1998. CUNIL GRAU, N. Repensando lo público a través de lo social. CLAD, Nueva Sociedad, 2000. CISLER, S. In: Artur Serra. The civic nets What they are, how do they work? www.ac.upc.es, 1995. FINQUELIEVICH, Susana. Redes electrónicas comunitarias en la prevención de la salud mental. www.enredando.com _____. Los Derechos Ciudadanos en la Sociedad de la Información. Publicado en En.red.ando, 1999. www.enredando.com FINQUELIEVICH, Susana; BAUMANN, Pablo; JARA, Alejandra. Nuevos paradigmas de participación ciudadana a través de las tecnologías de información y comunicación, Documento de Trabajo Nº 22, Instituto de Investigaciones Gino Germani, Facultad de Ciencias Sociales, Universidad de Buenos Aires, Febrero 2001. FINQUELIEVICH, Susana; SCHIAVO, Ester (coords.). La ciudad y sus TICs. Buenos Aires, Universidad de Quilmes, 1998. FINQUELIEVICH, Susana (coord.). ¡Ciudadanos, a la Red! Buenos Aires, La Crujía, 2000. FINQUELIEVICH, Susana; JARA, Alejandra. Community Informatics in Argentina. Act II, SHAPING THE NETWORK SOCIETY, The Future of the Public Sphere in Cyberspace, A Computer Professionals for Social Responsibility Symposium, www.scn.org/cpsr/diac-00, May 20 - May 23, 2000. University of Washington HUB, Seattle, Washington, USA GARCÍA CANCLINI, S. Consumidores y Ciudadanos. Buenos Aires, Grijalbo, 1995. GURSTEIN, M.; Dienes, B. (June 1998). Community enterprise networks: Partnerships for local economic development. Paper presented at the Libraries ace Leaders in Community Economic Development conference, Victoria, BC. [Online]. ccen.uccb.ns.ca/ flexnet/CENs.html. GURSTEIN, M. (Ed.) Community Informatics: Using Technology to Enable Community Processes, Group Publishing, Hershey PA, 2000. JARA, Alejandra. Las redes comunitarias en el ciberespacio. El caso de la Argentina. En: Susana Finquelievich (coord.) ¡Ciudadanos, a la Red! Buenos Aires, La Crujía, 2000. RHEINGOLD, H. Virtual Community: homesteading on the Electronic Frontier. Reading, Addison-Wesley, 1993. ROBINSON, Scott. Telecentros en Mexico: desafíos y posibilidades. In: Finquelievich, Susana. Ciudadanos, a la Red! Buenos Aires, Ciccus – La Crujía, 2000. SARTORI, Giovanni. Homo Videns. 1998. SCHIAVO, Ester. Los Ciudadanos de la Sociedad de la Información: entre los Señores del Aire y el Pueblo Natal. In Finquelievich, Susana. Ciudadanos, a la Red! Buenos Aires, Ciccus – La Crujía, 2000. SCHULER, Douglas. Nuevas comunidades y nuevas redes comunitarias. Construir nuevas instituciones 25 para enfrentar los desafíos. En Finquelievich, S. Ciudadanos, a la red! Buenos Aires, Ciccus – La Crujía, 2000. TOURAINE, Alan. La Transformación de las Metrópolis. Revista La Factoría, n. 6 (1998) www.lafactoriaweb.com WOLTON, D. La Comunicación Política: Construcción de un Modelo. En El nuevo Espacio Público, 2000. INTERAÇÕES Revista Internacional de Desenvolvimento Local. Vol. 1, N. 2, Mar. 2001. Democracia Representativa y Democracia Participativa Representative Democracy and Participant Democracy Democracia Representativa e Democracia Participativa Antonio Elizalde Universidad Bolivariana de Santiago (Chile) Contato: [email protected] Resumen: En el artículo se reflexiona sobre la democracia a partir de los desafíos que emanan de ella así como de los desafíos que ella enfrenta en las sociedades actuales. Se analiza por otra parte la evolución y transformación de la noción de ciudadanía y como afecta el operar democrático. Por último, se presentan nueve hipótesis respecto al futuro de las democracias. Palabras claves: Democracia participativa; Ciudadanía; Desarrollo a escala humana. Abstract: Abstract: The article reflects on democracy, beginning with the challenges it gives rise to, as well as the challenges faced by democracy in modern societies. On the other hand, the evolution and transformation of the notion of citizenship is analysed together with this effect on democratic operations. Finally, nine hypotheses are presented related to the future of democracies. Key Words: Participant democracy; Citizenship; Development at human level. Resumo: No artigo, reflete-se sobre a democracia a partir dos desafios que dela emanam, assim como sobre os desafios enfrentados pela democracia nas sociedades modernas. Por outro lado, são analisadas a evolução e a transformação da noção de cidadania e sua ação sobre as operações democráticas. Por último, apresentam-se nove hipóteses em torno do futuro das democracias. Palavras-chave: Democracia participativa; Cidadania; Desenvolvimento em escala humana. “Es decir, que, por naturaleza, la ciudad es anterior a la casa y a cada uno de nosotros. Ya que el conjunto es necesariamente anterior a la parte. Así que está claro que la ciudad es por naturaleza y es anterior a cada uno. Porque si cada individuo por separado no es autosuficiente, entrará como las demás partes, en función a un conjunto. Y el que no puede vivir en sociedad, o no necesita nada para su propia suficiencia, no es miembro de la ciudad, sino una bestia o un dios” (Aristóteles, La Política, Libro I, cap.II) Una breve reflexión inicial acerca de la democracia La democracia, decía alguien que no recuerdo, es como el aire, mientras la tenemos no nos damos cuenta de su existencia, pero cuando nos falta, hay que ver como nos duele y como sentimos su ausencia. Un destacado filósofo colombiano, Estanislao Zuleta (1995), escribió algunas profundas reflexiones sobre la democracia que quiero compartir con ustedes. Él afirmó que la democracia implica la aceptación de un cierto grado de angustia, ya que la democracia es la aceptación de la angustia de tener que decidir por sí mismo, y el pensar por sí mismo es más angustioso que creer ciegamente en alguien. De ahí entonces que la democracia es frágil. Su fragilidad procede de que es difícil aceptar el grado de angustia que significa pensar por sí mismo, decidir por sí mismo y reconocer el conflicto. Nos señaló que la democracia implica igualmente la modestia de reconocer que la pluralidad de pensamientos, opiniones, convicciones y visiones de mundo es enriquecedora y que la propia visión del mundo no es definitiva ni segura porque la confrontación con otras podría obligarme a cambiarla o a enriquecerla. La verdad no es necesariamente la que yo propongo sino la que resulta del debate, del conflicto; por tal razón el pluralismo no hay que aceptarlo resignadamente sino como el resultado de reconocer el hecho de que los seres humanos, no marchan el unísono como los relojes. Es la existencia de diferentes puntos de vista, partidos o convicciones algo que nos debe llevar a la aceptación del pluralismo con alegría, con la esperanza de que la confrontación de opiniones mejorará nuestros puntos de vista. En tal sentido, para Zuleta, la democracia es modestia, disposición a cambiar, disposición a la reflexión autocrítica, disposición a oír al otro seriamente. Afirmó asimismo que la democracia implica igualmente la exigencia del respeto. El respeto significa tomar en serio el pensamiento del otro: discutir con él sin agredirlo, sin violentarlo, sin ofenderlo, sin desacreditar su punto de vista, sin aprovechar los errores que cometa o los malos ejemplos que presente, tratando de saber que grado de verdad tiene pero también al mismo tiempo significa defender el pensamiento propio sin caer en el pequeño pacto de respeto de nuestras diferencias. En un debate seriamen- INTERAÇÕES Revista Internacional de Desenvolvimento Local. Vol. 1, N. 2, p. 27-36, Mar. 2001. Antonio Elizalde 28 te llevado no hay perdedores: quien pierde gana, sostenía un error y salió de él; quien gana no pierde nada, sostenía una teoría que resultó corroborada. También Zuleta dice que debemos reconocer que en el ser humano existen profundas tendencias arcaicas contra la democracia y, si queremos defenderla realmente, debemos comenzar por reconocer una de sus mayores dificultades: nuestros orígenes no fueron democráticos. Para él, en consecuencia la democracia es maduración. La democracia no nos viene espontáneamente, sino como resultado de una conquista, como aceptación de la angustia, de la duda, de la duda sobre sí mismo y de pasar por “la prueba de la duda”. Nos señaló asimismo que somos dogmáticos cuando no hacemos el esfuerzo por demostrar. “La demostración es una gran exigencia de la democracia porque implica la igualdad: se le demuestra a un igual; a un inferior se le intimida, se le ordena, se le impone; a un superior se le suplica, se le seduce o se le obedece. La demostración es una lección práctica de tratar a los hombres como nuestros iguales.” estado griegas. Outhwaite y Bottomore (1993) afirman claramente que “la democracia de la antigua Grecia fue democracia directa: el pueblo gobernaba reuniéndose en asamblea y tomando directamente las decisiones políticas básicas.” Más aún los procesos de globalización y la conformación de megaestados al estilo de la Unión Europea, hacen aún más improbable el retorno hacia formas de democracia directa. Ello en razón de que la diversidad, complejidad y magnitud de los problemas y sobre las cuales se debe tomar día a día decisiones y que constituyen habitualmente el ejercicio del accionar democrático, hacen imposible que ellas sean adecuadamente oportunas, eficaces, informadas, legítimas e impersonales, atributos estos entre otros que deben tener las decisiones públicas en sociedades complejas como las nuestras. Surge aquí la necesaria consideración de la tensión y a la vez complementariedad que debe existir entre lo micro y lo macro, entre lo global y lo local, entre lo societal y lo comunitario (o la escala humana). La emergencia de la multiculturalidad Desafíos a la democracia En la actualidad la democracia en cuando sistema político propio de las sociedades políticas modernas, enfrenta un conjunto de desafíos que pueden ser a la vez vistos como oportunidades o como amenazas. ¿Cuáles son estos nuevos desafíos? El tamaño de la polis o el tema de la escala humana La creciente expansión que en términos demográficos han tenido todas las sociedades modernas ha desbordado el antiguo concepto de la polis aristotélica, que era el espacio en el cual se conformó la noción y el ejercicio de la democracia. Nuestras ciudades, y que decir de nuestros estados naciones, ya no tienen la escala que tenían las ciudades griegas donde surgió la democracia y donde fue posible desarrollar formas de democracia directa o participativa. Nada de lo público (de los asuntos de la polis) le era ajeno a los ciudadanos que habitaban las ciudades Hemos experimentado en los años recientes un rápido tránsito desde sociedades monoculturales o donde predominaba una cultura única casi hegemónica a sociedades multiculturales, donde coexisten muchas culturas. Ello implica que hemos transitado desde sociedades con visiones relativamente compartidas que se traducían en una posibilidad más fácil de lograr consensos a sociedades donde coexisten personas que sustentan creencias y concepciones respecto a la realidad y a la naturaleza humana muy diferentes, lo cual dificulta la elaboración de acuerdos y la construcción de consensos. El aumento del capital social En nuestras sociedades se ha incrementado notoriamente el capital social disponible entre sus ciudadanos. El aumento de los niveles educativos de la población y la casi desaparición del analfabetismo, no sólo ha aumentado la población que puede y debe participar en los procesos electorales, INTERAÇÕES Revista Internacional de Desenvolvimento Local. Vol. 1, N. 2, Mar. 2001. Democracia Representativa y Democracia Participativa incrementado así la ciudadanía electoral, sino que también al hacer posible el acceso generalizado a la información disponible en sociedades que se comunican preferentemente por medio de la lectoescritura, ha aumentado los niveles de conciencia respecto a derechos humanos y las expectativas en relación al mejoramiento de la calidad de vida de la población, generando a su vez una creciente demanda participativa. El problema no resuelto de la inclusión Hasta hace dos décadas, cuando se hablaba de los pobres se hacía referencia a la pobreza por déficit de integración, es decir aquella parte de la población que no había logrado integrarse a la vida moderna. Los extremadamente pobres eran quienes no habían experimentado un desarrollo cultural y laboral como el requerido por el proceso social moderno, y constituían un cierto porcentaje de la sociedad que se aglomeraba en la periferia de las grandes ciudades. En síntesis, aquella marginación resultaba de la reorganización de la economía y la estructura social que se verificaba por la expansión de las formas industriales y estatales modernas, que fueron desplazando y desarticulando el tejido social y las actividades de producción, distribución y consumo tradicionales, afectando especialmente a los grupos sociales indígenas, campesinos y artesanales. Como el sector moderno crecía y manifestaba capacidades para absorver fuerzas de trabajo y satisfacer demandas de consumo, se producía adicionalmente un efecto de atracción para muchos que abandonaron prematuramente sus formas de vida tradicionales y emigraron hacia las ciudades en busca de otros modos de vida. Pero los que no lograron integrarse, no pudiendo tampoco darle en el contexto marginal urbano un uso a sus capacidades y destrezas laborales correspondientes a esos modos de producción campesinos y artesanales, encontraban sólo en la acción social del sector público sus posibilidades de sobrevivencia y de reinserción. Su actividad social tendía a expresarse, entonces, fundamentalmente en términos reivindicativos y de presión; pero también evidenciaron capacidades propias en la solución de los 29 problemas más urgentes, especialmente en el ámbito de la vivienda mediante la ocupación de terrenos y el sistema de autoconstrucción y mejoramiento progresivo de la vivienda. Aquella, pobreza y marginación residual, sigue existiendo en la actualidad. Pero el mundo de los pobres es hoy mucho más numeroso, porque ha sido engrosado por una masa de personas que, habiendo anteriormente alcanzado algún grado de participación en el mundo laboral y en el consumo y la vida moderna, han experimentado luego procesos de exclusión: cesantía, pérdida de beneficios sociales, subempleo, etc. Lo que ha sucedido es, en síntesis, que el proceso industrial y estatal moderno, no sólo no pudo absorver todas las fuerzas de trabajo y las necesidades sociales que crecían junto con la población, sino que incluso comenzó a expeler a una parte de quienes había en algún momento incorporado. Este fenómeno de la exclusión no sólo afecta a los sectores populares y al mundo obrero, sino también a capas sociales medias que se han visto rápidamente empobrecidas por la pérdida de empleo y de beneficios sociales que habían mantenido en muchos casos por períodos prolongados. La pobreza en que caen estas familias resulta en ocasiones extremadamente dura, pues la experimentan por primera vez y no han desarrollado las estrategias de supervivencia cotidiana que son connaturales a la experiencia de la pobreza vivda desde la infancia. Se verifica también un proceso que puede entenderse como de inversión del ascenso social de una generación a otra: muchos jóvenes populares que habían accedido a la educación moderna y que adquieren por su intermedio las destrezas necesarias para insertarse en el mundo del trabajo, no encuentran las oportunidades de hacerlo y recaen en la pobreza. Algunas disgresiones sobre la ciudadanía El concepto de ciudadanía en su acepción actual hace referencia a tres dimensiones presentadas hace casi cuarenta años atrás en el trabajo clásico de Thomas H. Marshall (1965). En su análisis distingue el surgimiento de los derechos propios de la INTERAÇÕES Revista Internacional de Desenvolvimento Local. Vol. 1, N. 2, Mar. 2001. 30 Antonio Elizalde ciudadanía en tres momentos que se materializaron en Inglaterra en tres siglos sucesivos: derechos civiles que aparecen en el siglo XVIII; derechos políticos que se afirmaron en el siglo XIX; y derechos sociales que se establecen en el siglo XX. Desde esta perspectiva es ciudadano “aquel que en una comunidad política goza no sólo de derechos civiles (libertades individuales), en los que insisten las tradiciones liberales, no sólo de derechos políticos (participación política), en los que insisten los republicanos, sino también de derechos sociales (trabajo, educación, vivienda, salud, prestaciones sociales en tiempos de especial vulnerabilidad)” (Cortina, 1997:66). Nuestras sociedades, actuando reflejamente, fueron desarrollando estos derechos ciudadanos que implicaron momentos distintos en su desarrollo histórico, la libertad de desplazamiento y de trabajo respecto a la tierra (derechos civiles) para las grandes mayorías campesinas fueron sólo hace muy poco tiempo plenamente logrados. Recordemos que en la formación social histórica propia de la colonia, fueron la plantación y la encomienda las formas productivas dominantes en nuestra agricultura, las cuales se sustentaron en la esclavitud y en el inquilinaje como formas de trabajo, ambas sin libertad de trabajo ni de movimiento. El momento de la conformación de nuestros estados naciones se llevó a cabo mediante procesos de integración nacional que requirieron el desarrollo de derechos políticos para sustentar una forma de gobierno independiente distinta a la monarquía colonial. Derechos estos que se fueron extendiendo en la medida que surgieron crecientes demandas de legitimidad y a la vez de gobernabilidad. Los derechos sociales han sido, en nuestro caso latinoamericano, el resultado de largas y dolorosas, e incluso cruentas luchas sociales. No ha sido fácil la conquista de esos derechos por parte de las mayorías de nuestro continente. Hoy, sin embargo, confrontamos una tensión entre una noción restringida y una noción ampliada de ciudadanía. Hasta hace no más de una década predominaba y se valoraba como tal a un sólo un tipo de ejercicio ciudadano, el de tipo político. Existía en el imaginario colectivo una concepción fuerte de ciudadanía, aquella que transitaba por la militancia partidaria, la permanente preocupación por lo político electoral, la referencia a grandes utopías y propuestas transformadoras globales. Actualmente, sin embargo, se evidencia un desinterés creciente por la política partidaria y por los procesos electorales (aumento de la no inscripción en los registros electorales, abstencionismo y aumento de los votos nulos y en blanco). ¿Es posible deducir de lo anterior un desinterés por lo público, por la política, por el interés general o por el bien común? Aparentemente se podría concluir que si, no obstante, es necesario considerar que en los años recientes se ha ido configurando una práctica ciudadana que ha ampliada la noción de ciudadanía. Han surgido nuevas formas de ejercicio ciudadano: nuevos movimientos sociales tales como feministas, ecologistas, consumidores, reivindicaciones étnicas, etc.; y también nuevas formas de organización social: organizaciones de consumidores, organizaciones de usuarios de servicios, etc. Hay algunos autores que señalan incluso el surgimiento de una concepción “débil” o “leve” de la democracia. Según Brunner, por ejemplo, subyacen hoy dos concepciones de la democracia. La concepción “fuerte” o “densa” y una “débil” o “leve”. Él afirma que: “Para la primera concepción, lo que vale es el idioma de la participación política, la cooperación colectiva y la capacidad de tomar parte en la deliberación pública. Para la segunda, lo que interesa es el desarrollo de capacidades individuales y el involucramiento en redes asociativas que hacen posible satisfacer necesidades personales, sea a nivel de la familia, el trabajo, el mercado o la cooperación voluntaria” (Brunner, 1997:28). Creo importante, por último, hacer referencia al surgimiento de la dimensión internacional de la ciudadanía. Muchas personas encuentran sus referentes tanto en el plano de sus concepciones como de sus actuaciones en organizaciones ciudadanas internacionales: Amnesty International, Green Peace, etc. INTERAÇÕES Revista Internacional de Desenvolvimento Local. Vol. 1, N. 2, Mar. 2001. Democracia Representativa y Democracia Participativa Hipótesis respecto al devenir de nuestras democracias Con el telón de fondo que esquemáticamente he presentado, quiero ahora compartir un conjunto de nueve hipótesis que buscan resumir una necesaria reflexión y debate de mucho más largo aliento sobre el tema de la democracia. Hipótesis 1: Estamos transitando desde una forma de ejercicio democrático de carácter elitario (de minorías) donde las mayorías delegaban en aquellas su representación, y así la toma de decisiones, a una forma de ejercicio democrático donde las mayorías quieren hacerse presentes también en la toma de decisiones. De un modelo de democracia y de organización política donde sólo unos pocos pensaban y otros, la gran mayoría, ejecutaban (absolutismo, regímenes de fuerza, centralización, etc.) a otro modelo donde todos piensan y ejecutan (descentralización, desconcentración, regionalización, municipalización, etc.). Ello se debe a varias causas: a) el incremento generalizado de la escolaridad, a la reducción de los niveles de analfabetismo, haciendo posible así la participación de todos en la información escrita que fluye en las sociedades modernas. b) la expansión y masificación de los medios de comunicación, para los cuales no hay barreras o fronteras posibles, y que hoy llegan incluso a los lugares más apartados, llevando al conocimiento de otras formas de vida. c) los recientes aportes provenientes desde el ámbito de la reflexión científica y la filosófica, en particular de la ética y de la filosofía política que introduce varias nociones nuevas, entre otras se pueden mencionar las siguientes: 1. los sistemas para mantenerse ordenados (no disiparse) requieren de la novedad que aporta la singularidad de todos sus integrantes (cada ciudadano sabe algo que el sistema necesita) 2. la noción de etnocentrismo, que nos hace ver que “la retórica que los occidentales usamos para tratar de hacer a todo el mundo más similar a nosotros mejoraría si fuéramos más francamente etnocéntricos y menos 31 pretendidamente universalistas” (Rorty, 1998:123) 3. la noción de justicia como lealtad ampliada. Esta noción hace posible explicitar dilemas morales presentes en nuestras democracias expresados en la siguiente pregunta: ¿hay que contraer el círculo de los beneficiados por lealtad o expandirlo por justicia? 4. la noción de multiculturalidad y la ética de mínimos. Estamos transitando de sociedades con una cultura única hacia sociedades multiculturales, a las primeras pudo corresponder la existencia de una ética de máximos, propia de una sociedad y una cultura con una cosmovisión compartida de origen filosófico y religioso. Pero en sociedades multiculturales es necesaria una ética de mínimos propia de sociedades caracterizadas por el pluralismo, es decir por la coexistencia de distintas visiones filosóficas y religiosas, y por tanto por concepciones diferentes respecto a la forma de interpretar la realidad y el sentido de la vida y de lo humano. La ética mínima o de mínimos dice relación con aquellos consensos básicos construidos en sociedades plurales, pero que son imprescindibles para perseguir colectivamente la felicidad humana, los cuales han sido queridos por los afectados, tras un diálogo celebrado en condiciones de simetría. Hipótesis 2: Hay una creciente pérdida del monopolio de lo político por parte de los partidos políticos. Las actuales formas de organización del sistema político requieren profundos cambios porque ya no dan adecuada cuenta de las crecientes demandas provenientes de las nuevas formas de ciudadanía. Todo el sistema político se configuró siguiendo el esquema de las iglesias o sectas. Se crearon organizaciones con el propósito de luchar por el logro del control del aparato del estado, ya sea para transformar la sociedad o para mantenerla tal cual era. Su estructura fue copiada siendo muy similar al de las organizaciones religiosas: iglesias, congregaciones o sectas. Se definía un conjunto de verdades absolutas (el programa partidario), de allí derivaban ciertas formas de comportamiento entre quienes subscribían ese programa quienes por tal hecho pasaban a ser integrantes de esa organi- INTERAÇÕES Revista Internacional de Desenvolvimento Local. Vol. 1, N. 2, Mar. 2001. 32 Antonio Elizalde zación, fieles o militantes de esa causa. Se crearon diversas jerarquías internas algunas formales y explícitas y otras informales (tácitas). Periódicamente se producían escisiones, debido a discrepancias que no habían podido ser resueltas (habitualmente en torno a cuotas de poder o a negociaciones con grupos externos) transformándose en herejías que eran fuertemente combatidas. Sin embargo, todos estos conflictos terminaban sólo siendo pugnas internas de muy pequeños grupos (los dirgientes) que disputaban y detentabsn el poder, quedando absolutamente ausentes a estas dinámicas las grandes mayorías partidarias (las bases o militancia). Hipótesis 3: No bastan ya los principios clásicos de la democracia representativa: división de poderes del estado, alternancia en el poder de las autoridades, consultas periódicas a la ciudadanía en procesos electorales, radicación de la soberanía en el pueblo, etc. Se requiere diseñar e introducir nuevos principios que aseguren una real y efectiva democracia. Como se señala en el Desarrollo a Escala Humana (1986): “Sólo un estilo de desarrollo orientado a la satisfacción de las necesidades humanas puede asumir el postergado desafío de hacer crecer a toda la persona y a todas las personas. Sólo la creciente autodependencia en los diversos espacios y ámbitos puede enraizar dicho desarrollo en el Continente Latinoamericano. Sólo el inclaudicable respeto a la diversidad de los innumerables mundos que habitan en el ancho mundo de América Latina garantiza que esa autonomía no se confine al jardín de las utopías. Sólo el fomento y la articulación de estas diversidades en un proyecto político democrático, desconcentrador y descentralizador puede potenciar los recursos sinérgicos indispensables para la decantación de un desarrollo a la medida del ser humano.” “El Desarrollo a Escala Humana no excluye metas convencionales como crecimiento económico para que todas las personas puedan tener un acceso digno a bienes y servicios. Sin embargo, la diferencia respecto de los estilos dominantes radica en concentrar las metas del desarrollo en el proceso mismo del desarrollo. En otras palabras, que las necesidades humanas fundamentales pueden comenzar a realizarse desde el comienzo y durante todo el proceso de desarrollo; o sea, que la realización de las necesidades no sea la meta, sino el motor del desarrollo mismo. Ello se logra en la medida en que la estrategia de desarrollo sea capaz de estimular permanentemente la generación de satisfactores sinérgicos.” “Integrar la realización armónica de necesidades humanas en el proceso de desarrollo significa la oportunidad de que las personas puedan vivir ese desarrollo desde sus comienzos, dando origen así a un desarrollo sano, autodependiente y participativo, capaz de crear los fundamentos para un orden en el que se pueda conciliar el crecimiento económico, la solidaridad social y el crecimiento de todas las personas y de la persona toda.” Hipótesis 4: El concepto de participación ha ido perdiendo su carácter crítico, revolucionario o amenazante para el statu quo, y transformándose y adquiriendo un carácter eminentemente instrumental. Se ha producido una tránsito desde la participación vista como una utopía deseable al de una suerte de panacea o vademecum, convirtiéndola en un instrumento imprescindible para resolver los problemas de la planificación e incluso la gestión de políticas y proyectos. En los años 60 la participación fué introducida como una estrategia mediante la cual resolver los déficit de integración social de nuestras sociedades (Alianza para el Progreso, Promoción Popular, etc.). En los años 70 se la concibió como la forma principal mediante la cual lograr transformaciones estructurales en nuestras sociedades (diversos frentes populares, Castroguevarismo, Sandinismo, etc.). En los años 80 durante la regresión autoritaria en el continente se la interpretó como una amenaza a los bloques de poder internos y externos (Guerra Fría, Doctrinas de Seguridad Nacional). En los años 90 se la vió como un mecanismo de recuperación y de ampliación de la democracia. En los años más recientes se la ha comenzado a ver como una forma de operacionalizar y legitimar social y políticamente las propuestas desarrollistas vigentes (en 1996 el Banco Mundial publica el libro maestro sobre participación, en 1997 el BID publica el libro de consulta sobre participación, durante la década la GTZ introduce y masifica el método ZOPP y desde el mundo anglosajón se introduce y difunde el marco lógico). Hipótesis 5: Estamos viviendo un tránsito inevitable hacia una democracia global, hacia una democracia cosmopolita. La constitución de un espacio unificado a nivel mundial, en la práctica la INTERAÇÕES Revista Internacional de Desenvolvimento Local. Vol. 1, N. 2, Mar. 2001. Democracia Representativa y Democracia Participativa conformación progresiva de un sólo territorio plantea preguntas acuciantes respecto al tamaño y carácter de las actuales democracias nacionales. La pregunta surge cuando se constata la existencia de agentes económicos cuya magnitud de operaciones excede con creces la importancia económica de la mayor parte de los estados nacionales. Aparecen en forma evidente la enorme debilidad que tienen las economías nacionales frente a eventuales intervenciones (agresiones) del capital financiero internacional. Recordemos los varios miles de millones de dólares que debió desembosar en unas pocas semanas el Banco Central de Brasil para defender el valor del real. ¿Quién y desde dónde se regula al capital financiero internacional? Se está planteando un neokeynesianismo de nivel planetario para enfrentar las crisis económicas globales cada vez mayores y más recurrentes. Pero a la vez surgen nuevos delitos que transgreden las fronteras nacionales, como los delitos informáticos o el terrorismo de carácter internacional. Avanzan por otra parte, la conciencia universal respecto a los Derechos Humanos y a la necesidad de sancionar a sus violadores, como lo demostró el affaire Pinochet. El Fondo Monetario Internacional y la Organización Mundial de Comercio adquieren una influencia y poder casi omnímodo sobre los Ministerios de Hacienda y Bancos Centrales de nuestras débiles economías. Hipótesis 6: La globalización genera también elementos nuevos en el accionar de la sociedad civil y se comienza a constituir una sociedad civil de carácter planetario. Hoy observamos la globalización de los movimientos sociales: ecologistas, indigenistas, feministas, defensores de los Derechos Humanos, consumidores, etc. Esta es una nueva realidad que se va conformando rápidamente con notables expresiones de capacidad de convocatoria y movilización como lo demostró recientemente lo ocurrido en Seattle en la última reunión de la OMC. Hay que tener cuidado con el surgimiento de lecturas paranoicas, del tipo de comenzar a conjeturar conspiraciones internacionales propias del esquema de guerra fría ya superado. 33 Cada grupo al interior de un país cuyos intereses se vean afectados tenderá a desarrollar visiones interpretativas de tipo conspirativo, demonizante o inquisitorial, apelando a nacionalismos estrechos. Detrás de esas miradas y conductas hay un riesgo de caer en fundamentalismos de todo tipo. Es lo que está ocurriendo en el mundo islámico y también en la apreciación que sectores integristas de la Iglesia Católica tienen respecto al crecimiento de otras congregaciones cristianas de origen evangelista o pentecostal, y más aún respecto a iglesias o sectas de otros orígenes. Hipótesis 7: Es necesaria más sociedad para gobernar el futuro. La democracia requiere de más sociedad (Informe Desarrollo Humano Chile 2000). El tercer Informe sobre Desarrollo Humano en Chile 2000 recientemene entregado por el PNUD intenta responder al pregunta ¿Cómo incrementar las capacidades de gobierno de los chilenos? La propuesta de respuesta es simple: “Chile requiere más sociedad para gobernar el futuro. Hay que mejorar la calidad de la vida social para que los chilenos puedan incidir efectivamente sobre la marcha del país.” El informe trabaja sobre tres áreas estratégicas del desarrollo. “Por una parte, una sociedad fuerte supone la existencia de algunas aspiraciones compartidas. Tales ‘sueños colectivos’ esbozan horizontes de futuro en miras de los cuales pueden aunarse esfuerzos. Por otra parte, la calidad de la vida social depende de la trama asociativa y del ‘capital social’. Las capacidades sociales de las personas aumentan cuando se consolidan relaciones de confianza y cooperación en los diversos ámbitos. Por último, la fortaleza de la sociedad se mide por el vigor de la acción ciudadana. Esta es la forma que mejor expresa la voluntad y capacidad de determinar el destino de la nación. Los tres aspectos se relacionan entre sí y esa interdependencia indica la capacidad de gobierno y la sustentabilidad social que tiene el desarrollo de Chile para hacer frente a los desafíos del siglo entrante”. Hipótesis 8: Es necesaria hoy la configuración de un sentido fuerte de ciudadanía con la construcción y defensa de lo público mediante la participación INTERAÇÕES Revista Internacional de Desenvolvimento Local. Vol. 1, N. 2, Mar. 2001. 34 Antonio Elizalde democrática sin exclusiones en el ámbito del uso ético de la razón práctica. Esto será posible gracias a la conformación del “poder comunicativo” (Arendt) como competencia ciudadana en el espacio público y como génesis de la “política deliberativa” y del “patriotismo constitucional” (Habermas). Ello requiere la existencia de un pluralismo razonable que implica reconocer al otro como diferente pero a la vez como interlocutor válido. Esto es como un “legítimo otro” usando los conceptos de H. Maturana (1990). Requiere al a vez la búsqueda de consensos que apunten a la inclusión del otro y a regular la xenofobia y en particular lo que Adela Cortina llama la aporofobia (odio al pobre). Para ello es fundamental reconocer que la base de sustentación de la democracia radica en el reconocimiento del necesario “límite a las diferencias”, más allá del cual se arriesga el desplome democrático y el surgimiento del síndrome autoritario con todos sus excesos. Hay que recordar que la democracia en la polis se fue constituyendo en el diálogo y en el debate realizado en torno al mercado, al foro o plaza pública, al templo y al coliseo, plaza de toros o estadio. La democracia necesita del espacio público para florecer. Hipótesis 9: La continuidad y la profundización democrática requiere de una cultura democrática arraigada en la vida cotidiana (en el mundo de la vida al decir de Habermas). La democracia se siembra en el comportamiento cotidiano de los ciudadanos. No surge del aire, es algo que se construye (o se destruye) en el día a día. ¿Cómo construir una cultura democrática? ¿Cómo afianzar la democracia a partir de la vida concreta de las personas? ¿Cómo hacer para que cada uno de nosotros se sienta parte y responsable de la democracia que aspiramos vivir? ¿Cómo conectar las conductas cotidianas de las personas con los éxitos o fracasos democráticos? Estas son preguntas que expresan la necesaria reflexión en la búsqueda de una democracia participativa, donde sea el ciudadano quien ejerza, en el proceso de la cotidianeidad, sus funciones de constituyente primario; es la búsqueda de la democracia en cada uno, en el proceso de aprender cada día a convivir con otros. “Entendemos por cultura democrática o democracia de la cotidianeidad, formas de conducta que generadas en las dimensiones micromoleculares de la sociedad ( microorganizaciones, espacios locales, relaciones a escala humana), estimulan, a la vez que respetan, el surgimiento de los potenciales contenidos en la diversidad, haciendo posible así conciliar participación con heterogeneidad. Afirmándonos en un principio sistémico ecológico, suponemos que el fomento de la diversidad es positivo, por cuanto: la vulnerabilidad de un sistema vivo es inversamente proporcional a la diversidad que contiene” (Max-Neef y Elizalde, 1989: 3-4). La cultura autoritaria está en la fábrica y en la oficina, en el taller o en la sala de clase, en la familia o en la iglesia, en el partido político, en la relación entre municipios y comunidades, en la forma como se distribuye el ingreso, en la administración de la justicia y en las cárceles, en el trato a los ancianos y a los niños, en la discriminación sexual y étnica. Asentadas desde un extremo a otro de la sociedad, y reproducidas en la relación entre Estado y Sociedad Civil, las costumbres coercitivas tienen su arraigo más básico en lo cotidiano: en la casa y en el trabajo, en las relaciones diarias y permanentes. De ahí entonces que si deseamos la consolidación de la democracia política, la base más sólida sobre la cual ésta puede sustentarse es la democracia de la cotidianeidad. La relación entre el Estado y la Sociedad Civil es, simultáneamente, productora y producto de múltiples relaciones que se forjan al interior del tejido social. Revertir el carácter autoritario que ha ido asumiendo el Estado en nuestros países exige fortalecer la vida democrática, pero entendida ésta no solamente como la expresión de las prácticas políticas sino que del conjunto de nuestra existencia cotidiana. No hay democracia compatible con la discriminación y con el trato vejatorio hacia otras personas, con la violencia ejercida en cualquier grado o tipo sobre otros seres humanos, con la violación de cualquier derecho humano. No hay democracia posible sin un respeto profundo por toda forma de vida, sin una preocupación y compromiso cotidiano por las necesidades humanas fundamentales, sin el protagonismo permanente de las personas. Es nuestra existencia cotidiana la que va cristalizando en una cultura democrática, en INTERAÇÕES Revista Internacional de Desenvolvimento Local. Vol. 1, N. 2, Mar. 2001. Democracia Representativa y Democracia Participativa la producción de democracia como régimen o estrategia de vida. Ella es intrínsecamente antinómica con la existencia de dobles estándares, con la violación de los compromisos adquiridos, con el engaño y la mentira en la relación con otros, con todo tipo de imposición o de coacción física o moral, con el aprovechamiento de los más debiles, con la competencia desenfrenada, con la ausencia de crítica, con el estímulo de las pasiones e instintos individualistas, con las verdades absolutas, con todo tipo de milenarismo o solución final; es decir en síntesis: con la ausencia de un profundo amor por la vida y por la diversidad. La democracia, así entendida, implica transitar desde las concepciones tradicionales de una democracia gobernada a una democracia gobernante, y avanzar desde la concepción liberal de una democracia que proporciona garantías a los ciudadanos hacia el concepto de democracia social, la cual se orienta hacia la satisfacción de las necesidades humanas fundamentales de las personas y asegura los derechos económicos y sociales de los integrantes de la sociedad. Conferencia en la Universidad San Francisco de Asís, La Paz, Bolivia en el seminario taller preparatorio del Diálogo Nacional “Sistema Político y Profundización Democrática” el día 11 de julio de 2000. Referencias bibliográficas BRUNNER, José Joaquín. Ciudadanía y participación. In: Revista Avances de Actualidad, n. 28, Santiago, 1997. CORTINA, Adela. Ciudadanos del Mundo. Hacia una teoría de la ciudadanía. Madrid, Editorial Alianza, 1997. MARSHALL, T. H. Social Poliy in the Twentieth Century. Londres, Hutchison, 1965. MATURANA, Humberto. Emociones y Lenguaje en Educación y Política. Santiago, Chile, 1990. (Colección Hachette/Comunicación). MAX-NEEF, M.; Elizalde, A. Introducción, en Sociedad Civil y Cultura Democrática: mensajes y paradojas. Santiago, CEPAUR, 1989. MAX-NEEF, M.; Elizalde, A.; Hopenhayn, M. Desarrollo a escala humana: una opción para el futuro. Uppsala, CEPAUR-Dag Hammarskjold Foundation, 1986. OUTHWAITE, W.; BATTOMORE, T. The Blackwell dictionary of twentieth-century social thought. Blackwell Publishers, Oxford, 1993. RORTY, Richard. Pragmatismo y Política. Barcelona, Paidós, 1998. ZULETA, Estanislao. Educación y Democracia, un campo de combate. Corporación Tercer Milenio y Bogotá. Fundación Estanislao Zuleta, 1995. INTERAÇÕES Revista Internacional de Desenvolvimento Local. Vol. 1, N. 2, Mar. 2001. 35 Asentamientos Humanos y Desarrollo Local Human Settlements and Local Development Assentamentos Humanos e Desenvolvimento Local Alicia Rivero-Iwasita SERCAL – Capítulo Argentino Contato: [email protected] Resumen: Esta es una reflexión sobre la necesidad de planificar, en forma estratégica, los proyectos habitacionales para sectores de bajos ingresos insertándolos en el marco del desarrollo económico local. Se trata de sumarle a la provisión de vivienda e infraestructura y servicios básicos los elementos necesarios para la producción y la reproducción social de sus habitantes y de contribuir a la formación de comunidades capaces de transformarse en agentes de su propio desarrollo. La primeras reflexiones de la autora acerca de la problemática surgieron en el marco de una investigación sobre asentamientos humanos y vivienda en El Salvador de posguerra. Palabras claves: Asentamientos Humanos; Planificación estratégica; Desarrollo Económico Local. Abstract: This is a reflection on the necessity of strategically planning the housing projects for the low income sectors, inserting them in the framework of the local economic development. In addition to providing housing, basic infrastructure and services, the necessary conditions for the production and social reproduction of the inhabitants must be given. The planning must contribute to the formation of communities able to produce their own development. First ideas on this issue arose in the framework of a research on human settlements and housing in El Salvador of the post-war. Key words: Human Settlements; Strategically Planning; Local Economical Development. Resumo: Esta é uma reflexão sobre a necessidade de planejar, de forma estratégica, os projetos habitacionais para camadas de baixa renda, inserindo-os no âmbito do desenvolvimento econômico local. Trata-se de somar, à provisão de moradia, infra-estrutura e serviços básicos, os elementos necessários para a produção e a reprodução social de seus habitantes, assim como contribuir para a formação de comunidades capazes de transformarem-se em agentes de seu próprio desenvolvimento. As primeiras reflexões da autora em torno do problema surgiram no âmbito de uma pesquisa sobre assentamentos humanos e moradia no El Salvador do período pós-guerra. Palavras-chave: Assentamentos humanos; Planejamento estratégico; Desenvolvimento econômico local. 1. Introducción La provisión de vivienda e infraestructura básica para la población de bajos ingresos de los países en desarrollo es un desafío que los responsables sectoriales, en general, no han podido enfrentar con el necesario éxito, ni aún con la colaboración de la cooperación internacional. Hoy, en América Latina se puede hablar de un desarrollo del sector caracterizado por los siguientes factores determinantes: un avance positivo materializado en la adopción de medidas alternativas y/o innovadoras por parte de las instituciones responsables del sector, acompañado de una tendencia a su democratización así como una diversificación de los actores intervinientes, y por otro lado por el reinado de las políticas neoliberales cuyos ajustes y prioridades dejan escasos fondos para realizar los respectivos proyectos o programas, constatándose una acelerada tendencia a la exclusión de los sectores sociales en cuestión. Entre algunos de los nuevos objetivos perseguidos por los organismos de vivienda y desarrollo urbano de la región se encuentran: la implementación de medidas de apoyo más integrales para los sectores de bajos ingresos, condiciones de financiamiento más apropiadas, una mayor integración del sector privado y de las ONGs en la ejecución de las medidas, el mejoramiento del marco jurídico respectivo. Se observa que el Estado pasa de su rol de ejecutor al de facilitador de medidas, retirándose progresivamente del apoyo directo a la ejecución de vivienda. Sin embargo, a pesar de que los proyectos habitacionales operaran transformaciones territoriales, no suelen ser concebidos desde una planificación estratégica del territorio. Una mirada desde esta metodología permitiría aumentar el impacto de las acciones que se llevan a cabo, las que dejarían de ser simplemente proyectos aislados en términos de desarrollo local. Si se articularan los proyectos específicos en una gran “malla”, estructurándolos de modo que se potenciaran unos a otros, se podría optimizar el uso de los (generalmente) escasos recursos. El abordaje integral de este tipo de proyectos dadas las características socioeconómicas de la población meta se convierte en un punto central, hay que atender sus necesidades básicas, pero es necesario ir más allá. La construcción de asentamientos humanos como hecho físico en si mismo no garantiza ni la permanencia de la población ni su desarrollo. Ella debe tener una base de sustento económico y disponer de infraestructura técnica para la producción material y la reproducción social. Sin embargo cabe INTERAÇÕES Revista Internacional de Desenvolvimento Local. Vol. 1, N. 2, p. 37-42, Mar. 2001. 38 Alicia Rivero-Iwasita mencionar que ambas cuestiones van más allá de los límites de los asentamientos mismos e implican las condiciones de la región en los que se encuentran. Es necesario inaugurar un cambio de paradigma en la planificación de los asentamientos humanos. Desde hace tres décadas la investigación académica viene abogando por la construcción de sujetos sociales capaces de impulsar el desarrollo local y construir nuevos marcos de acción en el ámbito regional. 2. Construcción de comunidad y desarrollo local La visión oficial que predominó hasta fines de los años setenta en América Latina consideraba lo regional como objeto de desarrollo. El Estado privilegiaba a través de sus políticas a los sectores sociales involucrados en el proyecto industrializador e intentaba generar una dinámica de cambio social que envolviera a los restantes sectores sociales. En los años ochenta, con la aplicación de los planes de ajuste estructural en las economías de América Latina se generaron profundos cambios en sus sociedades y estados. El nuevo modelo de acumulación potenció el mercado y creó nuevas condiciones para la articulación de las economías periféricas a los centros rectores de la economía mundial. El Estado interventor, pasó a ser facilitador de la empresa privada y algunos campos cubiertos por el sector público comenzaron a ser cedidos a organizaciones de la sociedad civil (Lungo et al., 1995). En este contexto, en América Latina comenzó un proceso de descentralización acompañado de una revalorización de lo local que adquirió así una nueva dimensión. En el campo social lo local cumple un rol clave para que la sociedad civil pueda ejercer su papel en el proceso de desarrollo. Por su parte, la dimensión territorial acotada de lo local brinda el marco apropiado para la construcción de comunidades de modo que éstas se conviertan en espacios de y con actores de la gestión del desarrollo local. Lungo (1987), a partir de la reflexión de Heller1 (1985) acerca de la relación entre individuo y comunidad infiere dos cuestiones. Una es que la comunidad se construye, se estructura a partir de un conjunto de motivaciones de determinados grupos sociales y la otra es una interrogante: es una elección libre la pertenencia a una comunidad? Según Lungo esta interrogante se remite a la permanente contradicción existente entre individuo y comunidad y la forma en que esa contradicción se soluciona históricamente, constituye la base de la construcción de comunidades, un proceso en el que no sólo inciden los valores del grupo sino también la relación con los proyectos globales de desarrollo a nivel regional, nacional e internacional. El aspecto organizativo es otro elemento fundamental en el proceso de constitución de lo local e implica la dimensión socio-cultural, en la cual individuos y grupos encuentran elementos de identidad y solidaridad a partir del reconocimiento de la existencia de una historia común que les permite la construcción de comunidades en las cuales se reconocen y proyectan socialmente. Pero el potencial organizativo sólo se desarrolla cuando existen condiciones que lo favorecen y esto ocurre cuando los grupos organizados logran definir determinados proyectos políticos; cuando se unen para realizar una práctica común en torno a componentes parciales de un proyecto determinado. Allí se encuentra la génesis de los movimientos sociales, locales o regionales. Los asentamientos humanos son un elemento clave para el desarrollo local. Pueden jugar un rol dinamizador o convertirse en verdaderos obstáculos. Para ello Primero, deben ser el elemento motor de un crecimiento económico que, aún en el marco de una economía regida por el mercado, disminuya la pobreza y reduzca la concentración de las riquezas producidas a nivel local. Segundo, tienen que posibilitar la conformación de verdaderas comunidades que reviertan las tendencias imperantes a la fragmentación social. Tercero, ser espacios en que los procesos de gestión política del desarrollo local permita la construcción de ciudadanía para todos, combatiendo así la exclusión y marginación política prevalecientes. Cuarto, estos asentamientos deben jugar un rol esencial en la utilización y el INTERAÇÕES Revista Internacional de Desenvolvimento Local. Vol. 1, N. 2, Mar. 2001. Asentamientos Humanos y Desarrollo Local desarrollo sostenible del medio ambiente en que se encuentren (Lungo et al., 1995). Las relaciones entre Estado y Sociedad Civil están cambiando. Hay una redefinición lenta pero en marcha de las relaciones de poder. Por ello se necesita una sociedad civil capaz de ser una contraparte activa en el proceso que implican las nuevas formas de gestión del desarrollo. 3. Desarrollo territorial planificado vs. desarrollo territorial espontáneo Entre los instrumentos básicos de gestión municipal, los municipios alemanes cuentan con el derecho a elaborar planos directores2, es decir planos de uso y urbanización del suelo con el fin de ordenar y organizar el territorio comunal3. En América Latina la falta de intervención del Estado dejó (y aún deja) la determinación de los usos del suelo de una parte de sus territorios en manos de empresarios 4 (Rivero, 1993), actores sociales a quienes el nuevo paradigma de desarrollo les asigna un papel sumamente importante, pero quienes por razones obvias no pueden reemplazar el papel regulador y de generador de políticas territoriales que le cabe al Estado. Y esto ocurre aún cuando muchos municipios de la región cuentan con instrumentos adecuados de intervención. La planificación estratégica territorial se ha transformado hoy en día en uno de los instrumentos más utilizados por las administraciones públicas; sin embargo, encontrar una respuesta territorial adecuada es todavía un reto que las sobrepasa. A pesar de los conocimientos producidos por el mundo académico, aún tras décadas de acciones locales y hasta de reflexiones conjuntas planetarias inauguradas con la Primera Conferencia de las Naciones Unidas sobre los Asentamientos Humanos en Vancouver (1976), en la planificación de los asentamientos humanos en el llamado mundo subdesarrollado se sigue considerando de manera casi excluyente sólo el aspecto físico, obviando el carácter histórico del espacio, es decir ignorando los procesos sociales y políticos que en él se dan, pero por sobre todo desatendiendo la necesidad de planificarlos de una manera integral, en la que se considere 39 como prioritario el aspecto del desarrollo económico de sus habitantes -y no su mera subsistencia-. En la última conferencia mundial sobre los asentamientos humanos -Hábitat IIllevada a cabo en Estambul (1996), se trataron temas importantes al respecto. En efecto, el Plan de Acción Mundial recomienda una serie de estrategias de aplicación que si fueran incorporadas a las políticas territoriales de los estados firmantes, podrían contribuir a generar un cambio de paradigma en la planificación de los asentamientos humanos. Los objetivos principales de discusión de Hábitat II eran “Una vivienda adecuada para todos y Desarrollo sostenible de los asentamientos humanos en un mundo en proceso de urbanización”. Respecto a los asentamientos humanos en el documento final conjunto, la Declaración de Estambul, se afirma que el desarrollo sostenible combina el desarrollo económico, el desarrollo social y la protección del medio ambiente y reconoce el derecho al desarrollo como un derecho a respetar por los gobiernos suscriptores. También hace mención al hecho de que todos ellos son componentes interdependientes y sinérgicos del desarrollo sostenible. En el apartado correspondiente a Políticas de Vivienda se reconoce como un principio fundamental para poder formular una política realista en la materia, la necesidad de integrar las políticas de vivienda y de asentamiento humanos con las políticas de población y desarrollo de los recursos humanos, de medio ambiente, infraestructura y ordenamiento territorial, la planificación urbana y rural, como así también con las iniciativas privadas y oficiales de generación de empleo (Hábitat II, 1996). Suelen mediar grandes distancias entre los conocimientos producidos por el mundo académico y la implementación de sus recomendaciones en la realidad. Sin embargo ellos marcan primero tendencias y finalmente direcciones que con el correr del tiempo van afectando en distintos grados las acciones sobre las que pretenden incidir. La firma de documentos como el de Hábitat II constituye el primer paso por parte de los gobiernos, en el largo proceso de transformar la letra escrita en acción. Un proceso en el que ellos no son los únicos INTERAÇÕES Revista Internacional de Desenvolvimento Local. Vol. 1, N. 2, Mar. 2001. 40 Alicia Rivero-Iwasita actores y en el que a veces la sociedad civil o sectores determinados de ella deben luchar para imponer esa transformación, precisamente contra la voluntad política del propio gobierno. 4. Asentamientos humanos y desarrollo económico local El nuevo paradigma de desarrollo, el desarrollo económico local intenta potenciar las condiciones de un territorio a partir de los recursos de que éste dispone. Requiere por lo tanto de estrategias concertadas entre sus principales agentes – autoridades, sector privado, comunidad –, quienes deben coordinar acciones para generar un proceso que apunte a mejorar la calidad de vida de sus habitantes. El papel del municipio en este proceso debe ser de liderazgo para convertirse así en el motor de desarrollo del territorio que le compete, en un generador de oportunidades para sus habitantes. La concertación de intereses de los actores de la sociedad civil requiere de su participación, un elemento clave en el proceso de desarrollo porque aporta la visión de las personas, empresas y/o instituciones involucradas directa o indirectamente en él. Ese espacio de participación no sólo representa el derecho a defender los propios intereses, sino que puede aportar soluciones a los problemas y ayudar a detectar oportunidades. Hoy en día se considera que el desarrollo desigual de los territorios dentro de un país depende más bien de fuerzas y corrientes internas y externas procedentes del entorno espacial. Es decir, se corporiza la idea del desarrollo endógeno en el cual los procesos económicos y sociales, las actividades y relaciones que se dan dentro de un territorio, sea éste una localidad, región o subregión, deben ser considerados como agentes de transformación. Es cierto que la evidencia empírica respecto al dinamismo desigual mostrado por los diferentes territorios y sistemas productivos locales en la que se basa el marco teórico del desarrollo económico local proviene del llamado mundo desarrollado, por lo que se debe tener sumo cuidado en no extrapolar realidades diferentes. Pero también es cierto que en América Latina, el anterior paradigma de desarrollo económico acentuó las desigualdades regionales, agudizó las diferencias urbano-rurales y contribuyó muy poco a fortalecer el tejido social en sus diferentes niveles de participación (local, regional, nacional). Tal como afirma Alburquerque (1996), hay que destacar la existencia de dinámicas territoriales específicas dependientes no sólo de los capitales extranjeros, sino también de su capacidad para impulsar procesos endógenos, estimulando las iniciativas locales. En el proceso de desarrollo regional habría que diferenciar entonces por lo menos dos lógicas distintas: la global, que implica una fragmentación de la producción y la división espacial de las funciones de la empresa y la lógica territorial dependiente del conjunto de interdependencias existentes entre los diferentes actores en el territorio. Visto así, el territorio deja de ser un soporte pasivo de localización de empresas o actividades para convertirse en un entorno innovador activo. La lucha contra la pobreza y la inequidad desde una óptica que apunte a modificar las causas de estos fenómenos debe incorporar además de una lógica de desarrollo productivo, una política de fortalecimiento de los sistemas productivos locales. En ese sentido el desarrollo económico debe ser un proceso de cambio estructural que incorpore las circunstancias históricas, sociales e institucionales que ocurren en un territorio y que condicionan siempre la organización de las actividades económicas. Es una forma de darle protagonismo a los actores económicos y sociales, agentes de ese cambio. La experiencia adquirida indica que no existe una sola vía de desarrollo, sino diversas líneas de desenvolvimiento, en las cuales los diferentes actores sociales desempeñan funciones relevantes en cada territorio concreto. Por qué no incluir de manera sistemática a los sectores de bajos ingresos? En la actualidad los oligopolios marcan el rumbo del desarrollo económico mundial, y hoy como nunca antes, se han trasladado a la sociedad valores y metodologías empresariales. Quizás por eso mismo se ha convertido en un lugar común hablar de solidaridad, de desarrollo humano, de crecimiento INTERAÇÕES Revista Internacional de Desenvolvimento Local. Vol. 1, N. 2, Mar. 2001. Asentamientos Humanos y Desarrollo Local con equidad cuando es posible que territorios completos de países y regiones jamás puedan acceder al mundo de la globalización. Por ello, aunque el desarrollo económico local no represente la solución a todos los problemas de una comunidad, es sin embargo una herramienta que, usada adecuadamente, tiene un gran potencial para producir los cambios requeridos por el diagnóstico de la situación que se quiere modificar. Respecto a la planificación de los asentamientos humanos, sería interesante intercambiar experiencias dentro de la región latinoamericana. Los municipios chilenos, por ejemplo, han desarrollado instrumentos de gestión municipal en el marco del desarrollo económico local. Uno de ellos, el Plan Regulador comunal es “(...) un instrumento de planificación local que está inserto dentro del Plan de Desarrollo Regional y Comunal. Como tal debe considerar lineamientos estratégicos, de acuerdo a las políticas de desarrollo socioeconómico, sus áreas de influencia, metas de crecimiento, prioridades y oportunidades de inversión en infraestructura sanitaria, vial, energética, de comunicaciones, de equipamientos, u otros. De esta forma el Plano Regulador Comunal se constituye en un instrumento básico de gestión municipal en el ámbito del desarrollo económico local, ya que regula y orienta las inversiones a través de la localización de actividades productivas en un territorio determinado (Asociación Chilena de Municipalidades, 1996). El Plan Regulador es un instrumento de planificación territorial que proporciona alternativas concretas y viables para optimizar el uso del suelo en función de un Plan de Desarrollo Local sustentable. Profundizar la democratización de la relación Estado-sociedad civil, la descentralización, promover la construcción de comunidad cohesionando a la población en torno a proyectos comunes, facilitar y promover la participación de todos los actores, lograr consensos, son todas condiciones necesarias para echar a andar el proceso de desarrollo local. Integrar la construcción de asentamientos humanos a ese proceso, promoviendo el desarrollo de sus habitantes requiere además de un fortalecimiento de la dimensión territorial en la planificación de los gobiernos, de la consideración de aspectos 41 que van más allá de los puramente físicos. Así como se ha ampliado y adoptado un concepto de vivienda para los sectores poblacionales en cuestión, en el que se incorporaron aspectos sociales, técnicos, ecológicos y legales (hábitat), así deberían planificarse los asentamientos de una manera estratégica, multidisciplinaria, integral y articulada entre todas las instancias de gobierno, respetando además el principio de subsidiaridad5 entre ellas. Lo que se propone concretamente es darle el mismo peso a los componentes de carácter económico que a los espaciales, promoviendo la generación de empleo y fortaleciendo la economía de los micro - y pequeños emprendimientos. Éste no es de ninguna manera un aspecto nuevo en el caso de los sectores en cuestión. Hay en la región muchas experiencias de provisión de infraestructura y vivienda y hasta de renovación urbana integral6 asociada a la generación de renta. Sin embargo esa medidas no deben ser meramente compensatorias sino auto-sustentables. La experiencia de los últimos años muestra la necesidad de que el Estado establezca mecanismos de participación, pues esa condición es fundamental para alcanzar el desarrollo local; una participación en la que todos los actores, hombres y mujeres, instituciones, empresas y organizaciones de la sociedad civil se encuentren involucrados y en la que el Estado aliente a los ciudadanos a pasar de la situación de destinatarios a la de actores involucrados luchando por sus intereses. Notas 1 Heller ha sostenido que la relación entre individuo y comunidad contiene una triple diferencia: entre individuo y sociedad, individuo y grupo e individuo y masa, concibiendo a la comunidad como una unidad estructurada de grupos con valores homogéneos a la cual pertenecen necesariamente los individuos (Heller, 1985). 2 Bauleitpläne: planificación del uso del suelo compuesta por dos instancias: la zonificación en áreas residenciales, industriales, de recreación, de usos mixtos, etc. y la determinación más detallada de sus usos específicos y su organización. 3 Esta atribución no sólo existe como letra escrita, sino que es ejercida por ellos. De hecho, en Alemania está prohibido construir viviendas en zonas desprovistas de infraestructura y la construcción está tan regulada que a veces los ciudadanos alemanes se quejan del INTERAÇÕES Revista Internacional de Desenvolvimento Local. Vol. 1, N. 2, Mar. 2001. 42 Alicia Rivero-Iwasita “excesivo intervensionismo” del Estado. Esto vale fundamentalmente para las periferias de las grandes ciudades de América Latina. Como es sabido, una parte considerable de su desarrollo urbano se produjo por este tipo de loteo de tierras, en el que los empresarios se limitaron a medir y subdividir los terrenos y en el mejor de los casos a efectuar el trazado de alguna calle de tierra, con lo cual estos asentamientos nacieron con infraestructura social y técnica insuficiente. 5 De acuerdo al principio de subsidiaridad, las instancias superiores deben intervenir en problemas que le competen a instancias inferiores sólo en la medida que éstas lo necesiten y soliciten. 6 Sólo a modo de ejemplo se mencionan dos casos: el de provisión de infraestructura y apoyo a los microempresarios, el Proyecto PRORENDA de Fortaleza, Brasil, en el que intervinieron instituciones estatales, el Gobierno Municipal, organizaciones de la sociedad civil y la Agencia Alemana de Cooperación Técnica -GTZ-), y el Programa de Renovación Urbana Integral (1988-1993) en San Salvador, El Salvador, C.A., que contaba entre sus componentes, además de vivienda, infraestructura y servicios, tenencia de la tierra, equipamiento social, el apoyo a la generación de empleo y en el que intervinieron la comunidad, la Alcaldía Municipal, ONGs locales e internacionales y también la GTZ. 4 Bibliografía ALBURQUERQUE, F. Desarrollo Económico Local y distribución del progreso técnico. Una respuesta a las exigencias del ajuste estructural. Santiago, ILPES/ CEPAL/ONU, 1996. ASOCIACIÓN CHILENA DE MUNICIPALIDADES. Desarrollo Económico Local. Santiago, 1996. HÁBITAT II. Programa Hábitat. Plan de Acción Mundial: Estrategias para la aplicación. New York, ONU, 1996. HELLER, A. Historia y vida cotidiana. México, Grijalbo, 1985. LUNGO, M. Condiciones de vida y organización social en los asentamientos populares urbanos. In: Estudios Sociales Centroamericanos, n. 44, San José, mayo/ agosto 1987. LUNGO, M.; RIVERO, A.; UMAÑA, N. Desarrollo Local y Asentamientos Humanos en las Zonas Ex-Conflictivas en El Salvador. San Salvador, FUNDASAL, 1995. RIVERO, A. Wohnungsprobleme in lateinamerikanischen Städten -Der geförderte Selbstbau als Alternative zum Habitat Popular- Am Beispiel von Buenos Aires. Tesis de doctorado. Bonn, Rheinische Friedrich-Wilhelm Universität, 1993. INTERAÇÕES Revista Internacional de Desenvolvimento Local. Vol. 1, N. 2, Mar. 2001. Utilização de plantas com propriedades inseticidas: uma contribuição para o Desenvolvimento Rural Sustentável The use of plants with insecticide properties: a contribution for Sustainable Rural Development Utilización de plantas com propiedades insecticidas: uma contribución para el Desarrollo Rural Sostenible Antonia Railda Roel Universidade Católica Dom Bosco Contato: [email protected] Resumo: Os estudos de plantas com propriedades inseticidas foram retomados após a constatação de graves problemas de contaminação ambiental causados pela utilização de produtos químicos. Atualmente, muitas pesquisas estão sendo desenvolvidas sobre a exploração de plantas e seus efeitos diversos sobre pragas no campo, em armazéns e na saúde pública. Na agricultura, o uso de inseticidas botânicos diminui os custos de produção, preserva o ambiente e os alimentos da contaminação química, tornando-se prática adequada à agricultura sustentável e contribuindo para o aprimoramento da qualidade de vida das populações envolvidas. Palavras-chave: Plantas inseticidas; Controle de pragas; Agricultura sustentável. Abstract: The studies of plants with insecticide properties were retake after evidences of serious problems of environmental contamination caused by use of chemical products. Actually, there are many researches on exploration of plants and its several effects on pests in field, warehouses and in public health. In agriculture, the use of botanical insecticides decreases the production costs; it preserves the environment and foods of chemical contamination, becoming activity adapted to sustainable agriculture and contributing to improvement of life quality of involved populations. Key words: Control of pests; Botanical insecticides; Sustainable agriculture . Resumen: Los estudios de plantas con propriedades insecticidas fueron retomados después de la constatación de problemas graves de contaminación ambiental causados por el uso de productos químicos. Actualmente, muchas investigaciones están siendo desarrolladas sobre la explotación de plantas y sus efectos diversos sobre plagas en el campo, en almacenes y en la salud pública. En la agricultura, el uso de insecticidas botánicos disminuye los costos de producción y preserva el ambiente y los alimentos de la contaminación química, volviéndose una práctica adecuada para la agricultura sostenible y contribuyendo para la mejora de la calidad de vida de las poblaciones involucradas. Palabras clave: Plantas insecticidas; Control de plagas; Agricultura sostenible. Introdução A modernização da agricultura, após a Segunda Guerra, acrescentou, ao processo de produção de alimentos, a utilização de máquinas e equipamentos agrícolas, além de fertilizantes e pesticidas químicos, tornando o sistema altamente dependente de recursos (insumos agrícolas) externos às propriedades rurais. A aplicação dessa tecnologia acarreta o aumento dos custos de produção com conseqüente aumento dos preços dos alimentos para os consumidores, inviabilizando freqüentemente as produções agrícolas. Com esse sistema vieram também muitos casos de intoxicações de operadores, aumento da mortalidade de animais domésticos e silvestres, contaminação dos solos, das águas e dos alimentos com resíduos de pesticidas, um conjunto de ocorrências que afeta, direta e indiretamente, a saúde das comunidades envolvidas na produção de alimentos. No contexto agrícola latino-americano, autores questionam o avanço tecnológico nesse modelo agrícola, mostrando que, no período, ocorreu somente 7% de crescimento per capita na produção de alimentos. De acordo com Paschoal (1983), no período de 1964 a 1979 o consumo de fertilizantes minerais solúveis aumentou em 1.243%, o de pesticidas em 421%, o de máquinas agrícolas em 389%, enquanto, no mesmo período, o aumento da produtividade agrícola (média de 15 culturas) foi de apenas 4,9%. Estima-se que, da renda agrícola, cerca de 66% dos lucros convergem para a indústria (insumos e máquinas), 19% para o comércio e apenas 11% dos lucros são destinados a quem realmente os produziu. Nesse sistema industrializado de produção de alimentos e fibras, os fertilizantes sintéticos e pesticidas somam cerca de 40 a 80% dos custos de produção. De acordo com Ponte1, no período de 1976 a 1985 o consumo de pesticidas cresceu em 500%, enquanto registrou-se um aumento de apenas 5% da produtividade. O Brasil, maior consumidor de pesticida da América Latina, utiliza 1,5 kg de ingrediente ativo por hectare cultivado, sendo que na horticultura o consumo médio anual sobe a 10 kg por hectare. Nesse contexto, os maiores atingidos são os naturalistas consumidores de verduras, legumes e cereais integrais, quando produzidos em sistema não orgânicos, assim como a saúde e o bem-estar das populações ligadas diretamente à produção. INTERAÇÕES Revista Internacional de Desenvolvimento Local. Vol. 1, N. 2, p. 43-50, Mar. 2001. 44 Antonia Railda Roel Quando acompanhamos a agricultura dita industrializada, notamos a necessidade cada vez maior de utilização de pesticidas simultaneamente ao aparecimento de novas pragas e de populações resistentes aos inseticidas em uso. Em seu livro “As plantas que adoecem dos agrotóxicos: a teoria da trofobiose”, Charboussou (1987) expõe a teoria de que o ataque de pragas relaciona-se com o estado metabólico alterado das plantas. A utilização de pesticidas, de acordo com o autor, as torna alimento adequado aos insetos e, portanto, mais susceptíveis ao ataque de parasitas. Dessa forma, os insetos teriam maiores condições de sobrevivência, pela maior oferta de alimentos e maior crescimento populacional. Nessas condições, ocorreria maior incidência de pragas, fato que justificaria novas aplicações, aumentando-se, assim, a dependência de pesticidas. Colocando em causa o uso indiscriminado de pesticidas sintéticos, Charboussou acrescenta que “todo parasita morre numa planta sã”. A América Latina foi favorecida pela natureza com uma grande abundância de recursos renováveis e não renováveis que vêm, entretanto, sendo utilizados segundo a lógica do “solapamento” (Altieri e Mazera, 1998). Apesar das variações de riquezas naturais entre diferentes países ou no interior de um só país, a degradação atinge todo o continente. Essa degradação envolve o solo e a água (erosão, poluição, sedimentação química), além de provocar a destruição da biodiversidade e a redução da diversidade genética (causadas por desmatamento e alteração no habitat, entre outros), condições que acarretam o declínio das produtividades regionais. Como lembra Elizalde (2000), em um instigante estudo sobre o Desenvolvimento Local, a paisagem do Chile, entre outros problemas ambientais, é carcomida por extensos monocultivos e contaminada por toneladas de pesticidas e agroquímicos. O impacto ecológico dos pesticidas não só causa mortalidade de animais silvestres e domésticos, inimigos naturais das pragas e outros organismos benéficos, como altera o equilíbrio do solo, causando mortalidade de microorganismos e influenciando, finalmente, toda a cadeia alimentar. Recente Relatório da FAO classifica o Brasil como o 3º maior consumidor de pesti- cida e, coincidentemente ou não, o 3º em mortalidade por câncer (Ponte, 1999). Em Fortaleza, de acordo com levantamento em hospitais, 51% das pessoas atacadas de cirrose hepática são abstêmias e, em sua maioria, consumidoras de dieta a base de frutas e hortaliças, justamente as culturas mais “protegidas” por pesticidas (Ponte, 1999). Como conseqüência de intoxicações por pesticidas são citadas moléstias tais como câncer, cirrose hepática, abortos, deformações fetais, impotência sexual, fibrose pulmonar, braquicardia, distúrbios do sistema nervoso, hepatite, acnes, pancreatite, diabete, úlcera, alergia e distúrbios audiovisuais, que se somam a outras intoxicações consideradas leves (Ponte, 1999). O emprego de substâncias extraídas de plantas silvestres, na qualidade de inseticidas, tem inúmeras vantagens quando comparado ao emprego de sintéticos: os inseticidas naturais são obtidos de recursos renováveis e são rapidamente degradáveis (ou seja, não persistem no ambiente); o desenvolvimento da resistência dos insetos a essas substâncias - compostas da associação de vários princípios ativos - é um processo lento; esses pesticidas são de fácil acesso e obtenção por agricultores e não deixam resíduos em alimentos, além de apresentarem baixo custo de produção. É, portanto, aconselhável, a produção de alimentos em sistema orgânico, quando da implantação de programas de agricultura sustentável e de desenvolvimento local. Em todas as regiões do mundo, a utilização doméstica de plantas com fins medicinais, assim como seu emprego pesticida na agricultura, são hábitos comuns e arraigados na cultura popular. A agricultura de subsistência na América Latina tem utilizado plantas para controlar insetos, entre as quais podem citar-se as mais conhecidas: alho (Allium sativum), fruta do conde (Annona squamosa), artemisia (Artemisia ludoviciana), mamona (Ricinus cummunis), louro (Laurus nobilis), coentro (Coriandrum sativum), arruda (Ruta graveolens), cravo-de-defuntos (Tagetes sp), urtiga (Urtica urens), maria-preta (Cordis verbenacea); chagas (Trapaeolum mejus); cavalinha (Equisetum arvense); erva-de-santamaria (Chenopodium ambrosioides); mentrasto (Ageratum conyzoides); cardo-santo (Argemone mexicana); quebra-pedra (Euphorbia prostata), INTERAÇÕES Revista Internacional de Desenvolvimento Local. Vol. 1, N. 2, Mar. 2001. Utilização de plantas com propriedades inseticidas: uma contribuição para o Desenvolvimento Rural Sustentável guanxuma (Sida rhombifolia), gerânio (Pelargonium zonale), hortelã (Mentha piperita), esporinhas (Delphinium sp.), alamandra (Allamanda nobilis), e ainda os atrativos/repelentes tayuiá (Cayaponia tayuya) e eucalipto (Eucalyptus spp), além de muitas outras mais (Guerra et al. 1985; Laca-Buendia e Brandão, 1988). Em uma alternativa de produção de alimentos tal como se concebe a agricultura sustentável, busca-se mobilizar harmoniosamente todos os recursos disponíveis na unidade de produção de forma a reduzir o impacto ambiental e a poluição, a minimizar a dependência externa das matérias primas, a atingir a otimização do balanço energético da produção e a produzir alimentos baratos e de alta qualidade biológica para suprir necessidades internas e gerar excedentes exportáveis. O resgate de informações sobre a utilização popular de plantas no controle de enfermidades do homem, de animais domésticos e de plantas cultividas pelas comunidades, valoriza o conhecimento popular, importante fator a ser considerado nos programas de pesquisa em desenvolvimento local e na busca da sustentabilidade na agricultura, principalmente quando se trata de pequenas propriedades em regiões economicamente desfavorecidas. Utilização de produtos de origem vegetal como praguicida nas lavouras, armazéns e residências Os estudos de controle de pragas com produtos derivados de plantas foram retomados após a constatação de graves problemas de contaminação ambiental, denunciados principalmente por Raquel Carson em seu livro Primavera Silenciosa, publicado em 1962. Essas contaminações são causadas, majoritariamente, pela utilização de produtos químicos, pesticidas e fertilizantes na agricultura moderna industrializada. Já nos tempo do rei Jerjes da Pérsia, em aproximadamente 400 A.C., o piretro, derivado do crisântemo (Chrysanthemum cinerariafolium), era utilizado com o nome de “Pó (polvos) da Pérsia”. De acordo com Lagunes e Rodriguez (1992), os primeiros fitoinseticidas utilizados foram a nicotina extraída de Nicotiana tabacum, a rianodina extraída de Ryania speciosa, a sabadina e outros alcalóides 45 extraídos de Schoenocaulon officinale, as piretrinas extraídas do piretro C. cinerariaefolium e a rotenona extraída de Derris spp e Lonchocarpus spp. Algumas plantas têm contribuído para o controle de pragas fornecendo ingredientes ativos inseticidas ou, ainda, como base para a síntese de novas moléculas para uso na agricultura, como por exemplo a planta Physostigma venenosum, utilizada para a síntese dos inseticidas carbamatos por Stedman e Berger (Silva, 1990). Na década de 50, Maranhão (1954) relacionou cerca de 2.000 plantas inseticidas (distribuídas em 170 famílias) com atividade tóxica para diversos insetos. De acordo com esse autor, os inseticidas comerciais de origem vegetal eram obtidos, principalmente de cinco famílias botânicas: Solanaceae, Compositae, Leguminosae, Chenopodiaceae e Liliaceae, das quais se extraíam, respectivamente, a nicotina, piretro, timbó, heléboro e anabasina. Grainge e Ahmed (1988) catalogaram 2.400 espécies de plantas com propriedades úteis no controle de insetos, além de listarem cerca de 800 pragas controladas por essas plantas e, ainda, 100 plantas com outras substâncias químicas reportadas no controle de doenças e nematóides parasitas do homem e de animais. Schumutterer (1992) citou as famílias Meliaceae, Asteraceae, Labiaceae, Aristolochiaceae e Annonaceae como principais fontes de princípios ativos inseticidas. Os derivados botânicos podem causar diversos efeitos sobre os insetos, tais como repelência, inibição de oviposição e da alimentação, alterações no sistema hormonal, causando distúrbios no desenvolvimento, deformações, infertilidade e mortalidade nas diversas fases. A extensão dos efeitos e o tempo de ação são dependentes da dosagem utilizada, de maneira que a morte ocorre nas dosagens maiores e os efeitos menos intensos e mais duradouros nas dosagens menores. A utilização de doses sub-letais causa redução das populações a longo prazo e necessita de menores quantidade de produtos. As doses letais muitas vezes tornam sua utilização inviável pela grande quantidade necessária. A eficiência da utilização de qualquer bioinseticida aumenta quando as lavouras são monitoradas regularmente, e o produto é aplicado em populações menores, com INTERAÇÕES Revista Internacional de Desenvolvimento Local. Vol. 1, N. 2, Mar. 2001. 46 Antonia Railda Roel indivíduos no início do desenvolvimento. Dependendo da espécie vegetal e do tipo de utilização, os derivados pesticidas podem ser utilizados sob forma pura, em estado de maceramento, em forma de pós ou de extratos (especialmente em soluções aquosas), além de outras formas específicas, condições que facilitam o manuseio e a utilização. No Brasil há, atualmente, inúmeras pesquisas sobre o potencial fitoinseticida de algumas plantas nativas. Investigações sobre a utilização de extratos da pimenta-do-reino Piper nigrum na proteção de grãos contra a traça-dos-cereais Sitotroga cerealela obteve resultados promissores (Boff e Almeida, 1995), assim como sobre larvas de Culex (Culex) quinquefasciatus, vetor da filariose bancroftiana (Chahad e Boff, 1994). Para o controle do bicudo do algodoeiro, Anthonomus grandis, comprovou-se o potencial dos extratos de Melia azedarach (cinamomo), Chenopodium ambrosioides (erva de santa maria) e principalmente dos frutos de Piper nigrum (pimenta preta), para uso em programas de manejo de populações de insetos (Fernandes et al., 1993). A mamona, Ricinus communis, demonstrou ser eficiente no combate a formigas cortadeiras em testes feitos por Hebling (1996). A canela Cynnamomum zeylanicum demonstrou ter efeito repelente sobre Zabrotes subfasciatus, praga de grãos armazenados, em testes feitos em laboratório por Oliveira et al. (2000). Os ingredientes ativos contidos nas folhas de Eucaliptus citriodora e outras espécies do gênero se mostraram promissores para o controle tanto de pragas de grãos armazenados quanto de formigas cortadeiras do gênero Atta (Nakano e Cortez, 1967; Anjos e Santana, 1994). Planta nativa da matas da Amazônia, Venezuela e América Central, a quina ou Quasia amara é comumente encontrada nos quintais dessas regiões, devido ao uso medicinal feito pela população. A quina é indicada, na bibliografia científica, como repelente de moscas e no controle de pulgões, pequenos insetos fitófagos e polífagos muito comuns em lavouras e plantas ornamentais. Para se sublinhar a importância do conhecimento popular para o desenvolvimento da ciência, note-se que, no ano de 1995, um pequeno agricultor observou, no Pará, grande quantidade de gafanhotos mortos sob a árvore de quina, cujas folhas tinham sido devoradas. Ora, o gafanhoto conhecido como tucura é praga voraz e causa muitos prejuízos aos produtores da região, especialmente em mandiocais, base da agricultura de subsistência. A partir do relato feito com fulcro em um conhecimento popular empírico, foram conduzidas várias experiências sobre os efeitos da planta em relação a esse inseto, resultando em recomendações sobre o uso e a preservação dessa planta na região. A manipueira, líquido de aspecto leitoso derivado da indústria da farinha de mandioca Manihot esculenta, contém goma, glicose e outros açúcares, proteínas, células descamadas das raízes, ácido cianídrico e derivados cianogênicos, sais minerais e substâncias orgânicas diversas. Estudos demonstram sua utilidade na agricultura por sua eficiência como inseticida e nematicida, e também são salientadas suas propriedades fertilizantes, decorrentes de uma composição química na qual se encerra a maioria dos macro e micro nutrientes (Ponte, 1999). Testes também demonstraram sua eficiência inseticida para a cochonilha de carapaça Coccus hesperidium, o pulgão negro Toxoptera citricidus e a cochonilha escama-farinha Pinaspis aspidistrae (Ponte et al., 1988). A família botânica Meliaceae é atualmente muito investigada, por possuir muitas espécies que são fonte de princípios ativos com propriedades inseticidas e diferentes modos de ação em relação a muitas espécies de insetos (Rodríguez, 1995). Destaca-se, dentre estas, a Azadirachta indica, conhecida popularmente como nim (Koul et al., 1990). Os derivados dessa planta têm sido usados tradicionalmente por agricultores, na Ásia e África, contra insetos nocivos à produção agrícola. Originária das regiões áridas da Índia, essa planta é utilizada, numa prática antiga e corrente nesse país, em culturas de subsistência. Nessa perspectiva, as folhas secas do nim são misturadas com grãos armazenados ou seus frutos são esmagados nas paredes dos armazéns, para evitar danos provocados por insetos. Possui alta capacidade como inseticida e é capaz de exercer diversos modos de ação sobre os insetos, tais como: inibição alimentar, inibição da síntese do ecdisônio, inibição da biosíntese da quitina, deformações em pupas e adultos, INTERAÇÕES Revista Internacional de Desenvolvimento Local. Vol. 1, N. 2, Mar. 2001. Utilização de plantas com propriedades inseticidas: uma contribuição para o Desenvolvimento Rural Sustentável redução da fecundidade e longevidade de adultos, alterações na capacidade de atração dos feromônios, esterilização e inibição de oviposição, diminuição da transmissão de vírus e mortalidade (Koul et al., 1990; Mordue (Luntz) e Backell, 1993 e Schmutterer, 1988; Rodríguez, 1995). O cinamomo, Melia azedarach, também da família Meliaceae, e outras espécies deste gênero são também utilizadas e estudadas por suas propriedades inseticidas (Silva, 1990). O cinamomo foi testado por muitos autores para o controle de gafanhotos migratórios, Schistocerca cancellata, com resultados satisfatórios de mortalidade ou repelência, a partir da utilização de extratos de folhas e frutos frescos ou secos (Lepage et al., 1946). No entanto, o extrato de frutos de M. azedarach foi apresentado, em estudos, como tóxico a animais de sangue quente, embora o produto extraído das folhas demonstre uma toxicidade bastante reduzida (Saxena, 1989). Espécies vegetais do gênero Trichilia (Meliaceae) mostram-se bastante promissoras para uso inseticida. No México, sementes de milho são impregnadas, durante um dia, antes da semeadura, com uma pasta aquosa obtida dos frutos de Trichilia havanensis, para proteção contra pragas de solo (Hernández et al., 1983). Em estudos recentes, destacase a Trichilia pallida como uma das espécies com maior bioatividade (Torrecillas, 1997; Roel, 1998). Roel (1998), utilizando extrato acetato de etila de Trichilia pallida sobre o desenvolvimento da lagarta-do-cartucho-domilho Spodoptera frugiperda, observou sua eficiência no controle de insetos com efeitos semelhantes aos constatados pela ação do nim. Essa espécie possui a vantagem de ser comum no cerrado brasileiro, e sua madeira tem a reconhecida qualidade de ser resistente a cupins. Plantas que possuem certas substâncias com propriedades atraentes a insetos podem, também, auxiliar nesse controle, quando agem como armadilhas. A cucurbitacina, presente principalmente em plantas da família Cucurbitaceae, possui efeito atraente de alimentação para o besouro verde amarelo Diabrotica speciosa. Devido a essa característica, pedaços de abóbora-d’agua Lagenaria vulgaris (Cucurbitaceae), tratadas com inseticida, podem ser utilizados no 47 controle de vaquinhas em cultura de batata inglesa (Roel e Zatarim, 1990). Nesse caso, besouros adultos voam em direção às “armadilhas”, atraídos pela cucurbitacina, alimentam-se e morrem pelo efeito do pesticida impregnado no vegetal. Brocas de caule e ramos são pragas sérias em citricultura, causam prejuízos na produção e podem provocar a morte das árvores. Essas pragas podem ser controladas com o plantio intercalado de maria-preta, planta que funciona como armadilhas a esses insetos. As fêmeas adultas fazem a postura na maria-preta, deixando livres da praga as árvores da frutífera cultivada. Espécies de plantas do gênero Crotalaria spp. (entre outras), utilizadas em sistema de rotação com a cultura, têm apresentado bons resultados no controle de nematóides formadores de galhas do gênero Meloidoigyne. Esses vermes do solo são atraídos para essas plantas armadilhas, sem contudo conseguirem nela se desenvolver, diminuindo as infestações nos plantios posteriores (Kimati et al, 1997). Substâncias repelentes presentes em certas plantas podem também ser utilizadas no controle de insetos e nematóides. Plantas de gergelim são conhecidas como repelente de formigas cortadeiras; recomenda-se cultivá-las como bordadura de plantações que se quer proteger desses insetos. Da mesma maneira, plantas de cravo-de-defuntos (Tagetes sp.) podem ser utilizadas no controle de pulgões, por seu efeito repelente sobre esses insetos. Na pecuária, muitos produtos de origem vegetal são eficientes no controle de ectoparasitas (carrapatos, sarna, berne, bicheiras) e endoparasitas (vermes). Paschoal (1994) recomenda produtos de origem vegetal como derris e piretrina, entre outros, para controlar sarnas, bernes e carrapatos, em uso restrito na criação de animais em sistema orgânico. A manipueira, testada como carrapaticida, mostrou-se tão eficiente quanto os produtos convencionais, com 100% de controle (Ponte, 2000 b). Segundo Burg e Mayer (1999), a rotenona, extraída do timbó, controla bernes, carrapatos e sarnas de animais domésticos. Soluções de fumo, de fruta do conde (Anonna squamosa), de cravode-defuntos (Tagetes sp.) ou de mamona (Riccinus comunis) são descritas como eficien- INTERAÇÕES Revista Internacional de Desenvolvimento Local. Vol. 1, N. 2, Mar. 2001. 48 Antonia Railda Roel tes no controle de pulgas e piolhos. Produtos a base de nin são citados como eficientes no controle de carrapatos em bovinos, por Neves (2000). De acordo com Menezes 2 , o alho Allium sativum apresenta propriedades medicinais, atuando como bacteriostático, repelente de insetos e promotor de crescimento em algumas espécies animais (suínos, aves e peixes). A pesquisadora comunicou que está conduzindo um experimento, na fazenda Lagoa da Cruz (UCDB), sobre o desempenho do alho, adicionado à ração, no crescimento de suínos; em fase posterior, serão avaliados a ocorrência de ecto e endo parasitas nos animais testados no mesmo regime alimentar. A pesquisadora salientou ainda que, no local dos ensaios, foi observada a redução da população de moscas domésticas. Igualmente na área da saúde, diversos extratos vegetais vêm sendo pesquisados em testes visando principalmente transmissores de doenças tais como mosquitos hematófagos, moscas domésticas, baratas, percevejos. Esses insetos provocam transtornos no campo e, cada vez mais, nas cidades, principalmente em regiões mais carentes, razão pela qual esses estudos são da maior importância para populações de determinados locais. Tal é um aspecto importante a ser abordado em programas de desenvolvimento local, no sentido de preservar a saúde e melhorar o conforto do homem nas suas comunidades. Assim, no Nordeste, alguns trabalhos vêm sendo conduzidos com extratos vegetais nativos no controle de percevejos Triatoma infestans, transmissor do Triopanossoma cruzi, causador da doença de chagas, ocasião em que foram observados resultados promissores. Lagunes et al. (1984) testaram extratos aquosos do córtex de Trichilia havanensis e de folhas de Trichilia hirta, e constaram a toxicidade à barata doméstica Periplaneta americana. Para o controle de linhagens da mosca doméstica, Musca domestica, Costa et al. (1997) testaram duas espécies de Timbó, Derris urucu e Derris nicou, na forma de pó da raiz e em diversas dosagens, observando que, embora ambas sejam eficientes, há sensíveis diferenças de efeito entre as linhagens. Também para o controle da mosca doméstica, Costa et al. (1997) conduziram investigações com espécies de timbó e obtiveram resultados satisfa- tórios, concluindo que, a despeito de sua toxicidade a mamíferos, a rotenona é relativamente inofensiva quando utilizada adequadamente. Folhas de louro Laurus nobilis, utilizadas em armários para controle de baratas, foram testadas por Machado et al. (1995), estudo que constatou os compostos voláteis do louro são repelentes, mas não são tóxicos à Periplaneta americana. Deve-se, no entanto, observar alguns cuidados na manipulação de produtos de origem vegetal. Alguns dos fitoinseticidas elencados no presente artigo apresentaram toxicidade a animais de sangue quente, tais como, por exemplo, os extraídos da família Annonaceae. Outros derivados vegetais podem ser prejudiciais a insetos úteis às plantas e ao homem, tais como polinizadores, inimigos naturais de pragas e abelhas. Igualmente, produtos de origem da nicotina são de uso restrito, segundo a legislação nos Estados Unidos, por sua toxicidade, assim como o cinamomo é citado como tóxico a animais de sangue quente. Assim, os estudos dos pesticidas baseados em ingredientes ativos presentes nas plantas devem resgatar o conhecimento acumulado das comunidades sem desprezar no entanto, o avanço tecnológico proporcionado pelo processo de modernização, com o objetivo de aumentar a eficiência do controle sanitário assim como o de proporcionar maior segurança aos usuários. Considerações Finais No processo de modernização ou industrialização, a agricultura se tornou dependente de insumos produzidos fora do setor agrícola, como máquinas, equipamentos, fertilizantes e pesticidas, insumos que encarecem a produção e diminuem a margem de lucro dos produtores de alimentos e fibras. A retomada dos estudos sobre a utilização de produtos de origem vegetal na agricultura não só é um resgate das práticas realizadas por nossos ancestrais, como se enquadra nos programas de desenvolvimento local e de sustentabilidade de propriedades rurais. Em termos de pequenas propriedades rurais, as plantas que podem ser utilizadas como inseticidas devem ser plantadas no próprio local, com o objetivo de facilitar a coleta dos materiais vegetais e INTERAÇÕES Revista Internacional de Desenvolvimento Local. Vol. 1, N. 2, Mar. 2001. Utilização de plantas com propriedades inseticidas: uma contribuição para o Desenvolvimento Rural Sustentável sua manipulação. Os extratos normalmente utilizados por pequenos agricultores devem ser aquosos, pela facilidade de obtenção e uso. As caldas, de fácil preparo, devem, no entanto, ser preparadas segundo as recomendações de especialistas e imediatamente antes do uso, pois os princípios ativos degradam-se facilmente em presença de luz. As vantagens dessa prática envolvem os aspectos sociais, econômicos e ambientais, e são aqui considerados desde a segurança dos operadores até a proteção ambiental, da possibilidade de obtenção de maiores lucros à permanência do homem no campo. Todos os aspectos devem ser considerados para os estudos e divulgação dessa técnica. Produtos de origem vegetal são biodegradáveis, ou seja, não persistem no ambiente, no entanto, essa característica limita o controle de determinadas pragas, por possuírem pequeno efeito residual, levando à necessidade de novas aplicações. Esses bioinseticidas são um recurso facilmente disponível por sua ocorrência natural, todavia podem ser esgotados se não forem constantemente repostos. O problema é maior quando se trata de planta exótica como o nim, fato que salienta a importância de estudos com plantas nativas ou silvestres, que possam ser encontradas e plantadas com maior segurança. A exploração das plantas deve ser feita de tal maneira que permita a preservação e a conservação das espécies. Outro ponto que deve ser considerado é a toxicidade dos produtos vegetais, as variações entre as espécies, as partes vegetais utilizadas e as formas de extração. A toxicidade de todo ingrediente ativo está obviamente associado à dosagem utilizada em relação ao peso do indivíduo, e é relacionada também a forma de aplicação. Todas as informações sobre eficiência, modo de usar, dosagens, cuidados e outras, devem ser fornecidas por trabalhos científicos devidamente conduzidos, para maior segurança e eficiência no emprego e maior credibilidade científica das informações. Para garantir o sucesso do emprego de inseticidas botânicos, todos os aspectos devem ser considerados, desde o levantamento e as avaliações de espécies silvestres até o mapeamento dos ingredientes ativos e suas concentrações nas diferentes partes 49 vegetais. Importante também é conhecer a estabilidade e a persistência do produto no armazenamento e no campo, a toxicidade ao homem e animais domésticos, o impacto sobre inimigos naturais, a relação custo/ benefício e outros. Para tanto é necessário o envolvimento de um trabalho integrado envolvendo entomologistas, botânicos (fitotaxonomistas), químicos (fitoquímicos), toxicologistas e outros pesquisadores empenhados na recuperação e na sistematização de um saber popular e, muitas vezes, de âmbito regional. Notas 1 2 Palestra proferida pelo Prof. Dr. José Júlio da Ponte, da UFCE, presidente da Academia Cearence de Ciências, no “I Congresso Brasileiro de Defensivos Agrícolas Naturais”, em 5/11/2000. Informação da Veterinária Giovanna Padoa de Menezes, Mestranda em Meio Ambiente e Especialista em Suinocultura. Professora da UCDB. Referências Bibliográficas ALTIERI, M. A.; MASERA, O. Desenvolvimento rural sustentável na América Latina: construindo de baixo para cima. In: Reconstruindo a Agricultura: idéias e ideais na perspectiva do desenvolvimento rural sustentável. Alcione Almeida e Zander Navarro(org.). 2. ed., Porto Alegre, UFRGS, 1998, p. 72-105. ANJOS, N.; SANTANA, D. L. Q. Alterações deletérias no comportamento de Atta laevigata (F. Smith) e Atta sexdens rubropilosa Forel (Hymenoptera: Formicidae), causadas por folhas de Eucaliptus spp. Sociedade Entomológica do Brasil. Anais... Londrina, Sociedade Entomológica do Brasil, v. 23, n.1, 1994, p. 25-30. BOFF, M. I. C.; ALMEIDA, A. A. de. Efeito residual de extratos aquosos de Piper nigrum (L.) sobre larvas neonatas de Sitotroga cerealella (Oliv.). Sociedade Entomológica do Brasil. Anais... Londrina/PR, Sociedade Entomológica do Brasil, v. 24, n.1, 1995. BURG, I. C.; MAYER, P. H. Alternativas ecológicas para prevenção e controle de pragas e doenças. 7. ed. Francisco Beltrão/PR, Grafit, 1999. CARSON, R. Primavera silenciosa. 2. ed. São Paulo, Melhoramentos, 1969, 305 p. CHADAD, S.; BOFF, M. I. C. Efeito de extratos de pimenta preta sobre larvas de Culex (Culex) quinquefasciatus Say (Diptera: Culicidae). Sociedade Entomológica do Brasil. Anais... Londrina, Sociedade Entomológica do Brasil, v. 23, n. 1, 1994, p. 13-18. CHARBOUSSOU, F. Plantas doentes pelo uso de agrotóxicos: a teoria da trofobiose. Porto Alegre, L & PM, 1987. COSTA, J. P. da; BÉLO, M.; BARBOSA, J. C. Efeitos de espécies de timbós (Derris spp.: Fabaceae) em populações de Musca domestica L. Sociedade Entomológica do Brasil. Anais... Londrina, Sociedade Entomológica do Brasil, v. 26, n. 1, 1997, p.163-168. ELIZALDE, A. Desarrollo a Escala Humana: conceptos INTERAÇÕES Revista Internacional de Desenvolvimento Local. Vol. 1, N. 2, Mar. 2001. 50 Antonia Railda Roel y experiencias. Interações, UCDB, Campo Grande, v. 1, n. 1, set. 2000. FERNANDES, W. D.; FERRAZ, J. M. G.; FERRACINI, V. L.; SANTOS, A. B. Avaliação do efeito deterrente de alguns extratos vegetais sobre Anthonomus grandis Boheman, 1843 (Coleoptera: Curculionidae) e, condições de laboratório. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE ENTOMOLOGIA, 14, 1993, Piracicaba. Resumos... Piracicaba, Sociedade Entomologica do Brasil, 1993, p. 573. GRAINGE, M.; AHMED, S. Handbook of plants with pestcontrol properties. John Wiley & Sons, Inc. 1988, 470 p. GUERRA, M. S. Receituário caseiro: alternativas para o controle de pragas e doenças de plantas cultivadas e de seus produtos. Brasília, EMBRATER, 1985, 166 p. (EMBRATER. Informações Técnicas, 7). HEBLING, M. J. A. Toxic effect of Ricinus communis (Euphorbiaceae) to laboratory nests of Atta sexdens rubropilosa (Hymenoptera: Formicidae). Bulletin of Entomological Research, v. 86, 1996, p. 253-256. HERNANDEZ, X. E.; INZUNZA, M. F.; SOLANO, S. C. B. Insectos de control de plagas y enfermidades identificadas en la agricultura tradicional en México. Revista Chapingó, Chapingo, v. 40, n. 55-6, 1983. KIMATI, H.; AMORIM, L.; BERGAMIN, FILHO, L. E. A.; REZENDE, J. A. M. Manual de Fitopatologia. 3. ed. São Paulo, Agronômica Ceres, 1997 Ill, 774 p. KOUL, O. ISMAN, M. B.; KETKAR, C. M. Proporties and uses of neem, Azadirachta indica. Canadian Journal of Botany, Ottawa, v. 68, n.1, 1990, p. 1-11. LACA-BUENDIA, J. P.; BRANDÃO, M. Usos pouco conhecidos de plantas daninhas como companheiras, repelentes, inseticidas, iscas, moluscicidas e nematicidas. Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v. 13, n. 150, 1988, p. 30-33. LAGUNES, T. A.; ARENAS, L. C; RODRÍGUEZ, H. C. Extractos acuosos y polvos vegetales con propiedades insecticidas. Chapingo, Colégio de Postgraduados, Centro de Entomologia y Acarologia, 1984, 203 p. LAGUNES, T. A.; RODRÍGUEZ, H. C. Los extractos acuosos vegetales con actividad insecticida: el combate de la conchuela del frijol. Tezcoco, USAIDCONACYT-SME-CP, 1992, 57 p. (Temas Selectos de Manejo de Insecticidas Agrícolas, 3). LEPAGE, H. S.; GIANNOTTI, O.; ORLANDO, A. Proteção das culturas contra gafanhotos por meio de extratos hde Melia azedarach. Biológico, v. 12, 1946, p. 265-271. MACHADO, V. L. L.; PALMA, M. S.; COSTA, O. M. Ação repelente das frações de óleos essenciais da folha de louro (Laurus nobilis L.) em ninfas e adultos de Periplaneta americana (L.) (Blattaria: Blattidae). Sociedade Entomológica do Brasil. Anais... Londrina, Sociedade Entomológica do Brasil, v. 24, n. 1, 1995. MARANHÃO, Z. C. Plantas inseticidas. Revista da Agricultura, v. 29, n. 3-4, p.113-121, 1954. MORDUE (LUNTZ), A.J.; BLACKWELL, A. Azadirachtin: an updatte. Journal of Insect Physiology, Oxford, v. 39, n. 11, 1993, p. 903-924. NAKANO, O; CORTEZ, J. Ensaio de controle às pragas do milho armazenado, com óleo de eucalipto (Eucaliptus citriodora Hooker) e sua eficiência comparada ao malathion. Revista da Agricultura, Piracicaba, v. 42, n. 3, p. 95-98, 1967. NEVES, B. P. das. Nim, princípios e aplicações como defensivo agrícola. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE DEFENSIVOS AGRÍCOLAS NATURAIS. Resumos... 1. ACECI, Fortaleza/CE, 2000, p. 95. OLIVEIRA, J. V.; SILVA, G. J. R.; COUTINHO, R. L. B. C.; SANTOS, A. S. Influência de pós vegetais na viabilidade de ovos e emergência de Zabrotes subfasciatus (Boh.) (Coleoptera: Bruchidae) em feijão, Phaseolus vulgaris, armazenado. In: I CONGRESSO BRASILEIRO DE DEFENSIVOS AGRÍCOLAS NATURAIS. Resumos...,1. ACECI, Fortaleza/CE, 2000, p. 41. PASCHOAL , A. D. Produção orgânica de alimentos. Agricultura Sustentável para os séculos XX e XXI. Piracicaba/SP, Adilson Paschoal, 1983, 191 p. PONTE, J. J. da. Cartilha da manipueira, uso do composto como insumo agrícola. Fortaleza, SECITECE, 1999, 53 p. _____. Utilização da manipueira como fertilizante e defensivo agrícolas. In: Congresso Brasileiro De Defensivos Agrícolas Naturais. Resumos... 1. ACECI, Fortaleza/CE, 2000a, p. 91. _____. Eficiência da manipueira como carrapaticida. Teste preliminar. CONGRESSO BRASILEIRO DE DEFENSIVOS AGRÍCOLAS NATURAIS. Resumos... 1. COBRADAN, Fortaleza/CE, 2000B. PONTE, J. J. da.; FRANCO, A.; SANTOS, J. H. R. DOS. Teste preliminar sobre a utilização da manipueira como inseticida. Revista Brasileira da Mandioca, Cruz das Almas, v. 7, n. 1, p. 89-90, 1988. RODRÍGUEZ, H. C. Efeito de extratos aquosos de Meliaceae no desenvolvimento de Spodoptera frugiperda (J. E. SMITH, 1797) (Lepidoptera: Noctuidae). Piracicaba, 1995, 100 p. Dissertação (Mestrado) – USP. ROEL, A. R. Efeito de extratos orgânicos de Trichilia pallida Swartz (Meliaceae) na sobrevivência e desenvolvimento de Spodoptera frugiperda (J. E. Smith, 1797) (Lepidoptera: Noctuidae). Piracicaba, 1998, 115 p. Tese (Doutorado) – ESAL/USP. ROEL, A. R.; ZATARIM, M. Eficiência de iscas a base de abóbora d’água Lagenaria vulgaris (Cucurbitaceae), tratadas com inseticida na atratividade de Diabrotica speciosa. Sociedade Entomológica do Brasil. Anais... Londrina, Sociedade Entomológica do Brasil, 1987. SCHMUTTERER, H. Potencial of azadirachtincontaining pesticides for integated pest control in developing and industrialized countries. Journal of Insect Physiology, v. 34, n. 7, 1988, p. 713-9. SILVA, A. C. da. Efeitos inseticida, deterrente e supressor alimentar de alguns extratos vegetais sobre Ceratitis capitata (Wiedmann, 1824) (Diptera: Tephritidae) e Ascia monuste orseis (Latreille, 1819) (Lepidoptera: Pieridae), em laboratório. Lavras, 1990, 129 p. Tese (Doutorado) – Escola Superior de Agricultura de Lavras. TORRECILAS, S. Efeito de extratos aquosos de Trichilia pallida, SWARTZ (Meliaceae) no desenvolvimento de Spodoptera frugiperda (J. E. SMITH, 1797) (Lepidoptera: Noctuidae) criada em diferentes genótipos de milho. Piracicaba, 1997, 143 p. Dissertação (Mestrado) – USP. INTERAÇÕES Revista Internacional de Desenvolvimento Local. Vol. 1, N. 2, Mar. 2001. Melhoramento e conservação genética aplicados ao Desenvolvimento Local – o caso da seringueira (Hevea sp) Genetic improvement and conservation applied to Local Development – the case of rubber tree (Hevea sp) Mejora y conservación genética aplicados al Desarrollo Local – el caso del caucho (Hevea sp) Reginaldo Brito da Costaa, Paulo de Souza Gonçalvesb, Adriana Odalia-Rímolia e Eduardo José de Arrudaa a Universidade Católica Dom Bosco / bInstituto Agronômico de Campinas (IAC) Contato: [email protected] Resumo: A seringueira Hevea sp foi domesticada por ser uma das maiores fontes produtoras de borracha vegetal. Sua importância decorre da influência que a borracha veio a exercer sobre a civilização moderna. O Brasil já ocupou posição de destaque no mercado mundial, sendo responsável por 98% da produção no início do século. Hoje, o país produz aproximadamente 1% da produção mundial e importa em torno de 75% do que consome. Neste artigo, analisa-se a origem, a domesticação e a produção de látex da seringueira, como meio de garantir opções econômicas às comunidades, propiciar o desenvolvimento local e a melhoria na qualidade de vida das populações envolvidas. Palavras-chave: Seringueira; Produção de látex; Desenvolvimento Local. Abstract: The rubber-tree, Hevea sp., was domesticated because of its productivity as a source of latex. Its importance arose as a result of the influence that rubber came to play in modern civilization. Brazil was once the World’s major producer, being responsible for 98% of supplies at the beginning of the twentieth century. Today, the country contributes only 1% of World production and imports around 75% of the rubber it consumes. This paper presents a study of the origin, the domestication and the production of latex by the rubber-tree, in order to guarantee economic options for communities, stimulating local development and improving the quality of life of the populations involved. Key Words: Rubber-tree; Latex production; Local Development. Resumen: El caucho Hevea sp fué domesticado por ser una de las principales fuentes productoras de goma vegetal. Su importancia resulta de la influencia que el caucho vino a ejercer sobre la civilización moderna. El Brasil ya ocupó posición de destaque em el mercado mundial, siendo responsable por 98% de la produção en inicios del siglo. Hoy, el país produce aproximadamente 1% da produção mundial e importa casi de 75% de lo que consume. En este artículo, se analiza el origen, la domesticación y la producción de látex del caucho, com el reto de garantizar opciones económicas a las comunidades, permitir el desarrollo local y desencadenar la mejora de la calidad de vida de las poblaciones involucradas. Palabras clave: Caucho; Producción de latex; Desarrollo Local. 1. Introdução O gênero Hevea pertence à família Euphorbiaceae e tem como área de ocorrência e dispersão natural a Amazônia brasileira e países próximos, como Bolívia, Colômbia, Peru, Venezuela, Equador, Suriname e Guiana. A classificação atual do gênero Hevea apresenta onze espécies, dentre as quais destaca-se Hevea brasiliensis, com maior capacidade produtiva e variabilidade genética . Ao contrário da maioria das plantas cultivadas, Hevea brasiliensis, a espécie mais importante do gênero, está sendo domesticada num ambiente moderno, em razão de ser uma das maiores fontes produtoras de borracha vegetal. Sua importância decorre da influência que a borracha veio a exercer sobre a nossa civilização, chegando mesmo a caracterizar uma época denominada de “ciclo da borracha”. É desta época a posição de destaque que o Brasil ocupou no mercado mundial, sendo responsável por 98% da produção no início do século. Hoje o país produz aproximadamente 1% da produção mundial e importa em torno de 75% do que consome. O látex produzido pela árvore é uma suspensão aquosa contendo 30 a 40% de sólidos em forma de partículas de borracha visíveis em ultramicroscópio. Com propriedades únicas entre os produtos naturais poliméricos, a borracha natural combina elasticidade, plasticidade, resistência ao desgaste (fricção), propriedades de isolamento elétrico e impermeabilidade à líquidos e gases (Gonçalves et al., 1990). Desta forma, devido ao seu valor econômico e grande utilidade tem influenciado profundamente a civilização moderna. Considerando o exposto, o presente artigo objetiva mostrar aspectos relacionados com a origem e a domesticação da espécie, bem como apresentar dados sócio-econômicos relevantes, obtidos a partir do programa de conservação e melhoramento genético da espécie, que proporcionaram uma opção econômica e melhoria na qualidade de vida dos pequenos e médios produtores de borracha do interior paulista e, portanto, desencadeando o desenvolvimento local. INTERAÇÕES Revista Internacional de Desenvolvimento Local. Vol. 1, N. 2, p. 51-58, Mar. 2001. 52 Reginaldo Brito da Costa, Paulo de Souza Gonçalves, Adriana Odalia-Rímoli e Eduardo José de Arruda 2. A descoberta da Hevea Conforme dados levantados por Polhamus (1962), não se sabe exatamente quando a borracha foi descoberta. Os primeiros registros literários sobre o assunto datam da viagem de Cristovão Colombo à América, quando seu uso foi observado entre os nativos do continente. Na Amazônia, a borracha foi mencionada pelo jesuíta Samuel Fritz e pelo frei carmelita Manoel de Esperança, entre os índios Camibebas ou Omáguas. Em 1743, Charles Marie de La Condamine, cientista francês que realizou estudos geodésicos na América Meridional escreveu a propósito de uma árvore que os nativos de Quito chamavam Cau-chu (que significa “pau que dá leite”). Do látex desta planta, fabricavam uma goma que usavam para fazer diversos artefatos, tais como: garrafas, calçados, bolsas, bolas e bombas ou seringas (daí a designação em português da planta), objetos esses que chamavam a atenção pela sua impermeabilidade e elasticidade (Batista,1976). Nessa época, o naturalista francês François Fresnau, em estudos na Guiana Francesa, também se interessava pelas árvores de cujo leite os índios faziam usos variados. A Hevea guianensis, estudada por Fresnau, teria sido a primeira espécie a ser descrita. Segundo Schultes (1977a,b) o botânico brasileiro Adolfo Ducke foi o que mais se dedicou ao estudo do gênero. Seus estudos taxonômicos de quase 50 anos foram divididos em três períodos distintos. Na primeira fase, ele descreveu diversas pequenas variações como espécies. No segundo período, ele as reduziu para variedades e formas. Mais tarde, em 1943, no fim de sua carreira, ele tornou a reconhecer um número reduzido de espécies. Atualmente, são conhecidas onze espécies no Brasil (Gonçalves et al., 1973), enquanto que na Ásia, somente nove espécies são catalogadas. 3. Importância econômica do cultivo da Havea O Brasil, no início do século XX, se destacou no mercado mundial da borracha, servindo este produto oriundo do extrativismo de suporte à nossa receita cambial, participando com 98% da produção mundial (Bernardes et al.,1990), quando ainda a extração era proveniente de seringais nativos da Amazônia.Com o aparecimento do fungo Microcyclus ulei, causador do mal das folhas, este passou a ser o maior entrave para o desenvolvimento e produtividade da seringueira, e o Brasil perdeu espaço para outros países produtores como a Malásia, Indonésia e Tailândia. A demanda mundial de borracha foi influenciada pela indústria automobilística e principalmente pelos países em industrialização, de forma proporcional ao aumento da renda per capita ou a produção industrial. Com a acelerada industrialização mundial pós-guerra, a demanda do produto tornouse maior a curto prazo e os países desenvolvidos viram-se forçados a buscar alternativas para suprir suas exigências. Com isso, ocorreu a descoberta da borracha sintética a partir do petróleo, dando novos rumos à economia e à indústria. Apesar de o consumo da borracha natural ser menor que o da borracha sintética (Bernardes et al., 1990), a borracha natural, em função de suas características de elasticidade, plasticidade, resistência à fricção e impermeabilidade para líquidos, sempre será de grande importância para a indústria, uma vez que para a produção de sub-produtos, é insubstituível. Um outro fator que poderá influenciar no mercado de borracha natural e/ou sintética, são os futuros aumentos de preço do petróleo, que refletirão na competitividade da borracha natural, pois, cerca de 70% do custo de produção de borracha sintética provém dessa matéria prima e para a borracha natural apenas 15% dos insumos necessários são baseados no petróleo. A partir de 1982, a produção de borracha natural no Brasil apresentou um incremento significativo, resultante das políticas adotadas de incentivo através da SUDHEVEA, com o Programa de Incentivo a Produção de Borracha Natural (PROBOR) e, também através da iniciativa privada nas regiões de escape(áreas delimitadas geograficamente com mínima incidência do mal das folhas), sobretudo nos estados de São Paulo, Minas Gerais, Goiás e Mato Grosso (Dean, 1989). Estes estados são, atualmente, os maiores produtores de borracha natural. INTERAÇÕES Revista Internacional de Desenvolvimento Local. Vol. 1, N. 2, Mar. 2001. Melhoramento e conservação genética aplicados ao Desenvolvimento Local – o caso da seringueira (Hevea sp) Apesar de sua condição de principal produtor e exportador de borracha natural no início do século XX, o Brasil, nos anos cinqüenta, passa à condição de produtor e importador em função da queda de produção. Mesmo assim, em 1985, atingiu o seu pico de produção anual com 40 mil toneladas de borracha seca, suprindo 40% do seu consumo interno (Bernardes et al.,1990). Dados de 1990 mostram que o Brasil produziu apenas 24% do seu consumo com uma área de aproximadamente 200.000 ha e uma produtividade média de 800 kg/ha/ano (Furtado, 1992). Essa produtividade é considerada baixa, quando comparada com a do estado de São Paulo, cuja média é de 1250 kg/ha/ano (Brioschi et al., 1992). 4. Domesticação A domesticação da Hevea brasiliensis é o evento mais importante na história da Heveicultura. 4.1 A coleta de Wickman O marco mais importante da domesticação da seringueira foi a coleta bem sucedida do inglês Henry Alexander Wickman em 1876. Wickman aportou no rio Tapajós e, na região de Boim, com a ajuda dos índios Mura, teria coletado 70.000 sementes de seringueira. Enviadas a Londres pelo navio “Amazonas”, as sementes chegaram ao seu destino dezesseis dias depois (Reis, 1953). Aproximadamente 2.800 das 70.000 sementes germinaram em casa de vegetação. O plano original previa que as plântulas fossem enviadas para Burma, mas, devido aos problemas locais, o fato não se concretizou. A rapidez de crescimento das plântulas nas casas de vegetação de Kew exigiu seu embarque imediato para os trópicos, e seu destino foi o Jardim Botânico do Ceilão. Em seguida, as 22 mudas foram enviadas para numerosas localidades na Malásia e outros países asiáticos. De acordo com Polhamus (1962), somente 22 plântulas foram destinadas à Malásia. Dessa forma, toda plantação comercial moderna da Ásia foi constituída com base em progênies de Hevea brasiliensis dessas plantas introduzidas por Wickman. 53 4.2 Etapas de domesticação Pode-se considerar que a domesticação da seringueira consistiu de seis etapas. A primeira etapa foi a bem sucedida introdução, no Oriente, do material genético coletado por Wickman na região de Boim, no Pará, e livre do “mal-das-folhas” (Imle, 1978). A chegada de algumas plântulas de Wickman ao Jardim Botânico de Singapura foi o estágio inicial para a segunda etapa, uma vez que o aperfeiçoamento do sistema de corte ou sangria da seringueira, desenvolvido por H. N. Ridley, em 1898, foi uma importante conquista tecnológica. Ridley observou que o método de sangria empregado nos seringais nativos da Amazônia não se aplicaria aos plantios racionais. Após paciente trabalho, desenvolveu um sistema de corte que causava pouco dano às seringueiras, economizava consumo de casca, permitia à árvore ser sangrada mais de 100 vezes por ano, e ainda possibilitava o aumento na produção anual de borracha. Seu sistema de corte, com poucas modificações, permanece em uso até hoje. O material original coletado por Wickman foi a base da variabilidade genética para a seringueira cultivada em extensas áreas da Ásia. Também a variabilidade genética, disponível para cada país, originouse da mesma constituição da amostra recebida desse material. Dessa forma, a variabilidade existente na Malásia deve-se a 22 plântulas obtidas originalmente. A terceira etapa da domesticação teve início logo após a fixação genética dessas árvores, facilitada através da técnica de enxertia (Gonçalves et al., 1990). Com a enxertia, tornou-se possível o desenvolvimento de clones partindo-se de plantas matrizes de qualidade superior. Uma conseqüência desse desenvolvimento foi o aumento evidente na produção e a substituição e ampliação de plantios com árvores geneticamente diversificadas. A quarta etapa na domesticação da seringueira envolveu hibridação seletiva de clones superiores e propagação de clones obtidos dos híbridos superiores. Tal fato promoveu recombinação entre genótipos tidos como elites, ampliando as fronteiras para uma nova seleção e aumentando consideravelmente o potencial de produção. Conforme dados apresentados por Tan (1978), os mais INTERAÇÕES Revista Internacional de Desenvolvimento Local. Vol. 1, N. 2, Mar. 2001. 54 Reginaldo Brito da Costa, Paulo de Souza Gonçalves, Adriana Odalia-Rímoli e Eduardo José de Arruda modernos clones comerciais são derivados desse método de cruzamento, que vem aumentando a produção média comercial para 1200 kg/ha/ano e chegando a produzir até 1600 kg/ha/ano em alguns plantios. Já existem clones com potencial de até 2500 kg/ha/ano. A descoberta e desenvolvimento de resistência ao “mal das folhas” podem se considerados como a quinta etapa na domesticação da seringueira. Enquanto os plantios com base em clones primários superiores no sudeste da Ásia iam cada vez mais se expandindo, no Brasil o principal problema era o fungo Micocyclus ulei. Nos primeiros 20 anos deste século, as plantações de seringueira das Guianas falharam, em decorrência do “mal das folhas” (Holliday, 1970). Plantios estabelecidos de sementes oriundas da região amazônica e de clones asiáticos em Fordlândia, em 1927, e em Belterra em 1934, foram também severamente atacados pelo “mal da folhas”. Em 1937, a Companhia Ford iniciou programas de cruzamentos e enxertia de copas com o objetivo de combinar alta produção e resistência ao “mal das folhas”, através de manejo silvicultural e genético combinados. Esse programa teve prosseguimento a partir de 1964, pelo Instituto Agronômico do Norte (IAN), hoje Centro de Pesquisa Agropecuária do Trópico Úmido (CPATU), seguindo os mesmos objetivos. 5. Melhoramento e conservação genética 5.1 Melhoramento genético no Brasil 5.1.1 Fordlândia e Berterra Em face da crescente necessidade de borracha para atender a expansão da indústria automobilística, e buscando fugir da dependência do produto asiático, os norteamericanos solicitaram e obtiveram do governo brasileiro a concessão de 1.200.000 hectares de terras, às margens do rio Tapajós, no Estado do Pará, para o plantio de seringueiras. Em 1928, a Companhia Ford estabeleceu os primeiros plantios em Fordlândia. O material plantado foi obtido de sementes da região do rio Solimões e Machado, próximo a Belém. A tentativa foi, porém, frustrada, em razão da ocorrência freqüente do “mal das folhas” provocado pelo fungo Microcyclus ulei. Fracassado o empreen- dimento em Fordlândia, suspenso em 1933, começaram então os plantios em Belterra que sofreram, também, com a incidência da doença. No total foram plantados 6.570 hectares na região, utilizando-se também clones do Oriente introduzidos em princípios de 1934 (Gonçalves, 1995). Apesar da grande incidência de Microcyclus ulei, os 3.000 hectares plantados em Fordlândia não foram abandonados. Algumas plantas mostraram graus variáveis de resistência à doença. 5.1.2 Primeiros trabalhos de seleção As primeiras seleções para resistência ao “mal das folhas”, no Brasil, foram realizadas pela Companhia Ford. Durante os anos de 1942 e 1945 o programa se expandiu, sendo conduzido em cooperação entre a própria Companhia Ford, o então recém criado Instituto Agronômico do Norte (IAN) e o Departamento de Agricultura dos Estados Unidos. O primeiro passo foi a seleção de matrizes que haviam mostrado resistência à doença em Fordlândia. Cruzamentos entre clones resistentes ao mal-das-folhas e clones produtivos do Oriente obtendo-se material genético desejado naquela fase da conservação ‘ex-situ’ e melhoramento genético. Este material genético serviria de base, em anos subseqüentes, para o Instituto Agronô mico do Norte (Gonçalves, 1995). De posse do material resistente e do material produtivo foi desenvolvido um programa de melhoramento e conservação genética intraespecífico, visando associar, em uma mesma planta, os caracteres desejáveis de produção de borracha seca e resistência ao mal das folhas. Neste contexto, o Instituto Agronômico de Campinas (IAC) tem contribuído significativamente, conservando e desenvolvendo o melhoramento genético da espécie ao longo das últimas três décadas. 5.2 Estágio atual do melhoramento e da conservação genética Os objetivos do melhoramento genético da seringueira variam de acordo com as necessidade específicas de cada região. Segundo Gonçalves (1986), todo objetivo se fundamenta principalmente na obtenção de clones com alto potencial de produção, INTERAÇÕES Revista Internacional de Desenvolvimento Local. Vol. 1, N. 2, Mar. 2001. Melhoramento e conservação genética aplicados ao Desenvolvimento Local – o caso da seringueira (Hevea sp) seguido de outros caracteres secundários desejáveis que contribuem para a redução do potencial de produtividade. 5.2.1 Escolha dos parentais A maior parte dos cruzamentos são feitos com parentais os quais apresentam bom desempenho nos experimentos e plantios comerciais, principalmente em relação a produção e resistência a doenças. Nos últimos anos, a escolha dos parentais está se tornando mais complexa devido a multiplicidade de caracteres envolvidos no programa, desde quando alta produção deixou de ser o único objetivo e se incluiram outros carcteres secundários, tais como precocidade, tipo de esgalhamento para resistência ao vento, dentre outros (Gonçalves, 1995). O uso da genética quantitativa no estudo de caracteres econômicos pode em princípio favorecer o entendimento do modelo da herança da cultura. Um aspecto de grande importância nesse sentido é que ele proporciona aos melhoristas a escolha dos parentais e consequentemente bom planejamento do programa de melhoramento. Vários pesquisadores (Simonds, 1969; Gilbert et al., 1973; NGA & Subramanian, 1974; Tan e Subramanian, 1976 e Gonçalves et al., 1990) concluíram que a variância genética aditiva da produção e do vigor contribui com uma parcela significativa na variância genética total, sugerindo que a seleção fenotípica dos parentais pode ser efetiva, mas a seleção baseada em valores genotípicos é mais precisa e confiável. Os primeiros trabalhos para estimar os valores da Capacidade Geral de combinação (CGC) em seringueira foram realizados por Gilbert et al. (1973). Obtiveram valores de CGC de parentais utilizados no início do programa de melhoramento do Rubber Research Institute of Malaysia. Além de identificarem alta CGC dos parentais, foi possível também predizer bons cruzamentos potenciais não conduzidos em programas anteriores. A possibilidade de se determinar o valor da CGC dos parentais em plantas jovens para sete diferentes caracteres foi primeiramente conduzida por Tan e Subramanian (1976). Os valores de CGC encontrados para os caracteres estudados em plantas jovens foram semelhantes aos obtidos para árvores adultas, sugerindo a possibilidade do uso de 55 plantas jovens em testes de progênies. Posteriormente Tan (1977, 1978a e b) confirmou essa possibilidade, utilizando dados de produção de progênies de dois anos e meio de idade. Concluindo que tais informações seriam úteis ao melhoramento com a possibilidade de identificar em estádio precoce alguns bons parentais, acelerando, dessa forma, o progresso genético da cultura. 5.2.2 Polinização controlada A percentagem média de sucesso da polinização obtida na Malásia e Indonésia gira em torno de 3 a 5%. O sucesso dependerá do paternal feminino utilizado e das condições do tempo (Dijkman, 1951). Percentagem em torno de 15% foi relatada por Ehret (1948) citado por Gonçalves (1995) no Vietnam, provavelmente devido às condições de clima e solo. O sucesso da polinização controlada obtido no Instituto Agronômico de Campinas (IAC) é relatado por Gonçalves (1995) na faixa de 2 a 2,5%. O maior ou menor sucesso, salienta o autor, depende de fatores como ataque de Microcyclus ulei, chuva, umidade relativa do ar, estado nutricional da planta e parentais utilizados. 5.2.3 Ciclo utilizado em programas de seleção e melhoramento genético da seringueira O ciclo para obtenção de clones compreende diversas etapas, conforme preconiza Gonçalves et al. (1990), como é mostrado na Figura 1. Inicialmente, procura-se obter sementes de polinização aberta ou controlada. As sementes obtidas são plantadas em sacos de polietileno e, após quatro a seis meses de plantio, quando as plântulas apresentam dois lançamentos foliares, são levadas para o viveiro de cruzamento, obedecendo espaçamento de 1,5m x 1,5m. Aos dois anos e meio, os ortetes são selecionados e clonados para testes de competição em pequena escala. INTERAÇÕES Revista Internacional de Desenvolvimento Local. Vol. 1, N. 2, Mar. 2001. Reginaldo Brito da Costa, Paulo de Souza Gonçalves, Adriana Odalia-Rímoli e Eduardo José de Arruda 56 ANO 0 2-2 1/2 POPULAÇÃO BASE VIVEIROS DE PROGÊNIES SELEÇÃO INDIVÍDUOS SUPERIORES EXPERIMENTAÇÃO EM PEQUENA ESCALA 3 10 PARCELAS DE PROMOÇÃO NOVA SELEÇÃO E AVALIAÇÃO DOS PARENTAIS 13 AVALIAÇÃO E SELEÇÃO 15 EXPERIMENTAÇÃO EM GRANDE ESCALA RECOMENDADO PARA PLANTIO EM PEQUENA ESCALA 20 RECOMENDADO PARA PLANTIO EM PEQUENA ESCALA RECOMENDADO PARA PLANTIO EM GRANDE ESCALA 24 30 RECOMENDADO PARA PLANTIO EM GRANDE ESCALA Figura 1: Estratégias de melhoramento para H. brasiliensis Os caracteres considerados na condução da seleção em viveiro são os seguintes: a) produção de borracha seca, obtida com base em teste precoce de produção HMM modificado, conforme prescreve Tan e Subramanian (1976), que consiste de sangrias a serem efetuadas no sistema S/2, D/3 com dois ciclos de dez cortes por teste com repouso de 10 dias entre ciclos; b) vigor, avaliado pelo diâmetro e altura das plântulas; c) arquitetura da ramificação da copa, baseando-se no ângulo do ramo, tamanho e número de galhos; d) incidência de doenças das folhas, principalmente em viveiros localizados em regiões de alta umidade. Quando as plantas completam a idade de 30 meses, são decepadas a uma altura de 1,5m para produzir novas brotações. As hastes produzidas são utilizadas como material de multiplicação, que será observado na fase seguinte em experimentos de clones em pequena escala. Estabelecidos no campo, sob delineamento látice simples, látice retangular ou blocos ao acaso com testemunhas comuns com três repetições e oito plantas por parcela. Os novos clones (rametes), originários de ortetes selecionados dentro de progênies de meio-irmãos ou irmãos-germanos, são plantados em experimentos de competição. Após dois anos e meio de sangria os clones promissores são selecionados, considerandose as características: produção, precocidade, formato de esgalhamento e incidência de doenças e, se possível, qualidade do látex. Os clones que apresentarem boa produção e caracteres secundários aceitáveis são multiplicados e plantados em ensaios em grande escala. O objetivo dos ensaios em grande escala é obter informações sobre a performance dos clones sob diferentes condições ambientais antes de fazer qualquer recomendação para plantios comerciais. Os tratamentos que dele fazem parte são constituidos de clones promissores de outras instituições de pesquisa, juntamente com clones selecionados nos experimentos de avaliação de clones em pequena escala. São incluídos no experimento clones de performace conhecida como testemunha. Parcelas entre 40 e 60 plantas são recomendadas, dando-se preferência a sua instalação em áreas de produtores. As avaliações anuais da produção, vigor, tolerância ao vento e evolução de doenças e pragas, são feitas nesta última fase de maneira semelhante àquelas preconizadas para os experimentos em pequena escala. A etapa descrita abrange geralmente 12 a 15 anos, até que se possa recomendar um clone para plantio em grande escala. O trabalho de pesquisa, especialmente no melhoramento genético da espécie, desenvolvido pelo Instituto Agronômico de Campinas (IAC), disponibilizou, aos produtores do planalto paulista, um material genético produtivo, mais resistente a doenças e mais competitivo no mercado nacional e internacional. A conseqüência direta destas ações estão refletidas na condição privilegiada do Estado de São Paulo, em sua posição de maior produtor de borracha seca/hectare/ano do Brasil, bem como em seu status de detentor de clones que competem em igualdade de produção com os clones asiáticos. 6. A heveicultura e o desenvolvimento local Embora a introdução da cultura da seringueira no planalto paulista tenha sido fruto de uma política pública formulada e conduzida pala Secretaria do Estado de São INTERAÇÕES Revista Internacional de Desenvolvimento Local. Vol. 1, N. 2, Mar. 2001. Melhoramento e conservação genética aplicados ao Desenvolvimento Local – o caso da seringueira (Hevea sp) Paulo, com o objetivo de dispor de uma nova alternativa para os produtores paulistas (Pino et al., 2000), a comunidade rural influenciou no processo de implantação do programa, sugerindo a incorporação dessa espécie perene no contexto regional. Ávila, 2000 mostra que a perspectiva de desenvolvimento local começa na própria comunidade. Os pequenos e médios produtores, ou seja, a própria comunidade descobriu e desenvolveu suas capacidades, competências, habilidades de agenciamento e gestão das próprias condições visando a melhoria na qualidade de vida. No contexto acima referenciado, a própria comunidade assumiu o agenciamento do seu desenvolvimento e os agentes externos envolveram-se com o objetivo de que a comu- 57 nidade se tornasse capaz de iniciar o processo visando sua fixação e melhoria na qualidade de vida. As ações desencadeadas pelos agentes externos, com a participação efetiva das comunidades rurais, impulsionaram a heveicultura na região. Conforme levantamento censitário de Unidades de Produção Agrícola (UPAs) no Estado de São Paulo, realizado no período de 1995-96, a heveicultura ocupava 40,5 mil hectares, com 17 milhões de plantas, densidade média estimada em 442 plantas/ha, em 2453 UPAs, ocorrendo entre 5 e 500 ha por propriedade rural (Pino et al., 2000). Os indicadores contidos na Tabela 1 proporcionam uma visão mais ampla do contexto da heveicultura na região, mostrando o quadro sócio-econômico das comunidades envolvidas. Tabela 1: Indicadores relacionados à heveicultura no Estado de São Paulo, 1995-96 (Adaptado de Pino et al., 2000). Indicadores O produtor Faz parte de cooperativa de produtores Faz parte de associação de produtores Faz parte de sindicato de produtores Não utiliza assistência técnica Utiliza somente assist. téc. Governamental Utiliza somente assist. téc. Privada Utiliza as duas assistências técnicas Dispõe de comunicação telefônica Utiliza crédito rural Dispõe de energia elétrica residencial Dispõe de energia elétrica para atividade agrícola Faz análise de solo Faz calagem, quando necessário Faz adubação orgânica/verde, quando necessário Utiliza práticas de conservação do solo Utiliza mão-de-obra familiar É proprietário sem instrução ou com instrução incompleta É proprietário com antigo primário completo É proprietário com antigo 1º grau completo É proprietário com antigo 2º grau completo É proprietário com curso superior completo Observa-se, pelos indicadores da Tabela 1, o grau de conscientização e de utilização de recursos tecnológicos e administrativos, fator que acompanha o nível de instrução dos proprietários Nota-se, também, a participação dos produtores associados em cooperativas de produção agropecuária. É importante ressaltar que, na maior parte das UPAs com seringueira, utiliza-se mão-deobra familiar, em função do prolongamento UPAs Número % 1.517 61,84 791 32,25 1.098 44,76 398 16,23 810 33,02 444 18,10 801 32,65 663 27,03 616 25,11 2.221 90,54 1.586 64,66 1.769 72,12 1.851 75,46 1.14 46,51 1.911 77,90 1.742 71,02 266 10,84 687 28,01 202 8,23 356 14,51 942 38,40 Área da cultura Hectare % 30.243 74,65 17.631 43,52 22.595 55,77 4.604 11,37 8.900 21,97 10.182 25,13 16.825 41,53 20.570 50,78 13.130 32,41 38.538 95,13 28.700 70,84 34.603 85,41 35.040 86,49 22.339 55,14 36.101 89,11 3.205 7,91 5.141 12,69 2.939 7,26 5.810 14,34 23.415 57,80 do período de produção, que chega a 10 meses por ano. Esse é um fator relevante de agregação familiar, geração de empregos, fixação no campo e desenvolvimento local. Conforme dados obtidos por Pino et al. (2000), o cultivo da seringueira vem assumindo importância crescente na agricultura paulista, tendo em vista que cerca de 60% do consumo brasileiro de borracha natural é de matéria-prima importada. INTERAÇÕES Revista Internacional de Desenvolvimento Local. Vol. 1, N. 2, Mar. 2001. 58 Reginaldo Brito da Costa, Paulo de Souza Gonçalves, Adriana Odalia-Rímoli e Eduardo José de Arruda Considerações finais O estudo de caso da seringueira pode ser considerado um exemplo evidente da relação entre a pesquisa desenvolvida por agentes externos e a satisfação dos anseios das comunidades rurais, propiciando o desenvolvimento local. Essa relação ocorre a partir da descoberta das potencialidades e aspirações da comunidade, devidamente respaldados pelo conhecimento científico, resultando em ações concretas. Tais ações irão desencadear a melhoria na qualidade de vida das populações envolvidas. No entanto, é importante que a comunidade, a curto e médio prazo, torne-se autosuficiente para determinar e gerenciar os próximos passos no seu processo de desenvolvimento. Assim, a influência dos agentes externos irá diminuindo paulatinamente e a comunidade poderá estimular, pelo exemplo e pelas experiências e tecnologias locais, outras comunidades. Todavia, a participação do agente externo poderá ser novamente solicitada pela comunidade, caso ocorra uma nova situação que comprometa a atividade em questão. Referências bibliográficas ÁVILA, V. F. Pressupostos para a formação educacional em desenvolvimento Local. Interações. Revista Internacional de Desenvolvimento Local, v. 1, n. 1, p. 63-76, set. 2000. BATISTA, S. O complexo da Amazônia: análise do progresso de desenvolvimento. Rio de Janeiro, Conquista, 1976, 292 p. BERNARDES, M. S.; VEIGA, A. S.; FONSECA FILHO, H. Mercado brasileiro de borracha vegetal. In: Bernardes, M. S. (Ed.). Sangria da seringueira. Piracicaba, ESALQ / USP / FEALQ, 1990, p. 179-205. BRIOSCHI, A.P.; ORTOLANI, A.A.; MARTINEZ, A. A. Heveicultura no Estado de São Paulo: prioridades e ações necessárias. Campinas/SP, 1992, 9 p. (Relatório da Comissão Técnica de Seringueira). DEAN, W. A luta pela borracha no Brasil, em estudo de história ecológica. São Paulo, Nobel, 1989. 286 p. DIJKMAN, M. J. Hevea thirty years of research in far east. Florida University of Miami Press, 1951, 329 p. FURTADO, R. Mineirice à francesa: extrativismo. Globo rural, São Paulo, 7 (80): 28-35, 1992. GILBERT, N. E.; DODDS, K. S.; SUBRAMANIAN, S. Progress of breeding investigations with Hevea brasiliensis. V. Analysis of data from earlier crosses. Journal Rubber Research Institute of Malaysia, Kuala Lumpur, 23(5):365-380. 1973. GONÇALVES, P. de S.; MATOS, A. P.; MÜLLER, N. W.; VIEGA, I. de J. M. II Coleta de material nativo de alta produção em seringais do Estado do Acre e Território Federal de Rondônia. Belém, IPEAN, 1973, 24 p. (relatório). GONÇALVES, P. de S; CARDOSO, M.; COLOMBO, C. C.; ORTOLANI. A. A.; MARTINS, A. L. M.; SANTOS, I. C. I. Variabilidade genética da produção anual da da seringueira: estimativas de parâmetros genéticos e estudo de interação genótipo x ambiente. Bragantia, Campinas, 49(2):305-320, 1990. GONÇALVES, P. de S. Melhoramento genético da seringueira (Hevea spp). In: Simpósio sobre a cultura da seringueira no Estado de São Paulo. Piracicaba, 1986, Campinas, Fundação Cargil, cap. 5 p. 95-123, 1986. _____. Melhoramento genético da seringueira. Circular Técnica - IAC. Campinas, 1995, 42 p. HOLLIDAY, P. South American leaf blight (Microcyclus ulei) of Hevea brasiliensis. Kew, Commonwealth Mycological Institute, 1970. IMLE, E. P. Hevea Rubber - past and future. Economical Botanic, 32:264-77, 1978. NGA, B. H.; SUBRAMANIAN, S. Variation in Hevea brasiliensis. I. Yield and girth data of the 1937 hand pollinated seedlings. Journal Rubber Research Institute of Malaysia, Kuala Lumpur, 24(2):69-74, 1974. PINO, F. A.; FRANCISCO, V. L. F. dos S.; MARTIN, N. B.; CORTEZ, J. V. Perfil da heveicultura no estado de São Paulo, 1995-96. Informações Econômicas, v. 30, n. 8, ago. 2000. POLHAMUS, L. G. Botany of Hevea. In: POLHAMUS, L. G. Rubber, botany production and utilization. London, Leonard Hill, 1962, p. 63-90. REIS, A. C. F. O seringal e o seringueiro. Rio de Janeiro, Ministério da Agricultura, SIA, 1953, 194 p. SCHULTES, R. E. The odissey of the cultivated rubber tree. Endeavour, 1(7):33-8, 1977a. _____. Wild Hevea: an undapped source of germ plasm. Journal Rubber Research, Institute of Sri Lanka, 54(1):227-57, 1977b. SIMMONDS, N. W. Genetical bases of plant breeding. Journal Rubber Research Institute of Malaysia, 21(1):110, 1969. TAN, H.; SUBRAMANIAN, S. A five-parent diallel cross analysis for certain characters of young Hevea seedlings. In: International Rubber Conference, Kuala Lumpur, 1975. Proceedings, 2:13-16, 1976. TAN, H. Estimates of general combening ability in Hevea breeding at the Rubber Research Institute of Malaysia. I. Phases II and IIIa. Theoretical Applied Genetics, 51:29-34, 1977. _____. Assesment of parental performace for yield in Hevea breeding. Euphytica, 27:521-8, 1978a. _____. Estimates of parental combining abilities in rubber (Hevea brasiliensis) based on young seedlings progeny. Euphytica, 27:817-23, 1978b. INTERAÇÕES Revista Internacional de Desenvolvimento Local. Vol. 1, N. 2, Mar. 2001. Desenvolvimento Local em comunidades indígenas no Mato Grosso do Sul: a construção de alternativas Local Development in indigenous communities in South Mato Grosso: the construction of alternatives Desarrollo Local em comunidades indígenas em el Mato Grosso do Sul: la construcción de alternativas Antônio Brand Universidade Católica Dom Bosco Contato: [email protected] Resumo: Este artigo trata do impacto do processo histórico de confinamento sobre a economia dos índios Kaiowá/ Guarani, no Mato Grosso do Sul. Após destacar as características principais das economias tradicionais, apoiado na obra clássica de Sahlins (1977) e outros, analisa as razões do sistemático fracasso dos projetos de desenvolvimento econômico implantados, durante as últimas décadas, de fora para dentro. Conclui-se com a proposta de Unidades Experimentais de produção de alimentos e artesanato a serem constituídas a partir das escolas indígenas e voltadas à construção de alternativas de desenvolvimento. Palavras-chave: Povos Indígenas; Economias tradicionais; Desenvolvimento Local. Abstract: This article handles the impact of the historical process of confinement on the economy of the Kaiwá/ Guarani Indians of South Mato Grosso. After pointing out the main characteristics of the traditional economies, based on the classic work of Sahlins (1977) and others, analyses the reasons for the systematic failure of development projects installed from the outside throughout recent decades. The article concludes with a proposal of Experimental Units for the production of food and crafts to be constituted from within the indigenous schools and directed to the construction of development alternatives. Key words: Indigenous peoples; Traditional economies; Local Development. Resumen: El artículo trata del impacto del proceso histórico de confinamiento sobre la economía de los indios Kaiowá/Guarani, en el Mato Grosso do Sul. Después de destacar las características principales de las economías tradicionales, apoyado en la obra clásica de Sahlins (1977) y otros, analiza las razones de fracaso sistemático de los proyectos de desarrollo económico implantados durante las últimas décadas, de afuera para adentro. Se concluye con la propuesta de Unidades Experimentales de producción de alimentos y artesanía a ser constituidas a partir de las escuelas indígenas, en dirección a la construción de alternativas de desarrollo. Palabras claves: Poblaciones indígenas; Economías tradicionales; Desarrollo Local. 1. Os povos indígenas em Mato Grosso do Sul Mato Grosso do Sul é o estado brasileiro que possui a segunda maior população indígena no país, perfazendo um total de aproximadamente 50.000 pessoas. Cinco povos1 destacam-se hoje no cenário multicultural do estado: os Kaiowá/Guarani, os Terena, os Kadiwéu, os Guató e os Ofaiet. Os Kaiowá/Guarani e os Terena apresentam o maior contingente populacional com, respectivamente, 25 mil e 20 mil pessoas, e constituem, em termos quantitativos, duas das mais importantes populações indígenas do país. Os Guarani contemporâneos são, convencionalmente, divididos em três subgrupos: os Ñandéva/Chiripá, os Mbyá e os Kaiowá. No Mato Grosso do Sul, predomina a presença dos Kaiowá e, em menor número, dos Ñandéva/Chiripá, sendo estes últimos os únicos que se autodenominam “Guarani”. O que caracteriza a situação desses povos em nosso estado é o seu confinamento em áreas de terra insuficientes para a sua sobrevivência física e cultural. O processo histórico tem se caracterizado pela progressi- va perda territorial para as frentes de colonização que adentraram os territórios indígenas tradicionais. Esses povos vivem hoje em reservas de terra que, em sua maior parte, são demarcadas pelo Serviço de Proteção aos Índios (SPI). Todas são, porém, superpovoadas, considerando-se o modo específico de vida e as relações que tradicionalmente esses indígenas mantêm com a natureza. Os recursos naturais estão profundamente comprometidos, não oferecendo mais as mínimas condições para a sobrevivência dessas coletividades. Os indígenas são obrigados, então, a se assalariarem nas usinas de produção de álcool e açúcar. Por essa razão emerge, com força, a questão dos territórios, em seu aspecto de construção cultural, ou enquanto espaço de afirmação da identidade e da autonomia de culturas distintas. Desde a década de 1980, esses povos, em especial os Kaiowá/ Guarani, vêm desenvolvendo progressivo e sistemático movimento no sentido de recuperar parcelas cada vez mais expressivas de terras, consideradas, por eles, como territórios tradicionais e historicamente perdidos frente ao avanço do processo de colonização INTERAÇÕES Revista Internacional de Desenvolvimento Local. Vol. 1, N. 2, p. 59-68, Mar. 2001. 60 Antônio Brand no estado. Lutam, dessa forma, para quebrar o confinamento geográfico que lhes foi imposto e, assim, reviabilizar seus projetos culturais específicos. Como conseqüência de um processo histórico extremamente desfavorável, que acarretou perda de parte significativa dos territórios, assim como dos equívocos gerados por alternativas econômicas implantadas de fora para dentro, os povos indígenas vêem sua qualidade de vida deteriorandose gradativamente. Entre outros problemas, surgem o alcoolismo, a prostituição, a violência interna, os suicídios entre os Kaiowá/ Guarani2, e uma migração cada vez maior para as periferias das cidades, por parte da população Terena. É dentro deste contexto que se situam as discussões em torno da busca de alternativas de desenvolvimento que tenham em conta o conhecimento e a experiência histórica e cultural específica de cada um destes povos, com vistas à reconstrução de sua qualidade de vida. O desenvolvimento em escala humana, segundo Max-Neef, Elizalde e Hopenhayn (1986:14), concentra-se e sustenta-se “na satisfação das necessidades humanas fundamentais, na geração de níveis crescentes de autodependência e na articulação orgânica dos seres humanos com a natureza e a tecnologia, dos processos globais com os comportamentos locais, do pessoal com o social, do planejamento com a autonomia (...)”. Nessa perspectiva, o objeto de estudos passa, portanto, a ser a qualidade de vida das pessoas. Ora, qualidade de vida, em especial no caso dos povos indígenas, tem a ver com seus territórios, sua identidade cultural, seus valores e cosmovisão. Por isso, um projeto de desenvolvimento em escala humana remete, necessariamente, ao conhecimento e ao respeito à diversidade cultural. Todavia, não se deve tomar a noção de respeito à diversidade cultural no sentido considerado pelo capital globalizado, que busca transformar a diversidade em produto exótico, passível de venda no mercado: mas deve-se tomá-la como referencial básico para o protagonismo do local nos processos de desenvolvimento em escala humana. É a partir dos territórios que se efetiva o protagonismo “real” das pessoas, tendo em vista a necessária “autonomia” dos espaços (Max-Neef, Elizalde e Hopenhayn, 1986:14) e das comunidades, enquanto atores que constróem e semiotizam os espaços. Os territórios constituem-se nos espaços necessários para a afirmação da autonomia das comunidades indígenas. No entanto, essa autonomia passa também, e cada vez mais, pela busca de alternativas de desenvolvimento, apoiadas na sustentabilidade, na participação e na autogestão dessas comunidades. É, certamente, ilusório falar em noções como “respeito à diversidade cultural” e em “autonomia” num contexto de total dependência econômica e ausência de recursos para a sobrevivência, como é o caso dos povos indígenas que são o objeto do presente estudo. A reconquista da terra, embora elemento indispensável, não basta, atualmente, para garantir qualidade de vida aos povos indígenas no país. Ao formularmos a pergunta sobre o que determina a qualidade de vida de uma pessoa ou de um grupo culturalmente distinto, afirma-se a necessidade de uma proposta específica de desenvolvimento voltada para as comunidades indígenas. Tal proposta exige, além do estudo das necessidades verificadas em uma determinada comunidade, relacionando-os com os “bens e serviços” que possam satisfazê-las ou, ainda, entre necessidades/demandas e bens econômicos/recursos, mas impõe a compreensão da relação com “práticas sociais, formas de organização, modelos políticos e valores que repercutem sobre as formas em que se expressam as necessidades (...)” (MaxNeef, Elizalde e Hopenhayn, 1986:36). São relevantes as formas internas de organização de uma comunidade indígena, sua estrutura política, práticas sociais, valores, normas, espaços, sua cosmovisão. Nesse sentido, tratar da qualidade de vida de um povo indígena assume caráter de estudo de caso em um país multicultural e pluriétnico. Concepções culturalmente distintas de território, bem como as formas próprias de se relacionar com o mesmo, organizar e redistribuir a produção e a relação deste processo com as demais esferas da respectiva sociedade, são elementos decisivos na discussão sobre desenvolvimento em escala humana. INTERAÇÕES Revista Internacional de Desenvolvimento Local. Vol. 1, N. 2, Mar. 2001. Desenvolvimento L6ocal em comunidades indígenas no Mato Grosso do Sul: a construção de alternativas 2. Território e recursos naturais Recentes trabalhos realizados por pesquisadores junto a diversos povos indígenas demonstram o profundo conhecimento desses povos sobre os recursos naturais localizados em seus territórios e sobre a diversidade de formas possíveis de utilização de tais recursos. Os Kaiapó, no Pará, conhecedores de práticas agrícolas em regiões de cerrado, ao iniciar uma roça, introduzem grande número de espécies e variedades. Os pesquisadores registraram na aldeia Gorotire (Pará), em média, 50 espécies de plantas cultivadas por roça, incluindo 17 variedades de mandioca e macaxeira, assim como 33 variedades de batata doce, inhame e taioba. Robert Carneiro (1987:47) constata que os Kuikuro (Brasil Central) “adquiriram um conhecimento detalhado e preciso da floresta tropical”, não só no que se refere à identificação das espécies aí localizadas, mas também quanto ao uso das árvores e arbustos, cipós e ervas de seu habitat para a confecção de abrigos, artefatos, transporte, alimentação, medicação, perfume e cosméticos. Inúmeros outros exemplos atestando esse extraordinário conhecimento indígena dos recursos naturais e suas formas de exploração poderiam ser aqui citados. A ciência ocidental, tardiamente, vem se dando conta da profunda sabedoria acumulada por esses povos sobre o meio em que estão inseridos a milhares de anos. O desenvolvimento agrícola ocidental “pautou-se pela eliminação da complexidade, mediante a imposição de um número limitado e controlado de monoculturas específicas, altamente rentáveis” (Posey, 1987:21). Como conseqüência, comprometeu-se a diversidade e destruiu-se o meio ambiente natural. Parte significativa dos desafios que os povos indígenas enfrentam hoje, no Brasil, tem sua origem, exatamente, na imposição do modelo ocidental de desenvolvimento altamente concentrador, excludente e destruidor da natureza. A perda dos territórios e, acima de tudo, a destruição dos recursos naturais, mediante a imposição da monocultura, comprometeu as bases da economia indígena, apoiada na diversidade de alternativas, destruindo, progressivamente, 61 os seus sistemas de auto-sustentação e instaurando, dessa forma, um processo ininterrupto de empobrecimento. Tendo como referência a situação dos territórios e das riquezas naturais aí localizadas, restam aos povos indígenas, fundamentalmente, três alternativas, para suprir as necessidades básicas de subsistência. Nos casos em que os índios ainda são possuidores de recursos naturais, como madeira ou minério, tais recursos seguem sendo explorados, na maior parte dos casos, em detrimento do meio ambiente e dos próprios povos indígenas. É o que se verifica em Rondônia e outras regiões do Brasil, especialmente na Amazônia. São raros, ainda, os casos em que os próprios povos indígenas conseguem fugir das imposições da economia regional e realizar uma exploração auto-sustentável dos recursos naturais e em proveito de suas comunidades. Porém, em parte significativa das áreas indígenas, os recursos naturais já foram totalmente destruídos, restando apenas a terra, que é arrendada a terceiros. E esse arrendamento, embora proibido por lei, é “viabilizado” através do envolvimento de determinadas lideranças indígenas com os interesses econômicos regionais e/ou pela total falta de recursos técnicos e financeiros para explorar sua terra por conta própria, nas condições impostas pela economia regional (agricultura mecanizada). É o que se verifica nas áreas indígenas no Sul do Brasil e em algumas Reservas de Mato Grosso de Sul. Finalmente, há aqueles casos mais dramáticos de povos indígenas que perderam suas terras ou as viram demasiadamente reduzidas, fato que inviabiliza a sua exploração. Tal é o caso dos Kaiowá/Guarani que, a partir de 1978, começam a reivindicar o direito de permanecer nas antigas aldeias ou, então, o de retornar àquelas já perdidas, começando uma luta para interromper uma prática histórica, comum em toda a região. Pois, enquanto fossem necessários como mãode-obra nas fazendas, eles poderiam permanecer em suas aldeias tradicionais. Porém, concluído o desmatamento das propriedades, eram transferidos para oito reservas de terra, demarcadas pelo Governo Federal entre os anos de 1915 e 1928, em um INTERAÇÕES Revista Internacional de Desenvolvimento Local. Vol. 1, N. 2, Mar. 2001. Antônio Brand 62 espaço cada vez mais superpovoado. Após submeter-se a esse confinamento, o único bem que lhes restou para ser vendido no “mercado” regional é sua mão-de-obra. Assim, a alternativa é o assalariamento compulsório, como acontece na maior parte das comunidades indígenas em Mato Grosso do Sul. Além das perdas provocadas pela redução das extensões de terra ocupadas, a qualidade de vida dessas comunidades foi comprometida mais ainda por modelo de desenvolvimento agrícola transplantado das grandes propriedades rurais regionais. Esse modelo, centrado na monocultura e na mecanização, provocou a destruição dos recursos naturais, desarticulando as formas tradicionais de produção, sem conseguir gerar, no entanto, os alimentos necessários ao sustento das mesmas comunidades. Essa imposição de fora para dentro contribuiu para o aumento da fome e da desnutrição entre a população indígena local. 4. A economia dos povos indígenas Para avaliar o impacto do processo histórico de perda dos territórios e do conseqüente comprometimento dos recursos naturais e, ainda, os resultados provocados pelos projetos de desenvolvimento implantados de fora para dentro, é fundamental atentar para algumas características das economias tradicionais. As economias indígenas, ou economias tradicionais, são organizadas, especialmente, a partir do parentesco, relação que se constitui no elemento fundamental para compreender os processos internos de produção e redistribuição. Nessas economias, a geração de alimentos ocupa posição preponderante e a divisão sexual do trabalho perpassa todas as atividades. Ao contrário do que é verificado nas sociedades ocidentais, essas economias são voltadas para as necessidades macrofamiliares, e a produção é, tradicionalmente, dirigida para o consumo e para o exercício da reciprocidade e não para o mercado, fato que caracteriza uma economia antiexcedente. Nesse contexto, todos tinham acesso direto aos “produtos estratégicos” e, historicamente, ninguém podia ser privado de seus direitos. A redistribuição interna dos bens, considerado o exercício organizado de direitos e obrigações associado ao cacicado, incluía o patrocínio de cerimoniais, de pompas social e de guerra, de hospitalidade, do socorro a viúvas e órfãos (Sahlins, 1977). Não existia, portanto, no interior das comunidades indígenas, a possibilidade de se constituir uma categoria de Sem Terra. É, também, importante atentar que, nessas sociedades, é difícil separar e diferenciar as esferas sócio-religiosa e econômica. Todo intercâmbio, toda prática da reciprocidade, traz dentro de si o peso político da reconciliação, pois, para o indígena, o pior sempre será não poder ofertar presentes. E, nesse sentido, tal prática traz um “coeficiente de solidariedade” que faz com que ela nunca possa ser reduzida a seus termos materiais, excluindo o social. Se os amigos oferecem presentes, são os presentes que fazem os amigos, diz Sahlins (1977:204). Nessas sociedades, centradas nas relações de parentesco3, a economia, segundo Sahlins (1977:91), é muito mais “una función de la sociedad que una estructura”, porque a armação do processo econômico vem de grupos considerados “no económicos”, os grupos domésticos. Ou seja, as relações internas, em especial as relações de parentesco, “son las relaciones principales de la producción dentro de la sociedad” (1977:92). O mesmo caráter coletivo e democrático que é verificado no acesso aos recursos naturais, também afeta o aparato tecnológico, de confecção caseira e à disposição da maioria, manejado por grupos familiares e indivíduos. Em seu artigo Ecologia e cultura: algumas comparações, George C. L. Zarur (1987:277), constata que a cultura material dos grupos Jê, do Brasil Central, ocupantes de regiões de cerrado e em constantes deslocamentos, era composta por um “pequeno elenco de objetos portáteis”, em geral resistentes ao choque, cultura também marcada pela ausência de canoas e de cerâmica. Zarur (1987) cita, como exemplo, um inventário, realizado entre os Kraho, que demonstrou o fato de que aproximadamente 65% dos artefatos eram confeccionados com folhas de palmeira e, portanto, implicavam grande facilidade de fabrico. No entanto, o fato de as comunidades indígenas serem INTERAÇÕES Revista Internacional de Desenvolvimento Local. Vol. 1, N. 2, Mar. 2001. Desenvolvimento L6ocal em comunidades indígenas no Mato Grosso do Sul: a construção de alternativas usuárias de tecnologias consideradas rústicas pelo senso comum levou à formulação da convicção, também do senso comum, de que as economias indígenas eram capazes de prover apenas a sua subsistência. Marshall Sahlins, em sua clássica obra Economia de la edad de la piedra (1977), aborda essa polêmica questão. Até que ponto a economia dos povos caçadores e coletores era apenas de subsistência ou poderia ser caracterizada como economia de opulência? Para buscar uma resposta, o autor (1977:13) parte da constatação de que “una sociedad opulenta es aquella en la que se satisfacen con facilidad todas las necesidades materiales de sus componentes” e chega à conclusão de que há dois caminhos para se chegar à opulência: “o bien produciendo mucho, o bien deseando poco”. E aí reside outra distinção entre as economias tradicionais e a economia ocidental. Para as primeiras, as necessidades materiais do homem são finitas e escassas, e os recursos técnicos normalmente adequados para tais fins (Sahlins, 1977:14). E, nesse sentido, a escassez percebida pelo senso comum não seria uma propriedade intrínseca e conseqüência dos meios técnicos disponíveis, mas resultado da relação entre meios e fins. Ou seja, como o objetivo das economias indígenas não é produzir excedentes para o comércio ou para a estocagem, mas apenas o suficiente para o sustento macrofamiliar, baseado no exercício da reciprocidade e da generosidade, as tecnologias indígenas seriam perfeitamente adequadas aos fins esperados e buscados (1977:17). Ou seja, suas tecnologias, ao contrário das modernas tecnologias, seriam perfeitamente adequadas para gerar a produção esperada e necessária. Portanto, como a ideologia subjacente a uma sociedade apoiada em relações de reciprocidade não permite a emergência da acumulação de bens como um valor social, a produção de excedente é restrita às exigências da reciprocidade. Assim, observa Sahlins (1977:152), ao mesmo tempo em que “la ética de la generosidad del jefe legitima la desigualdad” porque, para poder ser generoso, é importante ter o que distribuir, de outra parte “el ideal de reciprocidad niega que esto produzca alguna diferencia”, porque impõe a constante redistribuição. 63 O dever da distribuição impede a acumulação e, por ser um dever, não exige manifestações de gratidão. A conexão entre hierarquia e reciprocidade se expressa, segundo Sahlins (1977:226), de acordo com a fórmula “ser noble es ser generoso” e, segundo, “ser generoso es ser noble”. Há, portanto, clara interdependência entre liderança e reciprocidade. Dessa forma, a acumulação de riquezas, para determinados povos, só era admitida na perspectiva de sua redistribuição (1977:233). Volker von Bremen (1987:19-20) sublinha o dever de compartilhar (repartir) em voga entre os índios caçadores e coletores do Chaco Paraguaio, sendo que essa distribuição se diferencia “según el grado de parentesco, la edad, el sexo y la distancia que separa a un pariente de outro”. Esse dever de repartir, segundo Regehr (1984:93), representa também o princípio da “maxima distribución posible” dos riscos, em uma sociedade dependente dos recursos disponíveis na natureza. Sabemos que um membro de um povo indígena trabalhava muito menos horas por dia do que um cidadão em nossa sociedade. Citando o exemplo dos Bosquímanos, Sahlins (1977:34-36) conclui que o trabalho de um homem na caça e na coleta possibilitava o sustento de mais quatro a cinco outras pessoas ou, mais exatamente, 65 de cada 100 pessoas trabalhavam aproximadamente 36% de seu tempo, chegando a dois dias e meio de trabalho por semana. Cabe lembrar aqui que Schmidl (1945) afirmou que, no momento da chegada dos Espanhóis à Bacia do Prata, com o objetivo de estabelecerem o seu primeiro contato com os Guarani, no sec. XVI, havia abundância e variedade de comida entre os indígenas. No entanto, é incontestável que, devido, especialmente, à perda de seus territórios e dos recursos naturais, as comunidades indígenas têm suas formas tradicionais de economia cada vez mais comprometidas e, por conseguinte, estão cada vez “mais próximas” e dependentes de nossas lógicas econômicas, em especial do mercado, que vai entrando em busca dos restos de recursos naturais e, na ausência destes, da mão-deobra indígena. O roubo histórico desses recursos não permitiu a geração de outras INTERAÇÕES Revista Internacional de Desenvolvimento Local. Vol. 1, N. 2, Mar. 2001. Antônio Brand 64 alternativas capazes de suprir as necessidades básicas desses povos, nem a produção de outros bens, provocando, em muitos casos, a crescente degradação da qualidade de vida, tendo como indicador o crescimento da fome em parte significativa das aldeias indígenas nos dias de hoje. 5. O fracasso dos projetos de desenvolvimento Há surpreendente consenso entre os economistas e pesquisadores sobre os sucessivos fracassos de projetos de desenvolvimento, centrados exclusivamente em critérios de crescimento econômico e avanço tecnológico. Torna-se cada vez mais difícil ignorar uma série de indicadores negativos que são resultantes desses projetos. Um darwinismo social, cada vez mais descontrolado, tem provocado crescente desigualdade social em todos os países, além de comprometer os recursos naturais. Caem por terra os mitos de que o crescimento econômico, a modernização e as inovações tecnológicas possam superar os desequilíbrios sócio-ambientais (Elizalde, 1992). O mesmo fracasso verificase nos assim denominados “projetos de desenvolvimento”, implantados em sociedades tradicionais, em especial nas comunidades indígenas, mesmo naquelas já com maior tempo de inserção na economia regional. Diversos fatores podem ser elencados como responsáveis por esses fracassos, porém todos têm em comum o fato de desconsiderar ou desconhecer as características próprias e distintas das economias indígenas e de suas relações com o território. Já foram amplamente analisados os impactos das iniciativas de mecanização das lavouras nas áreas indígenas, em especial no Sul, Sudeste e Centro-Oeste do país, durante as décadas de 1970 e 80. Seus resultados foram desastrosos e resultaram num comprometimento ainda maior dos recursos naturais no interior das comunidades indígenas. Estimularam, em muitas delas, uma crescente concentração fundiária, além de acentuar as relações de paternalismo ainda hoje de difícil superação. Silva (1982:76), em seu estudo intitulado Os Kaiowá e a Ideologia dos Projetos Econômicos, ao analisar os projetos comuni- tários implantados entre os Kaiowá de Panambi, município de Douradina, Mato Grosso do Sul, conclui que esses projetos foram “uma reprodução do sistema econômico regional, ligeiramente adaptados à realidade tribal quanto à forma em que o trabalho é executado”, aproveitando o que a FUNAI acreditava serem princípios da organização do grupo tribal, o chamado “comunitarismo”. Embora trouxessem a preocupação fundamental de romper o círculo vicioso do trabalho assalariado fora das áreas indígenas e a integração dos indígenas à sociedade nacional, esses projetos de desenvolvimento acabavam reproduzindo, contraditoriamente, as mesmas relações de dependência que procuravam superar. Foram simples transferência para o interior das áreas indígenas de práticas da agricultura convencional, apoiadas no amplo uso da mecanização e de insumos químicos. Os resultados têm sido desastrosos, provocando crescente degradação das condições de vida e aumento da dependência do assalariamento externo à aldeia. Estavam, tais projetos, apoiados apenas na constatação certamente correta do comprometimento das economias indígenas e de sua crescente inviabilização. Porém, os povos indígenas seguiam e seguem orientando-se a partir de suas lógicas específicas. Uma longa e ininterrupta história de inserção colonial e de profundas alterações nas condições externas às comunidades indígenas não eliminaram, mas apenas transformaram seus mecanismos de conduta próprios4. Cabe destacar que essa longa história colonial, centrada na disputa pelos territórios indígenas e na exploração dos recursos aí existentes, provocou um claro descompasso entre as bases concretas da economia das sociedades tradicionais, rápida e profundamente alteradas durante as últimas décadas, e o modo de pensar desses povos. O ritmo das transformações do mundo dos valores e da cosmovisão não tem sido o mesmo das transformações impostas pela nossa sociedade ao território e ao entorno. Esse descompasso tende a crescer, haja vista a complexa questão do ritmo das mudanças, cada vez mais rápidas, que marcam a sociedade globalizada. Encontram-se indicativos desse INTERAÇÕES Revista Internacional de Desenvolvimento Local. Vol. 1, N. 2, Mar. 2001. Desenvolvimento L6ocal em comunidades indígenas no Mato Grosso do Sul: a construção de alternativas descompasso em praticamente todos os relatórios técnicos avaliativos de processos de construção de alternativas econômicas em comunidades indígenas. Para Bremen (1987:16), há uma tendência dos agentes promotores de projetos de desenvolvimento, de considerar as comunidades indígenas como inseridas na mesma problemática da sociedade envolvente, considerando apenas os indicativos de ordem econômica. Pelo fato de utilizarem algumas de nossas tecnologias, essas sociedades passam a ser consideradas integradas em nossa lógica capitalista5. No entanto, os sistemáticos fracassos na implementação de projetos de desenvolvimento não têm levado os agentes promotores à necessária revisão crítica de suas propostas e à percepção de que cada povo tem esquemas específicos que orientam a redistribuição dos bens econômicos e que esses esquemas são sustentados por valores/ lógicas que os lubrificam e mantém. Tem sido, certamente, mais fácil, segundo Bremen (1987:66), culpar os próprios indígenas pelos seus fracassos, afirmando serem “incapaces de cumplir con lo previsto para ellos durante la planificación del proiecto”, ou que eles se mostraram mais incapazes do que o suposto. O planejamento e a análise dos projetos restringem-se a fatores tais como condições ecológicas, infra-estrutura e mercados, aspectos relevantes para o desenvolvimento segundo a concepção ocidental. Segundo Bremen (1987:50-51), a criação de uma base econômico-produtiva própria, como principal objetivo dos projetos de desenvolvimento, já indicaria não se tratar de iniciativa indígena. Questionando a alegada participação dos indígenas na elaboração desses projetos, o autor constata que os argumentos indígenas coincidem, em muitos casos, com os dos promotores. Ao investigar as razões dessa aparente concordância, Bremen ressalta uma outra dimensão não considerada por diversas iniciativas de desenvolvimento junto a povos indígenas. Os povos indígenas, embora fortemente submetidos no decorrer da história colonial e inseridos em contextos regionais onde se constituem em minorias, nunca deixaram de definir suas estratégias próprias a partir da análise que fazem de 65 suas possibilidades em cada momento histórico. Nesse sentido, os projetos de desenvolvimento, embora alheios às suas expectativas, têm seus objetivos reinterpretados a partir de critérios próprios e tradicionais. A concordância formal com os seus pressupostos constitui-se, sob esse aspecto, numa estratégia ou num esforço de subordinar os aportes externos às suas necessidades e estratégias internas. Conseguem, dessa forma e em muitos casos, seguir como sujeitos de seu processo interno6. Certamente muitos projetos fracassam, ainda, por não terem, suficientemente, em conta as condições da economia regional. Esse é um dado de difícil compreensão para muitos povos indígenas e não é fácil chegar a uma certa ou até necessária adequação entre as exigências do mercado regional e as características/condições próprias das comunidades indígenas. Por isso Regehr (1984:90) afirma que o “germen del fracaso se suele introducir en todos los projectos por la equivocación de ambas partes...” 6. Unidades experimentais de produção de alimentos e artesanato para a população Kaiowá/Guarani - a busca de alternativas de desenvolvimento a partir das escolas7 Com o desmatamento sistemático da região em que se localizam os Kaiowá/ Guarani, no Mato Grosso do Sul, dezenas de aldeias tradicionais foram ocupadas por fazendeiros e a população indígena foi aleatoriamente concentrada nas Reservas de terra demercadas, para esse fim, pelo Governo Federal. Esse processo de redução e confinamento compulsório8 prosseguiu inexorável, ao arrepio de toda legislação já existente em favor dos direitos indígenas à terra, até o final da década de 1970. Como conseqüência da superpopulação, o ecossistema no interior das Reservas Indígenas está completamente alterado, conforme já anteriormente descrito. A Reserva de Caarapó, onde se pretende construir as primeiras Unidades experimentais de produção de alimentos e artesanato, é uma das grandes Reservas Indígenas, com extensão de 3.600 hectares e uma população hoje estimada em 2.500 pessoas, num total de 500 famílias. Os objetivos das Unidades experimen- INTERAÇÕES Revista Internacional de Desenvolvimento Local. Vol. 1, N. 2, Mar. 2001. 66 Antônio Brand tais de produção de alimentos e artesanato são viabilizar no interior das áreas indígenas e diretamente articulado com as escolas da comunidade, espaços experimentais onde os alunos possam, com acompanhamento técnico qualificado, pesquisar e desenvolver alternativas de produção e beneficiamento de alimentos e artesanato, a partir de tecnologias alternativas, sem o uso de agrotóxicos e apoiados em seu conhecimento e experiência histórica específica. Pretende-se obter não apenas melhorias na alimentação consumida pela comunidade, mas também construir alternativas de geração de renda e sustentabilidade. Como objetivos específicos destacamse a criação de espaços experimentais para a pesquisa e a implementação da produção, com a participação direta de alunos e estagiários indígenas, privilegiando tecnologias alternativas, incluindo a reprodução de sementes nativas; a discussão e a implementação de técnicas agrícolas mais próximas do universo cultural indígena; o treinamento de alunos e estagiários indígenas, visando à transferência de tecnologias para a produção e beneficiamento de alimentos às demais áreas indígenas; a geração de renda mediante a comercialização da produção excedente, criando uma alternativa ao assalariamento existente; o incentivo à criação de pequenos animais para a composição da dieta alimentar da comunidade, servindo como fonte de proteínas. As Unidades Experimentais pretendem, ainda, constituir-se em áreas de demonstração, onde os integrantes da comunidade indígena possam visualizar possibilidades alternativas de produção de alimentos, numa parceria do conhecimento tradicional indígena e o conhecimento técnico ocidental. Por isso será estimulada a circulação e a participação nas atividades em andamento não só de alunos, mas também de índios adultos. O desafio fundamental que perpassa as iniciativas de desenvolvimento em comunidades indígenas é a articulação de racionalidades diversas. Sob o argumento de que o entorno é outro, considera-se, facilmente, como imprestável o conhecimento tradicional e próprio desses povos. No entanto, soluções para os impasses que os povos indígenas enfrentam só poderão ser encontradas através de uma busca conjunta, ou através do diálogo entre os dois conhecimentos. Essa busca conjunta ou diálogo deve abranger todos os momentos e passos, desde o diagnóstico até a concretização da iniciativa, lembrando sempre, no entanto, que cabe a eles, aos indígenas, a palavra decisiva, haja vista sua condição de profundos conhecedores dos recursos naturais regionais. Esta será, inclusive, uma exigência para a afirmação do protagonismo indígena, condição necessária para um desenvolvimento em escala humana. Por isso, segundo Bremen (1987:96), mais importante do que os objetivos de um programa de desenvolvimento é o próprio caminho que se segue para a sua implementação, acentuando-se novamente, aqui, a importância do protagonismo indígena frente à parafernália tecnológica ocidental. O diálogo ou a parceria na construção de novas alternativas voltadas para a recomposição da qualidade de vida dos povos indígenas tem como pré-requisitos indispensáveis, da parte dos técnicos externos, um conhecimento cada vez mais aprofundado da economia dos povos com os quais trabalham e de sua lógica interna e, da parte das comunidades indígenas, conhecimentos básicos sobre o funcionamento da economia no entorno regional, das suas possibilidades e limitações. Por isso, a discussão em torno da construção de alternativas de desenvolvimento, solidamente assentadas no protagonismo indígena, implica em estudos sobre a experiência histórica já acumulada por eles, sobre as mudanças verificadas através dos longos anos de contato com a nossa sociedade, sobre as experiências novas pelas quais passaram, fracassadas ou bem logradas, assim como sobre a leitura e interpretação que a comunidade indígena faz dessas experiências. Constitui-se investigação relevante detectar até onde eventuais aspectos novos foram incorporados pelos índios, ou foram reinterpretados, e em que sentido? Qualquer experiência nova virá, necessariamente, instruída pelo olhar da tradição, ou seja, pelo olhar da cultura própria de cada povo. No entanto, como nenhuma cultura é estática, estudar as INTERAÇÕES Revista Internacional de Desenvolvimento Local. Vol. 1, N. 2, Mar. 2001. Desenvolvimento L6ocal em comunidades indígenas no Mato Grosso do Sul: a construção de alternativas culturas indígenas não significa rebuscar os arquivos para saber como eram quando os europeus aqui chegaram. Esse estudo pode, certamente, contribuir para uma melhor compreensão da situação atual. São, porém, relevantes os processos de mudança cultural em curso, as transformações resultantes do impacto com o entorno e a visão de mundo que norteia estes povos no limiar do novo milênio. Medologicamente, a proposta de Unidades Experimentais está apoiada em dois eixos complementares: a pesquisa e a intervenção, de caráter interdisciplinar e interinstitucional. Avanços qualitativos em programas de desenvolvimento local e, portanto, centrados na qualidade de vida, são mensuráveis pelo engajamento, participação e protagonismo das próprias comunidades indígenas. Por essa razão, todas as atividades de tais programas devem privilegiar mecanismos de participação articulada da comunidade indígena envolvida. Notas 1 O conceito de povo é utilizado pelo direito comparado, em especial pela Convenção 169, da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e também pela nova LDB. 2 Entre os anos de 1980 a 1999, foi constatado um total de 384 casos de suicídio entre os Kaiowá/Guarani, na região da Grande Dourados, em Mato Grosso do Sul (Brand, 2000). 3 Sahlins (1977:93) alerta que, embora normalmente “grupo doméstico” seja equivalente a “familiar”, isso nem sempre acontece, pois nem sempre as atividades econômicas estão restritas ao grupo doméstico. Há atividades que exigem a cooperação mais ampla. No entanto, isso não “instituye una estructura de producción sui generis y con finalidades proprias”, mas constitui, segundo ao autor (1977:94), “un hecho de naturaleza técnica”, sem comprometer a autonomia e predomínio dos objetivos domésticos da economia. 4 A abundância e a variedade de alternativas oferecidas pela natureza não exigiam, dos povos caçadores e coletores, armazenamento ou planejamento. Por isso, as constantes observações sobre sua “falta de previsão” e despreocupação com o amanhã (Bremen, 1987:44), atitudes calcadas na absoluta confiança de que “enquanto há abundância hoje, não há porque se preocupar com o amanhã”. Frente a tais condições, por que armazenar? Para povos caçadores e coletores, a questão fundamental não é produzir, mas apropriarse dos bens que já existem. 5 Nessa mesma linha e a título de exemplo, há a questão da dimensão comunitária das iniciativas econômicas. Parte-se do princípio de que os povos indígenas, por terem sido ou ainda serem sociedades igualitárias e por conhecer, talvez superficialmente, alguns 67 esquemas de acesso e redistribuição dos bens entre um ou outro povo indígena, todos os projetos de desenvolvimento caracterizavam-se pelo seu coletivo, segundo nossas concepções. 6 Nesse sentido, os órgãos oficiais e as ONGs constituemse hoje em “un nuevo y amplio medio ambiente” para a coleta de bens destinados à satisfação das necessidades básicas desses povos coletores (Bremen, 1987:89). 7 A proposta Unidades Experimentais foi elaborada em conjunto com Katya Vietta, assessora antropológica do Programa Kaiowá/Guarani, e contou com a contribuição dos integrantes do sub-programa Recuperação Ambiental e Produção de Alimentos 8 Entende-se por confinamento compulsório a transferência sistemática e forçada das diversas aldeias tradicionais Kaiowá/Guarani para as oito Reservas demarcadas pelo governo entre 1915 e 1928. Cerca de cem aldeias tradicionais foram perdidas pelos Kaiowá/ Guarani no decorrer desse processo (Brand, 1997). Bibliografia ANDERSON, Anthony; POSEY, Darrel. Reflorestamento indígena. In: Ciência Hoje, vol. 6, n. 31, p. 4451, mai. 1987. AZCONA, Jesus. Antropologia II - a cultura. Trad. Lúcia Mathilde Endlich Orth. Petrópolis, Vozes, 1993. BRAND, Antonio. O impacto da perda da terra sobre a tradição kaiowá/guarani: os difíceis caminhos da Palavra. Porto Alegre, 1997. Tese (Doutorado) – PUC/RS. _____. O confinamento e o seu impacto sobre os Pãi/Kaiowá. Dissertação (Mestrado). Porto Alegre, PUC/RS, 1993. _____. Quando chegou esses que são nossos contrários – A ocupação espacial e o processo de confinamento dos Kaiowá/Guarani no Mato Grosso do Sul. In: Multitemas, Campo Grande, UCDB, n. 12, p. 21-51, nov. 1998. _____. Autonomia e globalização, temas fundamentais no debate sobre educação escolar indígena no contexto do Mercosul. In: Série-Estudos, periódico do Mestrado em Educação da UCDB, n. 7, p. 7-20, abr. 1999. _____. Novo aumento no número de suicídios entre os Kaiowá/ Guarani no Mato Grosso do Sul, 14 de março de 2000, 2 p. (datilografado). BREMEN, Volker von. Fuentes de caza y recolección modernas – Projectos de ayuda al desarrollo destinados a los indígenas del Gran Chaco. Trad. Carlos Fernández-Molina. Stuttgart, 1987, 102 p. (datilografado). CARNEIRO, Robert. Uso do solo e classificação da floresta (Kuikúro). In: Suma etnológica brasileira. BERTA, Ribeiro (org.). 2. ed. Petrópolis, Vozes/ FINEP, 1987, p. 47-56. V. 1. ELIZALDE, Antonio. Desarrollo y sustentabilidad: límites y potencialidades. In: Documentación Social, n. 89, 1992. _____. Desarrollo a Escala Humana: conceptos y experiencias. In: Interações, v. 1, p. 51-62, set. 2000. MAX-NEEF, Manfred; ELIZALDE, Antonio; HOPENHAYN, Martin. Desarollo a escala humana. Una opción para el futuro. In: Development Dialogue, INTERAÇÕES Revista Internacional de Desenvolvimento Local. Vol. 1, N. 2, Mar. 2001. 68 Antônio Brand número especial CEPAUR, Uppsala, Suécia, 1986. OLIVEIRA FILHO, João Pacheco. Um etnologia dos “índios misturados”: situação colonial, territorialização e fluxos culturais. In Oliveira Filho (org.). A viagem de volta. Rio de Janeiro : Contra Capa, 1999, p. 11-40. POUTIGNAT, Philippe; STREIFF-FENART, Jocelyne. Teorias da Etnicidade. Trad. Elcio Fernandes. São Paulo, Unesp, 1998. POSEY, Darrel. Introdução etnobiologia: teoria e prática. In: BERTA, Ribeiro (org.). Suma etnológica brasileira. 2. ed. Petrópolis : Vozes/FINEP, 1987, p. 15-25. V. 1. REGEHR, Walter. Teorias del desarrollo y autogestión indígena. In: Revista del Centro de Estudios Antropológicos, Universidade Católica de Assunção, v. XIX, n. 1, p. 89-95, jun. 1984. (Suplemento antropológico). RIBEIRO, Berta (coord). Etnobiologia. In: Suma etnológica brasileira. 2. ed. Petrópolis : Vozes, 1987. 1 v. SAHLINS, Marshall. Economia de la edad de piedra. Trad. ao castelhano de Emilio Muniz e Ema Rosa Fondevila. Madrid, Akal editor, 1977. SCHMIDL, Ulrico. Viaje al rio de la Plata. Buenos Aires, Emece, 1945. SEMPRINI, Andrea. Multiculturalismo. Trad. Laureano Pelegrini. Bauru, EDUSC, 1999. SILVA, Joana Fernandes. Os Kaiowá e a ideologia dos projetos econômicos. Campinas/SP, 1982. Dissertação (Mestrado) – UNICAMP. ZARUR, George Cerqueira Leite. Ecologia e cultura: algumas comparações. In: Suma etnológica brasileira. BERTA, Ribeiro (org.). 2. ed. Petrópolis, Vozes/ FINEP, 1987, p. 273-280. V. 1. VIETTA, Katya. Não tem quem orienta, a pessoa sozinha é que nem uma folha que vai com o vento: análise sobre alguns impasses presentes entre os Kaiowá/Guarani. In: Multitemas, n. 12, p. 52-73, nov. 1998. _____. Programa Kaiowá/Guarani: algumas reflexões sobre antropologia prática indigenista. In: Multitemas, UCDB, n. 4, p. 68-85, out. 1997. INTERAÇÕES Revista Internacional de Desenvolvimento Local. Vol. 1, N. 2, Mar. 2001. INTER AÇÕES Revista Internacional de Desenvolvimento Local Critérios para publicação Art. 1 - Interações, Revista Internacional do Programa de Desenvolvimento Local da Universidade Católica Dom Bosco, destina-se à publicação de matérias que, pelo seu conteúdo, possam contribuir para a formação de pesquisadores e para o desenvolvimento científico, além de permitir a constante atualização de conhecimentos na área específica do Desenvolvimento Local. Art. 2 - A periodicidade da Revista será, inicialmente, semestral, podendo alterar-se de acordo com as necessidades e exigências do Programa; o calendário de publicação da Revista, bem como a data de fechamento de cada edição, serão, igualmente, definidos por essas necessidades. Art. 3 - A publicação dos trabalhos deverá passar pela supervisão de um Conselho de Redação composto por cinco professores do Programa de Desenvolvimento Local da UCDB, escolhidos pelos seus pares. Art. 4 - Ao Conselho Editorial Internacional caberá a avaliação de trabalhos para publicação. Parágrafo 1º - Os membros do Conselho Editorial Internacional serão indicados pelo corpo de professores do Programa de Mestrado em Desenvolvimento Local, com exercício válido para o prazo de dois anos, entre autoridades com reconhecida produção científica em âmbito nacional e internacional; Parágrafo 2º - A publicação de artigos é condicionada a parecer positivo, devidamente circunstanciado, exarado por membro do Conselho Editorial Internacional; Parágrafo 3º - O Conselho Editorial Internacional, se necessário, submeterá os artigos a consultores externos, para apreciação e parecer, em decorrência de especificidades das áreas de conhecimento; Parágrafo 4º - O Conselho Editorial Internacional poderá propor ao Conselho de Redação a adequação dos procedimentos de apresentação dos trabalhos, segundo as especificidades de cada área. Art. 5 - A Revista publicará trabalhos da seguinte natureza: I - Artigos originais, de revisão ou de atualização, que envolvam, sob forma de estudos conclusivos, abordagens teóricas ou práticas referentes à pesquisa em Desenvolvimento Local, e que apresentem contribuição relevante à temática em questão; II - Traduções de textos fundamentais, isto, é daqueles textos clássicos não disponíveis em língua portuguesa ou espanhola, que constituam fundamentos da área específica da Revista e que, por essa razão, contribuam para dar sustentação e densidade à reflexão acadêmica, com a devida autorização do autor do texto original; III - Entrevistas com autoridades reconhecidas na área do Desenvolvimento Local, que vêm apresentando trabalhos inéditos, de relevância nacional e internacional, com o propósito de manter o caráter de atualidade do Periódico; IV - Resenhas de obras inéditas e relevantes que possam manter a comunidade acadêmica informada sobre o avanço das reflexões na área do Desenvolvimento Local; Art. 6 - A entrega dos originais para a Revista deverá obedecer aos seguintes critérios: I - Os artigos deverão conter obrigatoriamente: a) título em português ou espanhol; b) nome do(s) autor(es), identificando-se em rodapé dados relativos à produção do artigo, ao(s) seu(s) autor(es) e respectivas instituições, bem como a auxílios institucionais e endereços eletrônicos; c) resumo em português ou espanhol (máximo de 6 linhas, ou 400 caracteres) e abstract fiel ao resumo, acompanhados, respectivamente, de palavras-chave e keywords, ambos em número de 3, para efeito de indexação do periódico; d) texto com as devidas remissões bibliográficas no corpo do próprio texto; e) notas finais, eliminando-se os recursos das notas de rodapé; f) referências bibliográficas. II - Os trabalhos devem ser encaminhados dentro da seguinte formatação: a) uma cópia em disquete no padrão Microsoft Word 6.0; b) três cópias impressas, sendo uma delas sem identificação de autoria e outra acompanhada de autorização para publicação devidamente assinada pelo autor; c) a extensão do texto deverá se situar entre 10 e 18 páginas redigidas em espaço duplo; d) caso o artigo traga gráficos, tabelas ou fotografias, o número de toques deverá ser reduzido em função do espaço ocupado por aqueles; e) a fonte utilizada deve ser a Times New Roman, tamanho 12; f) os caracteres itálicos serão reservados exclusivamente a títulos de publicações e a palavras em idioma distinto daquele usado no texto, eliminando-se, igualmente, o recurso a caracteres sublinhados, em negrito, ou em caixa alta; todavia, os subtítulos do artigo virão em negrito; g) as citações virão entre aspas, em fonte normal (não itálica). III - Todos os trabalhos devem ser elaborados em português ou espanhol, e encaminhados em três vias, com texto rigorosamente corrigido e revisado; IV - Eventuais ilustrações e tabelas com respectivas legendas devem ser contrastadas e apresentadas separadamente, com indicação, no texto, do lugar onde serão inseridas. Todo material fotográfico será, preferencialmente, em preto e branco; V - As referências bibliográficas e remissões deverão ser elaboradas de acordo com as normas de referência da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT)-6023; VI - Os limites estabelecidos para os diversos trabalhos somente poderão ser excedidos em casos realmente excepcionais, por sugestão do Conselho Editorial Internacional e a critério do Conselho de Redação; Art. 7 - Não serão aceitos textos fora das normas estabelecidas, com exceção dos casos previstos no artigo arterior, e os textos recusados serão devolvidos para os autores acompanhados de justificativa, no prazo máximo de três meses. Art. 8 - Ao autor de trabalho aprovado e publicado serão fornecidos, gratuitamente, dois exemplares do número correspondente da Revista. Art. 9 - Uma vez publicados os trabalhos, a Revista reserva-se todos os direitos autorais, inclusive os de tradução, permitindo, entretanto, a sua posterior reprodução como transcrição, e com a devida citação da fonte. Para fins de apresentação do artigo, considerem-se os seguintes exemplos (as aspas delimitando os exemplos foram intencionalmente suprimidas): a) Remissão bibliográfica após citações: In extenso: O pesquisador afirma: “a sub-espécie Callithrix argentata, após várias tentativas de aproximação, revelouse avessa ao contato com o ser humano” (Soares, 1998:35). Paráfrase: como afirma Soares (1998), a sub-espécie Callithrix argentata tem se mostrado “avessa ao contato com o ser humano”... b) Referências bibliográficas: JACOBY, Russell. Os últimos intelectuais: a cultura americana na era da academia. Trad. Magda Lopes. São Paulo, Trajetória/Edusp, 1990. SANTOS, Milton. A natureza do espaço: técnica e tempo, razão e emoção. São Paulo, Hucitec, 1996. ____. A redefinição do lugar. In: ENCONTRO NACIONAL DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE PÓSGRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA, 1995, Aracaju. Anais... Recife, Associação Nacional de PósGraduação em Geografia, 1996, p. 45-67. ____. O espaço do cidadão. São Paulo, Nobel, 1987. SOJA, Edward. Geografias pós-modernas: a reafirmação do espaço na teoria social crítica. Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1993. SOUZA, Marcelo L. Algumas notas sobre a importância do espaço para o desenvolvimento social. In: Revista Território (3), p. 14-35, 1997. WIENER, Norbert. Cibernética e sociedade: o uso humano de seres humanos. 9. ed. São Paulo, Cultrix, 1993. c) Emprego de caracteres em tipo itálico: os programas de pós-graduação stricto sensu da universidade em questão...; a sub-espécie Callithrix argentata tem se mostrado... Endereço para correspondência, assinaturas e permutas: Universidade Católica Dom Bosco Programa de Desenvolvimento Local Av. Tamandaré, 6000 - Jardim Seminário Caixa Postal 100 CEP 79117-800 Campo Grande-MS Fone: (0**67) 312-3800 e-mail: [email protected]