A Absorção de Tecnologias Gerenciais na Administração Pública:
o caso dos Tribunais de Contas
Autoria: Sandro Trescastro Bergue
Resumo
Este artigo aborda, em caráter exploratório, o fenômeno da incorporação de conceitos e
tecnologias gerenciais nos 34 Tribunais de Contas existentes no país, nas diferentes esferas de
governo. O tratamento teórico dispensado ao tema apóia-se no novo institucionalismo, em
particular nas suas formas mimética e coercitiva, além dos conceitos de redução sociológica e
de antropofagia organizacional. O estudo, de conteúdo teórico-empírico, revela a significativa
presença do planejamento estratégico, da gestão pela qualidade e das certificações do tipo
ISO, assimilados por mimetismo. Mais evidenciadas nos Tribunais de Contas, entretanto, são
as tecnologias gerenciais desenvolvidas endogenamente, diretamente referenciadas aos
conceitos e valores que informam o modelo da administração pública gerencial, entre os quais
a eficiência organizacional, a capacitação, a transparência, a participação e o controle social;
tensões estas, que se mostram mais coerentes com a forma coercitiva de isomorfismo.
Reconhecendo-se a potencial contribuição das tecnologias de gestão para a transformação da
administração pública, sustenta-se que esse processo de apropriação tecnológica requer um
esforço de reflexão e assimilação crítica de conceitos essenciais a fim de que alcance sua
efetividade.
Introdução
O presente estudo aborda em caráter exploratório o fenômeno da absorção, pelos
Tribunais de Contas, de conceitos que informam as tecnologias de gestão concebidas
originariamente no setor privado e os valores da assim denominada administração pública
gerencial (Bresser Pereira, 1999), variante local do modelo da nova administração pública
(Ferlie et. al., 1999). Nessa perspectiva, entende-se que este processo de apropriação
conceitual e tecnológica está intensamente relacionado com as noções de produção de
conhecimento gerencial próprio – endógeno às organizações públicas – e de mimetismo
organizacional mais estrito inspirado nas práticas administrativas legitimadas no campo da
administração pública.
O objetivo central deste estudo é conhecer a extensão e os contornos do isomorfismo
de fundo mimético e coercitivo em relação à incorporação de tecnologias de gestão exógenas
a essas organizações no processo de institucionalização dos Tribunais de Contas no contexto
da administração pública gerencial. A natureza do fenômeno investigado sugere um aporte
teórico centrado no institucionalismo (DiMaggio e Powell, 2005; Carvalho e Vieira, 2002;
Machado-da-Silva e Gonçalves, 1999; Meyer e Rowan, 1992; DiMaggio e Powell, 1991).
Inserta no contexto da nova administração pública (Ferlie et. al. 1999) ou da administração
pública gerencial (Bresser Pereira e Spink, 1999; Paula, 2005a), sem desconsiderar o debate
sobre os contornos desse movimento reformador, o tratamento do tema afeto à importação de
tecnologias administrativas no âmbito das organizações encontra em Caldas e Wood Jr.
(1999) relevante suporte, notadamente a partir do conceito de antropofagia organizacional,
que emerge no contexto de distanciamento entre substância e imagem, fenômeno este por
vezes resultante de processos de apropriação tecnológica tal como o ora em estudo. Outra
contribuição neste campo pode também ser encontrada no conceito de hibridismo estrutural
explorado por Wood Jr. (2002). Como aporte conceitual, ainda, propõe-se a abordagem do
fenômeno também a partir da idéia de redução sociológica como elemento teórico capaz de
contribuir para as reflexões em torno do tema (Guerreiro Ramos, 1996). Referido conceito,
como se demonstra, permite uma aproximação com o de adaptação criativa (antropofagia
organizacional), cujas raízes alcançam a proposição original de Andrade (1928 apud Caldas e
Wood Jr. 1999) no contexto do movimento modernista brasileiro.
Quanto à realidade gerencial do setor público – com especial destaque para os
organismos da administração direta, onde se incluem os Tribunais de Contas – as práticas de
transposição de conceitos de gestão exógenos por vezes parecem seguir, em linhas gerais, os
padrões e desacertos observados nos estudos realizados em empresas quanto à eficácia da
implementação de tecnologias como a gestão pela qualidade e as certificações do tipo ISO,
por exemplo (Swiss, 1992; Rago, 1994; Wood Jr e Urdan, 2002; e Costa, 2006). Essa
percepção permite sugerir a necessidade de um olhar mais atento sobre esse campo
organizacional específico, particularmente a partir dos dois “mitos” relacionados à
administração pública gerencial referidos por Paula (2005a) – o da transição para a
organização pós-burocrática e o da eficiência dos modismos gerenciais.
Seguem-se a essa seção introdutória, breves considerações sobre os Tribunais de
Contas no contexto da administração pública gerencial. A segunda seção encarrega-se do
fenômeno da transferência de tecnologias gerencias no processo de isomorfismo,
principalmente sob as formas mimética e coercitiva. Sobrevem a apresentação e articulação dos
conceitos de redução sociológica (Guerreiro Ramos, 1996) e de antropofagia organizacional
(Wood Jr. e Caldas, 1999), relacionando-os com a noção geral de apropriação de modelos
gerenciais exógenos ao setor público. A seção seguinte contempla a análise dos dados da
pesquisa obtidos sobre a percepção dos conceitos de estratégia, qualidade, conhecimento,
participação e transparência manifestada pelos Tribunais de Contas. Encerrando, considerações
finais sobre o tema e a proposição de questões para estudos teóricos e empíricos correlatos e de
maior fôlego.
1. Os Tribunais de Contas e a administração pública gerencial: organizações em
transformação
1.1 A administração pública gerencial
Um dos marcos teóricos possíveis para dar início ao desafio de contextualizar o
complexo estágio atual em que se encontra a administração pública brasileira é o do assim
denominado new public management (Ferlie et al., 1999) e suas variantes locais – entre as
quais a administração pública gerencial. Sem qualquer pretensão de delimitar fronteiras
conceituais, senão a de estabelecer um marco conceitual inicial de referência para as
finalidades específicas deste estudo, esse modelo de gestão pública emergente, em limitada
síntese, é definido por Paula (2005a) como um movimento orientado para a inserção da lógica
empresarial na administração pública pela via da adaptação e transferência de conhecimentos
gerenciais desenvolvidos no contexto da administração privada para o setor público. Referida
autora, que assume uma posição mais crítica em relação ao movimento reformador em curso,
afirma, em essência, que a despeito de exaltar um discurso pautado pela democracia e
participação, é questionável o caráter inovador da administração pública gerencial haja vista
que o “modelo tende a imitar as idéias e práticas da gestão empresarial, desviando-se da
elaboração de alternativas administrativas adequadas para o setor público” (Paula, 2005a,
p. 23). Nessa perspectiva, uma das linhas da construção argumentativa da autora propõe a
existência de dois mitos sustentados pela nova administração pública, quais sejam, o da
transição da organização burocrática para a pós-burocrática e o da eficiência dos modismos
gerenciais. A noção de transição para uma estrutura pós-burocrática é amplamente abordada
por Bresser Pereira (1999), perspectiva de apreensão do fenômeno esta que remete o debate à
declarada oposição entre os modelos burocrático e gerencial de administração pública (Paula,
2005b; Bresser Pereira, 2005). Essa abordagem, assinale-se, concentra-se mais na
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compreensão da construção weberiana em torno da burocracia como estrutura em detrimento
de uma perspectiva com ênfase na burocracia exclusivamente como tipo de dominação
(Martins, 2006). Nessa perspectiva, desvios organizacionais em relação aos parâmetros
tomados de um modelo ideal ensejariam a incidência em disfunções – ineficiências do sistema
– fenômenos estes que passam a constituir objeto de preocupação dos gestores públicos e
mote para a introdução dos modelos gerenciais. Esta leitura do fenômeno, segundo Paula
(2005), contribui para legitimar a crença na conversão das estruturas burocráticas em pósburocráticas, pois àquelas estariam associadas características organizacionais não mais
desejadas. Em oposição, afirma a autora, que a “a organização pós-moderna é uma nova
expressão da burocracia, pois trata-se de uma adaptação do antigo modelo organizacional
ao novo contexto histórico” (Paula, 2005, p. 95). É importante assinalar, todavia, que ambas
as leituras são capazes de oferecer suas contribuições para a compreensão do fenômeno,
revelando-se menos importantes os pontos de incompatibilidade, e impondo-se destacar o fato
de que a administração pública no Brasil, mostra-se como uma combinação dos traços que
compõem a tipologia de paradigmas proposta por Bresser Pereira (1999). De fato, a
administração pública, observadas as especificidades de cada esfera de governo, converge
para um formato híbrido, que se pode definir como estruturas ainda bastante frágeis do ponto
de vista burocrático, que convivem com o predomínio de padrões culturais marcados por
profundos traços patrimonialistas, e intensamente compelidas a orientarem-se para a adoção
de um perfil dito gerencial – assim entendido como um comportamento de gestão marcado
pela ênfase no alcance de resultados. Trata-se, então, de um processo de transformação
evolutiva que resultará em um formato estrutural que se pode entender coerente com o que
Paula (2005) denomina de uma “burocracia flexível”.
A noção de adaptação estrutural a que se refere Paula (2005) pode ser considerada
coerente com a afirmação de Weber (2000) acerca daquilo que fundamentalmente caracteriza
a racionalidade da organização burocrática – a dominação em virtude do conhecimento. No
caso brasileiro, notadamente na esfera federal, a ênfase na formação de um corpo funcional
capaz de levar a efeito a reforma gerencial bem representa essa vertente de dominação. Mas
se de um lado essa ênfase no conhecimento constitui atributo de reforço das organizações
como burocracias, ou burocracias flexíveis, de outro evidenciam uma fragilidade da
administração pública quando confrontada com a realidade, dando ensejo àquilo que Paula
(2005) assinalou como o segundo mito da administração pública gerencial – a eficiência dos
modismos gerenciais. De fato, é possível observar casos em que os modelos ou tecnologias
gerenciais importados convivem como corpos estranhos no sistema de gestão de organizações
públicas, contrastando mesmo com a potencial capacidade de produção de conhecimento
gerencial que atenda às especificidades do setor público. Uma das possíveis vertentes de
explicação desse fenômeno reside no fato de que o conhecimento mais valorizado na
organização burocrática é aquele que orbita o domínio das normas, circunscrevendo a
atividade criativa aos limites do comportamento orientado para o alcance dos objetivos, ao
passo que a competência necessária para a transposição efetiva de conceitos – a capacidade de
reflexão sobre os pressupostos que informas as práticas – é substancialmente diverso em sua
essência, e não raras vezes está ausente no processo. Com isso reforça-se a necessidade de
conhecer o processo de apropriação de tecnologias gerenciais exógenas à administração
pública, articulado com a produção de conhecimento gerencial próprio, explicitando os
fatores que determinam a absorção direta ou minimamente adaptada, e desprovida de crítica
acerca da aderência dos elementos de essência que sustentam as formulações que se
pretendem apreender.
1.2 O controle da administração pública e os Tribunais de Contas
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No Brasil, em larga medida devido à sua formação histórica, vigora o sistema de
Tribunais de Contas, diferentemente do sistema de Controladorias, bastante peculiar aos
países de origem anglo-saxônica (Citadini, 1995). No caso brasileiro, os Tribunais de Contas
são órgãos independentes que, por expressa disposição constitucional, apóiam o Poder
Legislativo no exercício do controle externo da administração pública (art. 71 da Constituição
Federal). As diretrizes gerais de sua organização estão definidas também em sede
constitucional (arts. 73 e 75 da Constituição Federal).1 Com suas atribuições e prerrogativas
fixadas pela Constituição Federal de 1988, e fortemente valorizada pela Lei Complementar nº
101/2000 – a Lei de Resposabilidade Fiscal – estes órgãos técnicos de suporte à ação de
controle externo experimentam uma condição única de existência e projeção no âmbito da
administração pública, fenômeno que, em linhas gerais, não se limita ao caso brasileiro
(Dromi, 2005).
A ampla rede de relações que se estabelecem em torno destas organizações de
controle facilita a formação de ambientes peculiares de interdependência, de cooperação e de
subordinação entre organizações. Não obstante isso, e coerente com a perspectiva
institucional, os Tribunais de Contas buscam legitimação no seu campo, que não se restringe
à administração pública em sentido estrito, mas alcança a sociedade; não se limita à sua esfera
direta de jurisdição (ente da federação), mas se estende aos seus congêneres em outros níveis
federados. Entre os esforços de orientação legitimadora emergentes nesse segmento de
controle podem ser referidos esforços de modernização que operam em duas dimensões: a
dimensão gerencial em sentido estrito (atividade meio); e o fortalecimento de sua presença
segundo uma perspectiva de atuação junto aos demais atores do campo, com especial ênfase
no deslocamento de uma ação, ou função, de caráter mais acentuadamente punitivo para uma
postura voltada para a orientação com o fim de prevenir desvios administrativos – a ação
pedagógica. Dentre as mais destacadas formas mediante as quais essa “função pedagógica”
se efetiva está a atuação das escolas de gestão – art. 39, § 2º, da Constituição Federal, com
redação dada pela Emenda Constitucional nº 19/1998 (Mileski, 2003). Isso sem prejuízo às
demais funções historicamente associadas aos Tribunais de Contas: função consultiva,
informadora ou opinativa; função contenciosa ou jurisdicional; função fiscalizadora; função
sancionadora ou punitiva (Guerra, 2005).
2. Tecnologias gerenciais exógenas: isomorfismo e institucionalização dos TC’s
No contexto da administração pública gerencial crescem os esforços de busca de
alternativas de legitimação institucional mediante a apropriação de tecnologias de gestão em
voga na esfera privada. Segundo Meyer e Rowan (1992, p. 22), a institucionalização “envolve
os processos pelos quais os processos sociais, obrigações, ou realidade vêm a tomar um
status de norma no pensamento e na ação social”. A partir desse momento, então, a
organização passa a ser compreendida como tomadora de elementos simbólicos produzidos
no campo institucional. O ambiente, neste novo contexto teórico, desloca a noção de
territorialidade e orienta-se para o campo, espaço onde os valores são compartilhados “e
penetram as organizações independentemente de avaliações morais ou racionais” (Goulart et
al, 2005). O ambiente institucional é constituído de dois conjuntos de elementos principais:
elementos técnicos e elementos simbólico-normativos (Goulart et al, 2005). Note-se que a
vertente institucionalista não somente contribui com a ampliação da compreensão acerca do
que sejam os componentes do ambiente, como desloca o eixo de referência da análise
organizacional, em termos de importância, dos aspectos técnicos (eficiência e eficácia
organizacional) para os de natureza simbólica – valores, mitos, símbolos, etc. (Carvalho e
Vieira, 2002). Nesses termos, a teoria institucional enfatiza a orientação da organização para
seu ambiente em busca daquilo que é considerado o sustentáculo central dessa vertente, a
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legitimidade perante os demais componentes do campo organizacional. Essa legitimidade,
todavia, assenta-se predominantemente em elementos de natureza simbólica, que definem um
padrão de comportamento, em detrimento de parâmetros de eficiência técnica da organização
(Goulart et al, 2005). A obtenção da legitimidade simbólica garante, assim, o status de
instituição a uma organização.
2.1 Campo organizacional e o processo de institucionalização
Um dos conceitos centrais no quadro de referência da teoria institucional é o de
campo institucional, no âmbito do qual se dá o processo de legitimação da organização. Este
espaço caracteriza-se, conforme DiMaggio e Powell (2005, p. 76), como uma unidade
formada pelo conjunto de organizações que “constituem uma área reconhecida da vida
institucional”, cujo valor reside no direcionamento da análise para a “totalidade dos atores
relevantes”.
No contexto de emergência da administração pública gerencial, as transformações
pelas quais passam as organizações como decorrência da incorporação de novas tecnologias
de gestão precisam ser compreendidas sob a perspectiva de processo (Tolbert e Zucker, 1999;
Machado-da-Silva e Gonçalves, 1999); como um movimento de transformação organizacional
em sucessivos estágios orientados para a aquisição do status de instituição. De forma geral,
pode-se afirmar que o processo de institucionalização de uma organização mantém relação
direta com o nível de desenvolvimento do campo organizacional a que pertence. Este campo
desenvolve-se segundo dois estágios principais, quais sejam: um primeiro, em que a
diversidade é dominante, corresponde ao período em que se processa a estruturação do
campo; e um segundo, definido pelo momento em que as organizações assumem uma
tendência à homogeneização em termos de estrutura e processos (DiMaggio e Powell, 2005).
2.2 Simbolismo e legitimação das organizações: o isomorfismo mimético
Se o que está na essência do processo de institucionalização é a identificação e
incorporação de elementos simbólicos produzidos no campo organizacional, é a partir disso
que se processa a legitimação da organização, fenômeno que conduz a uma aceitação e
correspondente identidade da organização frente ao seu ambiente de inserção. Nessas
condições, passa a encontrar, nesse espaço qualificado, o reconhecimento necessário à sua
manutenção (sobrevivência). Alcançada essa condição, tanto a aquisição de determinado
formato estrutural, adoção de atitude ou forma de procedimento, quanto os correspondentes
padrões gerenciais e parâmetros de aferição de desempenho da organização passam a ser
definidos pelo ambiente institucional. Há, nesses termos, a formação de um espaço ampliado
de interação social, que extrapola em muito os limites da organização, contexto no interior do
qual essas estruturas passam a encontrar uma condição de relativo conforto.
Conforme Meyer e Rowan (1992, p. 31), “a incorporação de elementos
institucionalizados protege a organização de ter sua conduta questionada. A organização se
torna, em uma palavra, legítima, e utiliza sua legitimidade para reforçar seu apoio e proteger
sua sobrevivência”. Ressalta-se que não apenas de requisitos técnicos orientados para a
atuação eficiente e eficaz sobrevive a organização, mas, adicionalmente, de “elementos
simbólicos e normativos, legitimadores de estruturas e práticas organizacionais.” (Goulart et
al., 2005, p. 38). Em suma, a organização se legitima frente ao ambiente pela identificação e
incorporação de elementos nele institucionalizados. Não são atributos de eficiência,
necessariamente, mas elementos de substância simbólico-normativa.
DiMaggio e Powell (2005), identificam três mecanismos indutores da mudança
isomórfica, quais sejam: o coercitivo, o mimético e o normativo. O isomorfismo coercitivo
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opera a partir de pressões formais ou informais exercidas por outras organizações das quais
depende a organização. No caso de organizações públicas, o componente formal tem na lei
em sentido amplo sua expressão formal; e nas ações e relações políticas o componente
informal. Uma das mais explícitas e basilares fontes de legitimidade e de coerção de uma
organização pública reside no princípio da legalidade, que vincula ao ordenamento legal as
competências e prerrogativas de agir conferidas aos agentes públicos. Há, ainda, as pressões
de ordem normativa para a aquisição de configurações semelhantes. Estas decorrem,
fundamentelmente, das tensões advindas de membros e organismos de representação de
determinadas profissões. A atuação de categorias profissionais pode determinar a adoção de
formatos de estrutura e processos desenhados de forma a atender exigências de exercício
profissinal específico, impostas por pessoas ou órgãos de classe. Por fim, o isomorfismo de
origem mimética, ou seja, aquele se caracteriza pela cópia de padrões via a adoção de
modelos reconhecidos como adequados e mesmo necessários. Segundo DiMaggio e Powell
(2005, p. 79), as “organizações tendem a tomar como modelo em seu campo outras
organizações que elas percebam ser mais legítimas ou bem sucedidas”. Buscam esse
elemento e o incorporam como atitude de reforço de sua legitimidade no campo.
Têm sido observados esforços miméticos promovidos por organizações públicas
orientados para a absorção e utilização de tecnologias gerencias oriundas do setor empresarial
como estratégia de legitimação perante o campo e a sociedade em última instância. Essa
prática, é importande destacar, reflete-se tanto na utilização de tecnologias gerenciais quanto
na incorporação superficial de terminologias específicas ao discurso gerencial. É importante
assinalar, todavia, que estes processos, quando levados a efeito com a exclusiva preocupação
de reproduzir prática legitimada no campo, podem ensejar a geração de custos substancias
não somente de implementação, mas de manutenção de modelos e práticas que não aderem à
realidade e ao contexto específicos.
Em essência, para Meyer e Rowan (1992, p. 30), o “isomorfismo institucional
promove o sucesso e a sobrevivência da organização”; sendo que em ambientes altamente
institucionalizados a sobrevivência da organização não depende de sua eficiência produtiva,
mas simbólica. Esse isomorfismo, como já se referiu, decorre da incorporação de elementos
institucionalizados do ambiente. A institucionalização desses elementos, por sua vez,
processa-se a partir da formação dos denominados mitos institucionais racionalizados
identificados por Meyer e Rowan (1992). Esta categoria de mitos é assim definida porque
especificam a via de consecução de um propósito, ou seja, fixam os procedimentos
necessários ao alcance dos objetivos organizacionais, definindo o como agir da organização.
Conforme afirmam Carvalho e Vieira (2002), são os mitos institucionalizados que criam e
sustentam as diversas formas organizacionais. Meyer e Rowan (1992), destacam que
funcionam como mitos muitos elementos da estrutura formal da organizações, tais como as
profissões, as funções da organização, as linguagens e as tecnologias gerenciais. A adoção de
tecnologias gerenciais exógenas na administração pública, impactando em sua dinâmica
estrutural e de funcionamento, opera, por vezes, como um estímulo revigorante para a
organização.
3. A apropriação de tecnologias gerenciais pelo setor público: limites e possibilidades
A importação e absorção de conceitos e de tecnologias de gestão concebidas
originariamente não somente para empresas privadas, mas em centros dinâmicos de produção
de conhecimento cuja realidade contrasta em muito com a do País tem sido atitude recorrente
na história recente da administração pública brasileira. Assim, contíguas às transformações de
ordem estrutural mais profundas operadas no contexto da administração pública gerencial,
assiste-se a este crescente fenômeno de incorporação tecnológica cujos benefícios ainda não
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podem ser percebidos com a necessária clareza, fato que pode sugerir uma reflexão mais
profunda não somente acerca da efetiva pertinência dessas transformações e especialmente
dos moldes em que vêm sendo conduzidas, mas dos resultados delas advindos.
Paula (2005, p. 90-91) faz uma revisão da literatura acerca dos assim denominados
“modismos” gerenciais nos Estados Unidos, Europa e Brasil, entre os quais refere tecnologias
como a excelência, a gestão pela qualidade total, o empowerment, a reengenharia, e o
downsizing; e destaca que o “descompasso entre as expectativas e os resultados, bem como as
ineficiências geradas abriram espaço para a crítica das panacéias gerenciais em voga nos
anos 1980 e 1990”. Em que pese a amplitude do citado resgate e apanhado teórico, é
relevante assinalar que os estudos referidos concentram-se essencialmente na demonstração
das limitações dos resultados da incorporação dessas tecnologias, não adentrando ao processo
mediante o qual é realizada essa assimilação. Também pendente de demonstração nas
revisões de produção intelectual levadas a efeito, está uma outra dimensão do fenômeno de
importação de tecnologias gerenciais, qual seja, a esfera do setor público. A despeito disso, a
autora afirma que ao absorver por imitação as práticas gerenciais do setor privado, “a nova
administração pública posterga a elaboração de idéias, modelos e práticas gerenciais que
atendam às especificidades do setor público” (Paula, 2005, p. 101).
Ao enfrentar, ainda no âmbito das empresas, o mesmo fenômeno de apropriação
tecnológica, tratando da distância entre substância e imagem, Caldas e Wood Jr. (1999)
assinalam que o mimetismo pouco crítico em relação às práticas gerenciais exógenas não se
dá incolumemente. Essa adaptação não é intencional, mas uma decorrência da “textura
sociocultural local que inviabiliza o simples mimetismo” (Caldas e Wood Jr., 1999, p. 38).
Diante disso, impõe-se perceber que a subordinação aos elementos do modelo gerencial da
nova administração pública destituída de reflexão crítica acerca de sua essência tende a
ensejar uma absorção limitada de seus aspectos de superfície, com destaque para a reprodução
mimética de modismos gerenciais, inviabilizando uma efetiva apropriação das potenciais
contribuições que as propostas encerram.
3.1 Antropofagia organizacional: a adaptação criativa
No que se refere à importação de tecnologias gerenciais no Brasil, Caldas e Wood Jr.
(1999, p. 30) assinalam os contrastes entre imagem e substância, resultante do processo de
importação tecnológica, que admite três respostas organizacionais possíveis: a adoção desta
tecnologia “para inglês ver”, a negação, ou a adaptação criativa. O fenômeno de aquisição
tecnológica, que não pode ser compreendido senão de forma contextualizada no processo
histórico de formação da sociedade brasileira, explicita um comportamento determinado por
diferentes traços da cultura nacional: o personalismo, a ambigüidade (de onde deriva o
jeitinho brasileiro), a distância do poder, a plasticidade, e o formalismo (Caldas e Wood Jr.,
1999, p. 33).
Dentre estes traços destacam-se as noções de plasticidade (contexto no qual emerge
o conceito de antropofagia) e de formalismo. A plasticidade diz respeito à permeabilidade do
brasileiro ao estrangeiro. Conforme Caldas e Wood Jr. (1999) uma reação à apropriação
excessiva e destituída de significado de elementos da cultura estrangeira foi o movimento
literário modernista denominado antropofagismo, datado do início do século XX e conduzido
por uma vanguarda cultural comprometida não somente com a modernidade e o
cosmopolitismo, mas com o resgate das raízes indígenas da nação.
A antropofagia como praticada entre indígenas era um ritual de guerra no
qual os vencedores alimentavam-se dos vencidos. Para que isso acontecesse,
era preciso que o vencido fosse um guerreiro corajoso, à altura do seu
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contendor. Comê-lo era um ato de respeito e permitia sugar sua coragem e
energia. O antropofagismo literário, por sua vez defendia a apropriação sem
pudores de idéias e conceitos estrangeiros, mas conferia-lhes um novo
significado, alterado pelas cores e valores locais. (Caldas e Wood Jr., 1999,
p. 35)
Ao estudar os processos de adoção de tecnologias gerenciais por empresas, Wood Jr.
e Caldas (1999) destacam a adaptação criativa como o mais saudável, não obstante seja o
menos freqüente, dentre os comportamentos reativos típicos. Assinalam, os autores, como
pressuposto da adaptação criativa que,
se é verdade que a tecnologia gerencial importada de centros desenvolvidos
por países emergentes pode não ser diretamente adequada ou aplicável,
também é fato que em boa parte dessas referências há conhecimento útil e
importante. (...). O problema é que, em estado puro, boa parte dessa
tecnologia não é apropriada às especificidades locais. (...). O principal
motivo para essa inadequação é que os pressupostos básicos de muitos
desses modelos estrangeiros simplesmente não são reproduzíveis ou
transferíveis a contextos distintos do original (Wood Jr. e Caldas, 1999, p.
59).
Como resposta, Wood Jr. e Caldas (1999) sugerem o que denominam de
antropofagia organizacional. Segundo os autores a antropofagia organizacional
É uma prática despreconceituosa e consciente de garantir a adoção
apropriada – ou seja, adequada às especificidades locais – de tecnologia
administrativa estrangeira que carregue conhecimentos úteis a países
emergentes. Nesse tipo de prática, a organização não adota cegamente,
tampouco nega indiscriminadamente, modelos vindos de fora. La relê e
reinterpreta essa tecnologia, procurando entender seus pressupostos
fundamentais. Ela desconstrói com base em suas próprias especificidades
locais. E, por fim, ela reconstrói criativamente, “devorando” a essência de
seu valor e atendende de forma apropriada a seus propósitos singulares e a
sua realidade local (Wood Jr. e Caldas, 1999, p. 59-60).
Este sentido dado à antropofagia sugere de fato algo que parece estar ausente na
transposição de conceitos gerenciais, especialmente nos processos cuja diversidade não se
limita aos padrões culturais nacionais, mas à distinção marcante entre setores como é o caso
da administração pública. Cumpre referir, por relevante, que a noção de antropofagia
organizacional está bastante relacionada com o conceito de redução sociológica proposto por
Guerreiro Ramos (1996).
3.2 O imperativo da redução sociológica na administração pública
O esforço de apreensão crítica de conceitos recebeu no campo das ciências sociais
substancial impulso com a contribuição de Guerreiro Ramos (1996), culminando com o
processo que denominou de redução sociológica.
Em seu sentido mais genérico, redução consiste na eliminação de tudo aquilo
que, pelo seu caráter acessório e secundário, perturba o esforço de
compreensão e a obtenção do essencial de um dado. (...)
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No domínio restrito da sociologia, a redução é uma atitude metódica que tem
por fim descobrir os pressupostos referenciais, de natureza histórica, dos
objetos e fatos da realidade social. (Guerreiro Ramos, 1996, p. 71)
Pode-se inferir que a redução sociológica requer a busca da essência de um conceito,
assim entendida como o seu conteúdo nuclear. O exercício da redução no campo particular
das ciências sociais, portanto, implica a apreensão crítica de conceitos com vistas ao
desenvolvimento de um determinado corpo teórico e, por conseguinte, orientado para a
ampliação de seu poder interpretativo e explicativo da realidade.
É maneira de ver que obedece a regras e se esforça por depurar os objetos de
elementos que dificultem a percepção exaustiva e radical de seu significado
(Guerreiro Ramos, 1996, p. 72).
Dentre os atributos definidores do que se entende por redução sociológica a noção de
atitude metódica exige o devido destaque. Neste particular se salienta a noção de depuração,
compreendida como o esforço de interpretar um conceito produzido em um outro contexto, e
dele extrair a essência, destituindo-o de forma criteriosa dos elementos que o identificam com
seu contexto de origem. Estes elementos periféricos, é importante pontuar, são, de fato, o que
inviabilizam a apropriação e utilização do conceito essencial em outra realidade. Tal processo
de redução, conforme propõe Guerreiro Ramos (1996), deve ser radical, ou seja, alcançar as
raízes de seu significado. É de se notar que também Guerreiro Ramos (1996), alinhado com a
perspectiva de Wood Jr. e Caldas (1999), não advoga a oposição de obstáculos à absorção do
conhecimento produzido no exterior, senão a necessária submissão desta produção ao crivo da
realidade e necessidades que particularizam o local. Registre-se desde já que a extensão da
definição de exógeno deve ser relativizada, operando-se sua compreensão sempre em relação
ao contexto de aplicação. Para Guerreiro Ramos (1996, p. 73) a redução sociológica não
significa o isolacionismo, tampouco a “exaltação romântica do local, regional ou nacional.”
Não pretende opor-se à prática de transplantações, mas quer submetê-las a
apurados critérios de seletividade. (Guerreiro Ramos, 1996, p. 73)
Coerente com essa percepção acerca das potenciais contribuições da produção
gerencial endógena com inspiração na produção estrangeira, Paula (2005, p. 19) afirma:
Primeiro, vale mencionar que em nenhum momento pretendi afirmar que
devemos evitar a transferência de idéias e ferramentas utilizadas na
administração de empresas para o domínio da gestão pública. O que quiz
deixar claro é que é preciso considerar o contexto no qual estas foram
elaboradas e os problemas que causaram nas próprias organizações
empresariais.
Com isso, pode-se sustentar ser não somente válida, mas desejável a permeabilidade
tanto das ‘fronteiras’ que ainda demarcam os campos de conhecimento, quanto dos diversos
espaços, realidades e culturas em que os conhecimentos de modo geral são produzidos, desde
que levada a efeito a redução sociológica. É importante notar que a ausência desse esforço
redutor em busca da essência conceitual tem importado em substanciais impactos nas
organizações públicas, com sensíveis reflexos sobre a sociedade não só no horizonte
imediato, mas especialmente no longo prazo. Mesmo não sendo raras as ações
governamentais que, na esteira da administração pública gerencial, têm resultado na adoção
de medidas normativas e programas de gestão sustentados no desempenho experimentado em
9
seus ambientes e contextos de origem, parece razoável a necessidade de tornarem-se mais
perceptíveis os esforços de envolvimento efetivo – engajamento – dos governos, gestores e
demais agentes, orientados para a captura do essencial e a supressão do que é acessório nos
conceitos que informam as práticas de governo estrangeiras (reitera-se: exteriores não
somente às fronteiras nacionais, mas às fronteiras do campo, ou mesmo do setor).
A idéia de fundo, portanto, parece residir na capacidade de refletir sobre os
pressupostos subjacentes aos conceitos ao servir-se de experiências e conhecimento
produzido em outras realidades. Um dos conceitos que se propõe seja submetido a uma
esforço de redução sociológica para sua adoção na administração pública é o de eficiência,
seguindo-se os demais que sobre este são erigidos – notadamente aqueles que informam
práticas gerenciais exógenas. É importante atentar para os reflexos que se pode observar
como decorrência da introdução de um conceito, ou norma fora de contexto nas conseqüentes
divergências entre a conduta formal (prescrita) e a conduta real, pois nesse fenômeno pode-se
encontrar uma vertente de explicação tanto para a franca propagação dos discursos e
modismos gerenciais denunciados por Caldas e Wood Jr. (1999) quanto para a exposição de
suas limitações.
4. Estratégia, qualidade, capacitação, participação e transparência: conceitos e modelos
gerenciais percebidos nos Tribunais de Contas
4.1 Aspectos metodológicos da pesquisa
O objetivo da pesquisa foi conhecer a extensão e contornos do fenômeno referente à
incorporação de tecnologias de gestão de inspiração empresarial pelos Tribunais de Contas,
relacionando-o com os processos de isomorfismo, especialmente nas suas formas mimética e
coercitiva, no contexto de institucionalização destes organismos de controle. O levantamento
dos dados buscou, em cada Tribunal, referências expressas (evidências de utilização) em
relação a cada uma das seguintes variáveis identificadas com tecnologias ou conceitos
gerenciais: planejamento estratégico; gestão pela qualidade; certificação ISO; capacitação
(escolas de gestão); transparência e participação (oferta de serviços via internet, tais como
sistemas de ouvidorias, denúncias e expedição de certidões de regularidade), e eficiência
(sistemas de apoio ao exercício do controle), estas últimas fortemente calcadas no intensivo
uso de tecnologias de informação e comunicação – TIC, e identificadas a partir das estruturas,
instrumentos ou processos ora destacados. São consideradas evidências de utilização das
correspondentes tecnologias gerenciais a verificação de referências expressas em relação às
terminologias ou tecnologias relacionadas com os modelos ou conceitos antes citados.
Trata-se de um estudo exploratório que alcançou todos os 34 Tribunais de Contas
existentes no Brasil: os 26 Tribunais de Contas dos Estados; os 4 Tribunais de Contas dos
Municípios (Bahia, Ceará, Goiás e Pará); os 2 Tribunais de Contas Municipais (Rio de
Janeiro e São Paulo); o Tribunal de Contas do Distrito Federal e o Tribunal de Contas da
União. Os dados referentes à existência e exposição de tecnologias de gestão foram coletados
e atualizados até 15 de abril de 2007 a partir da análise dos sites institucionais mantidos na
internet pelos correspondentes Órgãos de controle. A ênfase nas evidências expressas
perceptíveis obtidas a partir da análise dos elementos publicados nessa interface virtual
fundamenta-se na noção de que a busca de legitimação no campo a partir da adoção, por
mimetismo, dessas tecnologias de gestão requer a sua exposição para conhecimento e
reconhecimento dos demais atores.
4.2 Resultados e discussão
10
Assinala-se, inicialmente, que é no contexto de discussão e afirmação da
administração pública gerencial que as considerações a seguir precisam ser interpretadas.
Assim, os esforços de transformação organizacional que vêm sendo levados a efeito pelos
Tribunais de Contas a fim de incorporar tanto atributos da nova administração pública, quanto
tecnologias de gestão originalmente identificadas com o setor privado podem ser percebidos
como esforços adaptativos em busca de legitimação, devendo ser compreendidos não somente
segundo sua expressão técnica, mas percebendo-se o conteúdo simbólico (Goulart et al.,
2005) e mítico que a adoção dessas tecnologias encerra (Meyer e Rowan, 1992).
Para fins de análise e discussão, as variáveis pesquisadas são agrupadas em duas
categorias gerais, quais sejam, aquelas ora definidas como de apropriação direta –
tecnologias inspiradas no setor privado –; e aquelas de apropriação indireta – conceitos
gerenciais oriundos do paradigma gerencial baseado na nova administração pública, os quais
tendem a demandar o desenvolvimento endógeno de tecnologias. As tecnologias de
apropriação direta são aqui representadas pelas abordagens do planejamento estratégico, da
gestão pela qualidade e da certificação ISO, que por ocasião de sua transferência para o setor
público, em razão de compreenderem modelos mais estruturados (ou acabados), tendem a ser
objeto de adaptações de natureza mais periférica, por vezes desacompanhadas de uma
reflexão mais profunda acerca de sua essência conceitual (Wood Jr e Urdan, 2002). Os
elementos de apropriação indireta, de outro lado, que impõem maior intensidade de reflexão
no âmbito da organização por ocasião de sua formulação e implementação, são representados
pelos seguintes conceitos, coerentes com os valores do modelo gerencial de gestão pública:
capacitação (escolas de gestão), na transparência e participação (sistemas de ouvidoria,
denúncias e expedição de certidões via internet), e na eficiência (tecnologia de informação e
comunicação – TIC sob a forma de sistemas de apoio ao exercício do controle). A Tabela 1
sintetiza os dados obtidos.
Tabela 1 – Evidências de Tecnologias e Conceitos Gerenciais nos Tribunais de Contas
Aspecto gerencial
pesquisado
Planejamento Estratégico
Gestão pela Qualidade
Certificação ISO
Escolas de Gestão
Expedição de Certidões
Sistemas de Apoio ao Controle
Sistemas de denúncias
Nº de TCE’s
+ TCDF + TCU
07
02
03
14
11
21
25
%
25
7,1
10,7
50
39,3
75
89,2
Nº de
TCdosM
0
0
0
0
0
4
3
%
0
0
0
0
0
100
75
Nº de
TCM
0
1
1
1
0
1
2
%
0
50
50
50
0
50
100
Fonte: dados da pesquisa
4.2.1 Planejamento estratégico, gestão pela qualidade e certificação ISO
A análise dos dados relativos às variáveis que integram essa categoria permite
verificar que a tecnologia de gestão mais referenciada é o planejamento estratégico. Dos 34
Tribunais, 7 (ou seja, 20,1%) apresentam referência expressa nos sites sobre seu planejamento
estratégico. Os processos de planejamento estratégico, nestes casos, são regulamentados por
normativas internas, e os planos são, em alguns casos, disponibilizados para consulta. Vale
assinalar que não há referência sobre a utilização dessa tecnologia nos Tribunais de Contas
Municipais – TCM ou nos Tribunais de Contas dos Municípios – TCdosM. Nenhum dos 4
Tribunais de Contas dos Municípios – TCdosM, aliás, expressa a utilização das tecnologias
que informam esta categoria de pesquisa. Assim, se considerados somente os Tribunais
Estaduais, acrescidos do Tribunal e Contas da União – TCU e do Distrito Federal – TCDF,
11
pode-se inferir que 25% dos casos possuem um processo formal de planejamento estratégico,
percentual que pode ser considerado representativo se considerada a realidade e contexto mais
amplo da administração pública. Quanto aos 2 Tribunais de Contas Municipais – Rio de
Janeiro e São Paulo –, somente neste há indicação expressa da adoção de sistema de gestão
pela qualidade e certificação ISO 9000; valendo ressaltar referência ali contida ao pioneirismo
deste Órgão nessa modalidade de certificação no âmbito da administração pública. Nos
Tribunais de Contas Estaduais, no Distrital e no da União tomados em conjunto, os
percentuais de casos que expressam a adoção de tecnologias como a gestão pela qualidade e
certificação ISO alcançam 7,1 % e 10,7%, respectivamente.
Em uma revisão crítica do TQM (Total Quality Management), Wood Jr. e Urdan
(2002) assinalam não somente a ascensão e o esgotamento deste modelo de gerenciamento,
mas a necessidade de sua transformação; esforço este que pode encontrar no setor público um
fértil espaço para a reflexão necessária e a conseqüente revisão conceitual. O estudo de Costa
(2006), coerente com essa perspectiva adaptativa do modelo de gestão pela qualidade, revela
que a despeito dos traços que conformam a estrutura burocrática da administração pública,
significativos resultados em termos de ganhos de eficiência podem advir da adoção das
ferramentas de gestão associadas a esse modelo. Os insucessos observados em relação à
adoção dessas tecnologias, segundo Wood Jr. e Urdan (2002, p. 159), “devem-se a falhas na
implementação ou a programas cujo único vínculo com TQM é a denominação.”
Esses dados sugerem que a despeito da abrangência, e mesmo do desgaste destas
tecnologias no âmbito do setor privado, sua utilização pode também ser considerada
significativa no âmbito dos Tribunais de Contas. Assim, sob a perspectiva institucional, a
natureza e características dessas tecnologias sugerem um sensível grau de isomorfismo
processado sob a forma mimética; fato que permite admitir a adoção desses instrumentos de
gestão, e sobretudo a sua exposição, como potenciais contribuições para a legitimação desses
Órgãos no seu campo, e para a definição de novos contornos à burocracia pública. Maior
segurança em relação a essa efetiva contribuição dessa apropriação mimética, no entanto, vai
requerer, inicialmente, um estudo longitudinal do processo de absorção, bem como uma
investigação acerca da efetiva aderência destes conceitos ao núcleo estrutural do sistema de
gestão dessas organizações, e, ainda, da influência que essas tecnologias exercem entre os
demais atores do campo, mais precisamente em relação a que fatores levaram à opção por
esses modelos, ou não. Outro aspecto a ser assinalado refere-se à necessidade de maior
aprofundamento em torno dos processos de implementação dessas práticas gerenciais nesses
Tribunais, exigindo especial destaque a observância às especificidades do setor público entre
outras que particularizam a estrutura e funcionamento desses Órgãos de controle, cabendo
aqui trazer à tona os conceitos de redução sociológica (Guerreiro Ramos, 1996) e de
adaptação criativa (Caldas e Wood Jr., 1999). Nesse particular, Swiss (1992) alerta, também,
para os perigos da ortodoxia na implementação de programas de TQM em organizações do
setor público. Merecem registro, ainda, estudos de Vieira et al. (2000), que fornece subsídios
acerca dos elementos que definem o significado de qualidade no setor público, e de Ribeiro
(1998) e Biancamano (1999), relativos à implantação de sistemas de gestão pela qualidade em
organizações públicas, de onde se assinala, entre outros aspectos, a importância da
capacitação e do efetivo envolvimento das pessoas no processo.
Especificamente sobre a certificação ISO, afirmam Wood Jr e Urdan (2002), que é
possível realizar uma “leitura não ortodoxa” da norma, de tal sorte a evitar excessiva rigidez
e permitir o desenvolvimento de um modelo compatível com a realidade de cada organização.
O sucesso deste intento parece estar diretamente relacionado à capacidade de compreensão da
essência conceitual que informa o modelo, seguida da devida incorporação dos elementos de
aderência ao sistema de gestão original (próprio) da organização, transformando-o.
12
4.2.2 Capacitação, transparência, participação e eficiência
Nessa categoria de esforços em busca de legitimação no seu campo, os dados
coletados junto aos Tribunais sugerem uma apropriação mais intensa de conceitos tais como a
ênfase na capacitação (escolas de gestão), na transparência e participação (oferta de serviços
via internet, tais como sistemas de denúncias e expedição de certidões), e na eficiência, estas
últimas fortemente calcadas no intensivo uso de tecnologia de informação e comunicação
(especialmente sob a forma de sistemas de apoio ao exercício do controle externo).
Se tomados os Tribunais de Contas dos Estados, do Distrito Federal e da União em
conjunto, as escolas de gestão, estão presentes em 14 destes órgãos, perfazendo 50% dos
casos. A previsão constitucional de criação destas escolas nas esferas federal e estadual como
instrumentos de qualificação do serviço público via capacitação de seus agentes, nesse
contexto de substanciais transformações, sinaliza a possibilidade de empreender profundas
mudanças nas políticas de recursos humanos no setor público de modo geral, em suas três
esferas. A atuação destas escolas, que não se restringe à capacitação dos servidores destes
Tribunais, mas alcança os servidores dos órgãos e entidades jurisdicionadas, mostra-se com
elevado potencial de impacto como instrumento de legitimação, pois responde a demandas
oriundas dos demais atores do campo em termos de fortalecimento da ação pedagógica desses
órgãos de controle, contribuindo não somente para evitar ocorrências de desvios (postura
reativa), mas para qualificar os serviços públicos de forma geral em um espectro de alcance
sensivelmente mais amplo, ensejando uma ênfase na prevenção (ação pró-ativa).
A oferta de serviços pela internet, como denúncias (para a sociedade) e obtenção de
certidões de regularidade (para os agentes políticos) alcançam percentuais de 89 e 39%,
respectivamente. A ênfase na eficiência da ação do controle externo, pela via da agilização
das relações de controle, pode ser percebida pela intensificação do uso de sistemas
informatizados de captura e transferência de dados e informações. Neste aspecto em
particular, é relevante destacar o estudo empreendido por Medeiros e Guimarães (2006)
enfocando os diferentes estágios de institucionalização da política de governo eletrônico no
Brasil, que revela estarem os seus principais aspectos nos estágios de pré-institucionalização
e de semi-institucionalização assim definidos por Tolbert e Zucker (1997).
Evidências de utilização dessas tecnologias de informação e comunicação – TIC
alcançam 21 casos no âmbito dos TCE’s, TCDF e TCU (75%); nos 4 casos de Tribunais de
Contas dos Municípios (100%) e em um dos Tribunais de Contas do Município (50%). Disso
depreende-se um considerável nível de difusão de procedimentos e tecnologias que, a
despeito de por vezes apresentarem substanciais diferenças de forma, encerram, em sua
essência os mesmos conceitos e propósitos. Diante disso, pode-se reconhecer elevado grau de
institucionalização dos conceitos de eficiência, transparência e participação materializados no
uso intensivo de tecnologias de informação e comunicação – TIC. O substancial desempenho
observado nos componentes dessa categoria pode, ainda, sugerir maturidade gerencial destes
Órgãos na medida em que os resultados apontam para a adoção de tecnologias que decorrem
de uma formulação mais autônoma ou própria. Esse fenômeno pode ser analisado, portanto, a
partir dos conceitos de redução sociológica (Guerreiro Ramos, 1996) e de antropofagia
organizacional (Wood Jr. e Caldas, 1999), a partir dos quais se pode depreender que a
formulação de tecnologias gerencias endógenas pressupõe a inspiração em conceitos do
exterior, seguido do esforço de reflexão acerca do que é coerente com as realidades local e
organizacional. É preciso considerar, ainda, que a adoção dessas tecnologias pode ensejar
uma interpretação que não esteja restrita ao mimetismo como processo de isomorfismo, mas
que tenha vínculos com o processo de isomorfismo coercitivo, notadamente em face das
disposições da Lei Complementar nº 101/2000, que enfatiza esses valores. Se tomados os
impulsos originários do desenvolvimento das tecnologias mais difundidas, pode-se perceber
13
significativa relação com elementos identificados com a Lei de Responsabilidade Fiscal.
Diante disso, pode-se propor a assunção da forma coercitiva como exercendo, em face dos
resultados observados nessa categoria de análise, tanta influência quanto a mimética sobre o
processo de isomorfismo em curso nos Tribunais de Contas na sua trajetória de
institucionalização.
5. Considerações finais
Os resultados preliminares deste estudo contribuem para a compreensão do crescente
esforço de apropriação de tecnologias gerenciais exógenas por organizações públicas como
um fenômeno perceptível no contexto da nova administração pública. Pode-se perceber um
processo de transformação em termos de estruturas e processos coerente com uma
configuração definida como pós-burocrática ou gerencial, mais orientada para a demonstração
de suas práticas e dos resultados de sua ação no âmbito do campo, com especial destaque em
relação à sociedade, espaço no qual buscam os TC’s legitimar-se mediante esforços
isomórficos. No contexto do processo de institucionalização organizacional proposto por
DiMaggio e Powell (2005) pode-se perceber uma incidência de Órgãos de controle como os
Tribunais de Contas em ações tipicamente identificadas tanto com o estágio de estruturação
quanto com o de homogeneização. Isso se pode observar a partir de movimentos orientados
para a adoção de estruturas e processos similares em organizações pertencentes ao campo,
seja por mimetismo, seja por coerção. Convém ressaltar, ainda, a necessidade uma abordagem
com foco na percepção sobre o conteúdo simbólico da absorção dessas tecnologias
A relevante contribuição deste estudo, no entanto, entende-se ser a sinalização de
diferentes linhas de pesquisa para a ampliação e aprofundamento do tema. Além de estender
longitudinalmente o estudo, aprofundar a compreensão acerca dos aspectos associados às
expectativas dos gestores quando da tomada de decisão em favor de uma tecnologia de
gestão, mostram-se como férteis pontos de pesquisa. Quanto a este último aspecto, refere-se
Vieira (1997), que investiga dimensões como o poder e os objetivos na definição de qualidade
em organizações públicas. Outros potenciais elementos de análise são os custos incorridos
nesse processo, e indicadores de aderência – efetividade – orientados para a avaliação desse
processo de transposição tecnológica. Nessa mesma linha, destaca-se a abordagem dos
reflexos desse fenômeno de apropriação tecnológica na conformação do discurso gerencial no
âmbito do setor público (Spink, 1997).
Outra dimensão deste fenômeno que precisa ser destacada em termos de potencial de
pesquisa é o processo mediante o qual essas tecnologias são absorvidas, e os seus reflexos.
Nesse contexto, os conceitos de redução sociológica (Guerreiro Ramos, 1996) e de adaptação
criativa (Caldas e Wood Jr., 1999) podem revelar-se potentes referenciais para a compreensão
das especificidades do fenômeno de transformação em discussão. É importante assinalar que
Guerreiro Ramos (1996), Wood Jr. e Caldas (1999) e Paula (2005) convergem para a noção
de que não se deve desprezar construções formuladas em contextos distintos, senão
compreendê-la e de sua essência apropriar-se; daí se depreendendo ser não somente lícita,
mas necessária a produção de tecnologias de gestão coerentes com as realidades local e
particularidades das organizações do setor público. Desassistida de uma reflexão crítica que
alcance e se aproprie da sua essência conceitual, a prática da importação de ferramentas
gerenciais concebidas originariamente para utilização em organizações do setor privado pode
contribuir mais intensamente para o agravamento das fragilidades dos sistemas gerenciais
vigentes, em prejuízo de seu aperfeiçoamento, compromentendo, inclusive, as potenciais
virtudes essenciais dos modelos. Nesse contexto, um fenômeno passível de investigação
potencialmente decorrente da ausência de aderência dessas tecnologias gerenciais ao setor
público, é o do formalismo (Riggs, 1964; Guerreiro Ramos, 1966; Machado-da-Silva,
14
Guarrido Filho e Nascimento, 2003); e outro, o de hibridização (Calás e Arias, 1997; Wood
Jr., 2002).
Entende-se, por fim, que uma outra relevante contribuição para um esforço de
transformação da administração pública pode advir de uma investigação sobre as deficiências
que a prática da apropriação acrítica expõe. Em outras palavras, propõe-se como rumo de
fortalecimento do Estado uma produção de conhecimento de gestão consciente de seu
conteúdo conceitual essencial e coerente com a realidade sobre a qual se assenta.
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1
Ora dividindo espaço com o Ministério Público – Constituição de 1934 – ora com o Poder Judiciário –
Constituição de 1937 –, e finalmente no capitulo relativo ao Poder Legislativo – a partir da Constituição de 1946
–, mas de forma geral assumindo atribuições e reconhecimento constitucional em trajetória crescente, os TC’s
podem ser considerados estruturas em constante transformação (Guerra, 2005).
16
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A Absorção de Tecnologias Gerenciais na Administração