DA DECLARAÇÃO INCIDENTAL DE INCONSTITUCIONALIDADE NO ÂMBITO DOS TRIBUNAIS Rogério Luiz Coelho1 Resumo A proposta deste estudo é a de fornecer ao leitor uma compreensão das diversas categorias nominativas utilizadas durante o processo de fiscalização da constitucionalidade de uma lei ou ato normativo. Tal preocupação se justifica, uma vez que, no tocante à sua aplicabilidade, as formas de manifestação do controle envolvem várias questões que se entrelaçam no estudo do tema, indo desde a indagação sobre qual o órgão encarregado de apreciar a matéria, até o modo de manifestação e provocação. Para tanto, analisamos os pressupostos para fiscalização da constitucionalidade dos atos normativos, bem como definimos institutos jurídicos essências para compreensão do sistema de controle de constitucionalidade brasileiro. Palavras chave: controle de constitucionalidade, pressupostos, conceitos operacionais. Abstract The purpose of this study is to provide the reader with an understanding of the different word categories used during the review of the constitutionality of a law or normative act. This concern is justified, since, in terms of its applicability, the forms of manifestation of control involve several issues that are intertwined in the study of the subject, ranging from the question about which the body responsible for assessing the matter, even the way demonstration and provocation. For this purpose, we analyze the conditions for review of constitutionality of normative acts, as well as define legal institutions to understand the essence of judicial system in Brazil. Keywords: judicial review, assumptions, operational concepts. 1 Professor da UNIPAC-Araguari. 1 1 Pressupostos do controle É cediço que o controle de constitucionalidade tem por objetivo primordial a defesa da Constituição. A Constituição, por sua vez, dever ser considerada como um conjunto estruturado, não de partes que se adicionam ou se somam, mas de elementos e membros que se enlaçam num todo unitário, que tem, como forma um complexo de normas; como conteúdo, a conduta motivada pelas relações sociais (econômicas, políticas, religiosas, etc.); como fim, a realização dos valores que apontam para o existir da comunidade; e finalmente como causa criadora e recriadora, o poder2. Estabelecidas tais premissas questiona-ser: Se a Constituição, considerada como lei fundamental de um Estado, carece do sistema de controle de constitucionalidade para se auto-proteger, seria legítimo, portanto, concluir que todo Estado Constitucional, utiliza-se da fiscalização constitucional para efetivar suas matrizes fundamentais? A problemática da indagação exige sejam colocados e definidos, para o exercício do controle, certos pressupostos básicos, haja vista que inexistindo estes não a que se aceitar aquele como mecanismo de concretização constitucional. Para tanto, de maneira geral é possível elencar os seguintes requisitos: a) existência de uma Constituição formal; b) compreensão da Constituição como lei fundamental (rigidez e supremacia constitucionais; distinção entre leis ordinárias e leis constitucionais); c) previsão de pelo menos um órgão dotado de competência para o exercício dessa atividade.3 1.1 A Constituição Formal A palavra Constituição abrange toda uma gradação de significados. Em 2 SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das normas constitucionais. 3 ed. São Paulo: Malheiros, 1999. p.36 3 CLÈVE, Clèmerson Merlin. A fiscalização abstrata da constitucionalidade no direito brasileiro. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. pág. 29. 2 sentido amplo, Constituição é toda a forma de um corpo; em nossa disciplina, emprestando um sentido mais restrito, é a particular maneira de ser do Estado. Do ponto de vista material, a Constituição é o conjunto de normas pertinentes à organização do poder, à distribuição de competência, ao exercício da autoridade, à forma de governo, aos direitos da pessoa humana, enfim, tudo quanto for conteúdo básico referente à composição e ao funcionamento da ordem política.4 Debaixo desse aspecto, não há Estado sem Constituição, visto que em toda sociedade o poder encontra-se arranjado de certo modo, havendo, ainda que apoiada em arquitetura rudimentar, uma determinada distribuição de tarefas entre os diversos órgãos competentes da Coletividade Política. Todavia, o controle de constitucionalidade exige mais do que uma Constituição Material. Exige uma Constituição em que o processo de elaboração ou modificação das normas constitucionais se diferencie da categoria das normas ordinárias. Esta especificidade traduz-se no quorum exigido para aprovação, na existência de um órgão especial para elaboração, na iniciativa reservada. 5 Demanda, portanto, o reconhecimento de uma Constituição escrita, pois esta é a forma que possibilitaria a realização de uma Constituição formal – pressuposto do controle e que considera como elemento discriminatório o regime jurídico das normas – cujos preceitos só podem ser modificados através de um processo especial, mais difícil do que o exigido para elaboração das leis ordinárias. Nesse sentido, nos países que prescindem da noção de Constituição escrita, como a Inglaterra – Constituição costumeira – não há razão para aceitar o controle de constitucionalidade das leis, eis que não existindo dualidade de processos para elaboração normativa a diferença entre lei ordinária e lei constitucional inexiste, por conseguinte desaparece a superioridade destas em relação àquelas. Contudo, não se quer afirmar que a Constituição escrita é pressuposto 4 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 8. ed. São Paulo: Malheiros, 1999. p. 63. 5 FERRARI, Regina Maria Macedo Nery. Efeitos da declaração de inconstitucionalidade. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. p. 45. 3 suficiente para justificar uma operação de controle de constitucionalidade. É indispensável, também, a compreensão da Constituição como lei fundamental, visto que somente algo que se reconheça como fundamental para um Estado, pode requerer a fiscalização da constitucionalidade das leis. Por outro lado, compreender a Constituição como mandamento essencial exige-se interligar pelo menos três conceitos básicos: a) rigidez constitucional; b) supremacia constitucional; c) distinção entre lei constitucional e lei ordinária. 1.2 A Constituição como Lei Fundamental Foi a partir da existência de constituições escritas que se pode falar em superioridade da lei constitucional frente à ordinária. Com isso, porém, não se quer dizer que em todas as constituições do tipo escrito encontramos superioridade. É necessária uma formal diferença entre leis constitucionais e leis ordinárias, fato este que nos leva a distinção entre constituições rígidas e flexíveis. Diz-se flexível a Constituição cujo processo de reforma coincide com o modo de produção da legislação ordinária, inexistindo diferença formal entre norma constitucional e norma infraconstitucional.6 Já a rigidez constitucional traduz a necessidade de um processo especial para reforma da Constituição, distinto e, em regra, mais oneroso e complexo do que o necessário para a edição das leis infraconstitucionais.7 Portanto, o sistema rígido de Constituição, bem como a distinção entre poder constituinte e poder constituído, formam o fundamento do princípio da supremacia constitucional, uma vez que colocam a Constituição no topo de ordenamento jurídico, servindo de embasamento de validade de todas as demais normas. Nesse ínterim, vê-se que só é possível verificar o controle em sistemas de caráter constitucional escrito-rígido, já que só onde se haja estabelecido uma formal diferenciação entre as leis constitucionais e ordinárias – de tal 6 BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da constituição. São Paulo: Saraiva, 1996. p. 152. 7 Idem, ibidem, p. 154. 4 forma a reconhecer a superioridade daquela frente a esta – é que existe a necessidade de comprovar a adequação das primeiras frente às segundas. O resultado de ordem prática da compreensão da Constituição como Lei Fundamental traduz-se em uma superlegalidade formal e material. A superlegalidade formal identifica a Constituição como a fonte primária da produção normativa, ditando competências e procedimentos para a elaboração dos atos normativos inferiores. E a superlegalidade material subordina o conteúdo de toda a atividade normativa estatal à conformidade como os princípios e regras da Constituição. A inobservância dessas prescrições formais e materiais deflagra um mecanismo de proteção da Constituição, conhecido na sua matriz norteamericana como judicial review, e batizado entre nós de controle de constitucionalidade.8 1.3 Existência de um órgão competente A instituição das regras acima expostas faz surgir a necessidade de se ter um órgão para controlar a constitucionalidade das leis. Ocorre, porém, que com essa necessidade surgiu um grande problema que tem dividido os Estados cultores das Constituições rígidas: A que órgão confiar o controle da constitucionalidade das leis? Conforme a natureza do órgão encarregado de exercê-lo, o controle pode ser classificado em político, jurisdicional ou misto. No controle político, a verificação de compatibilidade das normas com a Constituição Federal é reservada a um órgão sem poder jurisdicional, ou seja, que não compõe a estrutura do Poder Judiciário, geralmente uma corte constitucional autônoma, como por exemplo na França. O controle jurisdicional, por sua vez, é o exercido por órgãos integrantes da estrutura do Poder Judiciário. No Brasil, apesar dos Poderes Legislativo e Executivo realizarem a verificação de compatibilidade, a função precípua é do Judiciário, razão pela qual é o sistema por nós adotado. 8 BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da constituição. São Paulo: Saraiva, 1996. pág. 153. 5 De se observar que nesse sistema a identificação do órgão jurisdicional responsável depende do tipo de controle. No controle concentrado, o órgão é o STF, quando o ato normativo for questionado em face da Constituição Federal. No controle difuso, todo e qualquer juiz o tribunal possui competência para declarar a inconstitucionalidade das normas. Já no controle misto, temos certas categorias de leis se submetendo ao controle político e outras ao controle jurisdicional. É o controle adotado na Suíça, já que no referido país as leis locais são submetidas ao controle do Poder Judiciário, enquanto as leis federais ficam a cargo da Assembléia Nacional.9 2 Conceito de Inconstitucionalidade O transitar pelo terreno da fiscalização da constitucionalidade exige o domínio de alguns conceitos a todo momento utilizados. Bem por isso, “convém precisar a noção de inconstitucionalidade e oferecer um panorama a respeito de sua tipologia”.10 Nesse sentido, traz-se à baila os irretocáveis ensinamentos de Regina Maria Macedo Nery Ferrari: “Concernente à supremacia constitucional, isto é, ao fato de que a Constituição é a lei fundamental da ordem jurídica, ou, ainda, que para uma norma ser válida necessita buscar sua validade na norma superior – de tal forma que, sistematicamente escalonada em um ordenamento jurídico, a sua unidade reduz-se à conformação de todo o ordenamento jurídico á lei fundamental, que, considerada como a de maior escalão, é orientadora da produção de todas as demais normas do sistema –, encontra-se a impossibilidade de as normas inferiores, que buscam validade nas normas superiores, 9 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional. 15. ed. São Paulo: Malheiros, 1998. pág. 51 10 CLÈVE, Clèmerson Merlin. A fiscalização abstrata da constitucionalidade no direito brasileiro. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. p. 35. 6 contrariem estas e conseqüentemente a Constituição.11 Chega-se dessa forma à noção de inconstitucionalidade (situação ou estado decorrente de um ou de vários vícios), a qual a maioria da doutrina costuma definir como a desconformidade do conteúdo veiculado pelo ato normativo como algum preceito ou principio constitucional (inconstitucionalidade material), ou vício no devido processo de criação dos atos infraconstitucionais. (inconstitucionalidade formal).12 Por outro lado, o vício de inconstitucionalidade emanado pelo Poder Público pode estar relacionado com uma ação ou com a inexistência dessa ação. A primeira, denominada de inconstitucionalidade por ação, resulta da prática de ato que, por qualquer de seus elementos, viola a Constituição. Já a inconstitucionalidade por omissão advém da inércia ou do silêncio de qualquer órgão do poder, que deixa de praticar o ato exigido pela Constituição.13 Nesse sentido, a Lei Maior, obra do poder constituinte, só será efetivamente cumprida quando da atuação dos poderes constituídos no sentido de preencher os espaços deixados à sua atuação. Essa atuação do poder constituído pode significar a edição de uma lei, como a realização de qualquer medida necessária à efetiva aplicação e cumprimento da Constituição. Na verdade, representa um poder-dever constitucionalmente determinado.14 2.1 O controle e suas formas de manifestação O objetivo deste tópico é proporcionar ao leitor uma visualização e compreensão das diversas categorias nominativas utilizadas durante o processo de fiscalização da constitucionalidade de uma lei ou ato normativo. Tal preocupação se justifica, uma vez que, no tocante à sua 11 FERRARI, Regina Maria Macedo Nery. Efeitos da declaração de inconstitucionalidade. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. p. 56. 12 CLÈVE, Clèmerson Merlin. A fiscalização abstrata da constitucionalidade no direito brasileiro. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. pág. 36. 13 FERRARI, Regina Maria Macedo Nery. Efeitos da declaração de inconstitucionalidade. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. p. 57. 14 Idem, ibidem, p. 219. 7 aplicabilidade, as formas de manifestação do controle envolvem várias questões que se entrelaçam no estudo do tema, indo desde a indagação sobre qual o órgão encarregado de apreciar a matéria, até o modo de manifestação e provocação. Englobando as diversas formas de manifestação do controle de constitucionalidade, Clèmerson Clève15, Gilmar Ferreira Mendes16, Gomes Canotilho17, José Afonso da Silva18, Luís Roberto Barroso19, Paulo Bonavides20 e Regina Maria Macedo Nery Ferrari21 oferecem elementos que permitem organizar o seguinte quadro: I – QUEM CONTROLA: os sujeitos do controle (natureza do órgão exercente): 1. controle político; 2. controle jurisdicional: a) sistema difuso ou americano b)sistema concentrado ou austríaco 3. misto II – O QUE SE CONTROLA: o objeto do controle: 1. ação do Poder Público 2. omissão do Poder Público 15 CLÈVE, Clèmerson Merlin. A fiscalização abstrata da constitucionalidade no direito brasileiro. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. 16 MENDES, Gilmar Ferreira. Jurisdição constitucional. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 1999. 17 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional. 6. ed. Coimbra: Almedina, 1993. 18 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional. 15. ed. São Paulo: Malheiros, 1998. 19 BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da constituição. São Paulo: Saraiva, 1996. 20 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 8. ed. São Paulo: Malheiros, 1996. 21 FERRARI, Regina Maria Macedo Nery. Efeitos da declaração de inconstitucionalidade. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. 8 III – COMO SE CONTROLA: o tempo do controle (momento de sua realização): 1. controle preventivo (ou a priori); 2. controle repressivo (sucessivo ou a posteriori) IV – COMO SE CONTROLA: o modo de controle: 1. controle por via incidental; 2. controle por via principal; 3. controle abstrato e controle concreto: 4. controle por via de exceção e controle por via de ação Nesse sentido, para defender a supremacia constitucional contra as inconstitucionalidades existem três sistemas de controle de constitucionalidade: o político, o jurisdicional e o misto. Segundo José Afonso da Silva “o Controle político é o que entrega a verificação da inconstitucionalidade a órgãos de natureza política, tais como: o próprio Poder Legislativo, solução predominante na Europa no século passado; ou um órgão especial, como o Presidium do Soviete Supremo da ex-União Soviética (Constituição da URSS, art. 121, n.4); e o Conseil Constitutionnel da vigente Constituição francesa de 1958 (arts. 56 a 63)”.22 O controle jurisdicional é o sistema em que a apreciação será sempre feita pelo Poder Judiciário que, de resto é o órgão a quem compete a última palavra sobre o Direito. Nestes termos, o próprio art. 5º, XXXV, expressamente consagra que “a lei não excluirá da apreciação do judiciário lesão ou ameaça de Direito”. Não se discute qual seja a lesão a Direito, ou que Direito seja lesionado, basta que alguém alegue violação ou ameaça a Direito seu e estarão abertas as portas do Poder Judiciário para a apreciação. Trata-se de sistema que teve 22 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional. 15. ed. São Paulo: Malheiros, 1998. p. 51. 9 origem nos Estados Unidos e é o adotado pelo Brasil. Por outro lado, o controle jurisdicional concebe outras duas formas de sistema: sistema difuso ou americano e o sistema concentrado ou austríaco. No difuso a competência para fiscalizar a constitucionalidade das leis é reconhecida a qualquer juiz chamado a fazer a aplicação de uma determinada lei a um caso concreto submetido à apreciação judicial23. Já no sistema concentrado a competência para julgar definitivamente acerca da constitucionalidade das leis é reservada a um único órgão, que concentra o exercício no Supremo Tribunal Federal e nos Tribunais de Justiça dos Estados-membros. O misto, por sua vez, “realiza-se quando a Constituição submete certas categorias de leis ao controle político e outras ao controle jurisdicional, como ocorre na Suíça, onde as leis federais ficam sob controle político da Assembléia Nacional, e as leis locais sob o controle jurisdicional”.24 De mais a mais, é imperativo ressaltar que a violação da Constituição não se configura apenas pela ação dos Poderes Públicos. Tanto se ofende o Direito fazendo o que ele proíbe como não fazendo o que ordena. Assim que as inconstitucionalidades podem ser cometidas tanto por ação quanto por omissão do Poder Legislativo, ou seja, quando esta elabora legislação infraconstitucional que afronta a Constituição, ou quando fica inerte, isto é, não elabora a legislação infraconstitucional exigida pelo texto constitucional25. Outra forma de manifestação do controle pauta-se pelo ingresso da lei ou ato normativo no ordenamento jurídico. Assim, enquanto o controle preventivo pretende impedir que alguma norma maculada pela eiva da inconstitucionalidade ingresse no ordenamento jurídico, o controle repressivo busca dele expurgar a norma editada em despeito à Constituição. Por derradeiro, observa-se que para atacar tanto as ações quanto omissões dos Poderes Públicos, o controle judicial ou jurisdicional da 23 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional. 6. ed. Coimbra: Almedina, 1993. pág. 964. 24 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional. 15. ed. São Paulo: Malheiros, 1998. pág. 51. 25 BESTER, Gisela Maria. Cadernos de direito constitucional: parte I: Teoria constitucional. Porto Alegre: Síntese, 1999. pág. 112. 10 constitucionalidade dos atos normativos estatais apresenta duas modalidades, ou seja, assume forma bipartite: a) Controle de Constitucionalidade Difuso, Concreto, Incidental, por via de Exceção ou Indireto. Este modelo de Controle da constitucionalidade surgiu nos EUA, em 1803, por obra do juiz John Marshall, no famoso caso Marbury versus Madison. É conhecido lá como Judicial Review, contemplando o principio do Stare Decisis (estando as coisas assim), em que embora não se preveja um órgão judicial especialmente destinado ao controle, os órgãos judiciários inferiores estão vinculados às decisões preferidas pelos Tribunais Superiores. Baseia-se no critério de interpretação das leis pelos juizes conforme o postulado “lei superior derroga lei inferior”. Vale dizer que com este modelo é que nasceu toda a teoria a respeito de controle de constitucionalidade amplamente falado. Foi acatado em 1890, ainda pela Constituição Provisória e se oficializou na Constituição Republicana de 1891, perdurando até hoje. Diz-se difuso porque é permitido a qualquer órgão judicial, independentemente de sua hierarquia, ou seja, a competência para apreciar a matéria constitucional não se limita a um único órgão, mas se estende a todos. Diz-se concreto porque é suscitado em um caso concreto (situação especifica) que está sob a apreciação do Poder Judiciário. Incidental por se um incidente no processo principal (surge como um incidente em relação à causa principal). Diz-se, por fim, por exceção e indireto, porque o arguente age apenas em defesa de seu interesse, isto é, não é arguido em uma ação específica e proposta diretamente para tal, mas enquanto matéria de defesa (exceção processual) em um pleito em andamento.26 Desse modo, este sistema é feito no caso concreto por qualquer órgão do Poder judiciário, de qualquer instância, nos processos de sua competência. A questão constitucional não é objeto da causa, apenas surge como um incidente lógico a ser resolvido sem o que não se pode passar ao mérito. 26 BESTER, Gisela Maria. Cadernos de direito constitucional: parte I: Teoria constitucional. Porto Alegre: Síntese, 1999. p. 116. 11 Observa-se, ainda, que no controle difuso, só se declara a inconstitucionalidade de uma norma pelo voto da maioria absoluta dos membros dos tribunais ou dos respectivos órgãos especiais (art. 97 da CF/88), valendo esta regra também para o Supremo Tribunal Federal. Mencionado dispositivo, na realidade, trata do Princípio da Reserva de Plenário, o que significa que o órgão fracionário do Tribunal (Turma, Câmara, Seção) não poderá declarar a inconstitucionalidade da lei.27 b) Controle de Constitucionalidade Concentrado, Abstrato, Principal, por via de Ação ou Direto. Seu surgimento oficial deu-se na Constituição Austríaca de 1º de outubro de 1920, com a criação de uma Corte Constitucional com base nas idéias de Hans Kelsen, sendo que tal Corte era incumbida de apreciar a legitimidade dos atos estatais face à Constituição28. Foi inserido no Brasil em 1965, pela Emenda Constitucional nº. 16/65 com competência exclusiva para a sua propositura atribuída ao Procurador-Geral da República e julgamento pelo Supremo Tribunal Federal, sendo que inicialmente se realizava por meio de “Representação de Inconstitucionalidade” e não por uma Ação Direta de Inconstitucionalidade, o que se veio a ser instituído em 1988, com a promulgação da atual Constituição Federal. Importante esclarecer que o controle concentrado de constitucionalidade baseia-se em uma doutrina contraposta aos fundamentos do controle difuso, especificamente pelo fato de que neste, qualquer juiz ou Tribunal, ao interpretar o direito, deve primar pela prevalência da Constituição sobre qualquer lei que lhe seja contraria e naquele, ao contrario, é defeso, aos juizes comuns apreciar a constitucionalidade das leis, eis que esta tarefa passa 27 CAPEZ, Fernando. Direito constitucional. 7. ed. São Paulo: Edições Paloma, 2000. p. 51. 28 Idem, ibidem, pág. 114. 12 a ser reservada somente a um órgão (art. 102, I, CF/88)29. De outra forma, diz-se abstrato porque não leva em conta um caso ou situação concreta, mas sempre em relação à lei considerada em tese, abstratamente; Diz-se principal, pois existem ações específicas para tal, nas quais a argüição de inconstitucionalidade é o objeto em discussão; Por fim, o sistema se diz por ação porque é feito exclusivamente com a propositura de ação direta de inconstitucionalidade. OBS: Quadro Comparativo: CONTROLE DIFUSO (OU ABERTO) (MATRIZ AMERICANA) EUA - 1803 CONTROLE CONCENTRADO OU RESERVADO (MATRIZ AUSTRÍACA) Áustria - 1920 → Todos os órgãos do Poder Judiciário realizam → Apenas o órgão de cúpula do Poder Judiciário (sejam Juízes ou Tribunais) realiza (no âmbito federal, STF; no âmbito estadual o Tribunal de Justiça) 29 BESTER, Gisela Maria. Cadernos de direito constitucional: parte I: Teoria constitucional. Porto Alegre: Síntese, 1999. pág. 115. 13 → Ocorre pela Via Incidental → Ocorre pela Via Principal (de ação direta) (de defesa ou exceção) (ADI GENÉRICA, ADI POR OMISSÃO, ADC, ADPF) → Analisa-se o caso concreto (controle concreto) → Analisa-se a lei em tese (controle abstrato) (processo subjetivo) (processo objetivo) Referências bibliográficas BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da constituição. São Paulo: Saraiva, 1996. BESTER, Gisela Maria. Cadernos de direito constitucional: parte I: Teoria constitucional. Porto Alegre: Síntese, 1999. BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 8. ed. São Paulo: Malheiros, 1999. CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional. 6. ed. Coimbra: Almedina, 1993. 14 CAPEZ, Fernando. Direito constitucional. 7. ed. São Paulo: Edições Paloma, 2000. LÈVE, Clèmerson Merlin. A fiscalização abstrata da constitucionalidade no direito brasileiro. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. FERRARI, Regina Maria Macedo Nery. Efeitos da declaração de inconstitucionalidade. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. MENDES, Gilmar Ferreira. Jurisdição constitucional. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 1999. SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional. 15. ed. São Paulo: Malheiros, 1998. 15