Artigo publicado na Revista dos Tribunais –
Cadernos de Direito Tributário e Finanças
Públicas nº 16 em julho-setembro de 1996
Da natureza dos crimes contra
a ordem tributária
CARLOS JOSÉ WANDERLEY DE MESQUITA
1) A NATUREZA JURÍDICA DO FATO TRIBUTO.
1.1 - A complexidade do fato tributo e sua natureza jurídica.
1.2 - O estreito relacionamento do Direito Tributário com o Direito
Penal. 1.3 - O tributo como fato jurídico penal e fato jurídico
tributário. 1.4 - Lamentável equívoco.
1.1 - A complexidade do fato tributo e sua natureza jurídica.
O tributo é, ao mesmo tempo, um fato social, econômico e jurídico. No aspecto jurídico, este fato (o tributo)
também se apresenta de modo complexo, sendo um fato jurídico constitucional, tributário, penal e
administrativo. Há que se levar em conta que o tributo, ainda sob o ponto de vista jurídico, tem implicações no
direito financeiro e fiscal, este, a nosso ver, englobado pelo Direito Tributário.
Não se deve esquecer, por fim, que o Direito Tributário usa, constantemente, de conceitos e institutos do Direito
Civil e Comercial, os quais dão suas respectivas e exatas conceituações. Disto se depreende a importância e a
complexidade do fato tributo.
Neste estudo, porém, devemos abandonar o aspecto social e econômico, tecer ligeiras considerações sobre os
aspectos jurídico constitucional e administrativo do tributo, porque ele objetiva uma análise mais profunda deste
fato nos seus aspectos jurídico tributário e penal.
O tributo é um fato jurídico constitucional, em países como o Brasil que elevam o tributo a este patamar,
gerando, inclusive, grande polêmica entre tributaristas e constitucionalistas, uns querendo denomina-lo de direito
tributário constitucional, outros de direito constitucional tributário.
Inobstante, entendemos que, pela natureza jurídica, é mister se concluir essas são normas de Direito
Constitucional com conotações de Direito Tributário, já que o sistema constitucional tributário é um complexo de
normas constitucionais que se referem à matéria tributária, decorrendo daí efeitos tais como a possibilidade de
interpretação teleológica da imunidade tributária.
O tributo como fato jurídico administrativo surge com sua própria definição descrita no art. 30 do CTN: Tributo é
toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela possa se exprimir, que não constitua
sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada.
O crédito tributário, por força dessa definição, decorre de uma atividade administrativa plenamente vinculada.
Essa atividade administrativa é o lançamento.
Assim podemos afirmar que, da mesma maneira que há a possibilidade de interpretação teleológica da
imunidade, por ser ela decorrente de norma constitucional, o lançamento, em seu aspecto formal, deverá ser
analisado à luz do Direito Administrativo, por ser um ato regulado por este direito.
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Nesses casos é de se pressupor a precedência do Direito Constitucional ou do Direito Administrativo sobre o
Direito Tributário. Isto porque nas hipóteses enunciadas há uma normatização constitucional ou administrativa
com conotações tributárias.
Por outro lado, o Direito Penal ao normatizar o contrabando, a sonegação fiscal ou crimes contra a ordem
tributária está editando normas penais decorrentes do fato tributo e cujo sentido jurídico-tributário é subjacente.
Ou seja, no Direito Penal leva-se em conta e, sobretudo, a supressão ou redução de tributos, mediante fraude
contra a administração tributária.
Seguindo o raciocínio da natureza jurídica do fato tributo, portanto, as normas penais que têm conotações de
Direito Tributário devem ser interpretadas à luz do Direito Penal, que não deverá se contrapor ao Direito
Constitucional (impossível a prisão por simples dívida Constituição Federal), nem aos princípios gerais do direito
(a sanção, meramente, pecuniária pertence ao Direito Tributário).
Finalmente, temos o tributo como fato jurídico tributário em que ele é definido pelo direito em seu aspecto
pecuniário, compulsório, decorrente de um ato lícito, previamente tipificado em lei e cobrado mediante ato
administrativo. O ilícito jurídico-tributário, aqui, é o não pagamento ou o pagamento a menor, ou ainda a própria
mora, ou o erro no cumprimento das obrigações acessórias, independente da intenção do contribuinte em
fraudar ou não a administração tributária.
Com isto, entendemos que a natureza jurídica do fato tributo é que determinará sua classificação em fato
jurídico constitucional, administrativo, penal ou tributário. Só desta forma, isto é, somente através da natureza
jurídica do fato tributo poderemos evitar os grandes equívocos, hoje existentes.
Lembramos, a propósito, a assertiva de PAULO DE BARROS CARVALHO, quando ensina: "sempre que
estivermos diante do mesmo fenômeno jurídico, diante da lógica jurídica, não há porque designá-los com nomes
diferentes. Pode, mas o que prevalece é natureza jurídica. Pela denominação pode causar confusão, pela
natureza jurídica não" (PAULO DE BARROS CARVALHO, in palestra proferida na ABDF, São Paulo apud
EDGARD NEVES DA SILVA - Imunidade e Isenção, in Curso de Direito Tributário, coordenado por IVES
GANDRA DA SILVA MARTINS. p. 182. São Paulo: Co-edição Saraiva e Centro de Estudos de Extensão
Universitária, 1982).
1.2 - O estreito relacionamento do Direito Tributário com o Direito Penal.
É de conhecimento meridiano o estreito relacionamento existente entre o Direito Tributário e o Direito Penal.
Ambos têm como pilares a tipicidade (o ilícito penal e o fato jurídico tributário têm que guardar estrita identidade
entre o fato descrito na norma -hipótese legal- e o fato acontecido no mundo fenomênico -fato concreto- para
que haja a subsunção).
Outra semelhança é a conseqüência decorrente do descumprimento da norma, seja ela penal ou tributária. Em
ambos os casos há a previsão de aplicação de sanção: para o direito penal, via de regra, a sanção maior
restritiva da liberdade, para o direito tributário a sanção pecuniária.
A diferença é que o Direito Penal vem do Direito Natural, direito à vida, direito à propriedade. O Direito Tributário,
entretanto, é eminentemente um Direito Positivo. Dai a afirmativa do jurista IVES GANDRA de que a norma
tributária é uma norma de rejeição. Diz o renomado jurista que em um auditório se for noticiado que matar não é
mais considerado crime, nem por isto os cidadãos presentes sairão a se agredir e a matar uns aos outros. Por
outro lado, se for noticiada a faculdade de se pagar tributos, efetivamente poucos cidadãos exercerão essa
faculdade no sentido de paga-los.
Essa diferença é fundamental, porquanto o Direito Penal resguarda os bens maiores da humanidade, como a
própria vida, a integridade física do homem, o patrimônio construído. E a indignação pelo cometimento de um
crime é tanta que, via de regra, a penalidade prevista é a restritiva de liberdade.
A liberdade, filosoficamente, é o segundo bem maior do homem, sendo a vida o primeiro, porque ser homem é
ser vivo, animal e racional. O conceito de animal pressupõe a liberdade de ir e vir ou de locomoção o que o
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diferencia de outros seres como os vegetais e os minerais. A liberdade assim, é intrínseca ao conceito de ser
humano.
Já no Direito Tributário a sanção, como dita, é pecuniária, porque o bem protegido pelo Direito Tributário tem
menor abrangência, ou seja, a administração tributária, e conseqüentemente o patrimônio público, com vistas à
redistribuição de rendas (visão hodierna).
O bem protegido no Direito Tributário, portanto, difere bastante do penal. A idéia de que o ilícito tributário merece
severa sanção é bem aceita, não obstante, para que esta sanção seja considerada penal torna-se mister o dolo
específico do querer o resultado fraudulentamente. A indignação, efetivamente, não é contra o não recolhimento
do imposto, mas contra a fraude.
O recolhimento espontâneo do tributo pressupõe a legitimidade e a confiabilidade na administração pública. Se
a própria administração pública comete malversação na aplicação do dinheiro público (que é resultante da
cobrança do tributo), ela estimula o contribuinte a fazer justiça com as próprias mãos, não recolhendo o tributo
devido.
Um erro não justifica o outro, é bem verdade. Dever-se-ia, entretanto, ter a mesma indignação para o
contribuinte sonegador e para o mau gestor das finanças públicas. Não é aconselhável, todavia, querer se
resolver o problema da falta de recolhimento do tributo com a sanção maior do Direito Penal.
Na definição de tributo se encontra a natureza pecuniária de sua sanção, vez que tributo é toda prestação
pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela possa se exprimir, que não constitua sanção de ato
ilícito. Assim, a cobrança do tributo decorre, necessariamente, da prática de um ato lícito, por exemplo compra
e venda (circulação) de mercadorias, cujo valor, regra geral, formará a base para o cálculo do tributo.
A origem do ilícito tributário, fica evidente, é pecuniária. Não é penal. O não pagamento, puro e simples, do
tributo, portanto, se refere a um ilícito tributário e não a um ilícito penal.
O não pagamento de tributo representa, destarte, uma dívida do sujeito passivo (contribuinte) para com o sujeito
ativo (União, Estado, Distrito Federal ou Município), sendo-lhes, assim, aplicada a disposição contida no art. 5º,
LXVII da Constituição Federal, ora transcrita:
não haverá prisão civil por dívida, salvo a do responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável
de obrigação alimentícia e a do depositário infiel.
1.3- O tributo como fato jurídico penal e fato jurídico tributário.
O tributo como fato jurídico penal.
Decorrente de não pagamento do tributo, existe a figura típica do crime de sonegação fiscal. No entanto, a
sonegação pressupõe a fraude.
O tributo poderá ser não pago por erro numérico (inversão de números, erro de soma), interpretação equivocada
(na aplicação de base de cálculo ou alíquota, no reconhecimento de isenção), etc., e até mesmo pela falta de
numerário ou caixa na hora de recolhimento do tributo (atraso no pagamento).
Para todas essas hipóteses e outras mais de erro, não se pode dessumir a intenção do contribuinte em praticar
a sonegação fiscal. E agora estamos falando de Direito Penal, e no Direito Penal existem as figuras do dolo
(específico ou não), e da culpa (negligência, imprudência e imperícia), momento em que a intenção do agente é
de suma importância para a tipificação penal, e para a aplicação de penalidades.
No Direito Penal há crimes de resultado, onde o dolo é específico e sempre exigível, é o caso, entre outros, do
crime de sonegação fiscal. E há crimes considerados culposos, em que o resultado é apenas previsível e não
desejado, como na maioria dos crimes que acontecem no trânsito, seja por imprudência (velocidade
incompatível), seja por negligência (alcoolismo, sono, descuido), seja por imperícia (falta de habilitação para
dirigir).
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O crime de sonegação fiscal, portanto, por ser um crime de resultado, prevê o dolo específico. Desta forma, e à
evidência, um simples erro “culposo” não poderá ensejar a aplicação de sanção criminal. Isto porque, nos
crimes de resultado a ausência de intenção do autor descaracteriza o tipo penal, destipifica-o.
A intenção contida no crime de sonegação fiscal não é o simples não pagamento ou a redução do tributo,
que poderá ocorrer como vimos por erro ou ausência de numerário, mas é o não pagamento ou redução com
fraude (astúcia, habilidade, dissimulação) no intuito de se eximir, deliberadamente, do cumprimento de
norma tributária.
Desta forma, podemos afirmar que mesmo que haja a intenção do não pagamento, pelo atraso puro e simples,
tendo por fundamento a falta de disponibilidade de caixa, neste caso, não haverá a subsunção do fato tributário
à norma penal, porque faltou um dos elementos da tipificação, qual seja, querer o resultado fraudulento.
O tributo como fato jurídico tributário.
O tributo como um fato jurídico tributário, todavia, independe da vontade do contribuinte. Isto se depreende da
própria definição de tributo, quando o CTN diz que tributo é toda prestação compulsória. Não se leva em conta,
no direito tributário, por conseguinte, se o contribuinte tem ou não a intenção, por exemplo, de ser comerciante,
no entanto, se ele pratica, constantemente, o ato de comércio, será considerado contribuinte em relação à
circulação de mercadorias, por ele levada a efeito.
Aqui o não pagamento do tributo, a qualquer, título implica necessariamente em ilícito jurídico tributário. Isto
porque, sendo pecuniária a natureza do tributo, o erro, a interpretação equivocada ou a ausência de numerário,
acarretará o não recolhimento do tributo ou o recolhimento a menor ou com atraso.
E estas figuras que podem ser traduzidas como falta de pagamento, pagamento parcial ou mora, efetivamente,
são de natureza pecuniária, e como ilícito tributário acarretarão a multa, que é a sanção típica do direito
tributário, e que, à evidência, é uma sanção de natureza pecuniária.
Para o não cumprimento das obrigações acessórias, que são obrigações de fazer no sentido de facilitar o
controle fiscal, e que, geralmente contêm informações econômico-fiscais, são previstas também sanções
pecuniárias. Nesta hipótese poderá haver também sonegação de informações, as quais poderão resultar em
não pagamento de tributo, ou no pagamento parcial.
Nessa informação irregular, também, deverá estar presente o intuito da fraude. Isto quer dizer que para que
qualquer informação inverídica seja considerada sonegação fiscal, necessária se faz a presença do querer o
resultado ilícito, como seja o não pagamento ou a redução ilegal do tributo, mediante fraude.
Do mesmo modo, pois, o simples erro formal contido nas obrigações acessórias não implica em crime de
falsidade ideológica, muito menos, em crime de sonegação fiscal. Como exemplo, podemos citar uma
informação cadastral com inversão numérica de endereço (Rua tal nº 1.798 - por nº 1.978), que poderá levar a
fiscalização, equivocadamente, a constatar a inexistência do estabelecimento, sem que haja a intenção de
sonegar.
1.4 - Lamentável equívoco.
ALFREDO AUGUSTO BECKER, em relação à administração tributária, concluiu que “é verdade que a
obediência ao ordenamento jurídico por parte das autoridades que detêm o poder de tributar é universalmente
contestada, mas, no Brasil, essa desobediência é latente, a ponto de se denominar Manicômio Jurídico
Tributário ao sistema tributário vigente” (ALFREDO AUGUSTO BECKER, in Teoria Geral do Direito Tributário,
2.ed. p. 7. São Paulo: Saraiva, 1972).
A terrível constatação do eminente tributarista, que lhe serviu de premonição para a elaboração do livro
Carnaval Tributário, deveria também ter sido recebida como alerta para a grande desordem reinante no
sistema tributário, então, vigente.
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Inosbtante, tais sobreavisos, foram recebidos como amargura por alguns autores e como descrença, no seio da
administração tributária. Em suma, essas afirmativas não foram levadas a sério. E o resultado é que aquele
quadro, indesejável e previsto por Becker, perdura.
A explicação para tudo isto decorre, talvez, da complexidade do fato tributo (fato social, econômico e jurídico),
fazendo com que haja confusão, posto que como fato complexo o tributo não pode ser visto apenas pela ótica
do administrador público, ou do jurista ou do economista.
Desta forma, o tributo, visto apenas pelo lado de resultado para o administrador público, representa tão somente
receita tributária, desprezando-se o ordenamento jurídico.
Neste aspecto e no ICMS, por exemplo, se fala nos princípio de origem e de destino, princípios estes ignorados
pelo juristas, e que aplicados na substituição tributária interestadual ferem o próprio fato jurídico tributário,
porque nestes “institutos” a relação jurídico-tributária é afetada nos aspectos pessoal e espacial.
Por outro lado, se observarmos o tributo apenas como fato jurídico, corre-se o risco de se perder as
repercussões econômicas do tributo.
É de se trazer a este trabalho, ainda, a preocupação do professor de Direito Comercial da Universidade Federal
de Pernambuco, OTÁVIO LOBO, com o número cada vez maior de economistas legislando, como que
antecipando toda esta censurável confusão, preocupação esta demonstrada em seu discurso como paraninfo
da turma de 1972.
Não bastasse o equívoco provocado pela parcialidade das ciências econômicas e de administração pública, no
sentido de solucionar isoladamente o problema tributo, estamos agora diante de um outro engano, a tentativa de
se resolver o problema tributo e sonegação, isoladamente, através de seu aspecto penal.
Sobre o assunto, selecionamos as seguintes conclusões do renomado jurista JOSÉ PAULO CAVALCANTI
FILHO, publicadas no Jornal do Commercio (Pernambuco) do dia 15 de março próximo passado, cujo artigo tem
o título “Calma, senhores...”:
•“Nesse mundo nada é certo - exceto morrer e pagar impostos - Se Benjamin Franklin vivesse por aqui,
provavelmente, não teria dito esta frase.”
•”Um debate isento sobre o fisco, no Brasil, começará por constatar que nossa legislação fiscal é muito ruim”.
•”Reduzir tributos mediante omissão de informações é crime, ausente qualquer distinção entre um simples
equívoco e a intenção de sonegar” e, ”como prender quem queira, sem audiência do interessado, ainda quando
o processo administrativo não tenha sequer começado?”.
•”Até agora temos tido sorte, porque o Ministério Público vem agindo com bom senso”, e assevera, por fim, que
a prisão de sonegadores pressupõe, também, a prisão de fiscais e juízes desonestos, advogados e contadores
coniventes com a sonegação e até de membros do próprio Ministério Público, inadimplentes em suas denúncias
contra a sonegação.
Nosso entendimento segue no sentido de que a Lei nº 8.137/90 traz em seu bojo dispositivos inconstitucionais e
mesmo contrários à Ciência do Direito, que admite interpretações, contudo, tem seus próprios dogmas, como é
de convir a toda ciência.
Porque, como afirma PAULO DE BARROS CARVALHO: “acaso aceitemos, de maneira passiva e acrítica, os
erros que os textos de lei cursivamente exprimem, de nada servirá a investigação do sistema positivo, bem
como o trabalho descritivo que o explicita. E com essa lamentável predisposição, acabamos por destruir uma
das mais sérias pretensões do cientista, qual seja a de contribuir, efetiva e decididamente, para o
aperfeiçoamento das instituições jurídicas” (PAULO DE BARROS CARVALHO, in Curso de Direito Tributário, 5.
ed., p. 111, São Paulo: Editora Saraiva, 1991).
2) PERGUNTAS E RESPOSTAS
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2.1 - Cronologia e breve comentário sobre as leis que normatizam a
sonegação fiscal. 2.2 - O princípio geral da “benigna amplianda”. 2.3 - O
princípio da equivalência do artigo 150 inciso II da Constituição
Federal.
2.1 - Cronologia e breve comentários sobre as leis que normatizam a sonegação fiscal.
Lei nº 4.729/65.
A Lei nº 4.729/65 introduz, na legislação penal brasileira, o crime contra a sonegação fiscal. Seu mérito é que
prevê em todos os tipos de ilícito penal, definidos em seu ar. 1º, o dolo específico, ou seja, trata-os por crime de
resultado, mediante fraude.
Com, efeito, a tipificação de tais crimes é sempre acompanhada das seguintes expressões: com a intenção de
eximir-se, total ou parcialmente, do pagamento de tributos (inciso I), com a intenção de exonerar-se do
pagamento de tributos (inciso II), com o propósito de fraudar (inciso III), com o objetivo de obter dedução (inciso
IV) e com os verbos de ação com resultado imediato, tais como, exigir, pagar ou receber percentagem inciso V.
Deste modo, os crimes de sonegação fiscal pressupõem, acertadamente, a intenção dolosa e fraudulenta no
sentido de não pagamento de tributos.
As hipóteses constantes dos incisos I a IV do art. 1º desta Lei, entretanto, e em nosso entender, são crimes já
previsto no Código Penal, como crime de falsidade ideológica.
A circunstância de tais falsidades serem cometidas com o fim de não pagar tributos ou reduzi-los com prática de
fraude contra a Fazenda Pública deveria ser causa de aumento de pena deste crime, tipificado no art. 299 do
Código Penal.
As hipóteses do inciso V do mesmo art. 1º, a exemplo do contrabando, ou descaminho, configura-se, este sim,
um tipo penal com conotações exclusivamente tributárias. Aquelas se diferenciam dos crimes de corrução,
concussão ou extorsão, em virtude de que sua subsunção independe da condição do autor ser ou não
funcionário público, esta (o contrabando) tem conotações próprias de Direito Tributário.
Lei nº 8.137/90.
Esta lei define os crimes contra a administração tributária, em seus arts. 1º e incisos 2º e incisos, admitindo a
possibilidade de extinção de punibilidade, através do pagamento do tributo antes de ser pronunciada a denúncia.
Ela redefine os tipos de crime de sonegação fiscal da Lei nº 4.729/65, cuja vigência se restringe ao art. 5º
(contrabando ou descaminho). Este entendimento é predominante na doutrina, como se denota da leitura do
livro Crimes Contra a Ordem Tributária, Co-Edição Centro de Extensão Universitária e Revista dos Tribunais,
coordenada por IVES GANDRA DA SILVA MARTINS.
O art. 1º desta lei, prevê o dolo específico da supressão ou redução do tributo, sendo, pois, crimes de resultado.
Um problema de alta relevância, entretanto surge da análise da tipitificação das hipóteses do inciso I (ab initio omitir informação) e IV (in fine - uso de documento inexato).
Com efeito, nas hipóteses constantes dos incisos I a IV, fora as ressalvadas, está clara a intenção de fraude,
seja ela expressa, seja pelo uso da palavra falsa ou falsidade, eis que tal termo “é aplicado, a linguagem jurídica
para dar ou indicar a idéia de toda coisa que está fora da verdade, dissimulada, adulterada, que contém
fingimento ou é feita com engano ou erro, na intenção de iludir” (DE PLÁCIDO E SILVA, in Vocabulário Jurídico,
3.ed. V. 2 p. 673, Forense, São Paulo, 1973).
Nas hipóteses ressalvadas, entretanto, inexiste o dolo específico de querer a fraude contra a administração
tributária. E isto traz problemas seríssimos, se for admitido o erro na omissão, ou a boa-fé do usuário de
documentos inexatos. Neste último caso, o documento só é inidôneo, na maioria dos casos, após assim o
declarar a administração tributária, através de publicação de edital.
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O tratamento dado pela lei, todavia, é o mesmo. E, nessas hipóteses entre outras, a Lei nº 8.137/90 fere o art.
5º, LXVII da Constituição Federal e mais normatiza contrariamente à unidade do Direito, visto que, aqui, o
resultado do erro ou a boa-fé do contribuinte se caracterizam, apenas, como ilícito tributário, merecedor portanto
de sanção tributária (ou pecuniária), jamais privativa de liberdade, mesmo porque o tipo penal não se concretiza
(não pagamento ou pagamento a menor de tributo, mediante fraude).
Despiciendo é asseverar que os crimes tipificados nos incisos I, II, III e IV deste artigo, em nosso entender, são
causas de aumento de penas do crime de falsidade ideológica (e como tal deveriam ser tratados). O uso
previsto no inciso IV, também, deveria ser tratado como causa de aumento de pena do crime tipificado no art.
304 do Código Penal, ou seja, o crime de uso de documento falso.
Restam, como crimes de conteúdo tributário, as hipótese constantes do inciso V do mesmo artigo.
O art. 2º, da mesma Lei nº 8.137/90, em seu inciso I amplia o tipo penal dos incisos I e II do art. 1º, com o dolo
específico da supressão ou redução do pagamento de tributos, mediante fraude. Repete-se a afirmação de que
tais hipóteses seriam causas de aumento de penas do crime de falsidade ideológica.
Os incisos III a V absorvem hipóteses penais com conotações eminentemente tributárias e pressupõem o dolo
específico e fraudulento dos crimes contra a administração tributária.
O inciso II do art. 2º desta Lei nº 8.137/90, traz uma das maiores aberrações jurídico-penal, já vistas, em nosso
ordenamento. Com efeito, ele define como crime o simples não recolhimento do tributo, no prazo legal. Esta
obrigação é eminentemente tributária, e seu descumprimento vai ocasionar a configuração de um ilícito
tributário.
Como ilícito tributário, a sanção aplicável é a sanção pecuniária, e jamais uma sanção restritiva de liberdade.
Lembramos que a liberdade é conceito intrínseco ao de ser humano, e sua restrição se nos afigura como uma
sanção exorbitante em relação ao ato antijurídico praticado.
Ademais, falta um dos requisitos do tipo penal dos crimes, sejam eles denominados de sonegação fiscal ou
contra a administração tributária, que é a intenção dolosa de fraudar o pagamento de tributos, sobretudo no
caso do imposto cobrado. É possível que o legislador venha a cometer tremenda “aberratio juris”, mas o
aplicador da lei, o juiz, não estará obrigado a homologar tamanha irregularidade, seja pelo disposto no art. 5º
inciso LXVII CF, seja para preservar a unidade e a Ciência do Direito.
Mesmo na hipótese do não recolhimento do tributo “descontado” (antecipação ou substituição tributária), poderá
haver uma momentânea ausência de caixa, ou mesmo atraso involuntário no recolhimento do tributo, o que,
evidentemente, não tipifica o crime de sonegação fiscal.
Em nosso entender, despiciente é, também, a alegação de que no ICMS, ou nos tributos de lançamento por
homologação, a informação deste débito à Fazenda Pública, transformaria o crédito tributário em confissão de
dívida, para destipificar o crime previsto no inciso II deste art. 2º, posto que, por sua própria natureza não
recolhimento é um ilícito tributário, a merecer a respectiva sanção tributária.
O senhor implacável da natureza das coisas está a exigir que se corrija esta injustiça.
Por outro lado, o não recolhimento de tributo, em que o contribuinte substituto tem a posse por descontar do
contribuinte substituído, deveria ser causa de aumento de pena do crime de apropriação indébita (art.168 do
Código Penal).
No mesmo sentido do agravo de pena, deveria ser tido o não recolhimento de tributo, cujo valor é retido pelo
contribuinte dito direto, porém com uma pena menor em relação à hipótese anterior, haja vista que, nesta
hipótese o contribuinte tem a posse direta de valor, cujo recolhimento é de sua única responsabilidade,
enquanto que, naqueloutra, o recolhimento é de responsabilidade, originariamente, do substituído.
Mesmo assim, o dolo específico do não pagamento de tributos, mediante fraude terá que se fazer presente na
tipificação penal, para diferenciar o ilícito penal do simples atraso, que representa o ilícito tributário.
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O art. 3º em seus incisos I e II parece-nos, mais uma vez hipóteses causas de aumento de penas, agora dos
crimes tipificados nos arts. 314 (extravio, sonegação ou inutilização de livro ou documento), 3l6 (concussão) e
317 (corrução passiva), todos do Código Penal.
O art. 14, por fim, garantia a extinção de punibilidade, para tais crimes, desde que houvesse o pagamento do
tributo antes da denúncia.
Lei nº 8.212/91
O art. 95 e §§ desta lei dão a natureza de crime de apropriação indébita, por se reportar ao art. 5º da Lei nº
7.492/86 para as hipóteses previstas nas letras “d”, e “e”, como sejam não recolhimento das contribuições
arrecadadas e devidas à Seguridade Social.
Esta normatização, se coaduna com nosso pensamento, já citado, no sentido de que a falta de recolhimento se
constitui hipótese causa de aumento de pena do crime de apropriação indébita, já normatizado pelo Código
Penal, em seu art. 168.
Lei nº 8.383/91
O art. 98 da Lei nº 8.383/91 revoga o art. 14 de Lei nº 8.137/90, afastando a extinção de punibilidade, no crimes
contra a administração tributária.
Lei nº 9.249/95
O art. 34 desta Lei restaura a extinção da punibilidade com o pagamento do tributo antes da denúncia.
2.2 - O princípio geral da “benigna amplianda”.
Restaurada, pelo art. 34 da Lei nº 9.249/95, a extinção de punibilidade, antes da denúncia, argüi-nos o Centro de
Extensão Universitária, em primeiro lugar, se o princípio geral da “benigna amplianda” em matéria penal
prevalece sobre o veto presidencial que proíbe a extinção da punibilidade para os processos em andamento à
data da publicação da lei, se houver pagamento do crédito tributário.
Preliminarmente, a lei nº 9.249/95 permite a extinção da punibilidade, com o recolhimento do crédito tributário,
antes da denúncia. Mas esta mesma lei não qualifica se essa denúncia é a fiscal ou penal. Queremos assim
expressar nossa interpretação no sentido de que esta denúncia é a denúncia penal.
Com efeito, o texto do art. 34 da prefalada lei trata de matéria penal, e o termo denúncia, no sentido técnico de
Direito Penal, é “o ato mediante o qual o representante do Ministério Público formula sua acusação perante o
juiz competente a fim de que se inicie a ação penal contra a pessoa a quem se imputa a autoria de um crime ou
de uma contravenção” (DE PLÁCIDO E SILVA, Op. cit. V. 2, p. 496). No mesmo sentido diz o Dicionário Aurélio:
Verbete - denúncia = 1. Ato ou efeito de denunciar. 2. Jurídico. Peça inauguratória da ação penal de atribuição
do Ministério Público.
Aceito este raciocínio, temos que a extinção de punibilidade se aplica até o momento da denúncia criminal,
mesmo porque em termos de técnica jurídico-tributária trata-se freqüentemente da denúncia fiscal como início
do procedimento fiscal administrativo que se caracteriza, via de regra, com a intimação, notificação ou
lançamento.
Quanto ao princípio avocado, inicialmente, constata-se que a questão é essencialmente de Direito Penal, e
implicará, ainda, na análise da conceituação da consumação do crime. A consumação no crime de sonegação
fiscal, como já visto, não se configura no simples não pagamento do tributo, mas no não pagamento com fraude
(astúcia, habilidade, dissimulação).
O não pagamento ou o pagamento a menor poderão ocorrer, como vimos por erro ou ausência de numerário ou
caixa, casos em que inexiste a intenção da fraude ou aquela finalidade de descumprimento da norma tributária.
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Se o contribuinte sonega, e, tempestivamente, vem confessar o débito fiscal, recolhendo o crédito tributário,
houve o arrependimento, que, atualmente, é considerado pela lei como eficaz, extinguindo a punibilidade.
Inobstante, o crime já tinha sido consumado.
Havendo a denúncia penal, nos crimes de ação pública como é o caso, forçosamente, há que se instaurar o
processo, que inexoravelmente, correrá todos os trâmites, até à condenação ou absolvição do réu, constatandose oficialmente a consumação do crime.
Em ambos os casos, todavia, a consumação é evidente, e não vemos porque trata-los diferentemente. Se a
extinção de punibilidade pressupõe a prática do crime (crime consumado), o crime já foi cometido com ou sem
denúncia penal. Desta forma somos favoráveis à aplicação do princípio da benigna amplianda.
Em nosso entendimento, pois, o princípio da aplicação da lei mais benigna ao réu extrapola à hipótese dos
processos que estão em andamento, onde já ocorreu a denúncia. Ele poderá ser avocado, inclusive para as
novas denúncias, porquanto é bem mais ampla a possibilidade de sua aplicação.
Com efeito, o propósito colimado pelo princípio da benigna amplianda é a utilização de lei posterior em benefício
do réu, com a aplicação da penalidade que lhe é mais favorável. Na extinção da punibilidade, prefixada na Lei nº
9.249/95, o pagamento do tributo é considerado a renúncia, pelo Estado, do direito de punir, relativamente aos
crimes de sonegação fiscal e contra a ordem tributária.
Os elementos materiais, portanto, estão presentes sempre que, havendo a supressão ou redução fraudulenta de
tributos, houver o respectivo pagamento. O momento em que esse pagamento ocorreu, a nosso ver, não exclui
essa materialidade, apenas caracteriza na lei o aspecto temporal de sua aplicação.
Ora, o princípio da benigna amplianda atua, exatamente, no aspecto temporal da lei, beneficiando o agente, e
deverá ser invocado, até para que sejam proferidas decisões judiciais sobre o caso em tela, formando
jurisprudência.
Sobre o assunto e argüido por nós, manifestou-se o eminente professor de Direito Penal da Universidade
Federal de Pernambuco, NILZARDO CARNEIRO LEÃO, no sentido de que o advogado, nesta hipótese, não só
pode, como deve requerer a favor de seu constituinte os benefícios da benigna amplianda.
Parece-nos, por fim, que este caso se adequa, perfeitamente, aos preceitos insertos nos axiomas jurídicos que
justificam a isonomia:
“ubi eadem legis ratio, ibi ipsa lex” - onde há a mesma razão da lei, aí deve a lei ser a mesma,
“ubi eadem ratio, ibi eadem legis dispositio esse debet” - onde há a mesma razão, deve-se aplicar a
mesma disposição legal (IÊDO BATISTA NEVES, in Vocabulário Prático de Tecnologia Jurídica e de
Brocardos Latinos, 2a. ed., Fase, Rio de Janeiro, 1988).
2.2 - O princípio da equivalência do artigo 150 inciso II da Constituição Federal.
A segunda pergunta formulada pelo Centro de Extensão Universitária, tendo em vista a restauração da extinção
de punibilidade antes da denúncia, pela Lei nº 9.249/95, é se o princípio da equivalência do art. 150 inciso II da
Constituição Federal é afetado pelo tratamento diferencial do sujeito passivo da relação tributária que pagou o
crédito tributário antes ou depois da denúncia, com extinção da punibilidade apenas no primeiro caso.
Preceitua a norma constitucional: “Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à
União, aos Estados , ao Distrito Federal e aos Municípios:
I - omissis;
II - instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer
distinção em razão de ocupação profissional ou função por elas exercida, independentemente da denominação
jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos”.
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A primeira dificuldade em se interpretar este dispositivo constitucional, favoravelmente à argüição, se prende ao
fato de saber se as hipóteses nele explicitadas são exemplificativas ou exaustivas.
Se entendermos que elas exaurem o conceito de tratamento desigual, necessariamente, a resposta há que ser
pela negativa, porque a interpretação de tal dispositivo se esgota por instituir tratamento desigual entre
contribuintes que se encontrem em situação equivalente tendo-se em conta, tão somente, a razão de ocupação
profissional ou função por elas exercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos
ou direitos.
A hermenêutica jurídica, por seu turno, aconselha que um dispositivo não deve ser analisado isoladamente, ao
contrário, deverá ele ser considerado no contexto em que se inclui.
“O Direito objetivo não é um conglomerado caótico de preceitos; constitui vasta unidade, organismo regular,
sistema, conjunto harmônico de normas coordenadas, em interdependência metódica, embora cada uma no seu
lugar próprio. Cada preceito, portanto, é membro de um grande todo; por isso do exame em conjunto resulta
bastante luz...” (CARLOS MAXIMILIANO, in Hermenêutica e Aplicação do Direito, 12.ed. p. 128. Rio de Janeiro:
Forense, 1992).
Desta forma, vamos constatar que o inciso II do art. 150 da Constituição Federal está inserto na Seção II -Das
Limitações do Poder de Tributar, do Capítulo I - Do Sistema Tributário Nacional, Título VI - Da Tributação e do
Orçamento. Surge, assim, a segunda dificuldade em relação à aplicação deste dispositivo ao alcance da
extinção de punibilidade prevista na Lei nº 9.249/95.
É que, o preceito contido neste inciso, é de natureza, eminentemente, jurídico-tributária e está sendo invocado
para aplicação ou interpretação de uma norma penal, concessiva de extinção de punibilidade, o que contradiz
todo o raciocínio desenvolvido neste trabalho.
A nosso modo de ver, por conseguinte, mesmo que as hipóteses constantes do inciso II do art. 150 da
Constituição Federal sejam consideradas exemplificativas, sua interpretação sistêmica nos leva a forçosamente
concluir que este dispositivo constitucional de conotação meramente tributária, não é afetado pelo tratamento
diferencial do sujeito passivo da relação tributária que pagou o tributo após a denúncia, por tratar a Lei nº
9.249/95 de matéria penal.
Ademais, a diferença de tratamento da Lei nº 9.249/95 fere, diretamente o princípio da isonomia, e não o da
equivalência. Isonomia é o estado daqueles que são governados pelas mesmas leis, e, portanto, a igualdade de
todos perante a lei, entre nós, assegurada como princípio constitucional (CF. art. 5º, caput).
E quanto ao mesmo tratamento legal para situações idênticas, já nos pronunciamos favoráveis à aplicação do
princípio da benigna amplianda, no item anterior quando invocamos o brocardo latino, sinônimo da isonomia.
3) CONCLUSÕES E SUGESTÕES
3.1 - Conclusões. 3.2 - Sugestões - 3.3 - Observação Final
3.1 - Conclusões.
Diante de tudo que foi aqui exposto, concluímos que:
1) O fato tributário é um fato complexo a reclamar um estudo mais profundo em suas repercussões, sejam
sociais, econômicas ou jurídicas;
2) Em seu aspecto jurídico, o tributo é normatizado pelo Direito Constitucional, pelo Direito Administrativo, pelo
Direito Penal (com conotações tributárias) e pelo Direito Tributário, e essa natureza jurídica é quem determinará
se o fato tributo é um fato jurídico-constitucional, administrativo, penal ou tributário;
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3) O dolo específico dos crimes contra a ordem tributária é querer a supressão ou redução do tributo, mediante
fraude;
4) A sanção do ilícito jurídico-tributário é, apenas, pecuniária, caracterizando-se esse ilícito como o não
pagamento, a redução ou o pagamento com mora do tributo, além do descumprimento das obrigações
acessórias;
5) Do mesmo modo que Mandado de Segurança não é substitutivo de ação de cobrança (Súmula nº 269 do
Supremo Tribunal Federal), não se pode utilizar do Direito Penal para se cobrar impostos, ou parafraseando a
súmula citada a sanção do Direito Penal não é substitutiva da execução fiscal;
6) Punir o ilícito jurídico-tributário com sanção penal é, pelo menos um equívoco, uma exorbitância, uma
investida contra a Ciência do Direito, sub-utilizando o Direito Penal, além de ser uma inconstitucionalidade
gritante contra o inciso LXVII do art. 5º da Constituição Federal que determina que não haverá prisão civil por
dívida, salvo a do responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia e
a do depositário infiel;
7) A Lei nº 8.137/90 traz, em seu bojo, erros grosseiros contra o ordenamento jurídico brasileiro, que poderão
ser avocados, judicialmente, para impedir sua aplicação, manifestamente injusta e contrária à unidade da
Ciência do Direito;
8) A aplicação do princípio geral da benigna amplianda, em relação ao disposto no art. 34 Lei nº 9.249/95,
extrapola à hipótese dos processos que estão em andamento, onde já ocorreu a denúncia. Ele poderá ser
avocado, inclusive, para as novas denúncias, porquanto os elementos materiais estão presentes sempre que,
havendo a supressão ou redução fraudulenta de tributos, houver o respectivo pagamento, porque este caso se
adequa, perfeitamente, ao preceito inserto no axioma jurídico que justifica a isonomia: “ubi eadem legis ratio,
ibi ipsa lex” - onde há a mesma razão da lei, aí deve a lei ser a mesma,
9) Embora o art. 34 da Lei nº 9.249/95 não explicite, a denúncia que demarca o termo da extinção de
punibilidade, é a denúncia penal, posto que este artigo de lei trata de matéria penal, mesmo porque em termos
de técnica jurídico-tributária trata-se freqüentemente da denúncia fiscal como início do procedimento fiscal
administrativo que se caracteriza, via de regra, com a intimação, notificação ou lançamento;
10) A interpretação sistêmica da equivalência constante do inciso II do art. 150 da Constituição Federal nos leva
forçosamente a concluir que este dispositivo constitucional tem conotação meramente tributária, não podendo
ser aplicada ao Direito Penal. Ademais, a diferença de tratamento da Lei nº 9.249/95 fere, diretamente, outro
princípio, o da isonomia.
3.2 - Sugestões:
1) A lei tributária deverá ser elaborada e apreciada, conjuntamente, por estudiosos das ciências sociais,
econômicas e tributárias;
2) Da mesma forma que a imunidade é interpretada teleologicamente (decorre de norma constitucional) e que o
lançamento deverá ser estudado à luz do Direito Administrativo (por ser um fato jurídico-administrativo), a
sanção penal deverá ser resguardada para os crimes contra a ordem tributária, acima catalogados, nos quais o
dolo específico é querer a supressão ou redução do tributo, mediante fraude, sem o qual não haverá tipicidade;
3) Ao Direito Penal compete instituir sanção contra a fraude fiscal e os crimes contra a administração tributária
deveriam ser renomeados para crimes contra a ordem tributária, e são eles:
a) contrabando ou descaminho previsto no art. 334 do Código Penal, com a redação dada pelo art. 5º da
Lei nº 4.729/65;
b) as hipóteses previstas no inciso V do art. 1º da Lei nº 8.137/90;
c) as hipóteses tipificadas nos incisos III a V do art. 2º da Lei nº 8.137/90 e
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4) Toda e qualquer hipótese de fraude relativa ao pagamento do tributo ou contra a ordem tributária, para a qual
já é previsto pelo Código Penal tipificação específica, à exemplo da falsidade ideológica, deverá ser tratada
como causa de aumento de pena do referido tipo penal;
5) A inconstitucionalidade acima citada deverá ser denunciada, o que é agora sugerido como proposição aos
especialistas em Direito Tributário do Centro de Extensão Universitária, à Ordem dos Advogados do Brasil, para
que seja impetrada a competente ADIN.
3.3 - Observação final.
Este trabalho, as afirmações, conclusões e sugestões nele proferidas, mesmo porque sintéticas, deverão ser
recebidas como ponto de partida para desdobramentos mais profundos e elaboração de fundamentação jurídica
em defesas judiciais.
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Artigo publicado na Revista dos Tribunais – Cadernos