Direitos, integração e mobilidades: Desafios no mercado de trabalho
Stanley Gacek1
Boa tarde a todos e todas. Antes de prosseguir com meus comentários, gostaria
de cumprimentar os palestrantes ilustres da mesa, Christina Aires Correia Lima da CNI,
Marjolaine Tavares do Canto da CNC, e meu colega de longa data devido à minha
história anterior com o movimento sindical americano e internacional, Valdir Vicente da
UGT. Também gostaria de cumprimentar os Ministros de Estado, Autoridades,
Pesquisadores, Representantes da Sociedade Civil e dos Órgãos Governamentais,
Líderes Sindicais e Representantes dos Empregadores.
Também quero parabenizar a iniciativa dos coordenadores deste seminário pelo
lançamento oficial do Observatório das Migrações Internacionais, especialmente por
meio do Ministério do Trabalho e Emprego e do Conselho Nacional de Imigração
(CNIg). Quero reconhecer os esforços e as contribuições especiais do Dr. Paulo Sérgio
de Almeida, Secretário da Inspeção do Trabalho e Presidente do CNIg, e também do
Professor Leonardo Cavalcanti da UnB.
Realmente é uma honra para nosso Escritório da OIT em Brasília estar presente
neste seminário e participar no painel intitulado “Direitos, integração e mobilidades:
Desafios no mercado de trabalho”. O tema deste seminário é de importância central para
a OIT e para sua missão. Ele vai nortear um debate transversal e crucial na próxima
Conferência Internacional do Trabalho em Genebra, na 103ª sessão, que começa no
final deste mês2. Haverá uma discussão sobre o Relatório Especial do Diretor Geral Guy
Ryder, intitulado “Migração Justa – a Criação de uma Agenda da OIT” (OIT, 2014).
Aliás, vou me referir bastante ao conteúdo desse documento do Diretor Geral nos meus
comentários de hoje como debatedor.
Haverá uma comissão especial na Conferência para discutir o futuro das normas
da OIT sobre a eliminação do trabalho forçado e trabalho escravo, e, especialmente em
relação à Convenção 29, ratificada pelo Brasil em 1957, para que haja uma nova
1
Advogado trabalhista norte-americano, Diretor-Adjunto do Escritório da OIT no Brasil desde 2011,
membro da Ordem de Advogados do Distrito de Columbia (Washington, D.C.) desde 1979, juris doutor
em Direito pela Harvard Law School, Cambridge, Massachusetts, EUA, e professor visitante, Harvard
University, Departamento de Sociologia, em 2008.
2
A 103ª sessão da CIT já foi realizada entre o dia 28 de maio e o dia 12 de junho de 2014. Este discurso
foi proferido no seminário sobre migração laboral no Brasil, duas semanas antes do começo da 103ª CIT.
71
recomendação e um novo protocolo para enfrentar com mais precisão e detalhe os
desafios do aliciamento ao tráfico de pessoas, da exploração do seu trabalho, e a
decorrente privação de sua liberdade e o abuso de direitos humanos básicos.3
Também gostaria de relatar muito brevemente o que o sistema de controle de
normas da OIT, e especificamente o Comitê de Peritos, tem concluído e recomendado
no caso do Brasil e a Convenção 97 da OIT sobre trabalhadores migrantes. Mesmo que
haja uma variedade de motivos para a mobilidade de pessoas, - fugas dos locais de
conflito armado, de repressão política, e de desastres naturais, sem nenhuma dúvida, a
privação e as dificuldades econômicas no país de origem (remetente), e a demanda pelo
trabalho no país destinatário, constituem uma explicação fundamental da seguinte
realidade: há 232 milhões de migrantes no mundo fora do seu país de origem (OIT,
2014: 3).
Embora algumas situações migratórias ultrapassem o tema do trabalho no
sentido estrito e entrem na esfera da ajuda humanitária, como no caso dos haitianos no
Brasil, sempre aparecem afinal os desafios de trabalho decente. (O trabalho decente,
conceito formalizado pela OIT em 1999, sintetiza a sua missão histórica de promover
oportunidades para que homens e mulheres possam ter um trabalho produtivo e de
qualidade, em condições de liberdade, equidade, segurança e dignidade humana.
Também ele é o ponto de convergência dos quatro objetivos estratégicos da OIT:
- o respeito aos direitos no trabalho (em especial aqueles definidos como
fundamentais pela Declaração Relativa aos Direitos e Princípios
Fundamentais de
1998: liberdade sindical e reconhecimento efetivo do direito de negociação coletiva;
eliminação de todas as formas de trabalho forçado; abolição efetiva do trabalho infantil;
eliminação de todas as formas de discriminação em matéria de emprego e ocupação);
- a promoção do emprego produtivo e de qualidade;
- a extensão da proteção social; e o fortalecimento do diálogo social. (OIT, 2011)
Obviamente a Resolução Normativa nº 106, publicada pelo CNIg no ano
passado para providenciar um visto especial aos migrantes haitianos4, foi elaborada para
enfrentar esses desafios eventuais de trabalho decente, inclusive por meio de todos os
auxílios oferecidos pelos ministérios e pelas autoridades federais e estaduais, inclusive
pontos de atendimento, abrigo, formação, e a intermediação.
3
A Recomendação 203 sobre os Meios Suplementares à Supressão do Trabalho Forçado e o Protocolo
relativo à Convenção 29 foram adotados na 103º Sessão da CIT.
4
Resolução
Normativa
No.
106
do
24
de
outubro
de
2013.
Ver:
portal.mte.gov.br/trab_estrang/resolucoes-normativas.htm
72
Para resumir, seja o que for o motivo principal da mobilidade, a realidade final
sempre envolverá a questão de emprego e trabalho decente.
Também quero destacar os seguintes comentários do Diretor Geral no Relatório
Especial dele:
“A OIT pretende trazer à discussão (sobre migrações)
uma abordagem de direitos do trabalho (chamada uma “rights-based
approach”, em inglês) baseada nos valores universais de tratamento
igual e uma eliminação total de discriminação. Trabalhadores e
trabalhadoras migrantes devem receber remuneração igual pelo
trabalho de valor equivalente. Também eles devem ter a oportunidade
de exercer seus direitos fundamentais, inclusive os direitos sindicais.
Não é apenas uma questão básica de direitos humanos, mas também
será a melhor maneira de assegurar que a migração não for
explorada para solapar os termos e condições existentes de
trabalho”. (OIT, 2014: 7)
Há outros pontos e observações da OIT a ser consideradas no debate também.
Em primeiro lugar, migrações e imigrações justas são alicerces básicos do sistema
normativo da OIT desde o inicio da organização.
Por exemplo, o Preambulo da
Constituição da OIT de 1919 faz uma referência explícita “à defesa dos interesses dos
trabalhadores empregados no estrangeiro”5. E a Declaração da Filadélfia de 1944 (da
OIT) fala de “garantias adequadas”, inclusive na área de formação profissional, para
trabalhadores migrantes6.
A menos que se explicite o contrário, todos os instrumentos normativos da OIT
cobrem os trabalhadores migrantes, independentemente de sua situação regular ou
irregular.
Aliás, são 82 convenções da OIT em vigor que foram ratificadas pelo Brasil.
As convenções da OIT são tratados internacionais que definem padrões mínimos
a serem observados por todos os países que as ratificam. A ratificação de uma
convenção da OIT por qualquer de seus Estados-Membros é um ato soberano e implica
5
6
Ver a Constituição da OIT, www.oitbrasil.org.br/documentos
Ver a Declaração da Filadélfia da OIT, www.oitbrasil.org.br/documentos
73
sua incorporação ao sistema jurídico, legislativo, executivo e administrativo do país em
questão, tendo, portanto, um caráter vinculante (OIT, 2012: 4; Gunther, 2011: 49-53).
Há três convenções da OIT (97, 143 e 181) que tratam especificamente as
condições dos migrantes. Convenção 97, adotada em 1949, estipula as condições e
direitos gerais para os trabalhadores/as migrantes; Convenção 143, adotada em 1975,
trata a questão das imigrações efetuadas em condições abusivas; Convenção 181,
adotada em 1997, é relativa às agências privadas de emprego, e garante no Artigo 7º que
“as agências de emprego privadas não devem impor aos trabalhadores (inclusive aos
trabalhadores migrantes), diretamente ou indiretamente, o pagamento de honorários ou
outros encargos”7 e o Artigo 4º, garante os direitos de liberdade sindical e de
negociação coletiva para os trabalhadores recrutados e contratados, inclusive os
migrantes. 8
A Convenção 97 foi a única dessas três normas ratificada pelo Brasil, e isso foi
em 1965. O Artigo 1º da norma obriga ao Estado Membro que ratificou a Convenção a
providenciar:
“a- informações sobre a política e a legislação nacional
referente à emigração e imigração;
b- informações sobre disposições especiais relativas ao
movimento de trabalhadores migrantes e às suas condições de
trabalho e de vida;
c- informações sobre os acordos gerais e os entendimentos
especiais nestas matérias, celebrados pelo Membro em apreço.” 9
Artigo 2º obriga que o Estado Membro mantenha “um serviço gratuito
adequado incumbido de prestar auxílio aos trabalhadores migrantes e, especialmente, de
proporcionar-lhes informações exatas ou assegurar que funcione um serviço dessa
natureza.”10 E o Artigo 3º obriga as medidas cabíveis nacionais contra a propaganda
falsa e enganadora utilizada no aliciamento e no recrutamento dos trabalhadores
migrantes.11
Artigo 6º diz que
7
Convenção 181 da OIT, http://www.oitbrasil.org.br
Id.
9
Convenção 97 da OIT, http://www.oitbrasil.org.br
10
Id.
11
Id.
8
74
“se obriga a aplicar aos imigrantes
que se encontrem
legalmente em seu território, sem discriminação de nacionalidade,
religião ou sexo, um tratamento que não seja inferior ao aplicado a
seus próprios nacionais com relação aos seguintes assuntos:
a) sempre que estes pontes estejam regulamentados pela
legislação ou dependem de autoridades administrativas:
I) a
remuneração, compreendidos os abonos familiares quando estes
fizerem parte da mesma, a duração de trabalho, as horas
extraordinárias, férias remuneradas, restrições do trabalho a
domicílio, idade de admissão no emprego, aprendizagem e formação
profissional, trabalho das mulheres e dos menores; II) a filiação a
organizações sindicais e o gozo das vantagens das convenções
coletivas; III) a habitação;
b) a seguridade social (isto é, as disposições legais relativas
aos acidentes de trabalho, enfermidades profissionais, maternidade,
doença, velhice e morte, desemprego, e encargos de família, assim
como a qualquer outro risco que, de acordo com a legislação
nacional esteja coberto por um regime de seguridade social), sob
reserva: I) de acordos adequados visando à manutenção dos direitos
adquiridos e dos direitos em curso de aquisição; II) de disposições
especiais estabelecidas pela legislação nacional do país de imigração
sobre auxílios ou frações de auxílio pagos exclusivamente pelos
fundos públicos e sobre subsídios pagos às pessoas que não reúnam
as condições de contribuição exigidas para a percepção
de um
benefício normal;
c) os impostos, taxas e contribuições, concernentes ao
trabalho, percebidas em relação à pessoa empregada;
d) as ações judiciais relativas às questões mencionadas na
presente convenção.”12
O Anexo 1º da Convenção 97 fala sobre as medidas necessárias para
regulamentar e fiscalizar as agências privadas de recrutamento para o emprego – ou
12
Id.
75
seja, nos casos de trabalhadores migrantes “que não tenham sido recrutados em virtude
de acordo sobre migrações coletivas celebrados sob controle governamental.”13
Em relação à Convenção 97, o Comitê de Peritos enviou um requerimento direto
ao governo brasileiro em 2013, pedindo o seguinte:
“a) mais informações sobre os avanços relativos ao PL No.
5655 de 2009 que estabelece um novo regime migratório e fortalece o
mandato do CNIg;
b) mais informações sobre os avanços em relação à questão
migratória nos acordos MERCOSUL sobre Inspeção de Trabalho e
Seguridade Social;
c) mais informações sobre as medidas concretas adotadas e
destinadas à proteção dos brasileiros que migram ao exterior, e
especialmente para prevenir o abuso, a exploração e a violência
contra as trabalhadoras migrantes do Brasil;
d) mais informações sobre as medidas adotadas para garantir
que os trabalhadores migrantes não sejam as vítimas de propaganda
enganadora;
e) mais informações sobre as medidas que garantem a
igualdade de tratamento para os trabalhadores migrantes no Brasil,
especialmente em relação à Copa, sobre a evolução da reforma da
Lei No. 6815 de 1980 quanto ao estrangeiro, e sobre as medidas
adotadas quanto à proteção das trabalhadoras e dos trabalhadores
domésticos migrantes, e, por fim,
f) informações sobre a aprovação do decreto presidencial para
regulamentar a aplicação do Anexo 1º da Convenção sobre as
agências privadas e os trabalhadores migrantes”.14
Gostaria de destacar algumas políticas e medidas que poderiam ser tomadas no
futuro, conforme recomendadas pelo Diretor-Geral da OIT em seu Relatório Especial
sobre as migrações:
13
Id.
Direct Request (CEACR) – adopted 2013, published 103rd ILC Session (2014), Migration for
Employment Convention (Revised), 1949 (No. 97) – Brazil (Ratification: 1965). Disponível em
http://www.ilo.org/dyn/normlex/en/f?p=1000:13100:0::NO:13100:P13100_COMMENT_ID:3113071
14
76
A promoção do trabalho decente nos países de origem,
inclusive através das contribuições dos migrantes no exterior, que
significam um grande potencial para o desenvolvimento sustentável e
o combate à pobreza e à privação econômica. Em 2013, o valor total
das remessas dos migrantes para os países de origem foi
$404
bilhões de dólares- ou seja, três vezes mais o valor da assistência
oficial ao desenvolvimento sustentável no exterior!
Regulamentação e garantias de migração justa nos regimes de
integração regional. Acordos e tratados regionais e bilaterais sobre a
portabilidade de direitos de seguridade social (os chamados acordos
de “totalização”) fazem parte deste sistema de regulamentação.
Promoção de acordos bilaterais para garantir migração justa
entre os Estados membros da OIT – e inclusive entre os constituintes
– por exemplo, as centrais sindicais. As centrais sindicais dos países
destinatários, inclusive na América do Norte e na Europa, têm
proporcionado informações sobre os direitos trabalhistas e sindicais
(nos países destinatários) para os trabalhadores e trabalhadoras
imigrantes, e através das centrais dos países remetentes.
A incorporação de processos de recrutamento justo – inclusive
nas agências privadas de emprego.
Erradicação das situações e das formas inaceitáveis de
trabalho para os migrantes.
Abordagem de políticas baseadas nos direitos e nas normas da
OIT – o “rights based approach”.(OIT, 2014: 21-23)
Nós da OIT gostaríamos de parabenizar o Brasil pela abordagem de políticas
baseadas nos direitos para os migrantes. A nosso ver, o principal objetivo da Política
Nacional do Brasil sobre Migrações é proporcionar que os movimentos migratórios
77
ocorram de forma regular e documentada, buscando a proteção dos direitos humanos e
das normas da OIT e combatendo, dessa forma, a prática do tráfico de pessoas,
exploração laboral e sexual entre os migrantes. Neste sentido a OIT continua sendo uma
parceira fiel e constante com o governo brasileiro, e com as organizações de
empregadores e trabalhadores brasileiros, para apoiar na construção das ações de
proteção aos migrantes.
Sendo estrangeiro com o privilégio de muita experiência na área internacional,
posso testemunhar que o Brasil é impar entre todos os 185 Estados Membros da OIT em
termos do seu compromisso nacional, estadual, regional e municipal de incorporar o
Trabalho Decente como uma política fundamental. E a iniciativa deste seminário é outro
comprovante desse compromisso exemplar.
Quero concluir com as palavras de um presidente do meu país – Franklin Delano
Roosevelt. Em 1938, ele estava falando no congresso da organização chamada, “As
Filhas da Revolução Americana”. Naquela época, essa associação de mulheres estava
defendendo “os valores anglo saxões” em contraste, e, às vezes, contra as outras
nacionalidades e etnias nos Estados Unidos. Com muita coragem, Roosevelt fez o
seguinte comentário sábio no discurso dele: “todos nós, inclusive as senhoras, somos os
descendentes de imigrantes do exterior e de revolucionários.”
78
Referências Bibliográficas
GUNTHER, Luiz Eduardo. A OIT e o Direito do Trabalho no Brasil. Curitiba:
Juruá Editora, 2011.
OIT – Organização Internacional do Trabalho. A OIT no Brasil – Trabalho
Decente Para uma Vida Digna. Brasília: OIT/Escritório no Brasil, 2012. Disponível em
www.oitbrasil.org.br
OIT – Organização Internacional do Trabalho. O que é Trabalho Decente.
OIT/Escritório
no
Brasil,
Brasília:
2011.
Disponível
em
http://www.oitbrasil.org.br/content/o-que-e-trabalho-decente
OIT – Organização Internacional do Trabalho. Report of the Director-General:
Fair Migration/Setting an ILO Agenda. International Labor Conference, 103rd Session,
Report 1 (B), Genebra, 2014.
79
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