Problemas de Valores de Fronteira
Em muitos problemas de Física e Engenharia é necessário encontrar soluções
de EDOs (ou sistemas de EDOs) que satisfazem certas condições nos pontos
de fronteira de um domínio considerado (intervalo, semi-recta ou recta). Tais
problemas são conhecidos como problemas de valores de fronteira (PVFs).
Vamos ver dois exemplos de problemas desse tipo.
Exemplo 1. Flexão de uma membrana circular
Considere-se uma membrana circular, presa no bordo, sujeita a uma certa
carga. O processo de deformação da membrana pode ser estudado através de
um sistema de equações com derivadas parciais, que relaciona a pressão a que a
membrana está sujeita, a tensão e a deformação em cada ponto. Introduzindo
coordenadas polares na membrana e após algumas transformações, obtém-se a
seguinte equação diferencial ordinária de segunda ordem:
2
2
d2 F
+
=
; 0<
32F 2
8
d 2
1;
onde F = Sr ; Sr é a tensão radial, = 2 é a variável independente,
é
um parâmetro que depende das características da membrana. As condições de
fronteira para este problema são
F (0) = 0
(a tensão é …nita no centro da membrana) e
2
dF
(1) + (1
d
)F (1) = 0
(condição de equilíbrio das tensões no bordo da membrana). Este problema tem
uma singularidade em = 0; já que, por força da primeira condição de fronteira,
a soluçãoanula-se nesse ponto e logo há uma descontinuidade no primeiro membro da equação. A análise de problemas singulares como este exige o recurso a
técnicas especiais que serão discutidas noutra parte do programa.
Este problema foi estudado em vários trabalhos onde foi demonstrada a
existência e unicidade de solução.
Exemplo 2. Escoamento de gás num meio poroso.
Considere-se o escoamento de um gás num meio poroso ilimitado. No instante inicial a pressão do gás sofre uma quebra de p0 para p1 ; após o que se
mantém constante. Após algumas transformações, a equação deste processo
toma o aspecto
d2 w
dw
+ 2z(1
w) 1=2
= 0; z 0;
dz 2
dz
onde z = xt
1=2
A (A é uma constante), w =
1
1
(1
p2
);
p20
=1
p21
:
p20
As condições de fronteira, neste caso, são
w(0) = 1; lim w(z) = 0:
z!1
Como todos os problemas em domínios ilimitados, este problema apresenta
uma singularidade em in…nito. Além disso, tem uma singularidade em z = z0 ;
onde z0 é tal que 1
w(z0 ) = 0:
Formulação de um PVF no caso geral
Consideremos um sistema de EDOs escrito na forma
y 0 (x) = f (x; y); 0
x
1;
(1)
onde y = (y1 ; y2 ; :::; yn ): Suponhamos que x = 0 e x = 1 não são pontos singulares do sistema, ou seja, que a função f = (f1 ; f2 ; :::; fn ) é contínua nesses pontos. A …m de formular um PVF para este sistema são necessárias n condições,
envolvendo os valores desta função em x = 0 e x = 1: Suponhamos que cada
condição é dada por uma equação linear que envolve apenas valores das componentes de y num destes pontos. Na forma geral, temos
n
X
aij yj (1) = ci ; i = 1; :::; m
(2)
bij yj (0) = ci ; i = m + 1; :::; n;
(3)
j=1
n
X
j=1
o que corresponde a m condições no ponto x = 1 e n m condições no ponto
x = 0:Admitamos ainda que a matriz A dos coe…cientes aij tem característica
m e a matriz B dos coe…cientes bij tem característica n m; isto é, que as
condições de fronteira são linearmente independentes. Para que o problema seja
não singular, requer-se também que, sendo yj (0) e yj (1) valores que satisfazem
as condições (2) e (3), a função f é contínua em (0; y(0) e (1; y(1)): A existência
e a unicidade de solução para problemas deste tipo são questões complexas, que
só podem ser analisadas caso a caso, ou para determinadas classes de problemas.
Podemos apenas a…rmar que existe uma família m-paramétrica de soluções
do sistema (1) que satisfazem as condições (3); isto é, se, além das n m
condições (3) estabelecermos m condições sobre os valores de y em 0; …caremos
com um problema de valores iniciais que tem solução única. Do mesmo modo,
podemos a…rmar que existe uma família (n-m)-paramétrica de soluções do sistema (1) que satisfazem as condições (2). Estes factos estão na origem de um
dos métodos mais comuns para a resolução de PVF, conhecido como o método
do tiro (shooting).
2
Método do Tiro
Seja B uma submatriz quadrada da matriz B; com as componentes bij ;
i; j = m + 1; n .Uma vez que a matriz B, por condição, tem característica
n m; a matriz B também tem a mesma característica e podemos, através
de transformações elementares, reduzi-la a uma matriz triangular superior B 0 .
Assim, admitindo que as condições (3) são satisfeitas, para cada um dos valores
yi (0) é válida a seguinte igualdade:
Pn
Pm
0
ci
j=i+1 bij yj (0)
j=1 bij yj (0)
yi (0) =
; i = n; n 1; :::; m + 1:
bii
Consideremos então o seguinte PVI:
yi (0) =
ci
Pn
j=i+1
yi (0) = P
si ; i = 1; :::; m
m
b0ij yj (0)
j=1 bij sj
; i = n; n
bii
1; :::; m + 1;
(4)
onde os parâmetros si ; i = 1; 2; :::; m são escolhidos arbitrariamente. O problema
com as condições iniciais (4) tem solução única para cada conjunto de valores
fsi gm
Suponhamos
i=1 : Por construção essa solução satisfaz as condições (3).
agora que a solução foi calculada, para um certo conjunto de valores fsi g; no
intervalo [0; 1]: Representemos essa solução por y(x; s1 ; s2 ; :::; sm ): Para que essa
solução veri…que as condições (1), deverão ser satisfeitas as equações
n
X
aij yj (1; s1 ; s2 ; :::; sm ) = ci ; i = 1; :::; m:
(5)
j=1
As condições (5) formam um sistema de m equações em ordem às incógnitas
s1 ; s2 ; :::; sm : Resolvendo esse sistema, podemos construir uma solução do sistema de EDOs (1) que satisfaz todas as condições (2) e(3) e, por conseguinte,
é a solução procurada do PVF.
A resolução do PVF …ca, pois, reduzida à solução do sistema de equações
(4) que será um sistema não linear se o sistema de EDOs (1) for não linear.
Para resolver este sistema, podemos usar um método iterativo, tal como o do
ponto …xo ou de Newton. No caso de se usar o método de Newton, as derivadas
parciais devem ser calculadas numericamente. Por exemplo,
yi (1; s1 + h; s2 ; :::; sm )
@yi
'
@s1
h
3
yi (1; s1 ; s2 ; :::; sm )
; h > 0:
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