BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE A REPERCUSSÃO GERAL DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO Claudia Moura Salomão São Paulo - Outubro/2007 A regulamentação do novo requisito constitucional do recurso extraordinário foi inserida no Código de Processo Civil pela Lei 11.418/2006, da qual se extrai que a repercussão geral consiste em um ônus da parte em demonstrar que o seu recurso merece ser apreciado pelo Supremo Tribunal Federal por possuir “questões relevantes do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico, que ultrapassem os interesses subjetivos da causa”1. Conforme salienta a doutrina, trata-se de instituto similar ao antigo requisito da “argüição de relevância” do recurso extraordinário, que havia sido extinto pelo ordenamento. Tal exigência significa que a parte deverá demonstrar que o resultado do julgamento do seu recurso extraordinário, além de envolver uma questão constitucional relevante no aspecto econômico, político, social ou jurídico, aproveitará não somente os interesses particulares das partes que efetivamente integram a demanda, mas acabará por afetar e ser útil também à esfera de direitos da sociedade como um todo, ou ao menos de grupos inteiros ou de uma grande quantidade de pessoas. Neste ponto, mostra-se absolutamente pertinente a observação de que “essa repercussão geral deverá ser pressuposta em número considerável de ações coletivas só pelo fato de serem coletivas”2. Observa-se que o legislador, acertadamente, utilizou-se de conceito aberto para definir a repercussão geral, sem elaborar um rol taxativo das hipóteses de incidência; tal postura mostrou-se mais benéfica para os jurisdicionados, que possuem uma ampla margem para discussão e demonstração da existência do requisito no caso concreto a fim de fazer com que o seu recurso seja admitido pelo Tribunal Supremo. A doutrina é praticamente uníssona no entendimento de que o requisito da repercussão geral foi instituído como uma forma de reduzir a quantidade de recursos que chegam ao Supremo Tribunal Federal, o qual está bastante assoberbado de trabalho. Tanto 1 Artigo 543-A, § 1°, do Código de Processo Civil. MEDINA, José Miguel e outros. Repercussão geral e súmula vinculante. In Reforma do Judiciário: Primeiras Reflexões sobre a Emenda Constitucional n° 45/2004. WAMBIER, Teresa Arruda Alvim e outros (Coord.). São Paulo: Saraiva, 2005, p. 377. 2 que, na sua regulamentação, o artigo 323 do Regimento Interno do Tribunal prevê a comunicação eletrônica entre os Ministros, com o visível intuito de “desafogar” a Corte. Com isso, acredita-se que se evitará que o Tribunal mais importante do país utilize o seu tempo com as chamadas “brigas de vizinhos” ou “questões de botequim”3, o que é também, na realidade, um critério qualitativo de seleção dos recursos. Outrossim, não se pode deixar destacar a menção de diversos autores no sentido de que este instituto também guarda consonância com o princípio da celeridade processual e com a recente garantia constitucional da razoável duração do processo (artigo 5°, inciso LXXVIII, CF). Para demonstrar a existência da repercussão geral no caso concreto, o artigo 543A, § 2°, do Código de Processo Civil, previu expressamente que o recorrente deverá faze-lo em preliminar de recurso, sob pena de não ser admitido. Ou seja, o legislador optou por estabelecer tal preliminar como um requisito formal de admissão do recurso extraordinário. Consoante tal previsão, considerando-se que a lei não contém palavras inúteis, e também com base na regulamentação trazida pelo Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, a maior parte da doutrina consentiu que o recurso não deve ser admitido caso tal requisito formal não seja observado pelo recorrente em sua peça recursal. No entanto, este entendimento não está livre de críticas. A própria doutrina observa que se trata de rigorismo excessivo, e há até quem defenda4 que o recurso deve ser admitido se não houver a preliminar, mas restar demonstrada em seu bojo a existência da repercussão geral, pois o escopo do processo civil não pode recair sobre o formalismo em excesso, mas sim sobre o direito em discussão. Com o devido respeito a este entendimento, e em que pese realmente tratar-se de um formalismo excessivo esta exigência legal, parece-nos, contudo, que a primeira linha de raciocínio está mais correta, pois realmente, devemos considerar que a lei não traz palavras inúteis e, diante de tal previsão de forma tão expressa, caso a parte deixe de argüir a existência da repercussão geral em preliminar recursal poder-se-ia considerar, até mesmo, erro grosseiro. Neste sentido, inclusive, o próprio Supremo Tribunal Federal já proferiu o seu primeiro julgamento, da Questão de Ordem 664.567/RS, de relatoria do Ministro Gilmar Mendes, publicada no Diário de Justiça de 06 de setembro de 2007, p. 37, no sentido de que o recurso extraordinário, para ser admitido, deve conter expressamente a preliminar de demonstração da existência da repercussão geral. 3 ASSIS, Carlos Augusto de. Repercussão geral como requisito de admissibilidade do recurso extraordinário (Lei 11.418/2006). In Revista Dialética de Direito Processual n° 54. São Paulo, setembro de 2007, p. 33 e 41. 4 MARTINS, Samir José Caetano. A repercussão geral da questão constitucional (Lei 11.418/2006). In Revista Dialética de Direito Processual n° 50. São Paulo, maio de 2007, p. 102. E aqui se observa que o requisito da repercussão geral possui dois escopos distintos: um formal e um substancial. O formal refere-se à necessidade de demonstra-lo em forma de preliminar de recurso, por exigência legal. Já o substancial refere-se à demonstração de sua existência no caso concreto, por exigência constitucional (artigo 102, § 3°, CF). Quanto ao questionamento sobre a possibilidade ou não de o Tribunal local não admitir o recurso extraordinário com base na inexistência da repercussão geral, a doutrina majoritária também já vem se inclinando para o entendimento no sentido de que esta prática é possível, desde que se refira tão somente ao requisito formal. Ou seja, a mera verificação da existência ou não da preliminar recursal pode ser feita pela Presidência do Tribunal a quo. O que não se admite é a usurpação da competência do Supremo Tribunal Federal pelo Tribunal local, que não pode adentrar no escopo substancial da repercussão geral, o que significa que lhe é vedado emitir juízo de valor sobre ocorrência ou não do requisito naquele caso concreto. Apenas mais uma exceção é permitida quanto à atuação dos Tribunais locais, qual seja, nos casos do artigo 543-B, do Código de Processo Civil, de sobrestamento de recursos de matérias idênticas. Nestes casos, após emanado o entendimento da Corte Suprema, se não for reconhecida a existência de repercussão geral, o parágrafo 2° do referido dispositivo legal autoriza a não admissão dos demais recursos sobrestados pela Presidência do Tribunal a quo. Obviamente, nestes casos, as partes que se sentirem prejudicadas poderão interpor Agravo de Instrumento nos termos do artigo 544 do Diploma Processual para o Supremo Tribunal Federal, a fim de demonstrar que o seu caso não é idêntico ao entendimento que fora aplicado, e que existe sim o instituto da repercussão geral no seu recurso extraordinário. Similares poderes atribuídos à Presidência do Tribunal local também são conferidos aos Ministros relatores da Corte Suprema. Em outras palavras, monocraticamente, o Relator poderá negar a admissão do recurso extraordinário com base no artigo 557 do Código de Processo Civil, combinado com o artigo 327, caput e parágrafo 1°, do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, naqueles casos em que não houver preliminar recursal (requisito formal) ou que já existir entendimento firmado pela Corte Suprema sobre a inexistência de repercussão geral em determinada situação. E aqui, vale destacar o único julgado, até o momento, da Corte Suprema, já mencionado acima (Questão de Ordem n° 664.567), reconhecendo tais atribuições do Relator. O entendimento doutrinário também é praticamente pacífico neste sentido, cabendo apenas fazer a ressalva de que, nos casos de decisão monocrática sobre o entendimento jurisprudencial anterior, a parte poderá interpor Agravo Interno com fundamento no artigo 557, parágrafo 1°, do Código de Processo Civil, a fim de que a questão seja levada para apreciação pela Turma. No entanto, o objeto deste agravo também é restrito: servirá tão somente para a parte demonstrar que o entendimento firmado pela Corte Suprema não se aplica ao seu caso concreto, e que, no seu recurso, está presente a repercussão geral, não lhe sendo cabível adentrar no mérito do recurso extraordinário. BIBLIOGRAFIA ARAÚJO, José Henrique Mouta. A repercussão geral e o novo papel do STF. In Revista Dialética de Direito Processual n° 50. São Paulo, maio de 2007, p. 60-66. ASSIS, Carlos Augusto de. Repercussão geral como requisito de admissibilidade do recurso extraordinário (Lei 11.418/2006). In Revista Dialética de Direito Processual n° 54. São Paulo, setembro de 2007, p. 32-46. AZEM, Guilherme Beux Nassif. A súmula 126 do STJ e o instituto da repercussão geral. Disponível em: < http://www.escola.agu.gov.br/revista/Ano_VII_setembro_2007/Sumula126_GuilhermeBeux.p df> Acesso em 28 de outubro de 2007, às 13:08 hs. DINAMARCO, Cândido Rangel. O processo civil na reforma do Poder Judiciário. In Reforma do Judiciário: Comentários à Emenda Constitucional n. 45/2004. RENAULT, Sérgio Rabello Tamm; BOTTINI, Pierpaolo (Coord.). São Paulo: Saraiva, 2005, p. 291-306. DIDIER JR., Fredie. Transformações do recurso extraordinário. in Aspectos polêmicos e atuais dos recursos cíveis e assuntos afins 10, NERY JR. Nelson; e WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (Coord.). São Paulo, Revista dos Tribunais, 2006, p. 104-121. FRANÇOLIN, Wanessa de Cássia. O juízo de admissibilidade dos recursos especial e extraordinário exercido pelo tribunal local. in Aspectos polêmicos e atuais dos recursos cíveis e assuntos afins 9, NERY JR. Nelson; e WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (Coord.). São Paulo, Revista dos Tribunais, 2006, p. 647-670. MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Recurso extraordinário e recurso especial. 9ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. MARTINS, Samir José Caetano. A repercussão geral da questão constitucional (Lei 11.418/2006). In Revista Dialética de Direito Processual n° 50. São Paulo, maio de 2007, p. 95-111. MEDINA, José Miguel Garcia; WAMBIER, Luiz Rodrigues; e ALVIM WAMBIER, Teresa Arruda. Repercussão geral e súmula vinculante. In Reforma do Judiciário: Primeiras Reflexões sobre a Emenda Constitucional n° 45/2004. WAMBIER, Teresa Arruda Alvim e outros (Coord.). São Paulo: Saraiva, 2005. NETTO, Nelson Rodrigues. A alteração do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal para a aplicação da repercussão geral da questão constitucional no recurso extraordinário. In Revista Dialética de Direito Processual n° 52. São Paulo, julho de 2007, p. 108-115. ________. A aplicação da repercussão geral da questão constitucional no recurso extraordinário consoante a lei n° 11.418/06. In Revista Dialética de Direito Processual n° 49. São Paulo, abril de 2007, p. 112-129. OLIVEIRA, Pedro Miranda de. Apontamentos sobre os poderes do relator nos Tribunais. in Aspectos polêmicos e atuais dos recursos cíveis e assuntos afins 9, NERY JR. Nelson; e WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (Coord.). São Paulo, Revista dos Tribunais, 2006, p. 430465. PITMAN, Mildred Lima. A repercussão geral como requisito de admissibilidade do recurso extraordinário. In Revista Dialética de Direito Processual n° 42. São Paulo, setembro de 2006, p. 126-141. Supremo Tribunal Federal. Disponível em: <www.stf.gov.br>. Acesso em 28 de outubro de 2007, às 11:45 hs. TALAMINI, Eduardo. Repercussão geral em recurso extraordinário: nota sobre sua regulamentação. In Revista Dialética de Direito Processual n° 54. São Paulo, setembro de 2007, p. 56-58. TUCCI, José Rogério Cruz e. Anotações sobre a repercussão geral como pressuposto de admissibilidade do Recurso Extraordinário (Lei n° 11.418/2006), in Revista do Advogado: Processo Civil: em reforma. AASP (Associação dos Advogados de São Paulo). São Paulo. Ano XXVII, Julho de 2007, nº 92, p. 23-31. URBANO, Hugo Evo Magro Corrêa. Da argüição de relevância à repercussão geral das questões constitucionais no recurso extraordinário. In Revista Dialética de Direito Processual n° 47. São Paulo, fevereiro de 2007, p. 61-78. WAMBIER, Luiz Rodrigues, Coord. Curso Avançado de Processo Civil. V. 1: Teoria Geral do Processo e Processo de Conhecimento. 8ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. YOSHIKAWA, Eduardo Henrique de Oliveira. A repercussão geral do recurso extraordinário: uma volta ao passado? In Revista Dialética de Direito Processual n° 53. São Paulo, agosto de 2007, p. 44-55.