A Ameaça que vem da Ucrânia Monica Baumgarten de Bolle Economista, Professora da PUC-Rio e Diretora do IEPE/Casa das Garças (Artigo publicado no O Globo a Mais de 11/03/2014) “O teste de uma política é como ela termina e não como começa”. A frase é de Henry Kissinger, ex-Secretário de Estado americano (1973-1977) e, do alto de seus 91 anos, ainda um dos grandes estrategistas da geopolítica internacional. Em um artigo elucidativo e, portanto, imperdível para o jornal The Washington Post (ver “How the Ukraine Crisis Ends”, de 5 de março de 2014), Kissinger discorre com lucidez e pragmatismo sobre a crise da Ucrânia. A Rússia nasceu na Ucrânia, nos lembra Kissinger. O Império Russo se consolidou após a Batalha de Poltava, em 1709, quando o Czar Pedro I, Pedro O Grande, derrotou a Suécia e encerrou as invasões nórdicas. Para os russos, assim, a Ucrânia não é apenas um país estrangeiro. É o berço. Hoje, nada é tão relevante para os rumos da economia global quanto o agravamento da crise na Ucrânia. Enquanto o Brasil pulava Carnaval na semana passada, os mercados se deram conta da delicadíssima situação que envolve a Rússia e a Ucrânia, a Crimeia e o Ocidente. Enquanto os blocos de rua saíam por aí, as bolsas tombavam e o dólar disparava, apenas para inverter a direção no dia seguinte. As flutuações ostensivas que marcaram a semana de Carnaval são apenas um presságio da turbulência que pode se arrastar pelos próximos meses, caso o embate entre a Rússia e o Ocidente perdure. Há razões de sobra para crer que o enfrentamento há de continuar. A falta de tato da resposta americana à crise na Ucrânia revela a camisa de força política que sufoca o Presidente Obama às vésperas das eleições legislativas do meio do mandato. A tentativa de ameaçar a Rússia com sanções econômicas – porque o regime de Vladimir Putin acredita na legitimidade do pleito da Crimeia, onde 60% da população é de origem russa, de separar-se da Ucrânia – não é sensata. A ameaça tampouco é crível. Motivos abundam, mas o principal é que não interessa à Europa, dependente do gás russo, acompanhar os EUA e concretizar a ameaça. Há de se ter em mente que, apesar das imensas reservas de gás de xisto que os americanos hoje sabem possuir, o país ainda não tem capacidade de vender para o resto do mundo em larga escala. É por isso que países como a Polônia, a Hungria, a República Tcheca e a Eslováquia, depois da atitude ousada de pedir ajuda ao Congresso americano para comprar gás dos EUA, continuam sem resposta. Esses países compram cerca de 70% a 100% do gás que consomem da Rússia. Os EUA, portanto, não poderiam suprir a Europa Central em caso de interrupções no fornecimento do gás russo. Por óbvio, também não poderiam suprir a Alemanha e a zona do euro, mais dependentes do gás depois que o acidente de Fukushima expôs o drama nuclear. Não é preciso dizer que no atual estado de debilidade econômica, a Europa não pode correr o risco de apagões de energia. Por outro lado, se a Rússia não tem capacidade de encarar uma nova guerra fria por razões econômicas, como insistem os colunistas americanos, os EUA tampouco (o que não significa que isso não possa ocorrer). Os motivos são semelhantes: a economia americana está melhorando, mas continua frágil. E Obama, homem de consenso que é, não parece ter “credenciais” para esse tipo de enfrentamento. Até porque, como bem diz Henry Kissinger, demonizar Vladimir Putin não é uma política, e sim o álibi para a ausência de uma política. A crise na Ucrânia e a incapacidade americana de dar uma resposta adequada criam para Obama uma perspectiva indigesta: a de que os Democratas percam, tanto na Câmara quanto no Senado, mais assentos para os Republicanos em meados de 2014. Crescem os riscos de que o Presidente fique isolado e inoperante bem antes do término do seu mandato, o que prejudica qualquer otimismo crescente com o andamento da economia americana. Diz Kissinger: “o objetivo de qualquer política para lidar com a crise na Ucrânia não é a satisfação absoluta, mas a insatisfação equilibrada”. Enquanto os EUA e o Ocidente insistirem nos gritos indignados de “we can’t get no satisfation”, esvaemse rapidamente os cenários auspiciosos para a economia global, sobretudo para os países emergentes. Os países emergentes sofrem com uma crise prolongada entre o Ocidente e a Rússia. A Turquia já sentiu o abalo em razão da proximidade geográfica. A Tailândia, depois de quatro meses de convulsão política e social, já é tachada de “a Ucrânia do oriente”. Os demais países, como o Brasil, deverão ser afetados pelas oscilações de aversão ao risco por parte de investidores que enfrentam enormes dificuldades para avaliar as implicações concretas de uma crise geopolítica dessa magnitude. Afinal, durante as graves crises geopolíticas, os mercados são nada mais do que grandes cassinos apostando no escuro. “O teste de uma política é como ela termina, não como ela começa”. Está aí uma frase que deveria ser levada a sério pelo governo brasileiro. Senão pelos erros já revelados na condução das políticas internas, ao menos pela ameaça que vem da Ucrânia.