UCRÂNIA A Ucrânia é relativamente grande, maior que qualquer país da Europa Ocidental. A fronteira sul-ocidental é formada pelos Montes Cárpatos que oferecem certa proteção contra uma invasão militar e estão a mais de mil quilômetros da capital russa. Mas, no caso de uma invasão pela fronteira oriental da Ucrânia, a OTAN reduziria a menos da metade o percurso de um exército ocidental disposto a tomar o Kremlin, eliminaria os obstáculos físicos e permitiria mísseis a menos de meia hora de voo da capital russa. Em 5 de março, o chanceler russo Sergey Lavrov alegou ao colega espanhol ter informações de que o novo regime ucraniano ofereceu hospedar defesas dos EUA em troca de ajuda econômica. O litoral da Ucrânia, especialmente Sebastopol, é a principal base da marinha russa desde 1783 e continua a sê-lo mesmo após a independência do país, ao qual, aliás, a Crimeia foi incorporada apenas em 1954, por uma manobra política de Nikita Kruchev. Perder a Crimeia para a OTAN seria um golpe nas pretensões da Rússia de desempenhar papel global, como mostrou a ação decisiva da Armada ao abloquear a intervenção ocidental na Síria. E daria aos porta-aviões e submarinos dos EUA a oportunidade de operar a apenas mil quilômetros da capital russa. Em 27 de fevereiro, milícias armadas pró-russas tomaram o parlamento regional da Criméia e 64 dos 100 deputados regionais destituíram o governador nomeado por Yanakovich, elegeram um empresário com cidadania russa, Sergey Aksyonov, e marcaram plebiscito, inicialmente sobre a "independência como Estado e parte da Ucrânia" para 25 de maio, a mesma data das eleições presidenciais da Ucrânia marcadas por Kiev e das eleições para o parlamento Europeu. Simultaneamente, tropas e blindados russos foram deslocados para pontos estratégicos da Criméia e mais 6 mil soldados desembarcaram na península. Somaram-se aos 15 mil já presentes sem violar o teto de 25 mil que a concessão autoriza a Rússia manter na região. Bases ucranianas foram cercadas e comandantes militares intimados a entregar bases e navios e aderir aos russos, ou, formalmente, jurar fidelidade ao governo pró-russo da Criméia. Ao mesmo tempo, Putin fez o Parlamento russo aprovar uma autorização para invadir a Ucrânia e exercitou tropas na fronteira com sua presença. Direta ou indiretamente, a Rússia adquiriu o "completo controle operacional" da Crimeia, como admitiu o governo dos EUA em 3 de março. Segundo Putin, o novo governo ucraniano é produto de um golpe de força orquestrado pelo Ocidente. Putin deu de ombros ante o cancelamento da reunião do G-8 em Sochi e a ameaça de sanções do Ocidente. Dos atos e palavras pode-se concluir que o Kremlin considera a Criméia inegociável. Quer um governo local sobre sua proteção. Para a Ucrânia, Putin espera um acordo pacífico que garanta a neutralidade do país e os interesses regionais dos russos e seus aliados. A opinião pública russa o apoia, mas não vê o risco de guerra com bons olhos. A decisão de intervir na Ucrânia foi impopular. Os EUA querem sanções à Rússia, mas suas relações com o país são distantes para, afetá-los mais que superficialmente. Só a Europa está em posição de prejudicar seriamente os interesses russos, mas seus líderes não tem intenção de fazê-lo. A maior parte da Europa continental, especialmente a Alemanha, precisa dos recursos russos (gás natural) e do mercado russo para colocar boa parte de suas exportações. O Reino Unido depende das aplicações financeiras dos milionários russos. É um momento importante de redefinição geopolítica.