Comunicacoes ´ Modernidade, Instituicoes ´ e Historiografia Religiosa no Brasil ~ ~ “SERVIR AO SANTO TRIBUNAL”: UMA ANÁLISE DA PRODUÇÃO HISTORIOGRÁFICA SOBRE OS FAMILIARES DO SANTO OFÍCIO ______________________________________ Luiz Fernando Rodrigues Lopes Graduando em História pela UFV [email protected] ______________________________________ Quando se fala em Inquisição é comum associarmos de imediato o termo aos autos de fé, à morte na fogueira e às vitimas deste tribunal religioso. De certa forma, essa associação também é a tona da historiografia produzida sobre o tema. A maioria dos pesquisadores se debruça sobre questões concernentes aos réus da inquisição: as heresias mais comuns nos processos, o perfil social dos acusados, a trajetória das vitimas são as questões que mais atraem os historiadores. Poucos são ainda os trabalhos que visam entender o funcionamento da máquina inquisitorial e quais as artimanhas utilizadas pelo Santo Ofício para efetuar a vigilância da fé, deixando assim, uma lacuna a ser preenchida por estudos sobre o aspecto institucional da atuação do Tribunal. O cargo de Familiar do Santo Ofício surgiu logo que criado os primeiros regimentos da Inquisição em Portugal. O perfil jurídico dos Familiares acompanhou progressivamente a organização da burocracia Inquisitorial. No Regimento de 1613 que se definiram claramente os pré-requisitos para o cargo e no de 1640 inclui-se finalmente um título específico para estes funcionários da Inquisição: Eram dispensados do Estado eclesiástico e deveriam ter capacidade conhecida e fazendas que pudessem viver abastadamente1. Não recebiam um salário fixo, e sim 500 réis por dia de serviço. Teriam de ser, como seus pais e avós, cristãos-velhos, “limpos de sangue”, sem nenhuma “infâmia pública”, nem ter sido presos ou penitenciados pela Inquisição. Se quisessem se casar, a futura esposa também deveria comprovar a sua pureza de sangue, bem como a de sua família. A “boa vida e costumes” eram fundamentais para que fossem capazes de arcar com qualquer “negócio de importância e segredo” do Santo Ofício. Deveriam se afastar de pessoas suspeitas, não aceitar delas “dádivas ou presentes”, e também não deveriam comprar “mercadorias ou mantimentos por preço menor do ordinário”, nem pedir emprestado à “gente da nação” ou contrair dívidas “que possam causar queixas e diminuir a autoridade 1 Estariam assim, menos propensos a corrupção. que suas pessoas e ofício é devida”.2 Desta forma, para conseguir uma Carta de Familiatura, haveria de se respeitar e atender numerosos requisitos exigidos. Além disso, havia a espera para que todo o processo de averiguação das condições do aspirante ao cargo fosse cumprido; em torno de seis anos em média. Mas devido a todas as vantagens e prerrogativas que concedia, era um dos cargos mais cobiçados no aparelho inquisitorial português. Este cargo não existiu apenas em Portugal ou na Espanha, mas também na amplitude de seus Impérios Ultramarinos. E o Brasil não ficou livre da ação destes sujeitos. Em diversas capitanias, estes agentes da fé atuaram, cumprindo as funções determinadas no regimento, que se resumiam a denunciar ao Santo Ofício, “criminosos” pertencentes a seu foro, a exemplo dos judaizantes e de outros hereges, como blasfemos, feiticeiros, sacrilégios, adivinhadores, bígamos, sodomitas, falsos sacerdotes e solicitantes, além dos que simulassem ser funcionários da Inquisição e dos penitenciados que não estivessem cumprindo suas penas, ou então recebiam denuncias e as encaminhavam aos comissários ou diretamente a Lisboa; as denúncias diretamente a metrópole eram raras, enquanto as repassadas aos comissários eram freqüentes. Atuavam ainda nos seqüestros de bens, notificações, prisões, e condução dos réus. 3 Como já referido, na América Portuguesa os Familiares também atuaram. Na capitania de Minas Gerais, eles foram presentes, com o intuito de efetuarem a vigilância da fé. O primeiro Familiar que se tem noticia na região data do ano de 1717, momento em que a capitania erigia seu aparato burocrático-administrativo, sob as rédeas da coroa portuguesa, sedenta pela exploração do ouro recém descoberto. Portanto, a presença inquisitorial na capitania de Minas se fez presente logo que se iniciou a ocupação e exploração da região. Logo que descoberto a nova riqueza do reino português, a “boa nova” correu por toda Europa, e um grande contingente populacional se dirigiu a região ourífera; pessoas originadas das mais diversas regiões do reino luso e mesmo de fora dele. Assim, congregaram-se num mesmo espaço, diferentes valores, diferentes costumes e diferentes crenças, possibilitando um ambiente “propício” para atuação do tribunal. Portanto, nossa pesquisa busca compreender essa conjuntura histórica, no que tange as especificidades da atuação destes agentes nas Minas setecentistas, analisando o perfil da rede de Familiares da região, bem como sua adaptação ao modus vivendi na capitania do ouro. Vejamos agora os principais nomes da historiografia que trata dos Familiares do Santo Ofício e as abordagens feitas nestas produções. Os Historiadores e os Familiares 2 CALAINHO, Daniela Buono. Op.Cit p. 42 RODRIGUES, Aldair Carlos. Sociedade e Inquisição em Minas Colonial: Os Familiares do Santo Ofício (1711-1808). São Paulo: 2007. Dissertação de mestrado. FFLCH. USP. pp. 56-57. 3 2 A historiografia que trata dos Familiares do Santo Ofício é ainda frugal e parca. Poucos são os autores que tratam do assunto. Dentre as mais relevantes pesquisas, estão os estudos de José Veiga Torres4 e Francisco Bethencourt5. Veiga Torres trata dos Familiares de Portugal nos séculos XVI a XIX, e lança um olhar sociológico sobre estes sujeitos, percebendo como o cargo se tornou um trampolim para os que ansiavam ascender socialmente, pois era um diferenciador social na lógica da “pureza de sangue” do Antigo Regime. Segundo o autor, desde o ultimo quartel do século XVII, a expedição de familiaturas passou a ocorrer num ritmo destoante da repressão inquisitorial. O número de Familiares aumentava na medida em que a atividade repressiva (número de sentenciados) diminuía6. Assim, Torres demonstrou que para entendermos o papel histórico desta instituição, devemos também trabalhar com a perspectiva da promoção social, e não apenas sob a ótica da repressão. Ao fazer um levantamento do número de Familiares, Torres arrolou 19.901 existentes em Portugal entre 1571 e 18207, e para o Brasil o número de 31148. Já Francisco Bethencourt não faz um estudo sistemático e aprofundado do assunto, mas trata da estrutura e organização das Inquisições espanhola, italiana e portuguesa, e está aí a grande relevância de seu trabalho. Ao tratar dos Familiares em Portugal, o autor reproduz o trabalho de Veiga Torres, e no caso dos Familiares da Espanha, destaca e reproduz os estudos de Bartolomé Bennassar9 e Jaime Contreras10, que analisam a presença destes agentes no reino espanhol, bem como o ápice e a crise das familiaturas neste Estado ibérico – ápice ainda no século XVI e crise no século XVII, ao contrário de Portugal, que teve o inicio sistemático de familiaturas no século XVII e inicio de crise na metade final do século XVIII11. A historiografia brasileira começou a discutir o tema ainda na década de 70, mas ainda num caráter insaístico e superficial. Em 1970, Anita Novinsky em Cristãos Novos na Bahia: A Inquisição, analisa a presença dos recém conversos na capitania baiana e como a Inquisição agiu por lá. Define os Familiares como “os mais fiéis e ativos servidores que teve a Inquisição” 12, e ao abordar a presença dos a- 4 TORRES, José Veiga. Da repressão à promoção social: A inquisição como instancia legitimadora da promoção social da burguesia mercantil. Revista Crítica de Ciências Sociais, 40 Outubro de 1994, pp. 105-135. 5 BETHENCOURT, Francisco. História das Inquisições: Portugal, Espanha e Itália, séculos XV-XIX. São Paulo: Cia das Letras, 2000. 6 Ibidem. Passim. 7 Ibidem, p.133. 8 Ibidem. Loc. Cit. Este número se irá se contrapor a um outro levantamento feito por uma historiadora brasileira, como mais tarde apresentaremos. 9 BENNASSAR, Bartolomé. Le Pouvoir Inquisition. IN: L’a Inquisition Espagnole, XV-XIX siècle. Paris, Hachette, 1979. 10 CONTRERAS, Jaime. El Santo Ofício de la Inquisición de Galicia (poder, sociedad, cultura). Madrid: Akal, 1982. 11 BETHENCOURT, Francisco. Op Cit.. p.60. 12 NOVISKY, Anita. Cristãos Novos na Bahia: A Inquisição. 2ª Edição. São Paulo: Editora Perspectiva, 1992. 3 gentes, a autora afirma – de forma precipitada - que a Bahia esteve “abarrotada de Familiares”13. Já nos anos 80, em seu artigo A Igreja no Brasil Colonial: agentes da Inquisição , Novinsky trata do cargo de Familiar na hierarquia inquisitorial e o seu papel nas atividades do Santo Ofício como “funcionários da grande empresa inquisitorial, com sede em Lisboa, e tinham como função principal auxiliar os inquisidores na sua missão "santa" de manter a ortodoxia em todo o império português” 15. A autora pressupõe uma ação destes agentes na colônia, e no final do artigo, apresenta uma lista de candidatos que tiveram sua familiatura negada pelo Santo Ofício por não atenderem os pré-requisitos. 14 Luiz Mott, em 1989 em A Inquisição em Sergipe16, fala da presença destes agentes na capitania do norte, bem como alguns estudos de caso – dos únicos três Familiares que houveram em Sergipe, segundo o autor. O autor ainda apresenta a idéia por muito tempo difundida na historiografia de que os Familiares eram “agentes secretos”, compartilhando da idéia anacrônica e precipitada de Anita Novinsky, que compara os Familiares com a “Gestapo Nazista”, o que é obviamente um equívoco, uma vez que os que possuíam este cargo desfrutavam de prestígio, e teriam interesse em apresentarem-se como um agente da inquisição. O segredo estava no processo e nas acusações contra os réus, e não na identidade dos agentes. Já em 1992, surge o primeiro trabalho aprofundado sobre os Familiares do Santo Ofício no Brasil: Em nome do Santo Ofício: Familiares da Inquisição portuguesa no Brasil colonial, dissertação de mestrado de Daniela Calainho17, recém lançado em livro,18 é o primeiro trabalho de pós-graduação sobre os Familiares. Calainho demonstra a relevância dos estudos sobre o tema, e realiza os primeiros levantamentos estatísticos sobre a rede destes agentes no Brasil. Hoje sabemos que este levantamento é problemático, devido ao tipo de fonte que a autora utiliza para saber o número de Familiares existentes: os índices dos Livros de Habilitações, que só vão até a letra L, e não os manuscritos em si. Por isso a discrepância em relação aos dados arrolados por Veiga Torres, que pesquisou nas próprias familiaturas, e encontrou um número bem superior do que o sugerido pela autora (3114 de Torres contra 1708 de Calainho). Apesar de não ser o foco principal de sua obra, Calainho não ignora a questão da distinção social que o título de Familiar poderia oferecer. Uma análise do perfil social dos Familiares, ainda que de forma superficial, aponta que a principal ocupação dos que galgavam o cargo e os que conseguiram era ligada ao co13 Op. Cit. Loc. Cit. __________. A Igreja no Brasil Colonial: agentes da Inquisição. Anais do Museu Paulista, tomo XXXIII: 17-34,1984. Também disponível em: http://www.rumoatolerancia.fflch.usp.br/node/836. Acessado em 28/02/08. 15 Ibidem. 16 MOTT, Luiz R.B.. A Inquisição em Sergipe: do século XVI ao XIX. Aracaju: Artes Gráficas, 1989. 17 CALAINHO, Daniela Buono. Em nome do Santo Ofício: familiares da Inquisição portuguesa no Brasil colonial. Rio de Janeiro: UFRJ, 1992. Dissertação de mestrado. ICHF. UFF. 18 __________. Agentes da Fé: Familiares da Inquisição Portuguesa no Brasil colonial. Bauru: Edusc ed., 2006. 14 4 mércio.. A análise sobre a atuação efetiva dos familiares é pouco aprofundada. Apesar de algumas conclusões que hoje merecem ser revistas19, o trabalho da autora é pioneiro no tema. O trabalho mais aprofundado sobre os Familiares da Inquisição portuguesa é Agents of Orthodoxy, tese de doutoramento de James Wadsworth. O autor analisou vários aspectos da rede de Familiares de Pernambuco, entre 1613 e 1820, e percebe mesma lógica de Torres: A familiatura era procurada porque oferecia distinção social e prestígio aos habitantes da capitania. Wadsworth faz uso de uma documentação vastíssima, inédita e também diferenciada, como documentos de natureza legislativa20. Em seu artigo “Os Familiares do número e o problema dos privilégios” 21, Wadsworth coloca a questão ainda pouco ressaltada pela historiografia do tema: Os previlégios eram limitados a poucos Familiares, a partir de 1693 em Portugal, e 1720 no Brasil, devido à crise do Estado português, que cortava e evitava gastos. Os Familiares que tinham direito aos previlégios eram selecionados por tempo de serviço, mas essa delimitação da coroa se fez confusa e gerou inúmeras dúvidas até a extinção do cargo já na terceira década do século XIX22. Essa questão relativiza bem a idéia disseminada na historiografia de que o motivo principal da busca pela familiatura era os previlégios concedidos, mas se esses previlégios eram restritos, isso parece ser improvável. Ao mesmo tempo, a busca e a insistência de se conquistar as benesses do Estado inserem o título de Familiar do Santo Ofício ainda mais na lógica da “economia moral do dom” do Antigo Regime. Fábio Kuhn, em sua tese de doutoramento apresentada em fevereiro de 2006, intitulada Gente da Fronteira: Família, Sociedade e Poder no Sul da América Portuguesa – Século XVII23I, não tem como foco a presença dos agentes inquisitoriais nas capitanias do sul da colônia, mas apresenta uma breve discussão sobre os Familiares do Santo Ofício que atuaram nas colônias de Sacramento e do Rio Grande de São Pedro (aponta para essas capitanias, dez, e cinco agentes, respectivamente), levantando o perfil sócio-econômico dos sujeitos, e refletindo sobre a questão do status e da nobreza possível. Evidencia-se assim, uma opção pela abordagem social de seu estudo. A questão da atuação como vigias da fé e a ortodoxia religiosa não é tratada. Recentemente publicado, o trabalho de Aldair Carlos Rodrigues intitulado Sociedade e Inquisição em Minas Colonial: Os Familiares do Santo Ofício (171119 Como exemplo, a autora afirma que o regimento de 1763 não tem grande peso para o cargo de Familiar, o que é pouco provável, pois este regimento esta inserido no contexto da reforma pombalina que muito debilitou as ações do Santo Ofício com o fim das diferenciações entre cristãos novos e velhos, dentre outras medidas. 20 RODRIGUES, Aldair Carlos. Op. Cit. p. 21 WADSWORTH. James. Os Familiares do número e o problema dos privilégios. IN: FEITLER, Bruno, LIMA, Lana Lage da Gama, VAINFAS, Ronaldo (Orgs.). A Inquisição em Xeque: temas, controvérsias, estudos de caso. Rio de Janeiro: EDUERJ, 2006. pp.96-112. 22 Ibidem. passim. 23 KUHN, Fábio. Gente da fronteira: família, sociedade e poder no sul da América Portuguesa século XVIII. Niterói, 2006. Tese de Doutorado. ICHF. UFF. 5 1808) 24, dissertação de mestrado defendida na USP, é o que mais se aproxima do nosso tema e o de maior relevância para nosso trabalho. Rodrigues redefine o título de Familiar do Santo Ofício, principalmente ao que tange a sua atuação, afirmando que “os Familiares atuavam principalmente nos seqüestros de bens, notificações, prisões, e condução dos réus. Prestavam serviços aos Comissários e obedeciam as suas ordens” 25, desmistificando a idéia de absoluta autonomia destes agentes, e explicitando o caráter limitado de suas ações, uma vez que “eles não tinham o poder de prender sem ordens dos comissários ou de Lisboa 26. O autor trabalha sobre as perspectivas da repressão e da distinção social, preenchendo e abarcando ambas as perspectivas da historiografia do tema. Rodrigues, ao analisar a questões dos Regimentos da Inquisição, e a implicação deles no cargo de Familiar do Santo Ofício, contrapõe a idéia de Daniela Calainho, de que o regimento de 1774 praticamente repetiu o de 1640; para ele, “a abolição da distinção entre cristãos novos e velhos certamente abalou os requisitos para a habilitação de Familiar e diminui a procura devido à queda do prestígio”27. Sobre os Familiares da capitania de Minas, o autor levanta cerca de 5 centenas destes agentes no século XVIII, sendo que o primeiro nomeado surgiu apenas nos fins da segunda década da centúria. O que se mostra interessante sobre estes dados, é o seu número às vezes inflacionado, às vezes diminuto apresentados pela historiografia. Segundo Daniela Calainho, o número de Familiares de Minas Gerais nos séculos XVIII e XIX totaliza 23028, e segundo Aldair Rodrigues o número chega a 45729. Como vimos, Calainho diverge também de Veiga Torres no número de Familiares de todo o Brasil colonial. O que faz com que a autora arrole sempre números diferentes é o tipo de fonte utilizada por ela: O índice de Familiaturas expedidas pelo Santo Ofício, e não a documentação em si, como já relatamos. A respeito da presença dos Familiares do Santo Ofício em Minas Gerais, Rodrigues corrobora com a historiografia que aponta uma hegemonia destes agentes na capitania mineira no período aurífero, em contra posição às capitanias açucareiras do Norte/nordeste, após a mudança do eixo econômico para o centro-sul da colônia. E ao analisar o momento de maior índice de familiaturas na região, o autor aponta “que o período compreendido entre as décadas de 1740 e 1770 foi o que mais teve familiares habilitados na capitania mineradora. Neste intervalo, formou-se mais da metade da sua rede de agentes inquisitoriais, tendo ocorrido o ápice das habilitações no decênio de 1750”30. 24 RODRIGUES, Aldair Carlos. Op. Cit Ibidem. p. 55. 26 Ibidem. p.63. 27 Ibidem. p.83. 28 Ver tabelas em anexos de CALAINHO, Daniela Buono. Op. Cit. 29 RODRIGUES, Aldair Carlos. Op. Cit. p.14 30 Ibidem. p.130. 25 6 Quanto ao número de habilitações por comarca, Rodrigues aponta um predomínio absoluto de Villa Rica. O que explica o fato de a população da comarca de Villa Rica ter sido a que mais procurou a familiatura do Santo Ofício é que aquela comarca era a cabeça civil da Capitania. “Por conviver mais intensamente com os valores metropolitanos de distinção e organização social trazidos pelas autoridades da Coroa, a população da cabeça civil da Capitania tendia a valorizar e a ambicionar mais as insígnias e símbolos de status e distinção social – dentre eles, a carta de Familiar do Santo Ofício –, se comparada aos habitantes das demais comarcas de Minas, que tinham um perfil mais rústico e rural, portanto, menos afeita à ostentação”31. Considerações Finais Por meio dessa revisão historiográfica, pudemos vislumbrar como o tema os Familiares do Santo Ofício é abordado pela historiografia, ressaltando as tendências dos estudos sobre estes agentes inquisitoriais. Percebemos que, como todo conhecimento científico, os trabalhos sobre o tema evoluíram e superaram antigas considerações com o passar do tempo e com o aprofundamento das pesquisas. Concluímos ainda que atualmente, os estudos seguem na esteira de dois principais vieses: a vigilância da fé e a da distinção social. Percebemos também que a tendência de estudos regionais tem se tornado cada vez mais destacada, uma vez que os recortes espaciais e temporais menores e por vezes até micro são uma tendência da produção acadêmica hodierna. Contudo, destacamos que quando comparado às pesquisas sobre a perseguição inquisitorial, a tendência dos estudos sobre o aspecto institucional do Tribunal do Santo Ofício fica muito aquém do merecido. Assim, para vislumbrarmos a estrutura da perseguição da fé na sociedade do Ancien Régime de uma forma mais completa, novos olhares devem se voltar para o tema a fim de colaborar para a discussão e para o entendimento da prática inquisitorial, destacando a atuação do seu corpo de funcionários e agentes, como os Familiares do Santo Ofício. 31 Ibidem. pp. 135, 136 e 141. 7