Arquivo Siqueira Castro - Advogados
Fonte: O Globo
Data: 16/09/2015
Seção: Economia
Versão: Impresso (página 25) e Online
Medidas anunciadas pelo governo afetam mercado imobiliário,
cursinhos e servidores públicos federais
Retomada de cobrança de abono do funcionalismo deve incentivar aposentadorias
POR NICE DE PAULA, DANIELLE NOGUEIRA E IONE LUQUES
RIO - Que a proposta de recriação da CPMF é a medida mais impactante do
pacote de ajuste fiscal anunciado pelo governo ninguém duvida, já que o
imposto atinge praticamente toda a população. Mas, por trás da infinidade de
números apresentados pelo governo, há mudanças que vão mexer ainda mais
com milhares de brasileiros. É o caso de quem planeja comprar e,
principalmente, vender imóveis. Com o aumento da alíquota do imposto sobre
ganho de capital, o governo levará uma fatia maior do valor recebido pelo
proprietário. Até hoje, sempre que alguém vende um terreno, casa ou
apartamento por valor maior do que comprou, 15% vão para o governo. A
proposta é aumentar progressivamente esse percentual para até 30%, de acordo
com o valor do bem. O vendedor vai receber menos, e uma das formas de
compensar seria aumentar o preço.
Outro setor que será atingido em cheio é o das escolas preparatórias e dos
candidatos a concurso público. A corrida pelos bons salários e pela estabilidade
oferecidos pelos governos movimenta um mercado bilionário que reúne
cursinhos, editoras especializadas em material didático e milhares de
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professores e estudantes. Para esse grupo, a decisão do governo de suspender
todos os concursos federais — que são os mais disputados — previstos para 2016
é um verdadeiro balde de água fria. No âmbito do Poder Executivo, os concursos
mais aguardados eram os do INSS, os para as agências reguladoras, como Anac,
ANP e ANS, Receita Federal, Ministério da Fazenda, Ministério do Trabalho,
Receita e Polícia Rodoviária Federal.
Para o diretor pedagógico da Academia do Concurso, Paulo Estrella, os cursos
preparatórios vão amargar a perda de alunos e, consequentemente, de receita:
— Estamos trabalhando a notícia e vamos acompanhar os acontecimentos,
tentando ser o mais realista possível e administrar a crise. Não tem muito o que
fazer. O aluno nos procura quando está estimulado a prestar um concurso e
enfrentar a bateria de estudo que terá pela frente. Não tem como colocar na
cabeça dessa pessoa que ela deve continuar estudando num momento como
este.
Se quem está fora do serviço público não terá como entrar, quem está dentro
passa a ter mais motivos para sair. Junto com o chamado abono de permanência
acaba também o principal motivo que milhares de servidores federais em
condição de se aposentar tinham para continuar trabalhando. O abono isenta
esses funcionários de recolher 11% do salário para a Previdência. Atualmente há
100 mil pessoas nessa situação. Se a cobrança for retomada, eles não só deixam
de ter qualquer vantagem em continuar no batente como ganharão mais ficando
em casa do que trabalhando. Isso porque, no serviço público, a aposentaria tem
o mesmo valor do salário e, embora continuem pagando à Previdência depois de
aposentados, o desconto para os inativos é um pouco menor.
PARA QUEM BUSCA ESTABILIDADE DE EMPREGO, SONHO
ADIADO
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João Gabriel Costa: “O momento não é de desistir” - Domingos Peixoto /
Domingos Peixoto
João Gabriel Costa acorda todos os dias às 5h30 e pega o trem de Campo
Grande até o Centro, onde passa a manhã e a tarde fazendo cursinho
preparatório para a carreira pública. À noite, trabalha na livraria do curso. A
notícia de que o governo federal pretende suspender os concursos públicos no
ano que vem, no entanto, não o desanimou:
— O momento não é de desistir, mas de continuar estudando e se dedicando,
senão se perde todo um investimento que se fez.
Mas a medida do governo federal vai mexer com um mercado que movimenta,
anualmente, cerca de R$ 50 bilhões, segundo levantamento da Associação
Nacional de Proteção e Apoio aos Concursos (Anpac). São 500 cursos
preparatórios no país. Segundo a diretora executiva da Anpac, Maria Thereza
Sombra, com a medida, deixariam de ser preenchidas 29.816 vagas.
— O governo está expandindo alguns órgãos, o que é visto como prioridade. Se
deixar de contratar, o que só pode fazer por concurso, vai abandonar tais
prioridades, provocando maior descontentamento da população — diz o diretor
pedagógico da Academia do Concurso, Paulo Estrella, que admite, porém, que
os cursinhos devem perder alguns alunos e, consequentemente, receita.
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Rodrigo Menezes, diretor do site Concurso Virtual, observa que a medida só
atingiria a administração pública direta, ou seja, ficam de fora estatais
(Correios, Caixa Econômica, BNDES etc.) e sociedades de economia mista
(Banco do Brasil, Petrobras), que têm orçamento próprio para tal fim. Também
seriam mantidos os concursos de estados, Distrito Federal e municípios.
— Como já há aprovação orçamentária, a tendência é que os concursos
autorizados sejam mantidos — diz Menezes.
O presidente da Anpac, Marco Antonio Araujo Junior, lembrou que medidas
semelhantes foram adotas em 2008 e 2011, com poucos efeitos práticos. Pouco
depois, os editais voltaram a ser publicados, e as contratações, normalizadas.
Já Ruy Chaves, diretor da Universidade Estácio e que administra a Academia do
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Concurso, ressalta que este ano, apesar de não ter havido nenhum concurso, o
cursinho registrou procura 20% maior que em 2014. Segundo ele, isso ocorre
porque, com a crise, mais pessoas buscam um emprego estável e bem
remunerado.
NO RIO, ALÍQUOTA SOBRE IMÓVEIS ATINGIRÁ CLASSE MÉDIA
O que muda na tributação - Editoria de Arte
A proposta de tributação progressiva sobre venda de imóveis atinge em cheio a
classe média carioca. A medida, que ainda tem de ser aprovada pelo Congresso
Nacional, prevê aumento gradual da alíquota de IR para pessoa física sobre
ganho de capital em operações de compra e venda de imóveis acima de R$ 1
milhão. Como os preços explodiram no Rio nos últimos anos, é cada vez mais
difícil encontrar apartamentos de dois ou três quartos abaixo daquele patamar,
especialmente na Zona Sul.
Hoje, quem vende um apartamento paga 15% de IR sobre o ganho obtido, ou
seja, sobre a diferença entre o preço pelo qual o imóvel foi vendido e o preço
pelo qual ele fora comprado. A alíquota é a mesma independentemente do valor
da operação. Pela nova regra, as alíquotas vão variar de 15% a 30%, esta última
para imóveis acima de R$ 20 milhões.
- Se a proposta era aumentar a tributação sobre os mais ricos, no Rio, ela pega a
classe média. Não são em endereços nobres, como na Vieira Souto (em
Ipanema), que você encontra um apartamento de R$ 1 milhão ou R$ 2 milhões diz Bianca Xavier, sócia da área tributária do Siqueira Castro Advogados.
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O dono de um apartamento comprado em 1º de janeiro de 2010 por R$ 500 mil,
por exemplo, e vendido nesta terça-feira por R$ 1,5 milhão, pagaria R$ 117.867
à Receita Federal. Caso a nova regra seja aprovada, o IR devido subirá 33%,
para R$ 157.156, no cálculo de Bianca.
Num primeiro momento, ela avalia que a medida vai fomentar o mercado
imobiliário, já que as pessoas tendem a correr para fechar negócios e pagar
menos tributos. Segundo a advogada, se a mudança for aprovada este ano, passa
a valer em 1º de janeiro de 2016.
Na opinião de João Paulo Rio Tinto de Matos, presidente da Ademi-Rio, que
reúne empresas do setor imobiliário, a alteração será mais um ingrediente na
desaceleração do mercado, somando-se à retração econômica e crédito mais
caro:
- Se o IR também ficar mais caro, será mais um fator de preocupação.
Para Matos, a progressão de alíquotas deveria variar conforme o ganho do
capital e não o valor de venda do imóvel. Ele critica, ainda, o fato de os valores
da tabela não levarem em conta a inflação no período de posse do apartamento.
Isenções de IR previstas em lei, para a venda do único imóvel de até R$ 440 mil
ou para nova compra em até 180 dias após a venda, serão mantidas.
SEM ABONO, MAIS DE 100 MIL DEVEM PEDIR APOSENTADORIA
Ao extinguir o abono de permanência para cortar gastos públicos, o governo
elimina uma medida criada exatamente com esse objetivo: retardar a
aposentadoria dos servidores e conter o crescimento da folha de salários da
União. A medida, conhecida entre os servidores como “pé na cova”, isenta da
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contribuição previdenciária — que na União é de 11% e incide sobre o salário
total — os funcionários que já têm tempo de serviço e idade para se aposentar,
mas decidem seguir trabalhando. Na prática, é como se eles tivessem um
aumento de salário, já que, diferentemente do que acontece no INSS, os
servidores continuam descontando para a Previdência mesmo depois de
aposentados.
— A criação do “pé na cova” foi uma medida eficaz, porque fez com que muita
gente continuasse trabalhando. Não parece inteligente acabar com ela, porque a
tendência será essas pessoas se aposentarem e, para substituí-las, o governo vai
gastar muito mais do que os 11% do salário de que estava abrindo mão. Mas,
como também anunciaram que não vão contratar mais ninguém, deve haver
economia, porém às custas da crise de falta de pessoal no serviço público —
avalia Kaizô Beltrão, especialista em Demografia e Previdência da Fundação
Getulio Vargas.
Desde que foi criado, em 2004, o abono atraiu número crescente de servidores.
Segundo o Ministério do Planejamento, há 101 mil servidores do Executivo que
se beneficiam do abono e, nos próximos cinco anos, outros 123 mil vão adquirir
as condições para recebê-lo. As despesas, ou seja, o montante que o governo
deixou de arrecadar, também cresceram. Em 1995, foram R$ 230 milhões. Ano
passado, R$ 1,17 bilhão. É praticamente o mesmo valor que o governo prevê
economizar com o fim do abono, R$ 1,2 bilhão.
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O problema é que, com o contingente de cerca de 224 mil servidores a mais que
tendem a se aposentar — 100 mil podem fazer isso já —, a arrecadação do
governo pode ser bem menor.
— Mesmo que não substitua quem se aposentar, a economia do governo será
menor, pois o servidor inativo contribui para a Previdência, mas não sobre o
salário integral — lembra Beltrão.
Servidores aposentados contribuem sobre a fatia do salário que ultrapassa o teto
do INSS, hoje em R$ 4.663,75. Assim, um funcionário que ganha R$ 10 mil
desconta R$ 1.100 quando estiver trabalhando e R$ 586 depois de aposentado.
http://oglobo.globo.com/economia/medidas-anunciadas-pelo-governo-afetammercado-imobiliario-cursinhos-servidores-publicos-federais-17502739
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