1 Parece que foi ontem Sandra Santos Nesta semana de aniversário de São Paulo, proponho aqui um exercício: feche os olhos e volte no tempo... Quando, pela primeira vez, você leu ou ouviu sobre a História Paulista? Independente da sua idade, seja teen ou da terceira. Eu, particularmente lembro as imagens dos velhos livros didáticos dos anos 70 e das propagandas ufanistas veiculadas em todos os vinte-e-cincos-de-janeiros de toda minha vida. Talvez duas ou três telenovelas... E é sempre aventura épica, não é? Você também não ouve o barulho das lâminas dos sabres? O estampido seco da explosão da pólvora que abafa os gritos de comando? O Murilo Rosa na Padroeira... os bandeirantes saindo para desbravar o território nacional, aumentar as fronteiras do que será, um dia, um grande país. Digo mais: alguns colegas, professores de História, até admitem que foram fascinados por isso na infância!!! Pior: reproduzem isso em suas salas em pleno século XXI. Ecoa o som de outras lutas sociais? Não! Analisemos friamente: os indígenas são meros coadjuvantes e os negros nem aparecem nas narrativas quatrocentonas. Minhas professoras (até a 4ª.série) e meus professores de História (desde a 5ª. série até o final do ensino médio) adoravam (ou seria falta de opção?) os textos do Ernani Silva Bruno (BRUNO, Ernani Silva. Viagem ao país dos paulistas. Rio de Janeiro, José Olympio, 1966, p. 26.). Eram mesmo bons de ler... Havia também os livros didáticos editados na época da ditadura (neste caso tenho que reconhecer o esforço em valorizar a História Regional; nós, paulistas, aprendíamos História com ênfase em São Paulo... pena que só tratavam das elites... origem dos nomes de rodovias como Fernão Dias, Raposo Tavares, Anhanguera). Além disso, as famílias costumavam levar as crianças aos museus (coisa cada vez mais rara). Tudo isso criou um clima... era a nossa versão dos filmes de caubói. Por outro lado havia os jesuítas, com José de Anchieta e Manoel da Nóbrega à frente. Até hoje, quando levo alunos ao Pátio do Colégio, gosto de ver o fêmur do padre na caixinha de vidro, a batina inteira em outra redoma (na minha infância era apenas um pedacinho de tecido...) e a maquete representando o início da ocupação do Planalto de Piratininga. *** Os primeiros paulistanos chegaram aqui vindos de São Vicente. A sede do governo de serra acima, até 1560, foi Santo André da Borda do Campo. Porém aquela localidade não oferecia proteção contra o ataque dos gentios que insistiam em defender suas terras e sossegos contra os estranhos que apareciam para encher as bordas dos campos de Piratininga. O jeito foi João Ramalho, e a parentada toda, pegar mala e cuia e debandar para doze léguas além, onde em 1554 – no dia do apóstolo Paulo – os jesuítas já haviam estabelecido um aldeamento para catequese – local que apresentava melhores condições de defesa. Cresceu uma povoação simpática, onde as mulheres se tornaram famosas pela valentia e independência, posto que passavam longos períodos sozinhas devido à atividade principal dos homens da terra que, naquele período, para conquistar e manter terras, não tinham escrúpulos em negociar com o que tinham à mão: gente (1580-1640); ouro (1640-1730); gado (1730-1775); açúcar (1775-1828). No auge do bandeirismo de apresamento, algumas localidades – como a Freguesia do Ó – se transformaram em espécies de viveiros de índios que, como escravos, eram enviados para outras regiões do país. Sob o eufemismo de administrados, os que outrora foram donos da terra, estavam reduzidos à condição de mercadorias. Os primeiros a sofrerem as injustiças do capitalismo nascente: o negro da terra, o indígena nativo. Os administrados podiam ser amigos ou prisioneiros de guerra. Os amigos se entregavam à administração através de acordos entre lideranças – caso notório é o dos grupos de Tibiriçá (seus restos mortais estão sepultados atualmente na cripta da catedral da Sé), Bartira (sua filha e mulher do sertanista João Ramalho) e Caiubi (seu irmão), todos célebres na História paulistana. Esta relação gerava, além de descendentes mestiços, convivência pacífica, reorganização de costumes (vestuário, utensílios, alimentação, religiosidade, diversão), acordos de proteção e auxílio. Muitos índios serviam de bússolas humanas nas penetrações desbravadoras para a busca de ouro, pedras preciosas e ataques a outras nações nativas, dos 2 quais surgia a outra categoria de administrados: os derrotados nas guerras que não havia provocado. Sobre este período, Darcy Ribeiro escreve sobre o cunhadismo, prática utilizada em todo o território no início da colonização. Era costume indígena adotar, na família, o estrangeiro casado com moças da comunidade. Quem assim procedesse, “passava a contar com uma multidão de parentes, que podia por a seu serviço, seja para seu conforto pessoal, seja para a produção de mercadorias”. (RIBEIRO, Darcy. O povo brasileiro; a formação e o sentido do Brasil. São Paulo, Cia. das Letras, 1995, p. 82) A cultura indígena foi a base da formação da sociedade local, suas técnicas de edificação e trato com a natureza, pesca e agricultura, foram apropriadas e redefinidas pelos grupos europeus e, posteriormente, pelos africanos que chegaram e instalaram próximos aos rios Tietê, Anhangabaú e Tamanduateí. Aos poucos, toda aquela gente foi se espalhando e organizando núcleos mais dispersos. Chegou-se ao interior pelo então sinuoso rio Tietê, ao longo do qual se formaram povoações. Já no início do século XIX (1805), a cidade de São Paulo abrangia as freguesias da Sé, Cotia, Santa Ifigênia, Brás, Penha, São Bernardo do Campo, M’Boy, Guarulhos, Juqueri e Nossa Senhora do Ó. O africano, embora estivesse presente desde o século XVI, só se tornou em número suficiente para influir na formação étnica da capitania a partir de meados do século XVIII. O aumento da importação de negros em São Paulo esteve ligado, principalmente, às minas de ouro – inicialmente na região do Vale do rio Ribeira (atual sul do Estado de São Paulo) e, posteriormente, nas Minas Gerais (região central do Brasil). A Academia de Direito, instalada no convento dos franciscanos em 1828 e ainda no mesmo local até hoje (atual Faculdade de Direito da USP), conferiu ares de intelectualidade e um pouco de verniz na casca dura bandeirante. Até então considerada província caipira pelos moradores da capital do País (Rio de Janeiro), São Paulo passou a ser conhecida como Burgo de Estudantes. A cidade receberia a fina flor da sociedade brasileira (alguns até eram abolicionistas, românticos, políticos sonhadores... mas não todos!) que vinha procurar estudo. Bem verdade é que, além dos trotes, alegria e despejo de alguns cobres no mercado, nada mais os estudantes puderam oferecer à região naquele momento. Nos fins do século XVII e começo do XVIII, grande parte dos potentados paulistas, enriquecidos nas minas de ouro ou no comércio com as regiões mineiras – controlavam as tropas que as abasteciam de gêneros diversos – conseguiram amealhar o suficiente para manter numerosa escravaria, que se misturava aos escravos de ganho que enchiam as ruas, e tendia a fugir dos maus tratos recebidos. Acabavam se refugiando em locais ermos formando quilombos – que podiam ser encontrados a cerca de cinco quilômetros de distância do centro histórico. A cidade só começou verdadeiramente a se tornar grande quando os barões do café fizeram dela sua sede financeira – local para investir e guardar o dinheiro ganho no interior, com a exploração de suas senzalas cafeicultoras do Vale do Paraíba. De 1872 até o início do século XX, São Paulo foi a Metrópole do café – fase que termina com o final da Primeira Grande Guerra. Festa das elites, trabalho redobrado na periferia. A assinatura da Lei Áurea alcançou São Paulo com uma grande quantidade de afrodescendentes livres já integrados à economia como empregado/as doméstico/as, quituteiro/as, realizando trabalhos braçais em fábricas. Muitos, vítimas do preconceito, se mantiveram na marginalidade e empreenderam uma saída em direção ao interior, se integrando às comunidades rurais conhecidas hoje como remanescentes de quilombo. Alguns bairros operários paulistanos – como Bexiga, Mooca, Brás, Penha, Bom Retiro, Água Branca e no centro da cidade, na Rua 15 de Novembro e Rua da Glória – havia a convivência entre moradores brancos e negros, mas a preferência era pela organização de famílias da mesma origem nacional e/ou regional (TRINDADE, Liana S. O negro em São Paulo no período pós-abolicionista in PORTA, P.(org.) História da cidade de São Paulo. Vol. III. SP, Paz e Terra, 2005). Apesar da marginalização, foi possível a formação de uma classe média negra da qual participavam pequenos comerciantes, funcionários públicos, operários e membros do exército. No final dos anos 20 do século XX trataram de afirmar sua cidadania brasileira contra os imigrantes – o território paulista foi dos que mais receberam imigrantes europeus, principalmente italianos. Naquela época, a imprensa negra iniciante apoiou esse movimento. 3 A utilização do espaço público urbano (ruas, praças e galerias) pela população afrodescendentes, para criar e recriar musicalidades e realizar suas devoções religiosas) foi frequente tanto antes como depois de maio de 1888. Irmandades se organizaram para apoiar os que apresentavam dificuldade de adaptação à sociedade ao mesmo tempo em que textos de memorialistas, viajantes e alguns artigos de jornais relatam sobre a “ruidosa e incômoda” presença da população negra nas áreas centrais da cidade – hoje locais como a Praça da Liberdade até a Igreja da Boa Morte (sede do Grupo Quilombo Central dos Agentes Pastorais Negros) e daí até o Largo São Bento. Lugares onde se encontravam as igrejas das irmandades de São Benedito, Santos Elesbão e Da Boa Morte. As irmandades de Nossa Senhora do Rosário e de Santa Ifigênia, antes em locais privilegiados e possuidoras de imóveis valorizados, sucumbiram à campanha preconceituosa e foram transferidas para a outra margem do Anhangabaú, após intensa luta jurídica. (AZEVEDO, A. e SILVA, S. Os sons que vem das ruas in Rap e educação; Rap é educação. ANDRADE, E. SP, Summus, 1999). Obviamente a História não se resume a estas breves linhas. Apenas alinhavei alguns temas que me ocorreram ontem, dia 25 de janeiro, quando caminhava pelas regiões de referência histórica e, à noite, assistia aos principais telejornais das emissoras mais famosas. Os paulistas estão ávidos por informação, isso fica patente quando buscam, em dias festivos, os museus, os passeios guiados... mas muitos não conseguem “encontrar” seus antepassados/seus ancestrais nos monumentos, nas construções, nos museus, nos vultos dos fantasmas que ajudam a construir os mitos e lendas urbanas que também constituem nosso patrimônio. Para suprir isso, podemos proporcionar uma ação de diálogo com a História e os lugares históricos que, na cidade, se identificam com as etnias formadoras de nossa cultura (principalmente indígena e negra). Para mais informações acesse o espaço referente a Turismo Étnico. São duas opções de caminhada pelo centro histórico e museus.