A PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DA PARAÍBA TRIBUNAL DE JUSTIÇA GAB. DES. ROMERO MARCELO DA FONSECA 01 1VEIRA ACÓRDÃO APELAÇÃO CÍVEL N° 001.2009.024539-8/001 ORIGEM . : 6 Vara Cível da Comarca de Campina Grande. RELATOR : Des. Romero Marcelo da Fonseca Oliveira. APELANTE : Banco do Brasil S.A. ADVOGADO: Celso David Antunes e Luis Carlos Laurenço. APELADO : Iolanda Martins de Oliveira. ADVOGADO: Gizelda Gonzaga de Moraes. EMENTA: APELAÇÃO. AÇÃO COMINATORIA.. BENEFICIÁRIA DO INSS. EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. DESCONTOS QUE ULTRAPASSAM O LIMITE LEGAL. PRELIMINAR. IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO. REJEITADA. REDUÇÃO DO VALOR DAS PARCELAS A TRINTA POR CENTO DOS RENDIMENTOS. IMPOSIÇÃO LEGAL. INTELIGÊNCIA DOS ARTS. 1 0, 2°, §2°, I, E 6° DA LEI 10.320/2003. REPETIÇÃO DO INDÉBITO. FORMA SIMPLES. MÁ-FÉ NÃO CONFIGURADA. MANUT UNÇÃO DA SENTENÇA. DESPROVIMENTO DO RECURSO. Reconhecida a submissão das instituições financeiras aos princípios e regras do Código de Defesa do Consumidor, possível a revisão do contrato. "É válida a cláusula que autoriza o desconto em folha de pagamento da prestação de empréstimo contratado, desde que não ultrapasse o 1 i!nite de 30% do salário bruto do devedor, excluídos os valores relativos ao imposto cic renda e fundo previdenciário". (AgRg no REsp 1234672/RS, Rel. Ministra NANCY NDRIGHI) A cobrança excessiva, mas sem o caráter de má-fé, r90 gera a obrigação para o credor da devolução em dobro, prevista no art. 42 do Código de Defesa do Consumidor. VISTO, relatado e discutido o procedimeni o referente à Apelação Cível n° 001.2009.024539-8/001, figurando como partes Iolanda Martins de Oliveira e Banco do Brasil S.A. ACORDAM os eminentes Desembargadores integrantes da Egrégia Quarta Câmara Cível do Tribunal de Justiça da Paraíba, unanimidade, acompanhando o Relator, conhecer do Recurso e negar-lhe provimen to. VOTO. Iolanda Martins de liveira intentou, perante o Juízo da 6 8 Vara Cível da Comarca de Campina Grande Ação Cominatória c/c Restituição em Dobro do Indébito e Indenização dos Dano ra\'s por Ato Ilícito, processo n° 001.2009.024539-8, em face do Banco do Brasil Alegou que (1) é pensionista do INSS, perceliendo benefício no valor de um salário mínimo; (2) contratou com o Réu três empréstimos consignados e o somatório de suas parcelas implicam em quase a totalidade do valor que recebe; (3) a instituição financeira não respeitou o limite estabelecido pela Lei 10.820/2003, que determina que os descontos de prestações de empréstimos em folha não pode ultrapassar o limite de 30% do valor do benefício recebido, devendo, portanto. referidas parcelas se adequarem às disposições legais; e, (4) tem enfrentado diversos constrangimentos decorrentes da impossibilidade de prover sua manutenção e de sua família, em virtude do comprometimento quase integral de seu salário com os empréstimos realizados. Requereu a antecipação da tutela no sentido de determinar que o Réu se abstenha inserir seu nome nos cadastros de restrição a , crédito, e a redução das parcelas dos empréstimos no valor correspondente a 30% dos seus proventos, devendo o valor excedente ser divido em prestações suplementares necessárias à quitação do débito, sem a incidência de juros de mora ou quaisquer encargos financeiros, sob pena de aplicação de multa diária no valor de R$ 1.000,00, e. no mérito, pediu a confirmação em definitivo da tutela antecipada, com a condenação do Réu a restituição em dobro dos valores consignados na sua conta corrente acima da previsão legal, e ao pagamento de indenização por danos morais a ser arbitrada em juízo, atualizada monetariamente e acrescida de juros de mora a partir da data do ato ilícito. Em Decisão de f. 28/29, o Juízo deferiu o pedido de antecipação dos efeitos da tutela, por entender que os empréstimos consignados realizados violavam determinação legal no sentido de que não poderiam comprometer inais de 30% da renda mensal da Autora. Na Contestação, f. 32/51, o Réu arguiu, prelini inarmente, carência do direito de ação por impossibilidade jurídica do pedido, tendo em vista que descaberia o pedido de revisão contratual quando inexistente qualquer fato superveniente que tivesse onerado excessivamente as prestações do contrato, que deveria ser cumprido na forma em que foi pactuado; e, no mérito, alegou que (1) a Autora tinha conhecimento de todas as condições dos contratos celebrados, sendo inequívoca a sua declaração de vontade ao efetuá-los; (2) a inobservância do instrumento contratual implicaria em vilipêndio ao princípio do pacta sunt servanda, que rege as relações contratuais; (3) não praticou qualquer ato ilícito; (4) não restou comprovado qua I quer dano moral suportado pela Autora; (5) não seria possível a repetição do indébito, pois todos os valores pagos foram livremente pactuados; e, (6) a eventual precedência do pleito indenizatório deveria observar a razoabilidade e proporcionalidade na fixação do quantum devido. Requereu o acolhimento da preliminar de carência do direito de ação e, subsidiariamente, a improcedência dos pedidos, e a condenação da Autora por litigância de má-fé. Sentenciando, f. 82/86, o Juízo julgou parcialmente procedente o pedido, para determinar que o Réu parcele o restant do débito da Autora em tantas parcelas quanto forem necessárias para limitar o valor 1s empréstimos ao percentual de 30% dos seus vencimentos, conforme determina a Le i° 10.820/2003, condenando-o à devolução, na forma simples, dos valores pagos alén este percentual, com juros de 1% ao mês e c,\W e0° aó°1 st° `t correção monetária pelo INPC, por entender inexistente a má-fé do Réu, deixando de condená-lo ao pagamento de indenização por danos morais, por não vislumbrar qualquer dano para a Autora, que assumiu os empréstimos de livre e espontânea vontade. Condenando as partes ao pagamento das custas e honorários pro rata, de acordo com o art. 21 do CPC. O Réu interpôs Apelação, f. 88/97, arguindo, preliminarmente, carência do direito de ação por impossibilidade jurídica do pedido. tendo em vista que descaberia o pedido de revisão contratual quando inexistente qualquer fato superveniente que tivesse onerado excessivamente as prestações do contrato, o qual deveria ser cumprido na forma em que foi pactuado; e, no mérito, alegou que (1) a Autora tinha conhecimento de todas as condições dos contratos celebrados, sendo inequívoca sua declaração de vontade ao efetuá-los; (2) a inobservância do instrumento contratual implicaria em vilipêndio ,ao princípio do pacta sunt servanda, que rege as relações contratuais; e, (3) a repetição de indébito seria descabida, porquanto em nenhum momento agiu com má-fé ou fez cobranças em excesso, apenas cumpriu os termos do contrato realizado entre as partes. Pugnou pelo provimento do Recurso para, acolhendo a preliminar de carência do direito de ação, extinguir o processo, e, subsidiariamente, reformar a sentença para julgar improcedentes os pedidos. Sem contrarrazões, Certidão de f. 105v. A Procuradoria de Justiça, f. 110, opinou pelo prosseguimento do feito sem manifestar-se acerca do mérito, por não vislumbrar matéria prevista no art. 82, I a III, do Código de Processo Civil. O Recurso é tempestivo e o preparo foi recolhido, f. 102. É o relatório. Conheço do Recurso, porquanto presentes os requisitos de admissibilidade. O Apelante/Réu arguiu como preliminar a impossibilidade jurídica do pedido, sob a alegação de que descaberia o pedido de revi ,zão contratual quando inexistente qualquer fato superveniente que tivesse onerado excessivamente as prestações do contrato, o qual deveria ser cumprido na forma em que foi pactuado. Tratando-se de contrato alcançado pelas regras consumeristas, tem-se que é cabível a revisão judicial, quando sua execução imoitar em onerosidade excessiva para a parte devedora, ainda que esta tenha se submetid às cláusulas fixadas quando da sua celebração. Razão pela qual, afasto referida preli O Apelante/Réu se insurge contra a limitação imposta na Sentença, afirmando que os descontos das parcelas dos empréstimos obtidos haviam sido autorizados pela Autora/Apelada. Não se questiona no presente feito se a Autor ;i/Apelada detinha conhecimento das cláusulas do contrato celebrado ou se houve vicio de consentimento, mas que a instituição financeira ofereceu serviços em desobediência a uma imposição legal, quando permitiu a realização de três contratos de empréstimos, onde a soma de suas prestações não só ultrapassaria o limite imposto pela lei, como comprometeria quase na integralidade o seu beneficio, implicando na impossibilidade de prover sua subsistência e a de sua família. Os três empréstimos realizados possuem parcelas nos valores de R$ 216,12, R$ 131,14 e R$ 61,45, conforme constatam os documentos de f. 12/14, sendo estes valores descontados do beneficio previdenciário da Autora 'Apelada, correspondente a um salário mínimo, o que não foi contestado pela institui0o financeira. Ressalte-se, ainda, que, ao contrário do afirmado pelo Apelante/Réu, não busca a Apelada/Autora eximir-se do seu dever de pagar os empréstimos contratados, mas, adequar suas prestações a um valor que não comprometa sua subsistência, não cabendo a alegação de vilipêndio ao principio do pacta sunt servanda, norteador das relações contratuais. O fato é que a relação estabelecida entre as partes é protegida pelo Código de Defesa do Consumidor, assim, apesar dos contratos lerem sido livremente pactuados, não impede o reexame judicial quando existentes clausulas consideradas abusivas ou que onerem excessivamente o contrato. No caso, o somatório das parcelas devidas pela Apelada/Autora, em razão dos empréstimos, correspondem praticamente à toe !idade de seus rendimentos, ultrapassando o limite legal de 30%, estabelecido pelos arts. 1° e 2°, §2°, I, da Lei n° 10.820/2003, aplicável aos aposentados e pensionistas, conforme art. 6°, do mesmo diploma, não podendo, quando do julgamento da referida ação, ser desconsiderada esta situação, como bem o fez o Juizo sentenciante, em respeito ao principio da dignidade da pessoa humana, tendo em vista que o salário é verba de natureza alimentar. A jurisprudência tem se posicionado no sentido de reduzir o valor das parcelas ao patamar legal, aumentando o prazo do contrato de rorma a permitir que o débito seja parcelado em quantas prestações forem necessárias paraa quitá-lo na integralidade, como bem explicitado na Decisão vergastada, não estando o Judiciário com isso incentivando a inadimplência, mas permitindo que o devedor honre com suas dividas sem comprometer sua subsistência e a de sua família. Nesse sentido, entendimentos do Superior Tribunal de Justiça: PROCESSUAL CIVIL E IVIL. AGRAVO. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO COMINATORIA. DESCON1 EM FOLHA DE PAGAMENTO. EMPRÉSTIMO. LIMITAÇÃO. - É válida a clál1ikula que autori7a o desconto em folha de pagamento da prestação de empréstimontrtlo, desde que 1, %'10 ultrapasse o limite de 30% do salário bruto do devedor, excluídos os valores relativos ao imposto de renda e fundo previdenciário.- Agravo não provido.(AgRg no REsp 1234672/RS, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julrado em 06/03/2012, DJe 13/03/2012) AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. CONTRATO BANCÁRIO. EMPRÉSTIMO. DESCONTO DE PRESTAÇÃO EM CONTA CORRENTE ONDE RECEBE SALÁRIOS. POSSIBILIDADE. LIMITE DE 30% DOS VENCIMENTOS. 1. O débito lançado em conta-corrente em que é creditado o salário, quando previsto, é modalidade de garantia (Ic mútuo obtido em condições mais vantajosas, não constituindo abusividade, razão pela qual não pode ser suprimido por vontade do devedor. Referido débito deve ser limitado a 30% (trinta por cento) dos vencimentos do servidor. 2. Agravo regimental riovido. (AgRg no Ag 1156356/SP, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, QUARTA TURMA, julgado em 02/06/2011, DJe 09/06/2011) E, do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. APELAÇÃO. NEGÓCIOS JURÍDICOS BANCÁRIOS. CONTRATOS DE EMPRÉSTIMO. PLEITO DE LIMITAÇÃO DOS DESCONTOS DAS PARCELAS EM CONTA-CORRENTE. BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. Sendo a parte autora pensionista do INSS, deve ser respeitado o limite máximo de 30% nos descontos em folha de pagamento ou conta-corrente, a teor cli Lei Federal n° 10.820/2003. No caso concreto, caracterizada a abusividade, impõe-se a limitação dos descontos para o percentual acima referido. Sentença mantida. Apelo improvido. (Apelação Cível N° 70039418660, Décima Segunda Câmara Cível. Tribunal de Justiça do RS, Relator: Orlando Heemann Júnior, Julgado em 14/07/20 I ' ) Desta forma, não respeitado o limite legal de 30%, correta a Sentença ao determinar sua aplicação nos contratos questionados. Afirma, ainda, o Apelante/Réu a impossibilidade da repetição de indébito, porquanto em nenhum momento agiu com má-fé ou fez cobranças em excesso, senão cumpriu os termos do contrato realizado entre as partes. Nesse ponto, também agiu com acerto o Juizo sentenciante, ao determinar a devolução na forma simples dos valores descontados acima do limite legal, tendo em vista que, apesar do consumidor ter sido cobrado em quantia indevida, porquanto excessiva, inexistente a má-fé por parte da instituição Financeira, em virtude dos valores terem sido previamente pactuados. Nesse sentido, a jurisprudência predominante, exemplificada pela ementa abaixo transcrita: EMENTA: APELAÇÃO - AÇÃO DE REVISÃO CONTRATUAL - INÉPCIA DA INICIAL - AUSÊNCIA DE PRESSUPOSTO DA AÇÃO REVISIONAL INOCORRÊNCIA - APLICABILIDADE DO CDC - CAPITALIZAÇÃO DE JUROS IMPOSSIBILIDADE NA PERIODICIDADE I\ IENSAL - DESCONTO DE PARCELAS DE EMPRÉSTIMO EM CONTA CORRENTE VIABILIDADE - LIMITAÇÃO A 30% - EXIBIÇÃO DE DOCUMENTOS - DEFERE\ ENTO - DEVOLUÇÃO EM DOBRO DECOTE. [...] É possível o desconto de parcela de empréstimo em conta-con -ente do mutuário quando há expressa %utorização desse para tal mister, conforme cláusula contratual, devendo, porém, o à‘ote ser limitado ao percentual de 30%. E de curial saber que as instituições 1Çina4cetas não fornecem cópias dos contratos com elas celebrados a seus clientes.I en4o ssim, posçível é o ingresso de ação revisional de contrato no bojo da qual solicita o requerente qur o réu exiba os contratos combatidos, já que possível é a exibição de documentos em uráter incidental. A cobrança excessiva, mas sem o caráter de má-fé, não gera a punição de devolução em dobro. A devolução deve ser simples, porque não se pode privilegiar o enriquecimento sem causa. (TJ/MG Apelação Cível n° 1.0145.05.237713-5/001 - Comarca de Juiz de Fora - Apelante(s): Banco Itau S/A - Apelado(a)(s): Debora Mein Iene Alves Felicio - Relator: Exmo. Sr. Des. Dídimo Inocêncio de Paula, julgado em 12/01/2007). Desta forma, não há o que ser modificado na Sentença, porquanto em consonância com a legislação em vigor e com entendi mento jurisprudencial dominante. Isso posto, conhecido o Recurso para, rejvitada a preliminar, no mérito negar-lhe provimento. • É o voto. Presidiu o julgamento, realizado na Sessão Ordinária desta Quarta Câmara Cível do Tribunal de Justiça da Paraíba, no dia 24 de julho de 2012, conforme Certidão de Julgamento, o Exmo. Des. Frederico Martinho da Nóbrega Coutinho, com voto, dele participando, além deste Relator, a Exma. Dra. Maria das Graças de Morais Guedes. Presente à sessão a Exma. Sra. Dra. Jacilene Nicolau Faustino Gomes, Procuradora de Justiça. mete no João Pessoa, 02 de agosto de 2012 es. Romero arce o da Fonseca 1 liveira. Relator • 7„