Sexta-feira, 27 de Abril de 2012
ENSINAR A POUPAR
A poupança por objetivos é uma interessante estratégia para sensibilizar as crianças a amealhar.
Dizer que as crises não têm de ser más tornou-se um lugar-comum nos dias que correm, mas se calhar não há outra forma razoável de ver a situação. É preciso ser
otimista e não perder a esperança de, com alguns sacrifícios, sermos capazes de vir a construir uma sociedade mais sólida. Não só economicamente como, de um
modo geral, o que inclui solidez de valores.
É, aliás, no reatar dos princípios que nortearam os nossos avós que muitos veem agora a solução, um caminho com futuro. E, concordemos ou não, pelo menos uma
coisa é certa: um dos grandes desafios passa precisamente por aprender (e reaprender) a poupar o dinheiro, fazendo escolhas mais acertadas e, sempre que
possível, colocar algum dinheiro de parte. E, neste sentido, chegar a outro campo igualmente importante que lhe está interligado: o da poupança de recursos através
de opções e medidas mais ecológicas. É uma espécie de dois em um, para adultos e crianças aplicarem, o que implica educar os mais novos nesse sentido.
Difícil? Nem por isso! Há formas simples que funcionam como excelentes instrumentos para cultivar e pôr em prática os hábitos de poupança entre as crianças,
afirmam alguns especialistas. O psicólogo clínico Manuel Coutinho é um deles. Lembra que a crise económica que hoje atravessamos se deve em grande parte ao
facto de termos deixado de dar valor às coisas, sobretudo ao dinheiro. “Passou-se de uma geração em que se comiam as sobras para outra em que sobra quase
tudo. Os pais tornaram-se gastadores e ensinaram os filhos a ser gastadores”, observa de forma perentória.
O psicólogo acredita que, nesta matéria, “para se andar para a frente” é preciso “dar alguns passos atrás”. Ou seja, mudar a forma de pensar. De acordo com as
suas próprias palavras, “pensar como pensavam os nossos avós”. E apontando o dedo ao crédito desmedido que invadiu a vida de centenas de portugueses
sensivelmente nas últimas duas décadas, afirma: “Temos de pensar que os recursos são finitos, que o valor do dinheiro é grande e que não são as máquinas ATM
que dão o dinheiro.”
É preciso que as crianças aprendam desde cedo que “o dinheiro é conseguido através do esforço do trabalho e aprendam a geri-lo”. Manuel Coutinho defende que a
gestão financeira deve ser ensinada tendo em conta a idade e o grau de desenvolvimento da criança, a partir do momento em que esta atinge os dois anos e meio,
três anos, “uma vez que é nesta altura do desenvolvimento que começa a perceber se os pais podem ou não podem comprar as coisas”.
Quando atingem os seis anos, as crianças já podem “receber uma semanada ou mesada simbólica, pelo que os pais já podem atribuir-lhes uma”. O psicólogo clínico
defende ainda que estes devem deixar a criança gastar o dinheiro, de forma a adquirir uma maior noção dos gastos e do valor do próprio dinheiro. Da mesma forma
devem discutir o tema da poupança com os mais pequenos, tanto em sentido teórico como prático e de forma pedagógica.
Teoricamente, na medida em que devem explicar-lhes que houve “um período em que a muitas pessoas sobrava dinheiro e que agora sobra mês, e porque isto
acontece, é preciso ver onde é que se pode poupar”, observa. Na prática, porque os pais podem dar aos filhos “uma folha de cálculo, convidando-os a aí anotarem as
despesas diárias”. A ideia é materializar esta preocupação para depois poder arranjar soluções viáveis de poupança.
À semelhança dos adultos, as crianças tem de aprender a viver privadas de algumas coisas, defende o psicólogo, convicto de que a crise “vai-nos ensinar, inclusive,
que o princípio da realidade tem de se sobrepor claramente ao princípio do prazer. Se as pessoas querem uma coisa têm de esperar e lutar por ela”. Saber esperar é
uma virtude que vamos ter de reaprender a conjugar, crianças e adultos. E poupar com vista a adquirir o que desejamos ou sonhamos deve tornar-se uma prática
constante.
Mas neste campo também é preciso modelos sólidos.
As crianças precisam de bons exemplos que deem sentido ao que lhes é dito, às palavras. Pois como escreve Guillermo Ballenato, em Educar sem Gritar (A Esfera
dos Livros), “as crianças constroem a realidade através do que observam, do que se lhes conta e de como se lhes explica. Quando se lhes dão razões, se lhes
expõem e clarificam as coisas e se debatem os porquês, o mundo ganha sentido e coerência”.
“Os pais ensinam os filhos fazendo. Neste caso, poupando. Até mesmo para que os filhos percebam que é uma medida que se destina a todos”, concretiza o
psicólogo a este respeito.
Guardar as poupanças num mealheiro pode ser ainda mais divertido e estimulante, além de estruturante. O pequeno banco em casa pode ter variadíssimas formas,
desde o cofre ao coração, mas o porquinho que tem acompanhado tantas gerações é sem dúvida um dos símbolos universais de poupança mais simpáticos (neste
momento é mesmo o símbolo de uma conta de poupança para os mais novos, de um banco português). O psicólogo concorda que é uma prática muito interessante
“de incentivo à poupança”. E se os mealheiros forem transparentes ainda mais, uma vez que permitem que a criança veja “o seu dinheiro a crescer”.
Os mealheiros são “organizadores da mente no sentido que levam a pessoa a ter aquilo que antigamente se dizia, e bem, ‘um pé de meia’ para alguma dificuldade”,
comenta. Por outro lado, poupar por objetivos pode ser um reforço à poupança. Na prática, guardar dinheiro para comprar algo que desejamos muito pode ser
incentivo acrescido. Serve para os adultos e para as crianças. “Poupar por objetivos é uma regra, pois há quem diga que no poupar é que está o ganho. O podermos
desenvolver estratégias para adquirirmos algo que gostamos é muito mais enriquecedor e o objeto passa a ter um valor mais simbólico do que quando nos é dado de
mão beijada.” Manuel Coutinho diz que os adultos estavam a proporcionar às crianças um “mundo completamente irreal, qua não tinha qualquer sustentabilidade”. E
conclui: “Para que no futuro haja mundo, temos de poupar o mundo. E é preciso fazer as crianças sentirem isto.”
http://www.maxima.xl.pt/familia/6275-ensinar-a-poupar.html
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