TRIBUTAÇÃO NO BRASIL:
CARACTERÍSTICAS
MARCANTES E
DIRETRIZES PARA A REFORMA*
José Roberto Rodrigues Afonso**
Ricardo Varsano***
Júlio César Maciel Ramundo**
Erika Amorim Araujo**
Elisa de Paula Pessoa***
Napoleão Luiz Costa da Silva***
RESUMO
Apesar da estabilização decorrente do Plano Real ter proporcionado uma
apreciável elevação da receita pública, as enormes carências sociais do país e sua
frágil situação fiscal, dentre outros fatores, apontam para a necessidade de manter,
pelo menos por alguns anos ainda, o atual nível de tributação. Para tanto, é preciso
que se empreenda uma reforma tributária com o objetivo de assegurar uma melhor
distribuição da carga entre os contribuintes, bem como a harmonização fiscal
requerida pelo atual contexto internacional. Aliam-se a estes fatores as dificuldades
impostas pela situação político-institucional do país e pelos distintos interesses que
cercam o tema. Assim, tendo em vista tais desafios e o reconhecimento de que a
reforma tributária deve ser percebida como componente de um processo maior de
ajuste estrutural do Estado, este trabalho esboça algumas diretrizes para o processo
de reforma a partir da avaliação da qualidade e da capacidade de geração de receita
do nosso sistema tributário.
ABSTRACT
Although the stabilization resulting from the introduction of the Real Plan have
provided an appreciable increase in tax revenue, the huge magnitude of the social
requirements in Brazil and the fragile fiscal situation - among other factors - point to
the need for maintaining, at least for some years to come, the current level of
taxation. Thus, fiscal reform is necessary in order to assure improvement in the
distribution of the fiscal burden among taxpayers as well as the fiscal reconciliation
1
required by the current international context. Other important factors are the current
political and institutional situation in Brazil and the distinct interests that surround this
matter. In view of these challenges and the realization that fiscal reform must be
viewed as a component of a greater process of structural adjustment of government
in Brazil, this paper outlines some guidelines for the reform process, beginning with
an evaluation of the quality and capacity of revenue generation of Brazil's fiscal
system.
*Esta é uma versão resumida de pesquisa a ser publicada pelo Ipea e elaborada em conjunto pela
Diretoria de Pesquisa do Ipea e pela Secretaria para Assuntos Fiscais do BNDES. As opiniões aqui
expressas refletem os pontos de vista dos autores e não das instituições a que pertencem.
** Economistas do BNDES
*** Economistas do Ipea.
2
1. Introdução
As discussões a respeito do sistema tributário brasileiro e sobre a
necessidade de sua reformulação já fazem parte, há algum tempo, da agenda de
debates de toda a sociedade. Desde o início dos anos 90 formulou-se um grande
número de propostas de reforma tributária, tanto por iniciativa de congressistas e
órgãos de classe quanto do próprio governo federal, não tendo sido implementadas
em razão das inúmeras e divergentes questões e interesses que cercam a matéria.
O fato é que as alterações no cenário internacional, com uma crescente
abertura de nossa economia, vêm impondo novos desafios no sentido da
harmonização fiscal. Além disso, a estabilização e o crescimento da economia
decorrentes do Plano Real propiciaram uma apreciável elevação da receita pública,
o que faz com que surjam, freqüentemente, críticas provenientes daqueles que
consideram excessivo o nível de nossa carga tributária. De fato, desde 1994 a
receita tributária brasileira situa-se no patamar de 29% do PIB.
Diante dessas questões, o objetivo deste trabalho é avaliar a qualidade e a
capacidade de geração de receita do atual sistema tributário brasileiro a fim de que
possam ser esboçadas algumas diretrizes para o processo de reforma tributária,
respeitados alguns limites impostos tanto pelo contexto internacional quanto,
principalmente, pela nossa situação político-institucional. O Brasil é uma federação com um dos mais elevados graus de autonomia fiscal dos governos subnacionais
(estados mais municípios) - que ainda promove um processo de revisão da forma de
atuação do Estado, num quadro que conjuga enormes carências sociais com uma
débil situação fiscal. Nesse sentido, objetiva-se identificar e avaliar as principais
características do sistema tributário brasileiro, especialmente em relação ao
panorama internacional e ao esforço tributário potencial e efetivo, reconhecendo,
desde já, a necessidade de manter, pelo menos por alguns anos ainda, o atual nível
de tributação.
Para o diagnóstico da tributação no Brasil foram adotadas as estatísticas das
receitas tributárias computadas nas contas nacionais, por terem a conceituação mais
abrangente: impostos, taxas e todas as contribuições, inclusive as da seguridade
social (previdência, FGTS e sindicais), arrecadadas pelas administrações direta e
3
indireta dos três níveis de governo.1 A Seção 2 apresenta um rápido panorama da
evolução e estrutura da arrecadação tributária global no país; a Seção 3 compara a
tributação brasileira com a de outros países; a Seção 4 oferece uma medida de
esforço tributário da sociedade que, conjugada à carga efetivamente observada,
permite que se derive a capacidade tributária do país, ou seja, a carga máxima que
poderia ser atingida, dadas as condições econômicas vigentes; por fim, a Seção 5
apresenta algumas diretrizes para o processo de reforma tributária. Nos Anexos,
encontram-se uma nota metodológica acerca do exercício de estimação da
capacidade tributária e os dados tributários das contas nacionais, recentemente
alterados por força de nova metodologia implantada pelo IBGE.
2. Evolução e Composição da Receita Tributária Brasileira
A despeito de algumas quedas e de patamares que perduraram por longo
tempo, a carga tributária mostra uma tendência claramente ascendente ao longo dos
últimos 50 anos. O crescimento é, de modo geral, lento, mas em duas ocasiões nos triênios 1967/69 e 1994/96 - houve mudanças rápidas para patamares mais
altos. No primeiro caso, o resultado é fruto da profunda reforma tributária realizada
e, no segundo, da estabilização da economia promovida pelo Plano Real.
TABELA I
CARGA TRIBUTÁRIA GLOBAL - 1947/96
(Em % do PIB)
ANO
CARGA
ANO
CARGA
1947
1950
1955
1960
1965
1970
1975
1980
13,84
14,42
15,05
17,41
18,99
25,98
25,22
24,52
1985
1990
1991
1992
1993
1994
a
1995
b
1996
24,06
28,78
25,24
25,01
25,78
29,75
29,41
28,93
Fontes: Contas Nacionais do Brasil, IBGE e FGV. A partir
d 1980 f i tili d
t d l i d
t
i
i
1
Na série histórica adotada neste artigo, os dados até 1979 foram extraídos, sem alteração, das contas nacionais
e partindo-se das receitas originalmente publicadas pelo IBGE, os índices de carga tributária aqui adotados
apresentam discrepâncias, seja por conta da atualização do valor nominal do PIB, seja devido a revisões dos
valores de arrecadação de alguns tributos em determinados anos. Em 1994, a diferença mais significativa
envolve a relação entre a contribuição à previdência e o Fundo de Estabilização Fiscal (FEF), cuja forma de
contabilização levou a uma subestimativa daquele tributo de quase 1% do PIB. A partir de 1990, foram utilizados
os valores da nova série do PIB divulgada pelo IBGE em 1997, correspondentes à nova metodologia adotada
para as contas nacionais. Não foi alterada, porém, a base da receita tributária, pois tanto a sua abrangência
quanto o seu levantamento diferem do antigo sistema (ver Anexo 2 ao final deste trabalho).
4
de 1980 foi utilizada a metodologia das contas nacionais
(antigo sistema), com ajustes das receitas a partir dos
balanços contábeis, e a partir de 1990 foram adotados os
valores do PIB obtidos pelo IBGE, com a nova
metodologia das contas nacionais.
a
Valores preliminares.
b
Valores estimados.
A reforma da década de 60 criou um sistema tributário que, a despeito de
pecar quanto à eqüidade e à acentuada centralização de receita e poder tributário,
era tecnicamente muito avançado para a época. Adotou-se a tributação sobre o
valor adicionado tanto para o principal imposto estadual como para o imposto federal
sobre produtos industrializados, reduziu-se drasticamente a tributação cumulativa e
reformulou-se o Imposto de Renda. Concomitantemente, promoveu-se uma
substancial melhoria na qualidade da administração fazendária. Completado o
período de transição, a carga tributária atingiu um patamar em torno de 25% do PIB,
estabilizando-se nesse nível no final dos anos 60 e ao longo de toda a década de 70.
Nos anos 80, a despeito do quadro de estagnação, a carga manteve-se por volta de
25% do PIB. Entretanto, esse movimento se deu, em grande parte, devido à
ampliação da incidência sobre bases cumulativas. Com a estabilização da economia
em decorrência do Plano Real, a carga tributária volta a crescer, mantendo-se em
um patamar ao redor de 29% do PIB.
A evolução da carga por grupos de tributos é analisada na Tabela 2 a seguir,
onde duas formas de grupamento foram consideradas. Na primeira, os tributos são
distribuídos entre as principais bases de incidência (comércio exterior, tributos
domésticos sobre bens e serviços, sobre a renda etc.). Trata-se de classificação
adotada pelos autores, seguindo aproximadamente a metodologia do
Fundo
Monetário Internacional (FMI), para criar valores comparáveis com os de outros
países.2 Na segunda, os tributos são classificados em diretos e indiretos, seguindo a
metodologia tradicional do antigo sistema das contas nacionais.3
2
A linha “Demais” da Tabela 2 inclui, além de tributos não classificáveis em um dos grupamentos considerados,
alguns que, embora claramente classificáveis, são de pequena importância na arrecadação, como, por exemplo,
o imposto de exportação.
3
Cabe observar que esta classificação, abandonada pelo IBGE em 1997, remonta ao tempo em que se
acreditava que os impostos ditos diretos não eram transferidos, enquanto os indiretos, ainda que legalmente
incidentes sobre um agente econômico, eram transferidos para outro agente, que, de fato, era quem suportava o
ônus da tributação. Vasta literatura econômica que se acumula desde os anos 50 mostra que isto não é
necessariamente verdade. Dependendo das circunstâncias do mercado, um imposto de renda, por exemplo,
pode ser transferido e outro sobre bens pode ter incidência econômica idêntica à legal.
5
Tabela 2a
Carga Tributária por Grupamento de Tributos - 1980/96
(Em % da Receita Total)
A - Em % da receita total
1980
1985
1990
1991
1992
1993
1994
1995a
1996b
Tributos sobre o Comércio Exterior
2,85
1,66
1,35
1,65
1,59
1,74
1,75
2,58
1,87
Tributos sobre os Bens e Serviços
Cumulativos
Outros
43,55
10,90
32,65
38,23
5,70
32,53
49,06
10,89
38,17
49,96
12,11
37,85
47,61
9,97
37,64
47,74
11,46
36,28
51,83
17,20
34,64
46,81
13,11
33,70
45,94
13,16
32,78
Tributos sobre o Patrimônio
1,09
0,71
0,96
2,12
1,43
1,04
1,33
2,70
3,06
Tributos sobre a Renda
12,28
21,31
19,72
16,54
19,65
18,00
16,12
19,33
17,79
Tributos sobre a Mão-de-Obra
30,32
29,84
25,38
24,06
25,16
26,90
24,58
24,41
26,58
Demais
9,91
8,25
3,54
5,67
4,57
4,58
4,39
4,16
4,76
Total
100,00
100,00
100,00
100,00
100,00
100,00
100,00
100,00
100,00
Diretos
Indiretos
46,78
53,22
54,00
46,00
45,40
54,60
44,05
55,95
45,32
54,68
45,98
54,02
43,78
56,22
45,34
54,66
47,10
52,90
Tabela 2b
Carga Tributária por Grupamento de
Tributos – 1980/96
Em % do PIB
NATUREZA DA RECEITA
1980
1985
1990
1991
1992
1993
1994
1995a
1996b
Tributos sobre o Comércio Exterior
0,70
0,40
0,39
0,42
0,40
0,45
0,52
0,76
0,54
Tributos sobre os Bens e Serviços
Cumulativos
Outros
10,68
2,67
8,00
9,20
1,37
7,83
14,12
3,13
10,98
12,61
3,06
9,55
11,91
2,49
9,41
12,31
2,95
9,35
15,42
5,12
10,30
13,76
3,85
9,91
13,29
3,81
9,48
Tributos sobre o Patrimônio
0,27
0,17
0,27
0,53
0,36
0,27
0,39
0,80
0,89
Tributos sobre a Renda
3,01
5,13
5,67
4,17
4,91
4,64
4,79
5,69
5,15
Tributos sobre a Mão-de-Obra
7,43
7,18
7,30
6,07
6,29
6,94
7,31
7,18
7,69
Demais
2,43
1,98
1,02
1,43
1,14
1,18
1,31
1,22
1,38
Total
24,52
24,06
28,78
25,24
25,01
25,78
29,75
29,41
28,93
Diretos
Indiretos
Fontes Primárias: IBGE e FGV.
a
Valores preliminares.
b
valores estimados.
11,47
13,05
12,99
11,07
13,07
15,71
11,12
14,12
11,33
13,68
11,85
13,93
13,02
16,72
13,33
16,07
13,63
15,30
NATUREZA DA RECEITA
Considerados os tributos classificados em diretos e indiretos, verifica-se que
não há uma clara predominância dos mesmos ao longo da década de 80. Já nos
anos 90 os tributos indiretos são claramente o grupamento dominante.
A distribuição da carga tributária mostra-se desequilibrada quando os tributos
são grupados por principais bases de incidência, sendo exagerada a participação
dos tributos sobre bens e serviços na arrecadação total, que representam,
atualmente, quase a metade da receita total. A carga desse grupo de tributos
elevou-se nos sete primeiros anos da década de 90, crescimento que é explicado
6
em grande parte pelo aumento da arrecadação de impostos cumulativos,
significando deterioração da qualidade da tributação.
Os impostos sobre o comércio exterior apresentam uma participação
relativamente estável e baixa ao longo de todo o período considerado, sendo
semelhante à de muitos outros países, como se verá adiante.
Ao contrário dos tributos sobre o comércio exterior, salta aos olhos a baixa
participação na arrecadação total da tributação sobre o patrimônio e, sobretudo, a
renda, o que exprime uma preferência da União por tributos que sejam de mais fácil
arrecadação, como os que utilizam o faturamento como base impositiva. Tais
tributos, ainda que de pior qualidade, possuem elevada produtividade fiscal,
especialmente em contextos inflacionários. Note-se também que suas arrecadações
não são partilhadas com as unidades subnacionais, o que é outro motivo para a
preferência.
No grupamento de tributos incidentes sobre a mão-de-obra, a carga mostrase relativamente estável no período, com exceção de 1982, quando superou os 9%
do PIB. Houve, no entanto, uma queda da participação na arrecadação na década
de 90.4
A observação da distribuição da carga tributária brasileira por tributos revela
que, a despeito do grande número de tributos existentes no país, a arrecadação
concentra-se em poucos deles. Como mostra o Gráfico 1, em 1996 cerca de 1/4 da
receita tributária provinha de um único imposto, o ICMS, sendo que os cinco
principais - ICMS, contribuição para a previdência social, IR, Cofins (contribuição
para financiamento da seguridade social) e IPI - são responsáveis por mais de 70%
da arrecadação total, enquanto os 10 maiores respondem por cerca de 87%.
Entre os 10 maiores tributos incluem-se os três cumulativos que existiam em
1996, que são responsáveis, em conjunto, por uma arrecadação equivalente a 4%
do PIB. Se somarmos a isto algo em torno de 1% do PIB por conta da CPMF, que
não era cobrada em 1996 e está entre os 10 maiores em 1997, concluímos que os
impostos cumulativos constituem cerca de 17% da arrecadação total.
4
Cabe notar que, de 1980 a 1988, a arrecadação do PIS/Pasep está computada, pela metodologia original do
FMI/contas nacionais, como incidente sobre a mão-de-obra. A participação deste tributo na arrecadação era
inferior a 2%, o que explica apenas em parte a queda mostrada na Tabela 2.
7
GRÁFICO I - DISTIBUIÇÃO DA CARGA TRIBUTÁRIA GLOBAL
ESTIMADA PARA 1996 POR MAIORES TRIBUTOS (previsão total =
28,9%)
DEMAIS
(3,98% do PIB)
14%
II
(0,54%do PIB)
2%
FGTS
(1,50% do PIB)
5%
ICMS
(7,15% do PIB)
24%
PREVIDÊNCIA
(5,13% do PIB)
18%
CSLL
(0,85% do PIB)
3%
RENDA
(4,01% do PIB)
14%
IPI
(1,96% do PIB)
7%
ISS
(0,56% do PIB)
2%
COFINS
(2,30% do PIB)
PIS/PASEP 8%
(0,95% do PIB)
3%
Fontes Primárias: IBGE, Minifaz/SRF, MPS/INSS, MEC/FNDE, CEF, Minifaz/Confaz. Estimativas preliminares para tributos
municipais a partir do realizado nas capitais São Paulo + Rio de Janeiro (ponderados em relação aos tributos informados pelo
IBGE na conta governo – antigo sistema) e para outros tributos estaduais/municipais (mantida a carga prevista pelo IBGE).
Este tipo de tributo é prejudicial à eficiência econômica, pois distorce os
preços relativos e estimula a integração vertical da produção, aumentando os custos.
A competitividade dos produtos nacionais vis-à-vis os estrangeiros - tanto no
mercado externo quanto interno – reduz-se não só pelo aumento dos custos, mas
também pelo fato de que estes tributos implicam a adoção do princípio de origem no
comércio internacional, uma vez que incidem sobre exportações e não sobre
importações. Isto é problemático num contexto de globalização econômica, que
exige harmonização internacional dos sistemas tributários nacionais, dado que todos
os nossos principais parceiros comerciais adotam o princípio de destino.5
Também no tocante aos impostos sobre o valor adicionado temos problemas
de harmonização a enfrentar. A importância do ICMS revela uma peculiaridade do
nosso sistema tributário: o Brasil é o único país do mundo em que o maior tributo
arrecadado na economia incide sobre o valor adicionado regido por leis estaduais. A
5
Ainda que se isente a operação de exportação, o imposto que incidiu anteriormente sobre os insumos onera as
vendas ao exterior.
8
harmonização internacional pressupõe a harmonização dos subsistemas tributários
domésticos, mas nossas regras constitucionais a este respeito são falhas,
propiciando a sonegação e a “guerra fiscal” entre os estados, que são nocivas às
suas finanças públicas e ao país.
3. A Carga Tributária Brasileira no Contexto Internacional
A comparação pura e simples de cargas tributárias de diferentes países6 é um
exercício de precário poder analítico. Isto porque há várias diferenças entre os
sistemas tributários e, principalmente, entre as sociedades sobre as quais incidem
os tributos.7 Não obstante, a utilização do indicador de carga tributária tem um
caráter descritivo que ajuda a situar o Brasil no contexto internacional, além de
servir de base para o exercício realizado na seção seguinte.
O exame da carga tributária global de um conjunto selecionado de países
demonstra que a receita tributária brasileira, de 28,9% do PIB em 1996, é a maior
dentre os países da América Latina, mas muito inferior à verificada nos países
europeus, nos quais está sempre acima de 35% do PIB, ultrapassando, em alguns
casos, 50%. Em tais países, de modo geral, uma parcela importante da carga
tributária destina-se ao financiamento da previdência social.
Excluídas as contribuições para a previdência social, a carga tributária
brasileira situa-se em torno de 23% do PIB, sendo da mesma ordem de grandeza
daquela verificada nos Estados Unidos e superior à do Japão. Entretanto, nossa
arrecadação é ainda muito inferior à de países de renda superior a US$ 15 mil por
habitante e também daqueles em que a presença estatal na economia é marcante
(ou era até há pouco tempo), por motivos relacionados a conflitos étnicos/religiosos
ou pela tradição do comunismo, como África do Sul, Israel, Hungria e Polônia.
A análise se enriquece quando é levada em conta a composição da carga
segundo as bases de incidência: comércio exterior, bens e serviços, renda e
propriedade.
6
Confrontam-se nesta seção a carga tributária brasileira com as de uma amostra de países escolhidos entre os
disponíveis em uma publicação do FMI (1995).
7
Uma das diferenças a se destacar - o peso do sistema previdenciário – foi levada em conta nesta análise. Mas
todas as demais características que distinguem as sociedades e explicam diferenças nas cargas não podem ser
9
Quanto ao comércio exterior, a incidência de tributos é baixa na ampla
maioria dos países da amostra (2,4% da carga total no Brasil e menor ainda nos
países desenvolvidos), a despeito do aumento dos fluxos de comércio nos últimos
anos. O fato é que a redução de barreiras tarifárias faz com que este tipo de
tributação responda por uma parcela diminuta da receita pública na maior parte dos
países analisados, sendo relevante apenas naqueles de renda muito baixa (Egito,
Gana, Índia e Ruanda) ou de economia pouco diversificada e aberta (Chile e
Venezuela).
Conforme salientado anteriormente, a carga tributária brasileira é muito
dependente de impostos sobre a produção e a circulação de bens e serviços, que,
no agregado, atingem uma arrecadação de cerca de 14% do PIB, ou 60% do total
dos tributos (excluída a previdência). Além do Brasil, Chile, México e outros países
da América Latina dependem excessivamente desta base de incidência. Nos países
desenvolvidos este percentual situa-se, em geral, entre 30% e 45%. O Japão (onde
estes tributos respondem por apenas 13% da receita tributária), os Estados Unidos
(21%), Cingapura (22%) e Austrália (24%) são as exceções.
Por outro lado, a participação da tributação da renda na carga tributária
brasileira é baixa (apenas 23%) e ainda está concentrada nas pessoas jurídicas,8 o
que tende a afetar negativamente a competitividade. A incidência sobre a renda é
amplamente utilizada nos países desenvolvidos (chegando, por exemplo, a 70% da
carga total no Japão). Entretanto, o dado mais significativo é que o Brasil é
superado, inclusive, por alguns países latino-americanos de renda per capita inferior
à nossa, como a Venezuela, o Panamá e o México.
Assim como a renda, a imposição de tributos sobre a propriedade, a despeito
do crescimento recente, ainda é pouco aproveitada no Brasil, onde a concentração
da riqueza é elevada. A distância em relação à experiência internacional é, no
entanto, menos pronunciada que no caso da renda. A participação desta incidência
no total (4,6%, excluída a previdência) é ainda inferior à dos Estados Unidos, Japão
e Argentina, mas supera a observada na França, Alemanha, Áustria e Itália.
detectadas pela simples avaliação de números globais. É preciso bem mais que isto para declarar que a carga de
determinado país é alta, baixa ou adequada.
8
Dados publicados pela Price Waterhouse para um conjunto de países demonstram que a alíquota marginal
máxima do imposto sobre pessoas físicas no Brasil é das menores do mundo. Com isso, a participação da
10
Tabela 3
Composição da Carga Tributária (Excluindo a Previdência) de Países Selecionados
(Em % do PIB)
País
Anos
Previdên
Carga
Imposto
Tributária
cia social
Excluída
sobre
Previdên
Proprieda Renda
cia
de
Total
Brasil
1992
1996
b
Imposto
Carga
a sobre
Bens
e Comércio Taxas
a Serviços
Internaci
e Outros
a
Multas
onal
26,1
7,3
18,7
0,5
4,0
11,4
0,4
0,9
1,6
28,9
6,6
22,3
1,0
5,2
13,4
0,5
0,1
2,0
43,8
10,2
33,6
1,3
13,4
15,1
0,2
3,1
0,3
52,4
1,7
50,7
1,9
27,6
16,9
0,2
3,2
0,9
0,9
Renda Alta (US$ 15 mil/hab.)
Noruega
1992
Dinamarc 1994c
a
Suécia
1993
50,3
14,1
36,2
1,7
19,9
12,5
0,3
0,9
Estados
1993
29,7
6,9
22,8
3,3
12,4
4,7
0,3
2,1
17,9
Unidos
França
1992
45,3
Japão
1989
21,0
27,3
0,8
7,0
11,7
0,2
2,8
4,9
21,0
2,7
14,8
2,7
0,2
0,1
0,6
Áustria
1993
47,4
Holanda
1994
50,1
14,1
33,3
1,1
11,8
12,2
0,5
5,0
2,8
19,5
30,6
1,9
12,6
11,1
0,6
2,7
1,7
Canadá
1989
36,5
Cingapur
1993
20,3
4,6
31,9
3,2
16,6
9,4
1,1
1,6
0,1
20,3
1,7
7,6
4,5
0,5
3,6
2,4
1991
44,2
15,6
28,6
0,9
12,4
12,1
0,3
2,9
0,0
1992
36,7
5,9
30,8
2,8
12,7
12,1
0,3
1,5
1,5
Austrália
1994
32,9
Itália
1989
38,7
11,0
32,9
3,0
14,8
8,0
0,8
3,9
2,5
27,6
0,5
13,7
11,0
0,0
0,7
1,7
Argentina 1990
15,3
4,5
10,8
1,2
1,6
2,3
1,5
0,2
4,0
Chile
1994
Costa
1994
19,9
1,4
18,5
4,3
10,2
2,0
1,4
0,7
22,4
7,4
15,0
0,1
2,7
8,0
3,6
0,4
0,1
1994
15,6
0,9
14,7
1,3
7,3
4,1
1,4
0,2
0,3
Panmá
1993
22,2
6,7
15,6
0,4
5,1
3,7
4,1
1,8
0,5
Peru
1994
14,3
1,6
12,7
0,1
2,3
7,4
1,5
0,8
0,6
a
Alemanh
a
Reino
Unido
América Latina
Rica
Venezuel
a
México
1987
18,3
1,8
16,5
0,0
4,1
11,1
0,9
0,4
0,0
Bolívia
1993
13,3
1,1
12,2
1,4
0,9
6,9
1,0
1,1
1,0
Espanha
1992
36,2
12,2
24,1
1,8
11,6
9,1
0,2
1,0
0,4
Israel
1993
40,1
2,7
37,4
2,3
15,1
14,4
0,4
3,8
1,5
Coréia do 1994
1,79
1,5
16,4
0,5
6,1
6,5
1,1
0,9
1,2
Outros
tributação de indivíduos no total do imposto de renda é muito inferior à dos países desenvolvidos, embora
superior à de países da América Latina.
11
Sul
Portugal
1990
Hungria
1990
África do 1994c
30,0
8,2
21,8
0,1
7,7
11,3
0,7
0,8
1,0
49,5
15,5
34,0
0,0
13,2
16,7
3,1
0,9
0,1
27,9
0,4
27,5
2,1
13,4
9,0
0,3
2,2
0,6
Sul
Tailândia
1993c
18,0
0,2
17,8
0,6
5,2
8,2
3,4
0,4
0,1
Polônia
1988
46,7
7,9
38,8
1,6
14,8
13,1
2,3
2,1
4,9
Egito
1993
23,0
3,4
19,6
0,2
7,1
4,7
3,5
1,1
3,1
Gana
1988
12,7
12,7
0,0
3,9
3,8
4,8
0,3
0,0
Índia
1992
17,2
Ruanda
1992c
12,1
0,3
17,2
0,1
2,5
9,5
3,4
1,0
0,5
11,8
0,0
2,1
4,6
4,1
0,5
0,5
Fonte: FMI (1995). Estimativa própria para o Brasil em 1996, a partir de dados da SRF, STN, MPAS e IBGE (ver Tabela 1).
Seguridade Social no Brasil, para o ano de 1992 (FMI), inclui PIS/Cofins, incluídos em bens e serviços no ano de 1996
(estimativa própria).
aEste item corresponde aos impostos sobre salários e mão-de-obra, bem como outros impostos.
bDAdos estimados.
cDados preliminares.
4. Capacidade e Esforço Tributário
O tributo é um instrumento que meramente realiza a transferência do setor
público para o setor privado do poder sobre o uso de recursos da sociedade e, como
tal, não se constitui em um custo para a sociedade.9 Ainda assim, a carga tributária
está associada à idéia de sacrifício, uma vez que o consumo privado individual é
compulsoriamente reduzido para dar espaço à provisão de bens públicos. É nesse
sentido que se pode considerar uma carga tributária baixa, suportável ou excessiva.
O nível da carga tributária não é, contudo, um conceito absoluto: uma mesma
carga tributária, medida pela relação percentual entre a arrecadação e o PIB, pode
ser baixa para uma sociedade e excessiva para outra, dependendo das respectivas
capacidades contributivas e provisões públicas de bens. Por isso, as comparações
internacionais de cargas tributárias, ainda que descrevam a realidade, têm pouco
significado analítico. Para que as comparações ganhem significado, importa
conhecer a capacidade tributária (a receita tributária máxima que pode ser extraída
de uma sociedade) e medir o esforço tributário (a relação entre as cargas tributárias
efetiva e máxima) de cada um dos diferentes países.
9
Embora não seja em si um custo, o tributo provoca custos, pois exige o uso de recursos, tanto do governo
quanto do contribuinte, para sua administração e, principalmente, na medida em que, alterando o comportamento
dos agentes econômicos, interfere nas decisões sobre o uso dos recursos, causando ineficiência alocativa.
12
Evidentemente, a capacidade tributária não é diretamente mensurável, mas
sim a carga tributária efetiva. É razoável, contudo, admitir que a capacidade
tributária de uma sociedade dependa de um conjunto de características
mensuráveis. Se assim é, estamos, como apontam Blanco e Reis (1996), diante de
um problema análogo ao da estimação de uma função de produção, que é o lugar
geométrico dos pontos que expressam a máxima produção de um bem que pode ser
obtida mediante cada combinação possível de insumos. A quantidade de cada um
dos insumos utilizados na produção e a quantidade produzida do bem são variáveis
empiricamente observáveis, mas nada garante que os insumos estejam sendo
utilizados da melhor maneira possível, ou seja, a quantidade efetivamente produzida
do bem não é necessariamente a máxima que pode ser obtida com aquela
combinação de insumos. Sendo Y* a produção máxima, Y a produção observada, z
um vetor de quantidades utilizadas de insumos e P a função de produção, pode-se
escrever, em geral, que:
e:
Y* = P (z)
(1)
Y = Y* . e -u
(2)
sendo u ≥ 0.
Analogamente, se admitirmos que a capacidade tributária T* é uma função F
de um conjunto x de características conhecidas (e mensuráveis) de uma dada
sociedade, sendo T a carga tributária observada, obtém-se:
T = T* . e -u = F (x) . e -u
(3)
sendo u ≥ 0.
O fator e
-u
da expressão (3), que varia entre 0 e 1, é uma medida do esforço
tributário da sociedade que pode ser estimada utilizando-se técnicas econométricas.
Além de questões relacionadas à estimação, tratadas no Anexo 1 deste
artigo, o problema que se coloca é a escolha das características dos países que
compõem o vetor x. As mais óbvias são a renda (total ou per capita) e a população
total: quanto maiores, maior a capacidade tributária. Porém, em princípio, muitas
outras variáveis podem afetar a capacidade tributária de um país.
13
O próprio papel desempenhado pelo Estado, que difere entre países, é um
determinante da capacidade tributária. Espera-se que países onde o Estado tem
grande participação na provisão de bens privados que apresentam forte
externalidade positiva, como educação e saúde, tenham maior capacidade tributária,
uma vez que tal provisão substitui a aquisição desses bens no mercado, liberando
recursos que se destinariam ao consumo privado. Da mesma forma, a provisão de
previdência social pública é um substituto da poupança privada e, como tal, amplia
os recursos da sociedade que podem ser postos à disposição do Estado.
Evidentemente, a contrapartida é um Estado de maior porte que necessita de uma
carga tributária mais elevada para sustentá-lo. A valer tal argumento, a ausência no
vetor x de variáveis que meçam tais participações, como é o caso no presente
trabalho, provoca erros na medição do esforço tributário da sociedade.
Outros fatores que afetam a capacidade tributária são as facilidades de
acesso e de controle da base imponível, já que ambos são facilitados pelo grau de
concentração da base. Deve-se esperar, portanto, que a capacidade seja
positivamente relacionada aos graus de urbanização, de concentração da renda
pessoal e de industrialização. Da mesma forma, o tamanho médio das firmas e a
distribuição funcional da renda afetam a capacidade tributária: quanto maiores o
tamanho das firmas e a participação da renda do trabalho na renda total, mais fácil é
o controle da base imponível, podendo o mesmo ser dito sobre o grau de
formalização das relações econômicas.
Diversas outras variáveis devem merecer consideração, tendo em vista
modificarem o volume de arrecadação que pode ser extraído de um dado PIB e de
uma dada população total.
Uma delas é a participação da população em idade de trabalhar na variável
população total, uma vez que, sendo responsável pela geração do PIB, seu efeito
está, em princípio, captado por aquela variável. Mas o restante da população
também consome, e seu consumo sofre a incidência dos tributos sobre bens e
serviços, que geram uma parte da arrecadação, havendo a possibilidade de tal efeito
não estar sendo integralmente captado pelo coeficiente do PIB. Se isto de fato
ocorre, a participação da população em idade de trabalhar na população total deve
ser negativamente relacionada com a capacidade tributária.
14
Outra variável que pode ter efeito significativo sobre a capacidade, não
captada pelo PIB, é o saldo na balança comercial. Praticamente todos os países
adotam o princípio de destino na tributação do comércio exterior, o que significa
tributar importações e isentar exportações. Desse modo, saldos na balança
comercial reduzem o tamanho da base disponível para tributação, devendo-se
esperar que quanto maior for este saldo menor será a capacidade tributária do país.
Finalmente, mas sem a pretensão de ter exaurido o conjunto de variáveis que
podem afetar a capacidade tributária, pode-se mencionar a inflação como um fator
redutor da tributação possível, através do conhecido efeito Tanzi, ou seja, a corrosão
da arrecadação pela inflação em virtude do tempo decorrido entre o lançamento e o
recolhimento dos tributos. Tal fator poderia ter efeito significativo em países com
níveis elevados de inflação. As administrações fiscais costumam reagir, nesses
casos, reduzindo o efeito mediante a aplicação de correção monetária ao imposto a
ser pago e encurtando os prazos de recolhimento. Contudo, em geral a indexação é
imperfeita, podendo o efeito se fazer presente principalmente quando a inflação se
acelera.
Conforme mencionado, a estimação do esforço e da capacidade tributária
realizada neste trabalho é um exercício ainda bastante precário, cujos resultados
devem ser encarados com reservas. Relativamente poucas variáveis foram
consideradas no vetor de características da sociedade, sendo que apenas três delas
(PIB, população total e participação, nesta, da população em idade de trabalhar)
apresentaram coeficientes significativos. Contudo, testes estatísticos demonstram
boa aderência da função de capacidade de produção aos dados e, principalmente, a
existência de uma capacidade tributária significativamente diferente da carga
tributária observada, o que encoraja futuros esforços para aperfeiçoamento dos
resultados.10
Oito países, todos com renda per capita acima de US$15 mil, apresentam
capacidades tributárias extremamente elevadas (acima de 50% do PIB). As maiores
(Noruega e Suécia) são superiores a 57%, embora seus esforços tributários se
mostrem bastante diferentes. Enquanto na Holanda, na Suécia e na Dinamarca o
esforço medido supera a casa dos 90% da carga tributária potencial, o Canadá, a
10
Ver detalhamento dos resultados obtidos na Tabela 5 (Anexo 1 ao final deste texto).
15
Noruega e o Reino Unido apresentam valores próximos da média da amostra, que é
72,7%, e os Estados Unidos mostram esforço tributário bastante modesto, de
apenas 53%. Vale notar também o caso de Cingapura, em que a carga tributária
potencial estimada é da ordem de 45% do PIB, enquanto a carga efetiva é de pouco
mais que 18%, significando um esforço tributário de apenas 40,5%, o menor da
amostra.
16
Tabela 4
CARGA EFETIVA, ESFORÇO E CARGA POTENCIAL
PAÍS
CARGA EFETIVA
(% do PIB)
34,53
10,84
25,24
38,53
20,25
52,45
35,30
10,84
29,74
45,59
50,92
17,42
37,37
22,02
22,74
44,36
17,48
21,37
15,02
10,89
24,85
37,00
11,57
18,27
18,82
54,84
19,42
28,93
ESFORÇO
(%)
Austrália
69,34
Bolívia
41,95
Brasil 1991
93,45
Canadá
76,61
Costa Rica
71,26
Dinamarca
92,86
Espanha
75,28
Etiópia
60,28
Estados Unidos
53,68
França
93,43
Holanda
97,09
Indonésia
58,85
Israel
84,36
Malásia
60,98
Marrocos
75,03
Noruega
74,78
Índia
87,90
Panamá
59,82
Paquistão
61,52
Peru
44,19
Quênia
96,28
Reino Unido
72,53
Ruanda
54,49
Cingapura
40,52
Sri Lanka
93,96
Suécia
94,81
Tailândia
52,14
Brasil 1996
80,15
Esforço Médio
72,70
Fonte: Carga Efetiva - FMI (1995). Estimativa própria para o Brasil,
a partir de dados da SRF, STN, MPAS e IBGE.
Esforço e Carga Potencial - estimativas próprias
CARGA POTENCIAL
(% do PIB)
49,80
25,84
27,01
50,29
28,42
56,48
46,89
17,98
55,40
48,80
52,45
29,60
44,30
36,11
30,31
59,32
19,89
35,72
24,41
24,64
25,81
51,01
21,23
45,09
20,03
57,84
37,25
36,09
No outro extremo estão países de renda per capita muito baixa, cuja
capacidade tributária é pequena, havendo também entre eles notáveis diferenças de
esforço. O Sri Lanka e a Índia apresentam esforços bastante elevados, com 93% e
86,8% da carga potencial, respectivamente, enquanto em Ruanda e na Etiópia os
esforços são bem inferiores. Há também países que conjugam baixa capacidade
tributária com baixo nível de esforço, como o Peru e a Bolívia. Por outro lado, o
Quênia é apontado, ao lado da Holanda, como o país de maior esforço tributário
(quase 97% da carga potencial).
Com relação ao Brasil, foram incluídos na amostra dois conjuntos de dados,
referentes a 1991 e a 1996. O resultado para 1991 mostra um esforço tributário da
mesma ordem de grandeza dos apresentados por Suécia e Dinamarca (93,5%). As
estimativas obtidas mostram que, a despeito de a nossa carga tributária efetiva ter
crescido desde então - de 25,2% para 28,9% do PIB em 1996 -, o esforço tributário
exigido da sociedade reduziu-se para cerca de 80%, ou, equivalentemente, a
17
capacidade tributária da sociedade brasileira apresentou crescimento expressivo no
período (de 28% para 36,1% do PIB).11 Caso fosse exigido esforço tributário
semelhante ao de 1991, a carga tributária teria superado em 1996 a marca de 33%.
De modo geral, verifica-se que as cargas tributárias potenciais altas estão
clara e fortemente associadas a elevadas rendas per capita. Mas não há qualquer
relação óbvia entre esforço tributário intenso e nível de desenvolvimento do país.
Aqueles com potencial tributário baixo, como Quênia, Índia e Sri Lanka, ou mediano,
como o Brasil, são capazes de compensar a restrição de base imponível com um
alto esforço tributário. Deve-se esperar, porém, que um esforço intenso por longo
tempo crie tensões e, em última instância, provoque a revolta dos contribuintes. O
chamado California Taxquake da década de 70 e mesmo as revoltas com
importância histórica como a Boston Tea Party e a nossa Inconfidência Mineira têm
origem na tributação excessiva e injusta. Vale dizer, um esforço intenso e
prolongado só é possível com sistemas tributários de boa qualidade e uma
distribuição justa da carga, e ainda assim com finalidades bem aceitas pela
sociedade.
5. Diretrizes para o Processo de Reforma Tributária
Nos debates em torno da reforma tributária brasileira há aqueles que
defendem a redução da carga por julgá-la excessiva, mas há também os que
advogam sua expansão, visto que nosso indicador ainda é inferior ao de muitos
países. A análise que este trabalho realiza demonstra que, de fato, a carga tributária
no Brasil ainda é inferior à da maioria dos países desenvolvidos, mas também é
verdade que o esforço tributário exigido da sociedade brasileira já é bastante alto.
No âmbito deste debate, têm surgido propostas de alterações legislativas que
apontam para a reformulação quase que completa do quadro vigente, as chamadas
“revoluções tributárias”, que ignoram as restrições impostas pelo cenário político e
econômico nacional, bem como a tradição brasileira em matéria de tributação.
Reformar é aprimorar algo que existe, é promover a contínua evolução do sistema,
ao passo que abandonar a tradição e criar um sistema tributário novo a partir do
11
Sem dúvida, o crescimento da economia, verificado após a estabilização promovida pelo Plano Real, contribuiu
18
zero, como muitos propõem, é gerar descontinuidade, causando mudanças abruptas
em todos os preços relativos da economia e criando, assim, um ambiente propício
ao caos [ver Varsano (1997)].
Qualquer alteração que pretenda ser factível, deve levar em conta, no
mínimo, que:
a) é imperativo promover o ajuste fiscal do setor público;
b) é necessário, para ampliar a eficácia da ação pública, consolidar o processo de
descentralização fiscal e reequilibrar a repartição de recursos entre as unidades da
Federação;
c) é essencial minimizar o efeito negativo da tributação sobre a eficiência e a
competitividade - tanto no mercado externo quanto interno – do setor produtivo
nacional e promover a harmonização fiscal, assegurando, assim, a consolidação do
processo de integração hemisférica - Mercosul e Alca - sem causar danos à
economia do país;
d) é preciso promover a justiça fiscal, o que inclui um vigoroso combate à
sonegação; e
e) é conveniente tornar o mais simples possível as inerentemente complexas
obrigações tributárias, esnsejando a redução de custos de administração, tanto do
fisco quanto dos contribuintes.
A crise fiscal do Estado brasileiro praticamente elimina qualquer proposta que
implique diminuição significativa do patamar atual de carga tributária. No nível
federal de governo, observa-se a inflexibilidade das despesas, a despeito do drástico
corte já realizado nos investimentos (cujo montante já foi superado, em muito, pelos
investimentos dos governos subnacionais). Os estados, por sua vez, vêm
enfrentando dificuldades crescentes diante das reivindicações de servidores e com o
peso do serviço da dívida, fatores que, inclusive, motivaram o movimento recente de
renegociação de seu endividamento e a privatização de suas empresas,
especialmente as elétricas. Já os governos municipais, os mais beneficiados pela
descentralização de receitas na Constituição de 1988 e constrangidos pela maior
para diminuir este esforço, visto que a receita tributária nacional é bastante sensível ao desempenho econômico.
19
proximidade da população, expandiram sua atuação e vêm realizando investimentos
crescentes, geradores de custeio futuro, o que obviamente impede a redução de sua
receita.
Não se deve confundir ajustamento do setor público com redução de seu
tamanho. A tese aqui defendida é de que a carga tributária brasileira deve manter-se
elevada pelo menos por mais uma década para que se possa, enfim, levantar a
moratória por nós mesmos decretada sobre a chamada “dívida social”. Os
resultados desta pesquisa, por outro lado, atestam que as condições atuais da
tributação no país não permitem que seu nível vá muito além do que já é atingido.
Deste modo, julga-se essencial, além de uma reforma que melhore a qualidade da
tributação para minimizar o sacrifício implícito na manutenção de uma carga
tributária elevada, uma reforma do gasto público que conforme seu nível ao da
tributação possível e o redirecione para o objetivo de desenvolvimento social.
Quanto ao segundo ponto levantado, trata-se de aprimorar e consolidar o
processo de descentralização, para elevar a eficácia de atuação dos três níveis de
governo. Em algumas situações, é preciso rever as relações entre eles, o que
remete à questão do grau de autonomia dos governos subnacionais, especialmente
quanto à sua capacidade de legislar sobre matéria tributária.
Um problema básico do federalismo fiscal consiste na busca de equilíbrio
entre, de um lado, a necessidade de garantir um grau razoável de autonomia
financeira e política aos diferentes níveis de governo e, de outro, a necessidade de
coordenar e sistematizar os instrumentos fiscais em termos nacionais.
Historicamente, o federalismo brasileiro apresentou movimentos cíclicos.
Após restabelecida e consolidada a democracia, estados e municípios voltaram a
desfrutar de elevada autonomia para legislar em matéria tributária. Ultimamente, no
entanto, vêm aumentando de modo considerável a necessidade de coordenação de
políticas públicas e a preocupação com o impacto da tributação sobre as atividades
produtivas, sobretudo devido ao movimento recente de integração das economias
nacionais. Tais preocupações exigem que se imponham algumas limitações ao
poder de tributar de que desfrutam atualmente estados e municípios, desta vez por
questões econômicas e não políticas. Esta revisão não deve ser confundida com
20
redução da importância relativa de estados e municípios, uma vez que eles próprios
deverão, em grande parte, executar as políticas sociais.12
No que diz respeito às questões de eficiência e competitividade, é indiscutível
que as mudanças no ambiente econômico mundial, intensificadas na década de 90,
têm importantes rebatimentos sobre a forma de financiamento das atividades do
setor público. Com a aceleração dos processos de globalização dos mercados e de
formação de blocos econômicos regionais, ganharam importância as preocupações
com o impacto da política tributária sobre as decisões de produção e investimento
processadas na escala mundial, ampliando-se o esforço para se obter a
harmonização fiscal e assegurar a estabilidade das normas ao longo do tempo.
Assim, as políticas tributárias internas passaram, cada vez mais, a ser pautadas por
práticas internacionais, implicando limites estreitos para a soberania fiscal dos
países.
A ampliação do fluxo de produtos e a abertura econômica praticamente
eliminam a possibilidade de os países tributarem suas exportações, da mesma forma
que desaconselham a utilização de tributos que onerem os produtos nacionais,
prejudicando a competição com os importados. A regra geral passa a ser a extinção
de todos os gravames que possam afetar sua competitividade, tanto no mercado
interno quanto externo.13
Tal condição não é atendida pelos impostos de natureza cumulativa (sobre a
receita ou o faturamento), porque afetam duplamente a capacidade de o produtor
doméstico enfrentar com sucesso os desafios da abertura. Eles oneram as
exportações mas não as importações (quando não existem tributos similares nos
países de origem), fazendo com que o produto estrangeiro desfrute de condições
mais vantajosas na concorrência com o nacional, em ambos os mercados
mencionados.
O mesmo se aplica às contribuições sobre os salários - geralmente
destinadas ao financiamento da previdência social -, embora neste caso o problema
12
O fato é que a evolução do Estado brasileiro deverá exigir que mais recursos estejam disponíveis para gastos
das unidades subnacionais. Uma das maneiras de conciliar a autonomia federativa com a necessidade de
coordenação das políticas governamentais e de harmonização fiscal internacional é partilhar as competências
impositivas entre os componentes da Federação, expediente sem tradição na história de nosso sistema tributário
e previsto na Proposta de Emenda à Constituição 175/85, em tramitação no Congresso Nacional.
21
seja até agora menos grave, uma vez que, em todo o mundo, as contribuições
compulsórias sobre os salários formam a principal base de sustentação financeira
dos sistemas previdenciários. Apesar de haver uma tendência à redução das
contribuições incidentes sobre salários, é preciso reconhecer que este movimento
depende fundamentalmente das condições político-institucionais. Enquanto nos
países europeus ainda é elevada a participação das contribuições previdenciárias,
na Ásia este percentual é reduzido.14
Quanto à tributação do fluxo de bens e serviços, tanto o IPI como o ICMS
foram assumindo, ao longo do tempo, características incompatíveis com uma
tributação do valor adicionado de boa qualidade, e o ISS, como se sabe, é um
imposto cumulativo. O ICMS sofreu uma profunda reformulação, através da Lei
Complementar 87/96, que melhorou substancialmente a sua qualidade.15 Contudo,
as legislações do IPI e - mais ainda - do ICMS foram se tornando cada vez mais
complicadas com o passar do tempo, de modo que dificilmente um contribuinte tem
a possibilidade de conhecê-las e cumpri-las integralmente. A solução ideal seria
promover a fusão dos três impostos mencionados neste parágrafo, formando um
único imposto sobre o valor adicionado com receita compartilhada pelas três esferas
de governo.
Sabe-se que a tributação atinge, de forma distinta, os agentes econômicos, o
que faz com que surjam demandas fortes nem sempre no sentido de melhorar e
racionalizar o sistema, mas sim de reduzir a carga tributária. Conseqüentemente,
deve-se evitar que tais demandas possam ser transformadas em motivo para uma
possível reforma do sistema.
Para sustentar por longo tempo a carga tributária num patamar igual ou mais
elevado que o atual, é necessário que a reforma a ser empreendida tenha o objetivo
13
A própria manutenção da inflação em níveis baixos faz com que fiquem evidentes as distorções que a
tributação de má qualidade impõe à alocação de recursos. Problemas antes pequenos em face das enormes
distorções criadas pela inflação ganham vulto na economia estável.
14
As elevadas contribuições sobre a folha de salários, por criar uma grande cunha entre o custo do trabalhador
para as empresas e o salário que eles recebem, estimulam a informalização das relações trabalhistas, que, por
sua vez, reduzem a própria base imponível desses tributos. A eliminação (ou substituição) de contribuições que
não financiam a previdência e a utilização de outras fontes, além de salários, para financiá-la podem contribuir
para reduzir o problema. Mas somente através da reforma previdenciária pode ocorrer redução mais significativa.
Vale dizer, é necessário que a sociedade pese o benefício para as atividades produtivas da redução da cunha
fiscal contra os custos de reduzir o amparo público aos idosos e deficientes.
15
A Lei Complementar 87, de 13 de setembro de 1996, desonerou exportações e bens de capital adquiridos por
contribuintes e eliminou a bitributação dos bens de uso e consumo das empresas, aproximando o tributo do
conceito teórico de imposto sobre o valor adicionado, que tem boas características econômicas.
22
de assegurar que tal nível de tributação seja suportável. Isto nos conduz diretamente
à necessidade de se garantir uma melhor distribuição da carga tributária entre os
contribuintes, o que inclui um vigoroso combate à sonegação. Para tanto, torna-se
imprescindível que se invista no aprimoramento das administrações fazendárias,
inclusive com ações conjuntas dos três níveis de governo.
O grau de progressividade da tributação depende em parte da forma como o
sistema é concebido. A tributação de indivíduos permite imprimir uma certa
progressividade ao sistema, visto que os impostos pessoais podem ser graduados
de acordo com a renda do contribuinte, sendo a possibilidade de transferência da
carga para outros contribuintes menor do que no caso de impostos sobre produtos
ou empresas, os quais tendem a ser transferidos e regressivos. Como verificado nas
seções anteriores, no Brasil tanto a tributação da renda quanto da riqueza pessoal
podem ser melhor utilizadas.
Por fim, quanto ao objetivo de simplificar o sistema tributário, é necessário ter
o cuidado de não se confundir simplicidade com simplismo. Em uma economia
complexa como a brasileira é impossível construir um sistema tributário que seja
adequado quanto a efeitos alocativos e distributivos e, ao mesmo tempo, simples. As
pretensas "revoluções tributárias", baseadas em impostos ditos simples e não
sonegáveis, tão em moda no Brasil nos últimos anos, são de fato involuções
simplistas.16 Os sistemas propostos são constituídos - principalmente ou na sua
totalidade - por impostos cumulativos, e sua única virtude é a facilidade de
arrecadação. Se os objetivos de uma reforma são os aqui mencionados, tais
sistemas devem ser rejeitados. A solução - uma vez mais - é, ao invés de criar
tributos de péssima qualidade porque é necessário arrecadar, fortalecer as
administrações fiscais para que elas sejam capazes de cobrar os tributos de boa
qualidade.17
16
Uma objeção ao sistema tributário que volta e meia encontra espaço na mídia refere-se ao número de tributos
que o compõem. Os críticos dizem existir cerca de 60 tributos no Brasil. Consideradas todas as taxas estaduais e
municipais, o número é, provavelmente, ainda maior. No entanto, a grande maioria desses tributos se aplica
apenas a casos específicos, não complicando as obrigações dos demais contribuintes e seguindo o princípio do
benefício, o que é uma solução superior a financiar com recursos gerais os custos do governo que geram
benefícios localizados. O que importa, na verdade, é a racionalidade dos tributos e a forma de sua cobrança, e
não seu número.
17
Atualmente há em operação duas iniciativas que buscam atender a este princípio: o Programa Nacional das
Administrações Financeiras Estaduais (Pronafe), no âmbito do Ministério da Fazenda, e o Programa de
Modernização das Administrações Tributárias Municipais (PMAT), implantado pelo BNDES.
23
As diretrizes levantadas anteriormente procuram apontar para os caminhos da
revisão do sistema tributário nacional num contexto de redefinição da atuação do
Estado, respeitando as restrições impostas tanto pelo esforço tributário já realizado
pela sociedade brasileira quanto pelas novas exigências do cenário internacional. É
preciso reconhecer, também, que alterações tributárias envolvem a realocação de
recursos não só entre os entes de governo, mas também entre os agentes
econômicos, razão por que mudanças abruptas nas características dos tributos
devem ser evitadas. A reforma tributária deve ser tratada como um processo em que
as mudanças sejam gradualmente introduzidas.
Obviamente, não há reforma em que todos ganham no curto prazo. Somente
após decorridos algum tempo é que seus benefícios, traduzidos em maior
capacidade do país para se desenvolver, podem contemplar todos os agentes da
sociedade. É possível que as maiores dificuldades na condução da reforma residam
exatamente nesta questão.
Anexo 1 – O Modelo de Capacidade Tributária Potencial
Conforme Batesse (1992), define-se capacidade tributária, em analogia com o
conceito de fronteiras tecnológicas de produção, como a arrecadação máxima de um
país dadas a base e a estrutura tributária vigente. Denominando-se T* a capacidade
tributária, podemos escrever:
T* = F(x)
onde T* é a carga tributária potencial e x um vetor de características que determina
a base imponível de cada país.
A arrecadação tributária efetiva só será igual à potencial quando a estrutura
tributária for utilizada da forma mais eficaz possível. Logo, podemos escrever:
T= T* . e -u = F(x) . e -u
0≤u
onde T é a arrecadação efetiva e e-u o grau de esforço de arrecadação de cada
país. Se o esforço é máximo, então u = 0 e T* = T e, caso contrário, u > 0 e T < T*.
Admitindo a existência de erros estocásticos de medida nas variáveis
associados a fatores aleatórios não controlados pelos países, podemos escrever:
24
T= F(x) . e-u+v
onde v é um erro aleatório que, por hipótese, tem distribuição normal N(0,σv).
Supondo que u tem distribuição seminormal positiva, ou seja, tem distribuição
normal N(0,σu) truncada para valores positivos, os parâmetros do modelo
estocástico podem ser estimados por máxima verossimilhança.
O modelo foi estimado para uma amostra de 27 países para o ano de 1991,
incluindo-se ainda, como se fosse outro país, um conjunto de dados do
Brasil
referentes a 1996. Admitindo que a função F não tenha se alterado entre 1991 e
1996, os esforços tributários da sociedade brasileira nos dois anos podem ser
comparados.
Conforme mencionado, o modelo estimado supõe que a capacidade tributária
é função de um vetor de características observáveis de cada um dos países. As
seguintes variáveis foram utilizadas para representar tais características:
• população total: FMI (1995a); para o Brasil em 1996, utilizaram-se dados
da Recontagem Populacional de 1996, do IBGE;
• PIB per capita: calculado a partir dos dados de PIB e população publicados
pelo FMI (1995a); para o Brasil, utilizaram-se os dados de PIB do IBGE,
divulgados em 1997, obtidos de acordo com a nova metodologia das
contas nacionais adotada por aquele órgão;
• inflação: variação dos preços ao consumidor – FMI (1995b);
• variação da inflação: calculada a partir da variação de
preços ao
consumidor – FMI (1995b);
• participação do PIB industrial no PIB total: publicado pela ONU (1993); para
o Brasil em 1996, utilizou-se a estimativa da participação da indústria no
PIB trimestral do IBGE;
• proporção da população em idade de trabalhar na população total:
International Labour Office (1987-1989); para o Brasil em 1996, utilizou-se
o dado da Recontagem Populacional de 1996 do IBGE;
• proporção da população urbana na população total: ONU, Demographic
yearbook, vários números; para o Brasil em 1996, utilizou-se o dado da
Recontagem Populacional de 1996 do IBGE;
25
• distribuição de renda: razão entre a renda dos 20% mais ricos e dos 20%
mais pobres (média 1981/91), publicada pela ONU (1993); não havia dados
compatíveis disponíveis para o Brasil em 1996, que foi excluído das
estimações que tinham esta variável no vetor de características.
A variável dependente utilizada foi a arrecadação total, inclusive seguridade,
publicada pelo FMI (1995a).
As variáveis variação da inflação, participação do PIB industrial no PIB total e
distribuição de renda não se mostraram significativas nos testes realizados.
Contudo, isto não significa necessariamente que tais características não sejam
importantes para a determinação da base tributária dos países. O fato pode se dar
em virtude da qualidade dos dados ou da adequação da variável que representa.
Por exemplo, a razão entre a renda dos 20% mais ricos e dos 20% mais pobres
pode não ser uma variável adequada para representar a concentração da renda.
Além disso, a qualidade do dado pode estar comprometida caso a metodologia
adotada pelos diversos países não seja uniforme.
O modelo foi estimado com o auxílio do programa computacional Frontier 2.0
[Coelli (1992)]. As estimativas de máxima verossimilhança do modelo final são
apresentadas na Tabela 5.
Tabela 5
ESTIMATIVAS DE MÁXIMA VEROSSIMILHANÇA
DOS PARÂMETROS DA FUNÇÃO DE ARRECADAÇÃO TRIBUTÁRIA
(Variável dependente: Arrecadação Tributária)
Independentes ou Parâmetros
Estimativas
Constante
-0,38
População Total
1,01
(-5,95)
(33,24)
PIB per capita
1,27
Taxa de Inflação
-0,06
(26,59)
(-1,41)
Proporção da População em Idade de Trabalhar
na População Total
2
σ
-1,37
(-2,01)
0,20
(21,72)
26
γ
0,99
(14,55)
λ
χ
0,11
2
2,87
2
Obs.: Os valores entre parênteses são os t de Student; σ é a variância de (u+v); λ é o logaritmo do valor da função
2
de máxima verossimilhança; χ é o valor da estatística qui-quadrado com 1 grau de liberdade.
O ajustamento do modelo é bastante satisfatório, como se constata pelo nível
de significância da maioria dos coeficientes estimados. A hipótese de que os
coeficientes são iguais a zero é rejeitada a um nível de significância de 5% em
todos os casos, com exceção da variável inflação. A qualidade do ajustamento
também pode ser medida pela estatística qui-quadrado calculada, que permitiu a
rejeição da hipótese de que o modelo não é significativo a um nível de significância
menor que 10%.
O parâmetro γ, que mede a proporção da variância estocástica do modelo
explicada pela variância dos resíduos associados à eficácia tributária, também é
significativamente diferente de zero, não permitindo que seja rejeitada a hipótese de
existência de uma carga tributária potencial diferente da efetivamente observada.
ANEXO 2 – A Carga Tributária Nacional segundo a Nova
Metodologia das Contas Nacionais
Após a finalização desta pesquisa, foi editada uma uma nova versão para as
contas nacionais [IBGE (1997b)], retificação motivada pela revisão do manual de
Contas Nacionais das Nações Unidas (System of National Accounts – SNA 93), que
substituiu o antigo, de 1968. Em função de tais alterações, o IBGE publicou nova
série de carga tributária, apresentada na Tabela 6.
Em função dessas alterações, é necessário destacar as principais diferenças
entre os valores divulgados pelo IBGE e os apresentados neste trabalho, o qual
utiliza como base as próprias contas nacionais (sistema antigo), porém com ajustes
a partir dos órgãos arrecadadores e dos balanços contábeis das administrações
direta e indireta dos três níveis de governo. Tratam-se tanto de diferenças
metodológicas em relação ao grau de abrangência do que se convenciona chamar
27
de “receita tributária” quanto de discrepâncias em termos da contabilização de
alguns impostos e contribuições.
Quanto ao nível de abrangência, trata-se de algumas taxas e contribuições de
melhoria que, na interpretação do IBGE, apesar de estarem classificadas nos
balanços contábeis como receita tributária, “não passam de pagamentos por
serviços prestados pelo governo”, e não pagamentos compulsórios e sem
contrapartida, conforme determina o SNA 93.
Quanto à contabilização, as discrepâncias são muito mais significativas em
termos dos valores absolutos e envolvem a contribuição para a previdência dos
servidores nas três esferas de governo e a partilha do IR na fonte sobre os salários
dos servidores de estados e municípios. No caso da contribuição dos servidores
federais estatutários e militares, o IBGE desconsidera os valores registrados nos
balanços, enquanto no caso de estados e municípios os valores são incluídos no
cálculo da carga porque os servidores possuem institutos próprios de previdência
social. No caso do IR na fonte, o IBGE não contabiliza os valores retidos por estados
e municípios, tratando-os como transferência, sob a alegação de que se trata de um
imposto de competência federal e não de uma partilha (tratamento utilizado nesta
pesquisa, pois os recursos não chegam a “entrar” no caixa da União).
Tabela 6
CARGA TRIBUTÁRIA DO SCN por Nível de Governo – 1990/96
(Em % do PIB)
Ano
Receita Tributária Arrecadada
Federal
Estadual
Municipal
Previdência
Total
1990
12,76
7,98
0,85
8,02
29,60
1991
10,13
7,21
0,99
6,10
24,43
1992
10,69
7,01
1,25
6,01
24,96
1993
11,43
6,37
0,77
6,74
25,30
1994
13,44
7,83
1,00
5,63
27,90
1995
12,67
8,10
1,35
5,92
28,04
1996
12,75
7,77
1,24
6,44
28,19
Fonte: IBGE.
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