NEILTON SANTANA SANTOS COMPONENTES E ATRIBUTOS QUE CONFIGURAM A QUALIDADE NA RELAÇÃO MÉDICO-PACIENTE TESE FLORIANÓPOLIS 2004 Ficha Catalográfica Elaborada pela Bibliotecária Eleonora M. F. Vieira – CRB – 14/786 S237c Santos, Neilton S. Componentes e atributos que configuram a qualidade na relação médico-paciente / Neilton Santana Santos. – Florianópolis, 2004. 123p. Tese (Dr. Eng.) – Universidade Federal de Santa Catarina. Programa de Pós Graduação em Engenharia de Produção 1. Relação médico-paciente. 2. Qualidade. 3. Saúde. – Título NEILTON SANTANA SANTOS COMPONENTES E ATRIBUTOS QUE CONFIGURAM A QUALIDADE NA RELAÇÃO MÉDICO-PACIENTE Tese apresentada no Curso de Pós-graduação em Engenharia de Produção e Sistemas, da Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC, como requisito parcial para obtenção do Título de Doutor em Engenharia de Produção. Orientador: Prof. Edvaldo Alves de Santana, Dr. Co-Orientador: Profª Maria de Lourdes de Souza, Dra. FLORIANÓPOLIS 2004 NEILTON SANTANA SANTOS COMPONENTES E ATRIBUTOS QUE CONFIGURAM A QUALIDADE NA RELAÇÃO MÉDICO-PACIENTE Esta Tese foi julgada adequada para a obtenção do título de Doutor em Engenharia de Produção, e aprovada em sua forma final pelo Programa de Pós-graduação em Engenharia de Produção, da Universidade Federal de Santa Catarina. Florianópolis, agosto de 2004. _________________________________ Edson Pacheco Paladini, Dr. Coordenador do Programa de Pós-graduação Banca Examinadora Edvaldo Alves de Santana, Dr. Maria de Lourdes de Souza, Dra. Orientador Co-orientadora Marcelo Milano Falcão Vieira, Phd. Ricardo Roberto Behr, Dr. Membro Membro Glaycon Michels, Dr. João Bosco da Mota Alves, Dr. Membro Membro Dedico este trabalho Aos meus pais Narciso(in memorian) e Nolita Aos meus irmãos e sobrinhos, em especial a Sidney(in memorian) Agradecimentos Agradeço ao orientador, Prof. Dr. Edvaldo Alves de Santana, que desde o primeiro momento incentivou e permitiu que a vontade se tornasse realidade. A co-orientadora, Prof. Drª Maria de Lourdes Souza, pelo incentivo e palavras amigas nos momentos mais decisivos desta caminhada. Ao Prof. Dr. Glaycon Michels, membro da banca. Ao Prof. Dr. João Bosco da Mota Alves, membro da banca. Ao Prof. PhD. Marcelo Milano Falcão Vieira, membro da banca e amigo de longa caminhada. Ao Pro. Dr. Ricardo Roberto Bher, membro da banca e companheiro irmão. Aos amigos que compartilharam e conviveram comigo nesta caminhada: Guga, Weimar, Simone, Márison, Cao e Danuza, Silvia, Valdir, Adriana, Lúcia Casate e Ângela Becalli Aos meus incentivadores brasilienses Viviane e Ramon, Beatriz, Zilelbia e Mazé. Aos Professores e Funcionários do Curso de Pós-graduação em Engenharia de Produção e Sistemas da UFSC. A Universidade Federal de Sergipe, na pessoa da sua Gerente de Recursos Humanos Ednalva Freire Caetano. Aos Funcionários da Pós-graduação em Administração da UFSC, Graziella e Graça. Aos queridos amigos sergipanos Luis Eduardo Oliva e Ancelmo Oliveira companheiros de mestrado e de vida O valor das coisas não está no tempo em que elas duram, mas na intensidade com que acontecem. Por isso existem momentos inesquecíveis, coisas inexplicáveis e pessoas incomparáveis. Fernando Pessoa Lista de Siglas AMA – American Medical Association CCQ – Círculos de Controle de Qualidade CEM – Código de Ética Médica CEP – Controle Estatístico de Processo JCAHCO – Joint Commission on Accreditation Healthcare of Organizations JUSE – Union of Japanese Scientists and Engineers PDCA – (Plan, Do, Check e Action) – Ciclo Deming de Qualidade PIJ – Padronização Industrial Japonesa PNJI – Japanese Industrial Standards Commitee Z-1 standards – Padrões Normativos Z-1 Resumo SANTOS, N.S. Componentes e atributos que configuram a qualidade na relação médico-paciente. 2004. 123 p. Tese (Doutorado em Engenharia de Produção) – Programa de Pós-graduação em Engenharia de Produção. UFSC. Florianópolis – SC. A relação médico-paciente configura-se como uma das mais complexas e intrigantes atitudes existentes nas relações humanas, em razão da fragilidade do paciente, no processo de adoecer, que se sente inferiorizado frente aos médicos e age de forma passiva quando não estimulado a interagir. Os estudos sobre a qualidade em saúde são recentes e, na maioria das vezes, levam em consideração a percepção dos pacientes, os quais não se sentem habilitados a realizar uma avaliação técnica e optam por se utilizar de outras que não a técnica, para efetuar a sua avaliação. Os estudos sobre a qualidade em saúde, ao desconsiderar um dos enfoques de avaliação propostos, como a visão de qualidade dos prestadores de serviços de saúde, criam uma lacuna a ser preenchida, nesta área de pesquisa, qual seja, a percepção dos médicos sobre a importância da interação entre eles e o paciente. Neste sentido, tal pesquisa tem como objetivo central identificar e descrever os componentes e atributos daquela relação, percebidos pelos fornecedores dos serviços de atenção à saúde, no caso, os médicos. O caminho metodológico traçado foi a pesquisa qualitativa, onde se utilizou de entrevistas semiestruturadas e da análise de conteúdo. A perspectiva da investigação é sincrônica e foi desenvolvida como um estudo descritivo, com suporte da mencionada análise. A amostra foi selecionada de forma intencional, e é constituída de médicos que atuam no segmento público do Departamento de Arequipa, no Peru. Nos resultados da pesquisa são apresentados: na percepção dos entrevistados, o conceito e a caracterização da relação médico-paciente; a responsabilidade pelo estabelecimento, manutenção e condução da interação; o motivo que leva os pacientes a retornarem para novas consultas; o respeito às preferências terapêuticas dos pacientes e a importância da relação médico-paciente. Dentro da percepção dos entrevistados concluiu-se, ainda, quais os componentes e atributos da qualidade na relação médico-paciente. Palavras-chave: relação médico-paciente; qualidade; saúde; ABSTRACT SANTOS, N. S. Components and attributes which feature quality in the relation between physicians and patients. 2004. 123p. Thesis (Doctorate in Production Engineering) – Pós-graduate Program of Production Engineering, UFSC, Florianópolis. The relation between physicians and patients represents one of the most complex and intriguing attitudes among human relations in view of the patients´ fragility facing the process of illness when they feel inferior to the physicians and act in a passive way unless they are stimulated to interact. The studies about quality in health care are recent and generally consider the perception of the patients who don´t feel themselves able to undertake a technical evaluation and choose other means to undertake their evaluation. When the studies about quality in health care don´t consider one of the approachments of proposed evaluation, like the view of quality of the suppliers of health care services, that means, the physicians´ perception of the importance of the interaction between them and the patients, they create a gap to be filled. In this sense, this inquiry has the central aim to identify and describe the components and attributes of that relation, as perceived by the furnishers of health care services, in this case, the physicians. The chosen methodological approach has been a qualitative inquiry using semistructured interviews and analysis of content. The perspective is synchronic and has been developed as a descriptive study supported by the mentioned analysis. The sample was choosen intentionally and consists of physicians who work in the public health care system of the Department of Arequipa in Peru. As the outcome of the research are presented the conceipt and the characterization of the relation between physicians and patients from the interviewees´ point of view, the responsability for building up, maintaining and conducting the interaction; the motive which makes the patients keep new appointments; the respect for the therapeutic preferences of the patients and the importance of the relation between physicians and patients. Adopting the interviewees´ perception, it was possible to conclude which are the components and attributes of quality in this relation. Keywords: Relation between physicians and patients; quality; health care. SUMÁRIO LISTA DE SIGLAS VII RESUMO VIII ABSTRACT IX CAPÍTULO I – CONSIDERAÇÕES INICIAIS 14 1.1 Tema e Problema de Pesquisa 18 1.2 Objetivos da Pesquisa 18 1.3 Objetivo Geral 18 1.4 Objetivos Específicos 18 1.5 Relevância e Contribuições 19 1.6 Estrutura do Trabalho 20 CAPÍTULO II – FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICO – EMPÍRICA 22 2.1 A Gestão da Qualidade e os Serviços de Saúde 22 2.1.1 Qualidade Total – Breve Histórico 22 2.1.2 Qualidade Total em Saúde 26 2.2 Breve História da Profissão Médica e suas Concepções 31 2.2.1 O Conceito de Profissão 32 2.2.2 O Desenvolvimento Histórico da Profissão Médica 35 a) Conceitos e Tipos de Sistemas Médicos 36 b) O Médico e a Medicina Arcaica 38 c) O Médico e a Falsa Medicina ou Folkmedicina 39 d) O Médico e a Medicina Cientifica 40 e) O Médico e a Medicina na Grécia e em Roma 41 f) O Médico e a Medicina na Idade Média 42 g) O Médico e a Medicina na Idade Moderna 44 h) O Médico e a Medicina na Idade Contemporânea 46 2.3 A Profissão Médica nos Tempos Atuais 48 2.4 O Médico e o Paciente 50 2.4.1 Ética, Bioética e Medicina 52 2.4.2 A Relação Médico-Paciente 55 CAPÍTULO III – PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS 68 3.1 Design e Perspectiva da Pesquisa 68 3.2 O Contexto da Pesquisa 68 3.3 Delimitação da Pesquisa 68 3.3.1 Perguntas da Pesquisa 70 3.3.2 Participantes da Pesquisa 70 3.3.3 Coleta, Tratamento e Análise dos Dados 71 a) Fontes Secundárias 71 b) Fontes Primárias 71 c) Tratamento e Análise de Dados 72 3.4 Definição de Termos 73 3.5 Limitações da Pesquisa 74 CAPÍTULO IV ANÁLISE DE DADOS 76 CAPÍTULO V CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES 108 5.1 Conclusões 108 5.2 Recomendações 112 REFERÊNCIAS 113 APÊNDICE I – FICHA DE COLETA DE INFORMAÇÕES 120 APÊNDICE II – ROTEIRO DE ENTREVISTA 121 14 CAPÍTULO I 1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS Neste início de século, prossegue o fluxo das grandes transformações originadas no século passado, que de modo diverso atingem toda a população mundial. As mais importantes mudanças são oriundas de dois pontos fundamentais, tais como a descoberta e utilização de novos materiais combinados com o uso intensivo de tecnologia e a desconcentração da produção e novas modalidades de gestão do trabalho. No decorrer do tempo, a política de produção em massa, resultante do processo de industrialização mundial, afetou, de forma significativa, a produção material. A partir da Revolução Industrial até a primeira metade do século passado, o setor industrial, dentro da economia como um todo, foi o que mais se desenvolveu, concorrendo de forma significativa para a produção da riqueza mundial, em face de sua importância em termos econômicos, foi o setor mais estudado pelos meios acadêmicos. Em contrapartida, a partir do início do século XX o setor serviços vem crescendo de forma exponencial, dentro da economia mundial, tornando-se responsável, nos dias atuais, em países como o Brasil, por mais de 57% dos postos de trabalho (IBGE, 2001). Em parte pela diminuição da oferta de postos de trabalho no setor primário da economia e, de outro lado, em razão da estagnação do setor industrial no mundo. Apesar de possuir características próprias, o setor serviços não deixa de sofrer influências do atual paradigma econômico, principalmente pelo uso intensivo da tecnologia, pelas novas modalidades de organização e gestão do trabalho e, naturalmente, pela lógica vigente de acumulação de capital (PIRES, 1998). Considerando o setor da saúde parte integrante do setor de serviços, mesmo possuindo características específicas para a produção dos seus serviços, este possui, também, características do processo de produção do setor terciário da economia (BERWICK et al, 1994). Mesmo tendo reconhecida a importância e a especificidade do processo produtivo, os estudos realizados sobre o tema são relativamente pequenos, no que se refere à questão do 15 trabalho em saúde. No que se refere às investigações direcionadas a etiologia das doenças e à produção de conhecimento teórico, no campo da saúde coletiva, existe uma produção de grande monta. (PIRES, 1998). Porém, como não poderiam deixar de ser, as mudanças originadas da produção industrial e dos serviços estão influenciando o setor da saúde, tendo como fator principal de mudança o uso intensivo da tecnologia de ponta (BOTSARIS, 2001) e o processo de terceirização que vem ocorrendo de forma intensa nos hospitais, que em tempos modernos passaram a ser geridos como uma atividade econômica, igual às demais existentes no mundo. Por outro lado, nos tempos atuais a sociedade vem exigindo dos seus fornecedores uma melhor qualidade dos serviços e produtos que adquirem, não importando que os mesmos sejam públicos ou privados. Desta forma, procurar perceber qual a visão dos fornecedores dos serviços de saúde, quanto à questão da qualidade da atenção médica, pode ser importante, tanto para os atores que já atuam na área de saúde, bem como para o próprio ensino da medicina e da atenção dispensada, aos pacientes, visando uma nova prática profissional. Dentro desta perspectiva, esta pesquisa busca desvendar o conceito de “qualidade na relação médico-paciente” na perspectiva dos atores envolvidos no processo de prestação de serviços, ou seja, os médicos. Os estudos realizados sobre a “qualidade de produtos e serviços” têm como princípio básico “conhecer as expectativas da clientela” uma vez que este é o princípio fundamental da qualidade. Porém estes mesmos estudos, pouco se referem à percepção dos médicos acerca do mesmo tema e se, por acaso, eles concordam com as opiniões emitidas pelos clientes. E ainda, como conseguir que as expectativas da clientela sejam atendidas, visto que os profissionais de saúde não recebem as orientações necessárias, durante seus cursos, formais ou mesmo informais, para que possam entender e atender, também, a estas expectativas. Pelas pesquisas consultadas (ISMAEL, 2002; BOTSARIS, 2001; RAMÍREZSÁNCHEZ, 2001; CAMPOS, 1998; LEMME et al, 1991) pode-se dizer que estes estudos têm como objetivo único a análise dos componentes da qualidade percebidos pelos clientes/pacientes e não levam em conta a opinião dos fornecedores, mesmo em áreas altamente especializadas, como no campo da saúde. 16 Como já se disse anteriormente, o setor da saúde, apesar de estar inserido no setor de serviços, possui características específicas e completamente diferenciadas dos outros serviços, isso devido à natureza de sua atividade intrinsecamente ligada à vida humana. Neste sentido, os estudos sobre a qualidade dos serviços de saúde (ISMAEL, 2002; BOTSARIS, 2001; RAMÍREZ-SÁNCHEZ, 2001; CAMPOS, 1998; LEMME et al, 1991) têm contemplado com freqüência o estudo das expectativas dos clientes em aspectos relacionados ao atendimento em geral, todavia pouco direcionados à “atenção médica” em especial. Ademais, quando os estudos tratam do médico, especificamente, os pesquisadores esquecem que em tempos passados a profissão médica era vinculada à atividade religiosa ou divina e que, mesmo com a profissionalização da medicina, o mesmo tratamento dispensado aos curadores passaram a ser dedicados aos médicos, tratamento esse, presente ainda hoje, em muitas sociedades. Há fatores que devem ser levados em conta e que podem ter pertinência neste caso é que devido à alta especialização presente, que praticamente desvincula o ser humano do seu corpo, é o fato de especialistas serem detentores de um conhecimento limitado a um órgão do corpo humano, não alcançando o conhecimento do homem por inteiro; o atual estágio da sociedade contemporânea em que o conhecimento pode ser compartilhado com muito mais facilidade, mas que ao mesmo tempo produz uma série de inseguranças; o emprego, cada vez mais intensivo da tecnologia, que assusta sobremaneira o ser humano e a possibilidade de que estes clientes não sejam capazes de definir de maneira pertinente o que seja “qualidade da atenção médica”. Como já dito anteriormente, os estudos sobre qualidade, fundamentalmente, procuram pesquisar a percepção do que seja qualidade na visão dos clientes, sem ter a preocupação, em estudar, o mesmo conceito na percepção dos produtores ou fornecedores do serviço. Os médicos, neste caso específico, em virtude da responsabilidade e muitas vezes da possibilidade de decisão entre a vida e a morte de um ser humano, em especial em hospitais de emergência, por todos os aspectos intrínsecos à profissão que lida, diariamente, com a doença e a saúde, e em conseqüência, com o ser humano enfermo, naquele momento fragilizado, em decorrência da sua doença. Fica o questionamento como os médicos percebem esse mesmo conceito, e no caso específico, quais são os componentes e atributos da qualidade da atenção médica em sua percepção. Porém, esta postura desconsidera um dos enfoques de avaliação propostos por Donabedian (1990), que é a visão de qualidade, dos prestadores de 17 serviços de saúde corroborado por Vieira e Carvalho (1999) quando defendem que seria interessante para a área a investigação da percepção do que seja qualidade, para determinados grupos com fortes culturas corporativas. Isto fica bem caracterizado no grupo profissional de médicos. Conduzindo o leitor ao pensamento expresso por Falk e Carvalho (1999), de que a avaliação da qualidade dos serviços de saúde acontece em relação à qualidade técnica do tratamento e não da inter-relação pessoal (relação médico-paciente) dispensada pelo médico no processo de atender. Ao mesmo tempo, Zenke e Chaaf (1991) dizem que os pacientes baseiam suas percepções nos pontos que sentem mais qualificados para julgar. O que é consistente, segundo Lim e Zallocco (apud FALK; CARVALHO, 1999), com o comportamento de consumidores os quais se encontram em posição inferior para avaliar produtos ou serviços que sejam tecnicamente complexos, optando por utilizar outras dimensões que não as técnicas para efetuar a sua avaliação. No caso da relação médico-paciente, a assimetria existente ocorre em virtude da força e do poder do médico, e, no caso da doença, pela fragilidade do paciente, tornando a relação desproporcional (SILVA, 1997), os pacientes então, de acordo com Lim e Zallocco (apud FALK; CARVALHO, 1999) tenderiam a avaliar esta relação por outras dimensões que não as técnicas. Para finalizar, fica o questionamento feito por Donabedian (1992), quando interroga o pouco que se sabe a respeito de como os médicos definem a qualidade. Isto também acontece pela falta de conhecimento da relação existente entre o exercício profissional do médico e sua própria definição de qualidade. O autor destaca a importância desse campo de pesquisa, sobre as dimensões e valores que predominam em determinados grupos, e considera que no caso específico, a pesquisa nessa área tem relevância tanto para a educação médica, como para a qualidade. Assim, o presente estudo se constitui num esforço para aprofundar os conhecimentos sobre a qualidade em saúde, em especial da relação médico-paciente, enfatizando a identificação e a análise dos componentes e atributos que a configuram. 18 1. 1 Tema e Problema de Pesquisa O problema de pesquisa caracterizado verificou a seguinte questão: Quais os componentes e os atributos, na perspectiva médica, que configuram a qualidade na relação médico-paciente? 1.2 Objetivos da Pesquisa Os objetivos da pesquisa estão divididos em objetivo geral e objetivos específicos, como segue. 1.2.1 Objetivo Geral Descrever os componentes e atributos da qualidade da relação médico-paciente percebidos pelos fornecedores dos serviços de atenção a saúde, no caso os médicos. 1.2.2 Objetivos Específicos • Esclarecer o conceito de qualidade da atenção médica, na perspectiva médica; • Detalhar o conceito de qualidade da relação médico-paciente percebido pelos médicos; • Identificar os componentes da qualidade da relação médico-paciente, presentes no discurso desses profissionais; e • Descrever o conjunto de atributos dos componentes da qualidade relação médico-paciente identificados. 19 1.3 Relevância e Contribuições Ao procurar perceber, a partir da visão dos fornecedores dos serviços de saúde, no caso específico os médicos, quais são os componentes e atributos da qualidade da atenção médica, esta pesquisa permite que se chegue a um resultado ainda não verificado nesta área de estudo. Isto porque, na revisão bibliográfica realizada percebeu-se a existência de um consistente acervo de pesquisas dedicadas a capturar o conceito de qualidade e seus atributos na área de saúde, sempre na visão dos pacientes, o mesmo não acontecendo no que diz respeito à visão dos próprios médicos e demais profissionais de saúde. A pesquisa acadêmica na área de saúde tem crescido nos últimos anos de forma consistente. Os pesquisadores têm se dedicado a desenvolver pesquisas na área de qualidade em saúde, sempre preocupados com a percepção dos clientes ou no desenvolvimento de novos protocolos de atenção, que visam a aprimorar a qualidade do processo de atenção à saúde. No entanto existe uma lacuna a ser preenchida nesta área de pesquisa, qual seja, a percepção dos médicos sobre a importância da relação médico-paciente e quais os principais componentes e atributos desta interação. Por outro lado relevância da investigação, também pode ser corroborada por Vieira e Carvalho (1999) ao defenderem ser necessária a investigação da percepção do que seja qualidade para determinados grupos com fortes culturas corporativas. Como podem ser considerados os médicos. A boa relação médico-paciente permite, ao médico, o acesso a várias facetas da experiência e vida do paciente, que são essenciais para a definição do diagnóstico e a prescrição de um tratamento eficaz. Uma vez que somente quando há boa relação médicopaciente é que se torna possível garantir uma aderência ao tratamento e uma avaliação adequada dos resultados, haja vista que somente o dono do próprio corpo sabe se ele reage positiva ou negativamente ao tratamento. Portanto, o estudo dos componentes e atributos da relação médico-paciente, na percepção médica, contribui para a compreensão e o aprofundamento do que seja qualidade nesta relação. E os seus resultados possibilitam que os médicos observem se a sua percepção, caminha na mesma direção do que é expresso pelos pacientes quando da busca por um médico. Ou seja, o quanto ele se aproxima ou distancia da 20 expectativa da clientela, respondendo ou não ao mercado, porque afinal ele presta um serviço a uma clientela que deve ser considerada na perspectiva profissional. O presente trabalho também atende às expectativas das propostas de mudanças no ensino médico, uma vez que nas “Diretrizes Curriculares para os Cursos de Graduação em Medicina” (CNE/CES, 2001), é preconizada a competência “capacidade de comunicação para o futuro médico”. Isto porque, sendo a comunicação um dos principais componentes da relação médico-paciente, o desenvolvimento da capacidade de comunicação, segundo Rees e Seard (2002), trás como conseqüência o desenvolvimento da percepção diagnóstica e a melhoria da relação médico-paciente. Por isto, o conhecimento dos componentes e atributos da qualidade na relação médico-paciente, pode direcionar o desenvolvimento da capacidade de comunicação, permitindo que o médico faça diagnósticos mais detalhados e precisos e tenha maior predisposição para o desenvolvimento de uma relação empática e de confiança com o paciente, incrementando a adesão do paciente ao plano diagnóstico e terapêutico. Os resultados da pesquisa também podem ser úteis para as atividades de docência e assistência, principalmente para uma nova prática profissional haja vista que a prestação do serviço só tem sentido se obtiver resultado para a clientela. 1.4 Estrutura do Trabalho No que se refere à organização, o texto encontra-se dividido em cinco capítulos. No primeiro capítulo, procura-se contextualizar o setor saúde como parte integrante da economia, e também suscitar a discussão da visão unilateral dos estudos sobre qualidade e qualidade em saúde, chegando-se à definição do problema, bem como à apresentação dos objetivos da pesquisa e o ineditismo, relevância e contribuições. O segundo capítulo trata da base teórico-empírica, subdividas em cinco itens, sendo o primeiro dedicado à gestão da qualidade e aos serviços de saúde, os de número dois a quatro referem-se ao desenvolvimento histórico da profissão médica, conceitos e tipos de sistemas médicos. O quinto e último item trata da questão vinculada à relação médicopaciente, nos dias atuais e a tecnificação da medicina. 21 O terceiro capítulo é dedicado à metodologia da pesquisa. Apresenta-se, neste tópico, a caracterização da pesquisa, a definição dos termos, as técnicas de coleta, o tratamento e a análise dos dados. No quarto capítulo são analisados os dados colhidos, momento em que os conteúdos dos discursos dos depoentes são cotejados com as referências bibliográficas. No quinto capítulo são apresentadas as respostas ao questionamento inicial da pesquisa e a cada uma das perguntas definidas nos procedimentos metodológicos. 22 CAPÍTULO II 2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA – EMPÍRICA Neste capítulo apresentamos os principais conceitos, tendências, tipos e abordagens sobre qualidade em serviços de saúde, fundamentados na literatura especializada disponível sobre o tema, bem como o desenvolvimento e contextualização histórica da profissão médica no decorrer do tempo. Serão abordados, também, alguns pontos congruentes à relação médico-paciente, relatados por pesquisadores da área, da mesma forma em que serão apresentados e comentados resultados de pesquisas, com vistas a ilustrar e fortalecer os argumentos desenvolvidos pelos vários autores e que servirão de base para esta pesquisa. 2.1 A Gestão da Qualidade e os Serviços de Saúde Este tópico encontra-se divido em dois subitens, o primeiro trata do desenvolvimento histórico da qualidade no mundo, quando era direcionado especificamente para a indústria, e o segundo está mais direcionado para a área da saúde, onde são apresentados vários autores que tratam sobre o tema, bem como a evolução do conceito de qualidade em serviços de saúde, além das várias formas de avaliação da qualidade da atenção médica. 2.1.1 Qualidade Total – Breve Histórico O processo de evolução do “controle de qualidade” teve inicio com a Revolução Industrial e a produção em massa de produtos manufaturados. Até então, os artesãos detinham o controle direto de sua produção ou da produção de seus aprendizes. O processo de mudança originou-se do crescimento das oficinas e da padronização da produção, tornando impraticável a supervisão direta (BERWICK et al, 1994). Os estudos de Frederick Taylor e a linha de montagem de Henri Ford proporcionaram o surgimento dos Inspetores de Fábrica, cuja função consistia em supervisionar a fase final do processo fabril. Tínhamos então a “Era da Inspeção”, realizada 23 exclusivamente sobre os produtos acabados, que tinha como foco principal os produtos defeituosos, os quais refletiam diretamente na intensidade da inspeção. O período denominado de “Era do Controle Estatístico” surge com a produção em massa, introduzindo técnicas de amostragem e outros procedimentos estatísticos. Mesmo adicionando custos, a inspeção era considerada necessária para o descarte ou reprocessamento do produto, não existindo a preocupação com falhas porventura existentes nas diversas etapas do processo produtivo (REBELO, 1995). Walter Shewhart, em meados da década de 1920, como pesquisador da Bell Laboratories da AT&T, desenvolveu um sistema estatístico de mensuração da variabilidade na produção de bens e serviços, denominado de Controle Estatístico de Processo – CEP. Criou também o Ciclo PDCA (Plan, Do, Check e Action), conhecido como Ciclo Deming de Qualidade. Com o lançamento do seu livro The Economic Control of the Quality of Manufactured Product, em 1931, Walter Shewhart muda a filosofia de controle até então vigente e indica que o foco do controle está nos processos de trabalho e não nos produtos. Segundo o autor, o controle focado nos processos de produção seria mais eficiente do que a inspeção dos produtos já manufaturados (BERWICK et al, 1994). Com o advento da 2ª Grande Guerra Mundial surgiu a necessidade de redirecionamento da produção para o suprimento da indústria bélica americana. Coube a Willian Deming disseminar o método de Controle Estatístico da Qualidade junto às empresas americanas envolvidas com o esforço de guerra (REBELO, 1995). Os padrões adotados e publicados naquela época tornaram-se conhecidos como Padrões Normativos Z-1 (Z-1 standards) (ISHIKAWA, 1993). Outro país que desenvolveu precocemente o controle da qualidade foi a Inglaterra, berço da estatística moderna, com a adoção dos Padrões Normativos Britânicos 600 (British Standards 600), em 1935, cuja base se encontra no trabalho estatístico de E. S. Pearson. Posteriormente, os Padrões dos Estados Unidos foram adotados, na sua totalidade, como Padrões Normativos Britânicos 1008 (British Standards 1008) (ISHIKAWA, 1993). Por outro lado, o Japão já tinha conhecimento dos Padrões Normativos Britânicos e os traduziu durante o período da guerra. As tentativas de criação de padrões próprios foram frustradas devido ao uso excessivo da linguagem matemática (ISHIKAWA, 1993). 24 Os métodos de controle de qualidade, seguindo a teoria de Shewhart, foram aplicados de forma intensiva na Grã-Bretanha e nos Estados Unidos durante a 2ª Guerra Mundial. A introdução do método no Japão ocorreu por intermédio das forças de ocupação americanas preocupadas com as falhas do sistema telefônico, que além de apresentar problemas devido à guerra, mas que também apresentava falhas em função dos equipamentos de má qualidade. Segundo Ishikawa (1993), o mês de maio de 1946 marca inicio do controle de qualidade estatístico no Japão. A implantação na indústria japonesa originou-se a partir do método americano, mas não sofreu adaptações para a cultura do país, o que criou alguns problemas, sem contudo deixar de apresentar validade, levando-a expandir-se para além do setor de telecomunicações (ISHIKAWA, 1993). Em 1945, foi criada a Associação Japonesa de Padrões Normativos (Japanese Standards Association), seguida do Comitê de Padrões Normativos Japoneses para a Indústria (Japanese Industrial Standards Commitee) – PNJI, em 1946. Em 1949, entrou em vigor a Lei de Padronização Industrial (Industrial Standardization Law) e, em 1950 foi promulgada a Lei de Padrões Normativos Japoneses para a Agricultura (Japanese Agricultural Standards Law). No mesmo ano, em que foi criado o sistema de marcação do PNJI com base na Lei de Padronização Industrial. Segundo Ishikawa: (...) o sistema de marcação do PIJ permite que certas mercadorias levem a marca do PIJ, se tiverem sido feitas nas fábricas que produzem itens especificados de acordo com os padrões normativos do PIJ para controle estatístico de qualidade e garantia de qualidade (ISHIKAWA, 1993, p.15). A introdução deste sistema foi fundamental para a implantação e a popularização do controle de qualidade estatístico na indústria japonesa. Em 1947, Deming foi convocado, pelo Comando Supremo das Forças Aliadas, para ajudar na elaboração do Censo de 1951 que tinha como um de seus objetivos conhecer o nível de devastação do país. Em 1949, Deming foi convidado a proferir palestras sobre Qualidade, para membros da indústria japonesa, como parte do programa de reconstrução do país, e, em 1950, ministrou o primeiro Seminário sobre Controle de Qualidade, a convite da Union of Japanese Scientists and Engineers (JUSE) (ISHIKAWA, 1993). Deming retorna ao Japão em 1952 e divulga a filosofia do fornecimento de produtos em função da necessidade do consumidor que tinha como base: 25 • Ouvir o cliente; • Elevar o nível de educação e qualificar o trabalhador; • Motivar a participação de todos; • Desenvolver lideranças e a capacidade de trabalho em grupo; e • Treinar o grupo em ferramentas estatísticas. Armand V. Feigenbaum lançou, em 1951, o livro Total Quality Control no qual propunha: (...) o controle da qualidade total como um sistema para integrar esforços relacionados à qualidade em toda a organização, de forma que todas as funções pudessem concentrar-se na satisfação eficiente das necessidades do cliente. (apud BERWICK et al, 1994, p. 32). Em 1951, também, Juran publica o clássico Quality Control Handbook, sendo responsável pela criação da “trilogia Juran” dos processos gerenciais da qualidade em: • planejamento da qualidade; • manutenção da qualidade; e • melhoria da qualidade. Foi também Juran quem chamou a atenção para os erros, desperdícios e retrabalho, que são os custos de não se trabalhar com qualidade (NOGUEIRA, 1997). Em 1954, a JUSE e a Federação Japonesa de Organizações Econômicas levaram ao Japão Joseph M. Juran e Philip B. Crosby para divulgarem as suas idéias. A presença de Juran no país significou uma transição nas atividades de controle de qualidade naquele país, uma vez que defendia a aplicação das técnicas de forma global, ou seja, em toda gestão do processo. A participação de Juran propiciou a compreensão do Controle de Qualidade como uma ferramenta de administração e contribuiu para o estabelecimento do controle de qualidade total, como hoje é conhecido (ISHIKAWA, 1993). Outro grande estudioso do controle de qualidade foi Kaoru Ishikawa, responsável pela evolução do conceito de Círculos de Controle de Qualidade (CCQ) e do Diagrama de Causa e Efeito, fundamental para a compreensão dos processos e seus resultados. 26 Segundo Nogueira (1997), tanto Deming quanto Juran fazem referências em suas obras da possibilidade de aplicação dos métodos de controle de qualidade a serviços de saúde, o que vem ocorrendo nos últimos tempos tanto no Brasil, quanto no exterior. 2.1.2 Qualidade em Saúde Quando se fala sobre qualidade em saúde, o primeiro nome a ser citado é o de Florence Nightingle, enfermeira, que na Guerra da Criméia implementou, com base em dados estatísticos e gráficos, rígidos padrões sanitários e de cuidados de enfermagem, nos hospitais de campanha, reduzindo a taxa de mortalidade de 42,7% para 2,2% (MANTILLA; CHAVEZ 1999, NOGUEIRA, 1999). Porém, em termos históricos, os Estados Unidos têm uma tradição de estudos de avaliação da qualidade em relação ao trabalho e assistência à saúde. Em 1910, Abraham Flexner desenvolveu um estudo sobre a qualidade da formação médica e como conseqüência foram fechadas 60 faculdades das 155 existentes nos Estados Unidos (GILMORE; NOVAES, 1996). Na mesma década (1916), o americano E. A. Codman estabeleceu os princípios sobre a importância da certificação do médico e a acreditação de hospitais, o que se tornou realidade em 1918, com a implementação do Programa Nacional de Normalização Hospitalar que, de um total 692 hospitais, só aprovou apenas 90 (GRAHAM, 1990). Na área acadêmica Lee e Jones (apud MANTILLA; CHAVEZ, 1999) definiram, em 1933, a Qualidade em Saúde em oito artigos de fé, por meio dos quais preconizam que a boa atenção médica: • Não se limita a prática de uma medicina racional fundamentada nas ciências médicas; • Enfatiza a prevenção; • Requer a cooperação inteligente entre o público leigo e os profissionais da medicina científica; 27 • Trata o indivíduo de forma total; • Mantém uma relação pessoal estreita e continuada entre o médico e o paciente; • Está coordenada com o trabalho de assistência social; • Está coordenada com todos os tipos de serviços médicos; e • Implicam na aplicação de todos os serviços de que dispõe a medicina científica moderna frente à necessidade de toda a população. Além de outros aspectos importantes, a intenção de se listar os oito artigos de fé, mesmo que escritos em 1933, foi destacar que um dos artigos refere-se à relação médicopaciente como um dos pontos da qualidade da atenção médica ou, nas palavras do autor, da “boa atenção médica”. A Joint Commission on Accreditation Healthcare of Organizations – JCAHCO foi criada nos Estados Unidos, segundo Gilmore e Novaes (1996), em 1951. Para Falk e Carvalho (1999) a mesma comissão foi criada em 1952 e para Mantilla e Chavez (1999), em 1954. O que importa, no caso, é que esta comissão estabeleceu os níveis mínimos aceitáveis de instalações, equipamentos, organização administrativa e qualificação profissional, fazendo uso de índices numéricos sobre a organização e o seu funcionamento. A JCAHCO introduziu na cultura médico-hospitalar americana conceitos sobre análises retrospectivas de casos, através das auditorias médicas, que teve como conseqüência a ocupação de vários espaços acadêmicos e institucionais da cultura da qualidade em saúde. Em tempos mais recentes, vários estudos foram realizados, como por exemplo: Solon, et al (1992), Rosenfeld (1992), Souillá (1992), Rutstein et al (1992) e Huntley et al (1992) sobre a qualidade da atenção em saúde, com destaque para o autor Avedis Donabedian que, em 1993, estudando a aplicação do Controle de Qualidade Total nos serviços de saúde, considerou que existe risco ao abandonar princípios consagrados na saúde, tais como o da equidade, uma vez que, para o autor este faz parte da definição da qualidade em serviços de saúde. O quadro referencial, para a avaliação de serviços de saúde, aceito mundialmente, foi desenvolvido por Donabedian (1990). Para o autor, a qualidade de serviços de saúde deve ser avaliada em termos de estrutura, processo e resultados. 28 A estrutura e sua avaliação estão fundamentadas em aspectos tais como a adequação das instalações e equipamentos; a idoneidade do pessoal médico e sua organização; a estrutura administrativa e o funcionamento de programas e instituições que prestam atenção médica; a organização fiscal e vários outros itens. Por certo, ocorre que, quando uma instituição conta com as condições e os meios adequados, a boa atenção médica poderá estar assegurada. Esse enfoque tem a vantagem de se referir, ao menos em parte, a informações bastante concretas e acessíveis, no entanto, apresenta o inconveniente de não ter, ainda, bem estabelecida, a relação entre a estrutura e o processo, ou entre a estrutura e o resultado (DONABEDIAN, 1992). Outra forma de enfocar avaliação consiste em examinar o processo de prestação da atenção médica. Esta posição se justifica porque supõe que o que interessa não é o poder da tecnologia médica de alcançar os resultados previstos, mas o de determinar se está sendo aplicada o que agora se conhece como uma boa atenção médica. As avaliações se fundamentam em considerações como o grau de adequação, integridade e minuciosidade da informação obtidas através da história clínica, do exame físico e de provas diagnósticas; a justificativa do diagnóstico e do tratamento; a competência técnica na aplicação dos procedimentos diagnósticos e terapêuticos, inclusive os cirúrgicos; as provas de manejo preventivo do paciente em condições de saúde e doença; a coordenação e continuidade da atenção; o grau em que a atenção resulta aceitável para o destinatário, dentre outros. Este enfoque requer a especificação das dimensões, dos valores e das normas que serão usados na avaliação. Os resultados da qualidade obtidos sobre esta base são menos estáveis e definitivos do que os derivados da avaliação dos resultados. No entanto, podem ser mais pertinentes sobre a questão da qual se ocupa: estabelecer se está se praticando corretamente a medicina (DONABEDIAN, 1992). O uso dos resultados como critério para avaliar a qualidade da atenção médica oferece muitas vantagens. Poucas vezes se questiona a validade de utilizar os resultados como dimensão da qualidade. Tampouco a estabilidade e validade dos valores de recuperação, restauração e sobrevivência deixam dúvidas na maioria das situações e culturas. Por outro lado, os resultados tendem a ser bastante concreto e, como tais, sujeitos, aparentemente, a uma medição mais precisa. Se alguns resultados são, em geral, fáceis de medir sem dar margem a erros, a medição de outros, que não foram definidos com precisão, pode ser difícil. Entre estes se incluem a atitude e a satisfação dos pacientes, a readaptação social e a reabilitação física. Os resultados, à medida que são considerados em conjunto, poderiam ser indicativos de boa 29 ou má atenção, no entanto, não permitem conhecer em que consistem as deficiências ou vantagens a que se poderia atribuir um resultado determinado. Mesmo com suas limitações, os resultados continuam sendo, em geral, os indicadores definitivos para validar a eficácia e a qualidade da atenção médica (DONABEDIAN, 1992). Azevedo (1991), citando Donabedian, diz que quando se trata de avaliação em saúde, existem dois pontos de vista que tendem a ser discordantes entre si: um utiliza somente os componentes técnicos da ação em saúde e o outro analisa a qualidade das relações interpessoais entre o médico e o seu paciente. Por compreender que a avaliação da qualidade em saúde é por demais complexa, Donabedian (1990), através da denominação “os sete pilares da qualidade em saúde”, define os atributos da qualidade em saúde: • Eficácia – é a capacidade do cuidado, assumindo sua forma mais perfeita de contribuição para a melhoria das condições de saúde; • Efetividade – o quanto que as melhorias possíveis nas condições de saúde são de fato obtidas; • Eficiência – a capacidade de obter a maior melhoria possível nas condições de saúde com o menor custo provável; • Otimização – a mais favorável relação entre custo e benefício; • Aceitabilidade – conformidade com as preferências do paciente, no que concerne à acessibilidade, à relação médico-paciente, às comodidades, aos efeitos e aos custos dos cuidados prestados; • Legitimidade – conformidade com as preferências sociais relacionadas a tudo anteriormente mencionado; • Eqüidade – igualdade na distribuição do cuidado e seus efeitos sobre a saúde. Donabedian defende que a qualidade dos serviços de saúde pode ser avaliada sob três diferentes enfoques: • a visão dos prestadores de serviços de saúde; 30 • a visão dos usuários; e • as prioridades consideradas pela sociedade. A avaliação da qualidade, analisada ao mesmo tempo sob estes três enfoques, pode apresentar discrepâncias, por isto deve ser avaliada de forma distinta o peso que deve ser atribuído a cada um desses três enfoques (NOGUEIRA, 1997). Merecem destaques dois pontos colocados por Donabedian: o primeiro se refere à relação médico paciente como componente do atributo da qualidade em saúde, componente esse que é atributo da Aceitabilidade; e o segundo é quando se defende que a avaliação da qualidade dos serviços de saúde pode ser efetuada, também, através da visão do prestador de serviços de saúde. Esse último ponto é corroborado por Vieira e Carvalho (1999), quando defendem que seria interessante para a área da qualidade a investigação da percepção do que é qualidade para determinados grupos com fortes culturas corporativas. Como é sempre caracterizado o grupo de profissionais médicos. Já Falk e Carvalho (1999) comentam que a avaliação da qualidade dos serviços de saúde, não levam em consideração a inter–relação pessoal (relação médico-paciente) prestada pelo médico no ato de atender, mas tão somente a qualidade técnica do tratamento. Ao mesmo tempo, Zenke e Chaaf (1991) dizem que os pacientes baseiam suas percepções nos pontos em que se sentem mais qualificados para julgar. O que é consistente segundo Lim e Zallocco (apud FALK; CARVALHO, 1999) com o comportamento de consumidores que se encontram em posição inferior para avaliar produtos ou serviços que sejam tecnicamente complexos, optando por utilizar outras dimensões que não as técnicas para efetuar a sua avaliação. No caso da relação médico-paciente, a assimetria oriunda da força e do poder do médico, e, no caso da doença, a fragilidade do paciente, que torna a relação desproporcional (SILVA, 1997), fazem com que os pacientes então, de acordo com Lim e Zallocco (apud FALK; CARVALHO, 1999), tendam por avaliar esta relação por outras dimensões que não as técnicas. Fica o questionamento feito por Donabedian (1992), quando fala: (...) a exploração conceitual do significado de qualidade, em função das dimensões da atenção e dos seus valores, necessitam estudos empíricos sobre as dimensões e valores predominantes de determinados grupos (...) pouco se 31 sabe a respeito da forma como os médicos definem a qualidade, e também não se conhece a relação entre o exercício profissional do médico e sua própria definição de qualidade. Sendo este um importante campo de pesquisa tanto para a educação médica, como para a qualidade. Os estudos empíricos do processo de atenção médica, também devem contribuir muito para a identificação das dimensões e dos valores que se devem incorporar na definição de qualidade (DONABEDIAN, 1992, p.328). 2.2 Breve História da Profissão Médica e suas Concepções A história da medicina e da profissão médica é uma junção de concepções heterogêneas de religiosidade, ciência, poder, compromisso social e economia. Desenvolvida ao longo dos tempos, e, conseqüentemente, das civilizações, a medicina e a profissão médica, principalmente esta última, tem a sua iniciação com o surgimento dos primeiros agrupamentos humanos e segue na trilha dos mercados da Antigüidade, das caravanas, das epidemias, das guerras, das lutas de classe, da organização do Estado, do desenvolvimento científico e tecnológico da humanidade e da complexidade crescente do exercício profissional (AKEL, 1993). A sua evolução pode ser acompanhada através da história das religiões, das guerras santas e das ordens religiosas. Segue também o curso das transformações geopolíticas do velho mundo, da descoberta e da colonização do novo mundo. Está associada à história das relações do trabalho, desde o aparecimento das corporações de oficio, à revolução industrial, ao desenvolvimento das cidades, à criação dos sindicatos, ao surgimento das caixas de aposentadorias e pensão e aos institutos de previdência social (AKEL, 1993). A história da profissão médica é um mosaico de luzes e sombras, de desconhecimento e conhecimento, de liberdade e prisão. Um fascinante enredo de medo e proteção divina, de sofrimento e tecnologia, de misericórdia e negócios, de solidão e solidariedade (BABINI, 2000; PIÑERO, 2000). Nos tempos atuais a medicina e a profissão médica que vêm sofrendo grandes transformações em face de sua grande expansão e do rápido desenvolvimento tecnológico, que tem como conseqüência o surgimento de uma nova gama de especialidades. 32 2.2.1 O Conceito de Profissão A etimologia da palavra profissão se refere ao ponto distintivo dos profissionais, que é precisamente seu compromisso público (FERREIRA, 1995). Em latim “professio” era a declaração pública de algo; a manifestação aberta do que é e as intenções que tem. Com isto indicava e assumia um compromisso diante da sociedade (GONZÁLEZ, 1998). Porém, existem divergências acerca de quais são as verdadeiras profissões, quando surgiram e que características possuem. Nos dias atuais, são consideradas profissões um grande número de atividades que em outros tempos seriam denominados ofícios. Isto, devido à forma de organização dessas muitas atividades típicas de organizações profissionais. Para Machado e Rego (1996) citando teóricos da sociologia das profissões como Freidson (1978), Larson (1977), Wilensky (1970), Moore (1970), Goode (1969), dois atributos são essenciais e incontestáveis para se definir uma atividade humana como atividade profissional, quais sejam: a existência de um corpo específico de conhecimento de acesso restrito, fechado e controlado pelos praticantes do mesmo oficio; e a orientação para um ideal de serviços, outorgando a esses profissionais reserva de mercado. Por outro lado, González (1998) define como características essenciais de uma profissão: • a existência de uma aprendizagem regulamentada e socialmente reconhecida, ou seja, de um núcleo de conhecimento próprio; • orientação prioritária de serviço à coletividade; e • autonomia para definir, organizar e regulamentar, sem interferências exteriores, o próprio trabalho. Nesse sentido, quando se compara a relação de profissões tradicionais, elaborada por Machado (1991) com as definições de Freidson (1978), Larson (1977), Wilensky (1970), Moore (1970), Goode (1969) todos citados por Machado e Rego (1996), e a produzida por González (1998), verifica-se que a profissão médica se insere nas duas relações, assim como o 33 direito e o clero, de modo que todas as peculiaridades sociológicas das profissões são derivadas de suas características fundamentais. Para González (1998) isso ocorre, por exemplo, com a auto-regulamentação de admissão, a existência de mecanismos de licenciatura, a criação de seus próprios protocolos de exercício profissional e a necessidade de uma ética profissional. Para Machado (1991) dois componentes do projeto profissional são fundamentais para a sua estabilização: o mercado potencial para o serviço profissional que são os consumidores ou a clientela, e a base cognitiva a qual essa atividade esta ligada (saber especializado). Através desses dois componentes desenvolvem-se: - uma organização política com fins reivindicatórios para a obtenção e legalização dos interesses corporativos; – o monopólio profissional; e – o código de ética profissional, que é responsável pela linha de conduta dos profissionais e por sua postura perante a sociedade. Da mesma forma, pode-se citar Max Weber (apud GONZÁLEZ, 1998) que diz que a profissão é antes de tudo uma forma de monopólio. Com base na teoria de Weber, Jeffrey Bertalant (apud GONZÁLEZ, 1998) descreve o processo de profissionalização de uma atividade nas seguintes etapas: • criação de um serviço; • separação da prestação do serviço da satisfação do usuário; • criação de uma escassez reduzindo a oferta e ampliando a demanda; e • controle de privilégios por meios legais, como licenças, restrição de admissão, eliminação de competência interna e desenvolvimento de uma solidariedade grupal. Diante dos pontos colocados pelos autores citados, acreditamos seja desnecessário tecer algum tipo de comentário complementar, uma vez que ao analisar a profissão médica podemos perceber que esta se enquadra em todos os pontos citados. Chama, ainda, atenção um dos pontos citados por Bertalant (apud GONZÁLEZ, 1998) como componente do processo de especialização, que é a separação da prestação do serviço da satisfação do usuário, o que de início causa estranheza, porém ao se analisar os outros componentes do processo de profissionalização percebe-se que o mesmo se encontra atrelado aos 34 demais, de forma que se complementam na sua essência, e que a inexistência de um dos componentes frustraria o processo de profissionalização de uma atividade ou ofício. No que diz respeito diretamente a profissão médica, existe ainda uma relação de características do profissional médico, elaborada por Talcott Parsons (apud GONZÁLEZ, 1998): • Universalismo – o tratamento dispensado deve ser igual para todos, sem distinção de raça, sexo, idade, nacionalidade etc; • Especificidade funcional – representar a autoridade máxima a que se pode recorrer na especialidade correspondente; • Neutralidade afetiva – controle das relações afetivas com o paciente, evitando utilizá-las para fins impróprios ou desonestos; • Orientação para a coletividade – se espera que o trabalho dos médicos não tenha como fim conseguir dinheiro, por isso se fala de honorário em vez de pagamento ou salário. Chama-se honorário por ser quantidades que se outorgam para honrar um trabalho e como reconhecimento de um beneficio que não tem preço. Este último item em especial chama atenção em virtude de seu distanciamento com a realidade atual em que temos a classe médica submetida a empregos públicos ou privados, como qualquer outro profissional, e bem distante do ideal, de existir como profissional liberal, quando do início da organização profissional e como reflexo da Revolução Francesa que repercutiu de várias maneiras em todo o mundo. Do exposto anteriormente, e com base nos autores citados, percebe-se que os componentes fundamentais de uma profissão são os seguintes: • Conhecimentos específicos – que são transmitidos ou adquiridos com base em procedimentos legais estabelecidos; • Organização própria – com escolas, colégios e associações, e nos dias atuais, também, sindicatos; • Ética profissional – que amplia a ética e a legalidade geral. 35 Os três componentes anteriores são inseparáveis e exercem influência mútua além de evoluir conjuntamente. Por outro lado, não se pode, também, esquecer que em distintos momentos históricos as profissões gozam de diferentes níveis de reconhecimento social e de influência associativa. Definindo, dessa forma, de acordo com o contexto no qual se encontram inseridos e a sua forma de organização, a sua função social e o seu papel na sociedade. No caso específico da profissão médica, ter-se-á a oportunidade de perceber de que forma isto ocorre ao se realizar uma síntese do seu desenvolvimento histórico e se reconstituir, na medida do possível, a sua função na sociedade na qual se encontrava inserida. 2.2.2 O Desenvolvimento Histórico da Profissão Médica O caráter singular e especial da medicina torna difícil sua classificação no quadro geral dos conhecimentos científicos. Para Babini (2000) cabe descartá-la como ciência exata, visto que, por mais importante que seja o rigor das análises e medições, elas, ainda que indispensáveis, não são senão recursos auxiliares; por maior que seja o apoio prestado pelas estatísticas, é claro que nenhum paciente reage como homem médio. Na medicina, ao contrário de outras ciências, a investigação é centrada em um aspecto muito singular da realidade humana: a doença (enfermidade), quando o paciente deixa de ser um ente abstrato e prescindível. O enfermo, além de ser a justificativa do médico e da medicina, é um ingrediente diferenciador, por ser o objeto vivo e concreto da própria investigação. Pode-se dizer que a singularidade científica da medicina reside no papel que ela desempenha diante do homem. Ademais, diferentemente das outras ciências em que o pesquisador é atraído por um único pólo, seu objeto de pesquisa, na medicina oscila entre dois pólos: a enfermidade e o enfermo; significa dizer entre o nosológico, o teórico e o abstrato, e o paciente, indivíduo ou coletividade, ente concreto que atua e intervém na pesquisa (BABINI, 2000). Deve ser frisado o fato de que o próprio médico desempenha papel duplo: o de pesquisador e o de ser humano. 36 Por outro lado, cabe ressaltar a singular inter-relação entre médico, paciente e enfermidade que está presente na medicina e o caráter de sentimento humano que envolve esta relação, proporcionando que, influenciada por esta inter-relação, a história da medicina e da profissão médica reflita uma série de questionamentos, tanto no que se refere ao progresso realizado na própria atividade específica, mediante análises de teorias e métodos, de escolas e figuras, como também dos modos de atuar do meio social sobre a arte de curar, de acordo com a concepção que cada tempo e lugar tem do paciente e da doença, do papel designado ao médico, e da missão confiada à medicina (BABINI, 2000; PIÑERO, 2000; GONZÁLEZ, 1998). a) Conceitos e Tipos de Sistemas Médicos A medicina é o resultado do enfrentamento da sociedade contra as doenças na tentativa de curá-las ou aliviá-las, prevenir sua aparição e favorecer a saúde. Porém, deve-se evitar de reduzir a medicina ao hegemônico, isto é, a medicina praticada no mundo desenvolvido, a medicina científica moderna. A observação da sociedade basta para comprovar a existência de outras formas de medicina, que correspondem ao folclore, à cultura popular, aos tipos de medicina procedente de tradições distintas da Europa e do Oriente que são vertentes médicas de diversas ideologias religiosas, filosóficas e políticas (PIÑERO, 2000). Este autor distingue, ainda, dois grandes grupos de sistemas médicos, quais sejam: os sistemas médicos fundados nas crenças, magia e religião empírico-religiosos; e os racionais ou científicos. De modo esquemático e considerando-se a cultura e o tipo de sociedade em que se encontra inserido cada tipo de sistema médico, pode-se dizer então que os sistemas empíricoreligiosos têm o seu surgimento nas sociedades pré-urbanas (medicina pré-histórica e primitivas) e urbanas arcaicas (medicina arcaica egípcia, mesopotâmica, pré–colombiana etc.). Os sistemas racionais fundamentados na forma tradicional de conhecimento científico e que procedem das sociedades urbanas clássicas como Índia, China e Grécia. E, por fim, a medicina científica moderna com o seu sistema desenvolvido na sociedade urbana moderna da Europa Ocidental. 37 O pluralismo e a coexistência de vários sistemas médicos é um fenômeno presente na prática da medicina das sociedades atuais, desde as mais desenvolvidas até as que continuam vivendo em condições “primitivas” (PIÑERO, 2000). Babini (2000) diz que para fins didáticos a medicina pode ser classificada como sendo: – não científica ou científica. Para o autor, a medicina não científica pode ser entendida como: (...) as formas que adotam a arte de curar quando não se funda exclusivamente na concepção de enfermidade como um fenômeno natural, cuja origem o homem sente em seu próprio corpo ou no mundo de coisas que o cercam (BABINI, 2000, p. 15). Dessa forma, cabe ressaltar, ainda, uma subdivisão para a medicina não científica: • a medicina dos povos primitivos – atuais ou não – de fundo mágico ou mágico religioso; • a medicina arcaica de índole pré-científica, anterior ou não à medicina científica, porém com alguns pontos comuns a ela; e • a falsa medicina que se nutre de superstições ou de pontos sem fundamentos oriundos do folclore médico – esta em certo sentido é eterna. Tanto Babini (2000) como Piñero (2000) concordam que a medicina primitiva deve ser enquadrada na mentalidade e no mundo do primitivo; é um mundo onde a coletividade e o indivíduo, estão rigidamente unidos numa estrutura que reforça e consolida as práticas mágicas. Nesse mundo, o feiticeiro, o bruxo, o xamã são diferentes do médico dos dias atuais, são entidades que se assemelham mais com um sacerdote a quem o enfermo se entrega totalmente. É uma medicina mágica religiosa que não possui fundamentos em conhecimentos, e sim em uma participação total do enfermo e do médico bruxo nas coisas em que reside o mal e naquelas que o bruxo está em condições de combater e destruir. Ou seja, a magia preside o ato curativo, o diagnóstico surge de atos de adivinhação, de sonhos, estados de transe, de consultas astrológicas, do vôo das aves ou vísceras de animais sacrificados. Há, também, o que poderíamos chamar nos dias de hoje de anamnese, visto que eram feitas perguntas, e a observação do enfermo, como em uma consulta médica contemporânea (BABINI, 2000; PIÑERO, 2000). 38 O tratamento possui duas vertentes. Uma vertente de fundo religioso em que se empregam exorcismo e orações, e orienta o paciente para que faça uma série de penitências. E uma outra que se utiliza de amplo espectro de remédios naturais, da ação terapêutica do calor, da água ou de massagens que curam feridas, corrigem e imobilizam as fraturas e realizam operações cirúrgicas de variada importância (BABINI, 2000; PIÑERO, 2000). É conveniente frisar a inseparável associação das crenças mágico-religiosas e da prática às cegas em cada aspecto da medicina primitiva. b) O Médico e a Medicina Arcaica Os primeiros textos de conteúdo médico aparecem nas mesmas culturas que criaram a escrita, em especial no Egito e na antiga Mesopotâmia. São as chamadas culturas arcaicas, que se caracterizam pela existência de cidades, pelo funcionamento da economia, pela formulação de normas legais e pelo avanço técnico, sobretudo na engenharia e construção. Dentro dessa visão são consideradas como arcaicas as culturas do Oriente Próximo (hititas, fenícia, hebrea etc.), algumas européias, como a etrusca, as mais desenvolvidas da América Pré-Colombiana, sobretudo a Maia, a Asteca e a Inca, assim como as várias existentes na Índia, China e Grécia, em épocas anteriores as suas respectivas culturas clássicas (BABINI, 2000; PIÑERO, 2000). A luta contra as doenças alcançou nas culturas arcaicas um notável grau de complexidade. Em quase todas elas houveram vários tipos de “curadores” muito diferenciados, que desenvolveram práticas curativas e, inclusive, acumularam observações clínicas. Mas, não há dúvidas que a medicina continuou quase exclusivamente fundamentada na associação do empirismo com as crenças mágicas e religiosas, ficando limitados seus fundamentos racionais a poucos esboços ou delineamentos da razão (BABINI, 2000; PIÑERO, 2000). No Egito arcaico, os enfermos eram cuidados por três tipos de “médicos”: – os sacerdotes da deusa da saúde; – os magos e – os médicos escribas. Os médicos escribas possuíam uma formação até certo ponto laica, podiam ser mulheres e estavam enquadrados em uma organização com grande variedade de cargos. Durante o Império Antigo, era habitual 39 que se dedicassem a campos especializados: “oculista”, “médico de ventre”, “dentista” e outras especialidades. Ainda, no palácio real, os médicos estavam organizados de forma hierárquica, alguns dos quais ocupavam ao mesmo tempo cargos administrativos e religiosos (PIÑERO, 2000). Segundo Babini (2000), a arte de curar estaria, também, a cargo de três personagens distintos: o médico, o sacerdote e o feiticeiro. A doença era considerada como um sinal de um desequilíbrio desse mundo tão complexo e instável, uma ofensa aos deuses, uma vingança de algum espírito inimigo. O doente procurava o sacerdote ou o feiticeiro que se portava segundo as normas da medicina mágico-religiosa. Por outro lado, a medicina dos povos mesopotâmicos – sumérios, acadios, babilônios, assírios – manteve-se na etapa médico-religiosa ou teocrática, pois as doenças eram tão somente sinais do desgosto dos deuses, em cujas mãos estavam o bem e o mal. Haviam sacerdotes consagrados ao diagnóstico das doenças, mediante a adivinhação e o interrogatório ritual dos pacientes, e outros que se dedicavam ao tratamento, principalmente, com a prática do exorcismo. Somente os "médicos" de segunda categoria, uma espécie de cirurgiões barbeiros, eram laicos e por sua vez estavam submetidos a uma legislação terrivelmente dura. A eles estava dedicado uma série de artigos do Código de Hammurabi, indicando os honorários (em caso de êxito) distintos segundo a casta social e a sanção que chegava até a mutilação da mão, no caso de fracasso. O código não menciona os sacerdotes médicos em face de sua origem sacerdotal e o caráter mágico de suas práticas (BABINI, 2000; PIÑERO, 2000). c) O Médico e a Falsa Medicina ou Folkmedicina As medicinas pré-histórica e primitiva parecem estranhas a primeira vista, pelo distanciamento no tempo e no espaço. Todavia, em nossa sociedade tida como desenvolvida, as crenças e as práticas populares, relativas à saúde e às doenças, possuem, em grande parte, fundamentos e conteúdos semelhantes. Na maioria dos casos de medicina popular há interpretações de doenças fundamentadas em fenômenos mágicos e religiosos, como as bruxarias e feitiços, a possessão 40 pelo diabo, e o castigo divino como conseqüência de um pecado ou a praga feita por pessoa com poderes extraordinários (PIÑERO, 2000). A falsa medicina não exclui a observação de causas naturais, ainda que suas relações com as enfermidades possam ser arbitrárias. O diagnóstico recorre a formas de adivinhação tão variadas como as da medicina primitiva. No caso da terapêutica, combinamse métodos mágicos e religiosos com o emprego de massagens, banhos e uma série de produtos naturais, sobretudo vegetais, com propriedades curativas reais ou imaginárias. Outros elementos da falsa medicina têm sua origem na assimilação, por parte de cada povo, de aspectos de culturas com que tiveram contato ao longo de sua história, desde as mais antigas até as mais recentes. Algumas práticas são pontos de religiões pagãs ou componentes mais ou menos ortodoxos do cristianismo, do judaísmo ou do islamismo (BABINI, 2000; PIÑERO, 2000). A falsa medicina constitui um capítulo teórico importante e também uma questão de grande relevância para a prática médica já que é indispensável tê-la em conta para a organização eficaz da atenção à saúde. Uma vez que, sem que o médico conheça o vocabulário popular relativo ao organismo, doenças e a suas curas, o médico não pode sequer se comunicar com seus pacientes. E se esse médico deseja que as suas indicações terapêuticas sejam respeitadas e possuam resultados eficazes, deve conhecer as atitudes, idéias e costumes populares relacionados à medicina (BABINI, 2000; PIÑERO, 2000). Do exposto, fica a certeza de que não é fácil refutar preconceitos, nem mesmo com argumentos que possam parecer lógicos, por se fundamentarem nos achados e descobertas da medicina, no qual o doente desempenha um papel importante no problema da saúde e da doença. d) O Médico e a Medicina Científica A medicina, como saber científico, nasce do conhecimento da natureza e de fenômenos que prescindem aos fatores mágicos ou religiosos, resultantes do esforço realizado pelos filósofos gregos do século VI a.C. Se filósofos como Tales de Mileto não se ocuparam em especial da medicina, o novo espírito que impregnou suas especulações acerca da natureza 41 e seus fenômenos influenciaram sem dúvidas as mentes interessadas e preocupadas com os problemas da saúde e da doença (BABINI, 2000; PIÑERO, 2000). Uma influência mais direta pôde exercer a escola de Pitágoras ou dos pitagóricos: filósofos e matemáticos, místicos e políticos. O espírito de rigor e de harmonia que lhes proporcionava o conhecimento matemático, o sentido de pureza do corpo e da alma abrigado por seu sentido místico e religioso, tudo conduzia a envolver as concepções acerca da saúde e da enfermidade do corpo e suas funções, com a de uma nova atmosfera que daria lugar ao conceito, ainda vigente, da saúde como harmonia e equilíbrio, e a doença como desordem. E com ela, a exigência de conservar a harmonia, adotando adequadas normas de vida e de sua restauração, no caso de sua alteração, utilizando os recursos da medicina, convertida, assim, em um campo de investigação. Ao mesmo tempo, o médico assume funções de contornos éticos (BABINI, 2000; PIÑERO, 2000). e) O Médico e a Medicina na Grécia e em Roma As primeiras escolas de medicina racional se organizavam livremente em torno de um mestre reconhecido. Não existiam instituições estatais, nem mecanismos de licenciatura do exercício médico. Nesta época, começou a existir uma consciência de que a medicina e a profissão médica pertenciam a uma classe diferenciada de profissão, possuidora de fundamento racional. Assim, na obra hipocrática sobre a enfermidade sagrada, fala-se dos charlatões e conjuradores que usavam encantamentos e tratavam a epilepsia como uma doença sagrada competindo com os médicos laicos (GONZÁLEZ, 1998). Nesse mesmo período surge o médico, artesão que exercia livremente a medicina em troca de um salário. Existiam também médicos itinerantes que montavam pequenos consultórios e os médicos públicos, os quais algumas cidades contratavam por um salário fixo (BABINI, 2000; PINERO, 2000; GONZÁLEZ, 1998). Inicialmente, os médicos hipocráticos praticavam, também, a cirurgia e tinham uma categoria social modesta. Foram elevando sua posição à medida que adquiriam um maior fundamento filosófico-teórico e desprezaram o trabalho manual, próprio das classes mais baixas. Alguns médicos se organizaram em corporações, que se conduziam por normas de 42 comportamento ou normas “éticas”. De outro lado, a proliferação das escolas médicas, durante o período romano, introduziu a fragmentação que limitou, durante um tempo, o desenvolvimento profissional dos médicos. Sob esse aspecto, uma mudança importante no pensamento médico originou-se com Galeno de Pérgamo, que possuía ampla formação médica e filosófica, cuja importância histórica, deve-se à elaboração sistemática da medicina clássica grega, que se manteve vigente durante toda a Idade Média e nos primeiros tempos da Idade Moderna (PIÑERO, 2000). A saída dos médicos gregos de Roma, frente à necessidade de dispor de médicos práticos e cirurgiões militares, levou os romanos a criarem, para o atendimento de suas necessidades, escolas médicas oficiais que funcionaram até aos primeiros tempos do cristianismo. A partir de então, os romanos contribuíram para a medicina no ensino, e na organização dos serviços sanitários e de saúde pública, como também, na criação de enfermarias para militares e enfermos pobres, que mais tarde originaram os primeiros hospitais (BABINI, 2000; PIÑERO, 2000). f) O Médico e a Medicina na Idade Média A atividade médica no período medieval, em termos de produção literária e de pesquisa, tem presença diferenciada no ocidente e no oriente. Enquanto que no ocidente a atividade foi decrescendo, em franca paralisia, até chegar na primeira metade do século VIII, por outro lado o oriente viveu um período de crescente desenvolvimento do saber médico, chegando a influenciar, no final da era medieval, o mundo ocidental cristão (BABINI, 2000; PIÑERO, 2000). A partir do século VII, no mundo latino, a medicina se enclausura, e se concentra nos conventos, e durante vários séculos associa-se à religião, sobre uma concepção própria de saúde e doença. Para o cristão ocidental só a alma e suas enfermidades interessam, o corpo só deve ser cuidado por ser o depositário da alma, que é o que vale em termos religiosos. O médico e os medicamentos são recursos auxiliares secundários: a igreja é o hospital que acolhe e cuida dos enfermos; a prece é o medicamento mais eficaz. Essas concepções cristãs unidas ao folclore médico, a algumas práticas empíricas e a escassos conhecimentos antigos 43 que os mosteiros conservaram em manuscritos foram a base da medicina dos conventos (BABINI, 2000; PIÑERO,2000). O oriente neste período assiste ao nascimento da chamada “ciência árabe” como o conjunto de estudos e pesquisas de temas científicos, desenvolvidos na área dominada pelo Islã, independentemente da nacionalidade e religião dos pesquisadores (BABINI, 2000). O mundo árabe ou islâmico foi o cenário fundamental do cultivo da medicina e da ciência durante boa parte da Idade Média. Inicialmente, assimilou o saber médico de origem grega, combinando esse conhecimento com alguns elementos da medicina clássica hindu. A partir do século X, os autores islâmicos desenvolveram e enriqueceram de forma notável a medicina clássica, de origem grega, ainda que tomassem por base os pressupostos de Galeno, os árabes os ordenaram dentro de uma rigorosidade lógica (PIÑERO, 2000). Na cidade, italiana, de Salermo foi criada o primeiro núcleo médico laico, da Europa Medieval. Sua importância se deve, fundamentalmente, ao fato de iniciar a incorporação do saber médico clássico de origem grega. A plena assimilação da medicina grega e do seu desenvolvimento por parte dos árabes não foi possível na Europa até as traduções das mais importantes obras médicas gregas e islâmicas. Todas as traduções serviram de base ao desenvolvimento da medicina nas universidades européias durante os últimos séculos medievais (PIÑERO, 2000). Durante a Alta Idade Média européia a medicina foi uma ocupação sem titulação e sem ensino regulamentado, o mesmo que na Antigüidade Clássica e Islã Medieval. A constituição da Profissão Médica na Europa, na Baixa Idade Média foi condicionada por profundas mudanças socioeconômicas e políticas da época, assim como a assimilação do saber médico grecoárabe. A primeira regulamentação de titulação foi promulgada em 1.140 d.C., por Rogério II da Sicília, que estabeleceu em seu reino a obrigatoriedade de um exame oficial para o exercício da medicina, influenciado, seguramente, pela Escola de Salermo. Um século mais tarde Frederico II regulamentou o ensino médico dispondo que os aspirantes ao título deveriam cursar três anos de estudos preparatórios e cinco de medicina em Salermo e praticar durante outro ano junto a um médico que funcionava como um mestre prático. Ainda assim, era necessário se submeter a um exame oficial como requisito para o exercício da medicina (PIÑERO, 2000). 44 Nas regulamentações que surgiram posteriormente no resto da Europa, o ensino médico ficou restrito às universidades que haviam nascido como conseqüência do processo de assimilação dos saberes grego e árabe. A princípio foram agrupações de mestre e discípulos semelhantes a outras corporações ou agremiações de pessoas do mesmo oficio. Porém, devido à importância de suas funções para o poder civil e eclesiástico, fez com que muito rapidamente fossem controlados pelos monarcas e necessitassem de um privilégio pontifício para que seus estudos fossem válidos em todos os países cristãos. A sua organização continuou a ser influenciada pela tradição do mundo clássico, que depreciava o trabalho manual. Isto permitiu que os médicos, como “homens de saber” e membros de uma classe social superior, estudassem nas universidades e tivessem títulos profissionais. Por outro lado os cirurgiões foram excluídos das universidades e tiveram sua ocupação definida como artesanal devido a sua formação e posição social (PIÑERO, 2000). Porém, na Europa, os profissionais universitários atendiam somente a um reduzido setor de classe social alta. E, para atender ao grosso da população, continuou existindo um conjunto de médicos empíricos, especialistas itinerantes, parteiras, cirurgiões barbeiros e boticários que até o final da Idade Média podiam se associar em grêmios. Estes grêmios também controlavam e restringiam o exercício médico oferecendo a garantia de idoneidade e o bom comportamento dos seus afiliados (BABINI, 2000). g) O Médico e a Medicina na Idade Moderna Para Piñero (2000), o Renascimento pode ser caracterizado como um período de transição entre a medicina medieval e a medicina propriamente moderna. Babini (2000) comenta que, para fins da evolução da medicina, o período renascentista deve ser considerado a partir do final do século XV ao início do século XVII. Neste período: (...) as universidades facilitaram a formação dos médicos, cujo número aumentou consideravelmente, e contribuíram para atenuar o encicopledismo medieval sem chegar, porém a especialização. Filósofos, humanistas, astrônomos etc., eram, também médicos e os médicos eram filósofos, humanistas, astrônomos (...). (BABINI, 2000, p. 57). Porém, o período renascentista não trouxe mudanças nas categorias sociais dos profissionais da medicina, em cujo topo estavam os médicos doutores com seus títulos 45 universitários que receitavam, davam aulas, escreviam e se consultavam entre si em latim; em seguida vinham as parteiras que detinham o monopólio na obstetrícia, exceto nas altas camadas, nas quais os partos eram realizados pelos médicos; os cirurgiões vinham em seguida, e continuava a não ter formação acadêmica, por isso eram tidos como ignorantes; e finalmente os mestres barbeiros que extraiam dentes, operavam catarata e realizavam operações menores. Entre os cirurgiões de destacavam os cirurgiões militares que haviam adquirido uma importância especial devido às guerras, ao aparecimento das armas de fogo e à novidade que representavam as feridas provocadas pelas novas armas (BABINI, 2000; PIÑERO, 2000). Durante o Renascimento e os séculos XVI e XVII, desenvolveu-se um processo que acabou deslocando a consideração cristã do doente e justificando a assistência médica prestada pelo Estado, isso porque o Estado necessitava dispor de uma população produtiva, principalmente pela influência exercida pelo mercantilismo. Paralelamente se desenvolveu uma organização assistencial, em substituição a fundamentada na caridade, por uma assistência governamental laica (PIÑERO, 2000). Segundo Ribeiro (1993) a figura do médico: (...) aparece com o Estado, indissociavelmente ligado a um outro tipo de poder que não era clerical, com funções delegadas pela autoridade pública. Passara a ser competência exclusiva sua: examinar, internar, prescrever e dar alta (RIBEIRO, 1993, p. 24). Por outro lado, a regulamentação da titulação e o controle do exercício profissional se desenvolveram no século XVI dentro do marco das atividades governamentais cada vez mais complexas no nascente Estado Moderno. Ela se reflete na forma de organização, influenciada que foi pelas organizações existentes nos reinos hispânicos que devido à posição hegemônica que detinham influenciou de forma distinta toda a Europa. Deste modo para realizar o exame que facultava o exercício profissional, os médicos deveriam ter estudado em cursos universitários estritamente regulamentados. Após obter o grau de bacharel em “artes” (estudos científicos e humanísticos preparatórios), deviam cursar quatro anos de medicina em uma “universidade aprovada” e praticar durante dois anos acompanhando médicos aprovados. Já os cirurgiões para realizarem os exames, tinham somente que apresentar testemunhas de haver praticado durante quatro anos “em algum 46 hospital onde houvesse cirurgião aprovado, ou em alguma cidade ou vila onde houvesse tal cirurgião aprovado” (PIÑERO, 2000, p. 111). Ainda que os cirurgiões não possuíssem ensino regulamentado, em algumas cidades como Valência existiam escolas de cirurgia, a cargo de médicos universitários onde recebiam uma formação mínima (PIÑERO, 2000). h) O Médico e a Medicina na Idade Contemporânea A separação tradicional entre médicos e cirurgiões se aprofunda, ainda mais, na maior parte dos países europeus durante o século XVII. Após a conquista de uma posição privilegiada de profissional universitário, o médico havia chegado a depreciar abertamente tudo que significasse trabalho manual. Segundo textos da época o médico não deveria cortar, nem queimar, colocar emplastos, coisas que seriam contrárias a dignidade de um médico racional, uma vez que para isso existiam os cirurgiões. As circunstâncias que condicionavam a separação entre médicos e cirurgiões mudaram no século XVII, sobretudo porque o baixo nível da cirurgia resultava prejudicial para os interesses das monarquias absolutas governadas de acordo com os princípios do despotismo ilustrado. Os cirurgiões barbeiros com nenhuma ou pouca instrução eram incapazes de responder às exigências estabelecidas pela nova organização do exército, da navegação e dos hospitais (PIÑERO, 2000). Não é, portanto, nada estranho que a definitiva separação entre barbeiros e cirurgiões e a transformação dos cirurgiões em profissionais de prestígio parta de Luís XV da França, que em 1731 criou a Real Academia de Cirurgia. Na década seguinte, a Academia foi equiparada à Faculdade de Medicina, do ponto de vista do ensino, com autoridade, inclusive, de conceder título de doutor. O modelo francês foi imitado por quase todos os demais países europeus. Sem dúvida, a conseqüência mais importante da reforma foi um extraordinário progresso da cirurgia que de prática empírica e aventureira converteu-se em uma técnica solidamente fundamentada (BABINI, 2000; PIÑERO, 2000). A profunda transformação que significou em todos os sentidos a Revolução Francesa se manifestou de forma muito clara, no terreno do ensino médico. A completa ruptura com as instituições possibilitou a criação um novo modelo, cujas características básicas continuam vigentes no ensino médico, de todos os países na atualidade. A mudança 47 revolucionária da organização docente se completou em 1808, com a criação de um novo tipo de universidade em que as escolas se integraram com as faculdades de medicina. O decreto assinado por Napoleão (daí, universidade “napoleônica”) acaba com a separação entre médicos e cirurgiões e vinculado-os aos hospitais (BABINI, 2000; PIÑERO, 2000). Segundo Thorwald (apud RIBEIRO, 1993) o fato de serem os médicos, intelectuais e detentores de um saber mágico, empírico e respeitado, a eles incomodou a convivência com os artesãos tidos como iletrados e ignorantes. Os caminhos percorridos pelos médicos e cirurgiões foram distintos. O encontro dos dois profissionais foi provocado por interesse do Estado e da política, e não, como se poderia supor pelo avanço técnico-científico. Com a unificação das carreiras, em somente uma, estas se tornaram complementares e pilares da escola médica (FOUCAULT, 1998). Durante o século XIX a profissão médica conseguiu progressivamente o monopólio, em quase todos os países, em virtude da intervenção legislativa do Estado. No fortalecimento da profissão desempenharam um papel importante as associações médicas nacionais que foram criadas no século XIX: a American Medical Association (AMA), em 1847; a British Medical Association, em 1856 e a Association Générale des Médicins, em 1867. Estas associações defendiam os interesses dos médicos universitários e também contribuíram para elevar a qualificação dos profissionais. As associações fizeram com que fossem mais exigentes os critérios de admissão, formação e licenciatura, e ainda, tinham como principal justificativa de suas demandas a bandeira da ciência e a obtenção de uma medicina plenamente científica (GONZÁLEZ, 1998). Porém, todos os ganhos profissionais externos não teriam sido possíveis sem as mudanças epistemológicas internas que se produziram na medicina durante a Idade Contemporânea. Em geral, todo o progresso científico da medicina durante o século XIX contribuiu para incrementar a autoridade dos médicos, que passaram a ser vistos como profissionais de primeira linha (BABINI, 2000; PIÑERO, 2000; GONZÁLEZ, 1998). A medicina alcançou, na segunda metade do século XIX, um poder explicativo inédito que estava acompanhado do imenso prestígio, que havia adquirido a ciência contemporânea. E até o final do século a medicina científica ofertou seus primeiros resultados terapêuticos espetaculares (vacinas, soros, cirurgia de grande porte) tudo isso contribuiu para 48 que seu prestígio popular aumentasse de forma exponencial e alcançasse o seu ponto máximo durante o século XX (GONZÁLEZ, 1998). 2.3 A Profissão Médica nos Tempos Atuais Na sociedade de classes pós Revolução Francesa e outras revoluções burguesas, os médicos reafirmaram sua identificação com a nova classe dominante. Foram muitos os que militaram nas filas do liberalismo e se comprometeram na luta política contra os regimes absolutistas. Isto produziu um resultado lógico que no novo contexto sócio-político assumiram os princípios e valores burgueses, entre eles, os pressupostos do liberalismo político e econômico, e que aplicaram no seu próprio trabalho através de normas como o exercício livre da profissão, a escolha livre do médico, por parte do paciente, etc. (PIÑERO, 2000). Ainda no século XIX, segundo Babini (2000), dentro da sua atmosfera, mais propenso à análise que a síntese e, portanto muito voltado às classificações e especializações a medicina, também, experimentou ou sofreu esses efeitos e o médico clínico geral e o cirurgião geral foram gradualmente substituídos por médicos especialistas, dedicados a uma ou mais especialidades ao mesmo tempo em que se fragmentava a medicina. Este fato, conseqüência natural do progresso da medicina, não deixou de ter efeitos benéficos, por um lado, mas sob outro ponto de vista o processo excessivo de especialização retardou uma concepção mais unitária e integral da medicina, do paciente e da doença (BABINI, 2000). O mesmo pensamento é corroborado por González (1998) quando diz que um dos debates mais persistentes na medicina atual é a sua tendência para a especialização, que segundo o autor, leva a uma perda intelectual e humana. Neste sentido, vários são os autores que falam freqüentemente na perda da visão de conjunto e de desinteresse pelo ser humano que pode ter o superespecialista. A divisão do trabalho tem-se mantido no centro da profissão médica, conduzindo no período contemporâneo a constituição das especialidades médicas atuais. 49 A evolução tecnológica e da ciência médica proporcionaram uma verdadeira revolução na geografia do saber científico, que pode ser traduzido pelo surgimento de novas profissões até então não existentes no campo da saúde, onde os avanços tecnológicos ocorridos têm proporcionado, o aparecimento em maior proporção, de especialidades e subespecialidades sofisticadas. O que, por um lado, provocou efeitos positivos na credibilidade da ciência médica, ao mesmo tempo em que produziu uma dependência, por parte do médico, em relação aos recursos tecnológicos quanto a precisão do diagnóstico e terapêutica (MACHADO; REGO, 1996). No dizer de Ribeiro (1993) a superespecialização é resultante dos avanços tecnológicos, em sua grande maioria de origem estrangeira, ou seja, são na maioria dos casos, tecnologias agregadas, sub produtos da investigação em outras áreas. Na atualidade, as condições médicas correspondem ao extraordinário desenvolvimento das ciências e técnicas de saúde, o que ocasiona a dedicação por parte dos profissionais a aspectos determinados da ciência médica. Por outro lado, a acentuada orientação localicista, vigente em boa parte da medicina contemporânea, tem facilitado a subdivisão da profissão médica (PIÑERO, 2000). E como comentado por Babini (2000), não permite a adoção de uma medicina integral e unitária. Devido a todos os fatos relatados, para Piñero (2000) o ensino médico está atravessando uma profunda crise em todo o mundo. Há bastante tempo vem sendo discutida uma reforma para o ensino da medicina, mas devido ao grande número de pontos de vista, até então, não se conseguiu chegar a um modelo adequado às características científicas, técnicas e sociais da medicina atual. Para Machado e Rego (1996) a profissão médica tem visto diminuir o status e o prestígio social alcançado no mundo ocidental. O saber e a prática profissional do médico têm sido questionados pela sociedade em geral, que pressupõe seja o médico responsável pela assistência médica, concepção esta que foi criada pela própria corporação e que devido às suas lutas conquistou o direito de direcionar tecnicamente o processo de trabalho em saúde. Isto ocorre devido ao modelo econômico e assistencial adotado na maioria dos países desenvolvidos ou em desenvolvimento, nos quais os médicos se vêem obrigados a trabalhar como assalariados, sejam do Estado, ou empresas privadas, uma vez que, a assistência médica tornou-se uma atividade de alta complexidade, tanto tecnológica quanto 50 econômica. Nos dias atuais, apesar do monopólio que detém, a profissão médica não pode ser considerada uma profissão liberal, na sua essência, visto que hoje em dia o que persiste é a autonomia na condução do tratamento que, ainda, é direcionado pelos médicos (MACHADO; REGO, 1996). A mesma visão pode ser observada em Siqueira (2002), na medida que, para o autor, o século XX junto com o desenvolvimento da tecnologia biomédica trouxe a redução da credibilidade dos profissionais de saúde frente à sociedade. De forma que os pacientes consideram indiscutíveis os resultados apresentados pelos equipamentos, e não ocorrendo o mesmo com as avaliações efetuadas pelos profissionais médicos. A sociedade observa que na mesma proporção que a tecnologia cresce em importância, temos a diminuição do prestígio médico. Para o autor, tanto os pacientes quanto os médicos, no atual estágio, encontram-se dominados pela tecnociência. Para Machado e Rego (1996) com o avanço tecnológico e o surgimento das novas profissões o trabalho médico passou a ser compartilhado, e por vezes questionado por outros segmentos profissionais, fato que não ocorria em outros tempos. Para os mesmos autores, existe uma crise sem precedentes na prática da medicina que está erodindo a autonomia médica, face ao assalariamento da categoria, à intervenção das políticas públicas de saúde no mercado, à presença acentuada e crescente das corporações de saúde, bem como a evolução tecnológica que amplia infinitamente as possibilidades das ciências médicas e afetam direta e indiretamente a prática profissional da categoria médica, ou seja, sua autonomia profissional. 2.4 O Médico e o Paciente Ao longo dos séculos, o exercício da medicina girou em torno de uma comunhão, mais que uma relação entre médicos e pacientes. Anteriormente, o processo de cura da doença estava relacionado diretamente com a divindade, distribuidora de saúde e doença, por este motivo quem praticava a medicina, especialmente sacerdotes e bruxos, eram vistos pelos pacientes como pessoas muito próximas dos deuses. Este fato gerou uma credibilidade e 51 confiança muito grande em relação aos antigos praticantes da medicina, atributos posteriormente dispensados aos médicos (GONZÁLEZ, 1998). Para Ismael (2002) isto foi resultante da Escola Hipocrática, que pregava uma relação efetiva com o paciente e defendia a necessidade do médico observar e ouvir o paciente. Ressalte-se o fato de que a pessoa doente se encontra sempre fragilizada pela incerteza do seu futuro imediato e que necessita de alguém em que possa confiar, na busca da recuperação da saúde perdida. Estes sentimentos encontravam, em tempos passados, no médico, um receptor cuidadoso, interessado na saúde do seu paciente, a quem além do apoio profissional, terminava por se colocar como amigo. Portanto, não se deve estranhar a empatia que surgia, ao longo do tempo, entre o médico, o paciente e sua família (GAVIRIA, 1999). O avanço tecnológico e o acesso à informação, especialmente na área biológica, proporcionaram a perda de espaço da subjetividade, colocando a relação médico-paciente em segundo plano (LEITE et. al. , 2004). As décadas de 70 e 80, do século passado, foram marcantemente científicas, cujo foco central foi a fisiopatologia e o conseqüente distanciamento do paciente (BALINT, 1999). No entanto, para Charles et al (2000), a melhoria no entendimento dos mecanismos das doenças e as possibilidades de alteração de sua evolução, a comunicação entre o médico e o seu paciente segue como uma das atividades centrais da complexa relação médico-paciente. Para Baeza e Bueno (1997) a comunicação é uma constante no exercício da medicina. Sendo que devido à falta de conhecimento do paciente com a terminologia médica, propicia o surgimento de uma barreira na comunicação entre o paciente e o seu médico, desta forma médicos e pacientes terminam por conversar entre si fazendo uso de vozes diferentes (BOURHIS et al, 1989). Para Carson et al (1998), faria sentido então, dar voz ao próprio paciente. Nos tempos atuais, a deteriorização da relação médico paciente em virtude do grande avanço tecnológico que tem limitado progressivamente o papel do médico no diagnóstico e tratamento da doença, os quais são cada vez mais produto de complexos e caros meios tecnológicos, situação que de fato retira do médico, ante o paciente a imagem do médico onipotente (URIBE, 1999). Outra razão importante para o enfraquecimento da relação médico paciente se encontra na divisão da medicina em especialidades e ao modo de trabalho vigente, uma vez que o 52 ensino médico mantém como paradigma a concepção do organismo humano como um conjunto de órgãos que deve ser estudado cada um por diferentes especialistas (BOTSARIS, 2001). Para Uribe (1999), talvez a razão que mais influenciou na degeneração da antiga relação médico-paciente tenha sido o virtual desaparecimento do médico humanista, em decorrência da adoção do modelo de ensino médico norte-americano, muito mais pragmático e fundamentado nas ciências biológicas. Para este modelo de ensino o paciente, antes de ser um ser humano, é um organismo enfermo que busca somente o restabelecimento de sua saúde e, portanto nada mais espera do médico. Para Toffler (1990), uma das principais causas da deteriorização da imagem do médico perante a sociedade é a perda do monopólio da informação sobre saúde e doença, patrimônio exclusivo dos médicos durante muitos séculos, e que agora se encontra disponível para toda a população, através dos meios de comunicação. Resumindo, para o autor, o monopólio dos conhecimentos médicos agora já não existe. E um médico já não é mais um deus. 2.4.1 Ética, Bioética e Medicina A palavra ética pode ser empregada em muitos sentidos, e também são muitas as interpretações que se pode dar a ela. Para González (1998), a ética é o “componente indispensável e elemento de definição das profissões autênticas. E pode ser distinguida entre ética profissional e legalidade profissional”. Para o autor, a ética se apóia nos ditames morais da consciência individual e só é julgada e sancionada pela consciência privada ou pelas próprias instituições profissionais, de forma que as transgressões éticas só podem acarretar censuras ou sanções intraprofissionais que podem chegar até a interdição para o exercício da profissão (GONZÁLEZ, 1998). Por outro lado, a legalidade para uma profissão é o conjunto de leis promulgadas pelo Estado, cuja transgressão é julgada pelos tribunais de justiça, podendo, em caso de culpa, serem punidos com sanções civil ou penal (GONZÁLEZ, 1998). Neste sentido, a ética profissional é mais ampla que a legalidade, porque a ética delimita o máximo conveniente para o alcance da excelência, promove idéias e tolera o 53 pluralismo. Ética e legalidade são diferentes, ainda que, em certo sentido complementares, pois sem o desenvolvimento ético a legislação torna-se ineficaz ou adotará formas excessivamente coercitivas, enquanto que o aperfeiçoamento ético possibilita a abertura de novas possibilidades e inclusive pode, muitas vezes, tornar desnecessário o emprego das leis. Resumindo, pode-se dizer que o objetivo das profissões é garantir uma ética que torne desnecessário o recurso da legalidade e que ao mesmo tempo promova seus objetivos específicos e seja uma garantia para a sociedade (GONZÁLEZ, 1998). Nos dias atuais, a maioria dos profissionais, desenvolve as suas ações baseando-se pelas normas ou regras provenientes dos Códigos Deontológicos da sua profissão, Códigos de Ética ou Códigos de Ética Profissional. Uma vez que o interesse pelos pontos referentes a boa ou má conduta no exercício da profissão foi manifesto, ao longo do tempo, sob forma de orações, juramentos e códigos. Torna-se necessário “observar que a maioria dos códigos deontológicos profissionais pretendiam, originariamente, manter e proteger o prestígio dos seus profissionais perante a sociedade”. Era, portanto, oportuno penalizar e afastar todos aqueles que com o seu comportamento, desacreditavam a imagem da profissão (KIPPER; CLOTET, 1998). Por outro lado, se for realizada uma análise do Código de Ética Médica (1988), podese observar que devido ao avanço tecnológico, em especial, alguns problemas existentes no atual dia-a-dia do exercício profissional, não encontram respaldo no Código Profissional o que impossibilitaria aos profissionais da área orientar suas ações apenas pelas normas existentes. Dessa forma, a ética deontológica tem ligações com a ética prática, motivada pelo desenvolvimento tecnológico nas diversas áreas, o que desperta a necessidade do debate em torno do uso adequado, riscos e ameaças dessa mesma tecnologia para a humanidade, tanto para o indivíduo em particular, como para a sociedade em geral (KIPPER; CLOTET, 1998). Nos dias atuais, os princípios da ética sobre a conduta boa ou má, certa ou errada, justa ou injusta, podem ser aplicados a novos questionamentos surgidos em conseqüência do avanço tecnológico e também da própria mudança ou evolução da ética da civilização e cultura contemporâneas (KIPPER; CLOTET, 1998). Essas questões são próprias da ética aplicada que possui uma pluralidade de formas. Singer (1995) descreve essa pluralidade de formas ou tipos de éticas como o raciocínio ético aplicado a problemas concreto do dia-a-dia. 54 Neste caso, a Bioética complementa a ética prática – que se ocupa do agir correto ou bem fazer, por oposição a ética teórica ocupada em conhecer, definir e explicitar – e abrange os problemas relacionados com a vida e a saúde, configurando-se como uma ética aplicada (KIPPER; CLOTET, 1998). Dentro da perspectiva do pluralismo ético vigente e da necessidade de uma teoria que tornasse viável a solução de conflitos de fundo ético, surgiu o Principialismo como forma de ensino e método mais difundido e aceito para o estudo e possível solução dos questionamentos éticos marcadamente biomédico. Para Beauchamp e Childress (apud KIPPER; CLOTET, 1998) o Principialismo possui quatro princípios básicos: • autonomia; • não-maleficência; • beneficência; e • justiça. Para González (1998) estes princípios poderiam ser formulados da seguinte forma: • Não- maleficência - impõe ao médico a obrigação prioritária de não prejudicar o paciente. Este princípio tem um grande peso e é capaz de prevalecer sobre qualquer outro; • Beneficência – estabelece a obrigação do médico procurar o máximo de beneficio para o paciente. No entanto nem sempre está claro qual é o máximo benefício, nestas situações é particularmente necessário ter em conta a valorização do beneficio efetuado pelo próprio paciente; • Autonomia – admite a liberdade que tem o paciente para tomar decisões que afetem o seu próprio corpo. Este reconhecimento obriga o médico a fornecer uma informação adequada e a respeitar as escolhas efetuadas pelos pacientes. Doutrina que se recolhe no chamado “direito ao consentimento informado”; e • Justiça – obrigação de se distribuir os recursos sanitários, os benefícios e os impostos eqüitativamente entre todos os membros da sociedade. Este é um 55 princípio que se aplica prioritariamente aos administradores e aos responsáveis pelas decisões macroeconômicas. O princípio de justiça tem sido objeto de várias interpretações, porém nunca havia tido tanto peso como nos dias atuais, devido à grande preocupação que causam os custos sanitários constantemente crescentes. Várias são as críticas direcionadas à bioética por seus princípios tão gerais o que torna necessário a criação de mecanismos que permitam tratar de forma individualizada e casuística cada problema concreto. Desse modo, é necessário ponderar o peso relativo de cada um dos princípios e os valores implicados em cada caso e, também, se deve ter em conta as prováveis conseqüências de cada curso de ação (KIPPER; CLOTET, 1998). A bioética pode contribuir com seus métodos de análise e seus procedimentos de tomada de decisões, e, também, pode utilizar vários instrumentos de ajuda para a tomada de decisões, tais como: protocolos e diretrizes éticas, decisões antecipadas tomadas pelo paciente e a criação de comitês de ética (GONZÁLEZ, 1998). Um dos resultados mais marcantes em decorrência da bioética, nos últimos anos, tem sido a produção de importantes mudanças na relação médico-paciente, e na forma de tomada de decisões médicas habituais. Para González (1998) a bioética tem fundamentado a introdução de novos conceitos, entre os quais se sobressai o chamado direito ao “consentimento informado”. E, no geral, tem promovido a substituição do tradicional modelo paternalista por um modelo mais autonomista. 2.4.2 A Relação Médico-Paciente O modelo de relacionamento médico paciente havia permanecido praticamente imutável desde os tempos antigos até os dias atuais. Segundo González (1998) desde a origem da medicina racional até o século XX, a relação médico-paciente, havia seguido um modelo paternalista no qual se esperava do paciente obediência, confiança e gratidão; e do médico se esperava: autoridade e cumprimento dos seus deveres profissionais. Estes deveres consistiam 56 em buscar o máximo de benefício e, sobretudo, não produzir danos para o paciente. Porém, nas últimas décadas as mudanças nesta relação têm-se acelerado, de forma que, nos dias atuais o paciente espera poder exercer a autonomia de decisão e o respeito dos seus direitos; e dos médicos se espera que tenham competências técnicas e aceitação do direito do paciente em exercer a sua autonomia. Estas mudanças têm ocasionado o surgimento de novos questionamentos sobre o que seja qualidade da atenção médica, e em especial, qualidade da relação médico-paciente. Com as mudanças políticas e sociais, além do grande desenvolvimento cientifico e tecnológico, as condições de vida e os costumes evoluíram também em igual ritmo. Neste caso específico, a criação da seguridade social na Alemanha, no fim do século XIX, significou o primeiro golpe na tradicional relação médico-paciente. Contudo, o ato médico seguiu possuindo características muito especiais que permitiam uma boa relação entre seus atores. O médico utilizava uns poucos instrumentos para o exame do paciente, que era composto de um exame físico cuidadoso e uma ampla entrevista sobre suas doenças e antecedentes, durante o qual o paciente tinha a oportunidade de contar ao médico suas preocupações. O diagnóstico se fundamentava no que se chamou durante muito tempo de “olho clínico”, que não era outra coisa senão um sólido conhecimento, uma boa capacidade de observação e raciocínio, uma boa comunicação com o paciente e um profundo conhecimento da natureza humana, adquirida através de uma sólida formação humanista (URIBE, 1999). Desde a origem da medicina racional até a primeira metade do século XX, a relação médico-paciente havia seguido um modelo paternalista. Para González (1998, p.428): (...) o paternalismo, significa em geral, a busca do bem de outra pessoa em um nível de grandeza que permite prescindir da opinião dessa mesma pessoa. E este tem sido o fundamento do “principio de beneficência ao paciente” que sempre fez parte da tradição médica. Para o mesmo autor, o paternalismo aplicado a relação médico paciente pode ser definido como: (...) a tendência a beneficiar ou evitar danos a um paciente, atendendo aos critérios e valores médico em detrimento aos desejos ou opções do paciente capaz para decidir. Não considera necessário informar sempre ao paciente; e o consentimento que poderia ser dado pelo paciente não é levado em consideração (GONZÁLEZ, 1998, p.428). 57 Para Kipper e Clotet (1998) o verdadeiro ato médico pode ser traduzido como resultante da interação entre o médico e o paciente. Os autores consideram que a ética médica tradicional tem orientado o seu trabalho baseado na beneficência, e por isso tem sido rotulada de paternalista que tem como características: superproteção, autoritarismo, inibição, infantilismo, direcionando todas elas a uma situação de anormalidade. Por outro lado, o paternalismo pode ser, também, considerado como resultante da qualidade da relação assimétrica mantida entre médico e paciente, que tem como característica preponderante a fragilidade do paciente e pela força do médico. Neste tipo de relação tipicamente desproporcional, a atenção dispensada anula a pessoa, que é objeto da mesma, chegando a desconsiderar o paciente como individualidade singular (SILVA, 1997). Dentro da perspectiva de Beauchamp e Childress (apud KIPPER; CLOTET, 1998) o paternalismo pode ser classificado em forte e fraco. O paternalismo forte é exercido sobre pessoas autônomas, desconsiderando a sua autonomia; e o paternalismo fraco é exercido em relação a pessoas incapacitadas perante as leis vigentes ou pessoas incompetentes dentro da perspectiva moral. A linha divisória entre os dois tipos de paternalismo é de difícil delineamento. Para Kipper e Clotet (1998) e Azevedo (1991), o baixo nível educacional e as condições socioeconômicas da população, facilitaria e de certo modo justificaria o exercício do paternalismo no cuidado com a saúde. Este pensamento não é corroborado por Muñoz e Fortes (1998) quando falam que muitas vezes a aplicação de condutas paternalistas não ocorrem em beneficio da pessoa assistida, e sim como conseqüência do autoritarismo vigente em nossa sociedade. E mais, que em muitos casos as percepções seriam conflitantes devido a valores sócio-culturais diferenciados. O que implicaria em uma dificuldade de comunicação e, conseqüentemente na interação entre o médico e o paciente. Wulf et. al. (apud SEGRE et. al., 2000) classificam o paternalismo de três formas: – o paternalismo genuíno – nos casos em que há uma ausência ou diminuição de autonomia; – o paternalismo autorizado – quando há o consentimento explícito ou implícito da pessoa ou paciente; e – o paternalismo não-autorizado – sem consentimento algum. E concordam quanto à dificuldade de se distinguir claramente entre as várias formas de paternalismo, sendo isto conseqüência das expectativas dos pacientes, da limitação dos médicos, e crenças em jogo. 58 Além disso, para os autores, é necessário considerar também as concepções de autonomia e de doença que direcionam a conduta médica. Para Konrad (1983), a doença significa sempre uma limitação da capacidade de autonomia o que implica em considerar esta limitação como um fator constitutivo da doença e, portanto consentindo o paternalismo “não–autorizado”. Robert M. Veatch (apud ISMAEL, 2002) tentando esclarecer melhor a questão da relação médico-paciente, criou uma tipologia na qual descreve quatro tipos de relação: • Sacerdotal – que tem por base a tradição hipocrática, levando o médico a adotar uma postura paternalista, na qual prevalece o seu poder e autoridade, e desconsiderando o paciente como ser humano capaz de decidir sobre sua saúde. Neste tipo de relação o envolvimento com o paciente não existe; • Engenheiro – pode-se dizer que se fundamenta na autonomia na medida em que o paciente é detentor do poder de decisão, e ao médico cabendo a execução das ações, porém, preservando a autoridade e abrindo mão do poder; • Colegial – é a forma na qual o poder é dividido de maneira igualitária entre o médico e o paciente; e, • Contratualista – que poderia ser relacionada com o consentimento informado, uma vez que ao médico cabe preservar a sua autoridade, e ao paciente participar decisivamente nas decisões guiado por seus valores pessoais e morais. Ismael (2002) considera que a tipologia apresentada é reducionista por ser estanque e por acreditar que, a exemplo de toda relação humana, um médico não se relaciona com dois pacientes da mesma forma. Em bioética, a relação médico-paciente pode reduzir-se a três tipos de agentes: o médico, o paciente e a sociedade. Cada um, com um significado moral específico: o paciente atua guiado pelo princípio da autonomia; o médico pelo da beneficência; e a sociedade da justiça. Correspondendo a autonomia, ao principio da liberdade, a beneficência ao da fraternidade e a justiça ao de igualdade (MUÑOZ; FORTES, 1998, p. 57). Para Ferreira (1995) autonomia é a faculdade de se governar por si mesmo. Liberdade ou independência moral ou intelectual. 59 Autonomia é uma palavra de origem grega “auto” (próprio) e “nomos” (lei, regra, normas) que pode ser traduzida por autogoverno, autodeterminação da pessoa de tomar decisões que afetem sua vida, sua saúde, sua integridade físico-psíquica, suas relações sociais” (MUÑOZ; FORTES, 1998). Refere-se à capacidade do ser humano decidir o que é bom ou o que é o seu bem-estar. Para Lalande (apud SEGRE et. al., 2000, p.18) “filosoficamente autonomia indica a condição de uma pessoa ou de uma coletividade, ser capaz de determinar por ela mesma a lei a qual se submeter”. A verdade é que este conceito está inspirado no modelo de consumo de serviços, no qual o paciente (cliente) tende a exigir do médico (fornecedor) que realize seus desejos. A introdução da mentalidade autonomista na medicina colocou nas mãos dos pacientes a possibilidade de controlar a informação e portanto de decisão (GONZÁLEZ, 1998). Desde a década de 1980, o Código de Ética Médica (CEM) brasileiro vem propondo o estabelecimento de uma relação médico paciente baseada no princípio da autonomia. Esta visão é retratada no artigo 46, do CEM, quando veda ao médico: (...) efetuar qualquer procedimento médico sem o esclarecimento e o consentimento prévios do paciente ou de seu representante legal, salvo em eminente perigo de vida (CEM, 1988, art. 48). Nos artigos 56 e 59 são reforçados os direitos do paciente decidir livremente sobre práticas diagnósticas e terapêuticas, bem como ser possuidor da informação sobre o diagnóstico, o prognóstico, os riscos e os objetivos do tratamento. O direito dos pacientes decidirem sobre sua pessoa ou sobre seu bem-estar, não podem ser limitados pelos profissionais médicos (art. 48) (MUÑOZ; FORTES, 1998). Tratando-se da mesma questão, qual seja, a da relação médico-paciente Ismael (2002, p. 65), diz que na perspectiva dos pacientes quatro atitudes são fundamentais para o bom desenvolvimento da relação: confortar, escutar, olhar e tocar. • Confortar – como definido pelo autor, não se traduz como demonstração de piedade profissional, e sim apoiar, amparar e consolar. Uma vez que a doença fragiliza o ser humano, despertando uma necessidade de carinho e conforto. O distanciamento do médico, ou o seu não envolvimento com o doente pode 60 torná-lo, apenas, em um robótico operador sanitário o que não o impede de deter um bom conhecimento técnico; • Escutar – a autêntica escuta exige paciência, atenção e interesse. O médico que quiser desenvolver com o paciente uma relação construtiva não pode demonstrar tédio ou impaciência: precisa escutá-lo com toda a atenção, mesmo porque para muitos pacientes sua história pessoal só começa a ter algum significado com o aparecimento da doença (ISMAEL, 2002, p. 67). Segundo Feldman (1996) escutar às vezes é tudo, uma vez que na nossa cultura, e devido ao estilo de vida atual não existe tempo para escutar e ser escutado. Assim escutar torna-se um fator importante na construção da relação médico-paciente. Para Batterman (1985) é importante que o médico demonstre que deseja estabelecer uma parceria com o paciente e que para isso sabe ouvir, ao mesmo tempo em que está comprometido em transferir todas as informações necessárias ao paciente possibilitando que este sane todas as suas dúvidas. • Olhar – para Ismael (2002, p.67) “... as pessoas vêem, mas não olham, e esta é uma forma de cegueira...” esta forma de olhar se encontra no seio da sociedade, como uma das conseqüências da transitoriedade existente nas relações pessoais, nos chamados tempos modernos. Existe uma necessidade do paciente ser olhado, ou seja, o olhar do médico pode significar a sua existência como ser humano e não um dado a mais a ser registrado em uma ficha ou num arquivo de computador. • Tocar – para Remen (1993) não é apenas da habilidade e da competência profissional de quem os trata, os pacientes necessitam da sua compaixão e do seu desvelo que podem ser transmitidos mais pelo toque ou por outras formas de comunicação. Ismael (2002), diz que o médico tem conhecimento que para a maioria dos pacientes a consulta resulta satisfatória quando estes são auscultados, apalpados mesmo quando não há necessidade de tais procedimentos. Corroborando com Ismael (2002), Botsaris (2001), em relação ao toque, diz que este age positivamente sobre a psique e a emoção dos pacientes, e mais, um bom exame físico e o domínio dessa técnica são pontos fundamentais para o exercício da boa medicina. Para o autor, a ausência do contato físico médico paciente pode ser expressa através de uma 61 avaliação incorreta do quadro clínico, podendo levar a erros de diagnóstico; e também, a sensação do paciente sentir-se pouco cuidado, gerando insegurança e perda de confiança no médico. Citando Carl Rogers (FELDMAN, 1996) fala da “terapia centrada no cliente” – método que supõe o estabelecimento de uma relação de afeto e segurança, transmitindo uma sensação de empatia com os sentimentos e comunicações do paciente (GRANDSTAFF et. al., 1997), que define as dimensões de respeito, aceitação e empatia como pré-requisitos na construção de qualquer relação humana, em especial as que incluem o encontro do profissional de saúde com o paciente. Definindo estas dimensões Feldman (1996, p. 45) coloca que: • Respeitar o outro significa valorizá-los pelo fato de ele ser, de ele existir. É considerar e reconhecer seu valor como ser humano. • Aceitar o outro significa acolhê-lo, sem restrições, exatamente como ele é. O importante é aceitá-lo incondicionalmente, ou seja, sem lhe impor condições. • Ser empático com o outro significa ser capaz de se colocar em seu lugar, imaginando como seria estar vivendo a situação que ele está vivendo. A autora coloca a necessidade de acrescentar mais uma dimensão, como uma resultante das três anteriormente colocadas, a dimensão que denominou de Compreensão, significando: Compreender o outro significa, em primeiro lugar, estar ciente de que suas vivências têm uma razão de ser, seja ela qual for. Por mais estranho que seja seu relato, por mais diferente que seja a situação vivida por ele, não se pode esquecer que uma série de fatores (conhecidos ou desconhecidos) o levou a viver o que esta vivendo. Em segundo lugar, compreender significa buscar esses fatores e razões desconhecidos que, quando encontrados, irão explicar suas vivências, para ele mesmo e para quem esta tentando ajudá-lo (FELDMAN, 1996, p.45). A autora considera, ainda, que apesar de fundamentais estes conceitos são abstratos e uma das formas de torná-los reais é através da escuta, já que, “Escutar é a maneira operacional, concreta e objetiva de se respeitar, aceitar, ser empático e compreender o outro” (FELDMAN, 1996, p. 46). 62 Corroborando com o pensamento de Feldman (1996), Malin et al (2001) fala que a qualidade da consulta, a comunicação empática, a cortesia, o respeito e atenção dos médicos durante as consultas são os pontos mais citados, pelos pacientes, como componentes de uma experiência positiva de tratamento. Leite et al (2004) discorrendo sobre o assunto, diz que para a manutenção dessa experiência positiva e o aumento da satisfação, os médicos poderiam: a- procurar diminuir a distância que os separa dos pacientes, apresentando-se e tratando os pacientes pelo nome; b- prover todos os esclarecimentos necessários, questionando o paciente sobre dúvidas ou perguntas adicionais; c- deixar claro o motivo da consulta; e d- dar uma visão de futuro, explicando os procedimentos e o tratamento. Uma das questões mais discutidas na sociedade, quanto ao cuidado médico, tem sido a desumanizaçao da medicina, para Botsaris (2001) isto ocorre devido à influência exercida pela medicina americana, que valoriza o tecnicismo médico, afetando a qualidade da prática médica pela perda progressiva dos valores humanos, fazendo com que se perca o enfoque principal da medicina, que é “o bem estar do paciente e sua condição no contexto social e pessoal, com seus medos e dificuldades” (BOTSARIS, 2001, p. 219). Afetando, dessa forma, a relação médico-paciente. A desumanização da medicina, segundo afirma Botsaris (2001) pode ser causada por três pontos fundamentais: • o excesso de tecnologia; • o desprezo pela subjetividade dos pacientes; e • a formação médica incompleta, pouco direcionada para seus aspectos humanos. E como conseqüência desses fatores, temos então médicos frios e fisicamente distantes dos pacientes. 63 Quando fala do desprezo pela subjetividade Botsaris (2001) é corroborado por Leite et. al. (2004) que diz que o avanço tecnológico e a facilidade de acesso a informação, em especial na área biológica, possibilitou a perda de espaço da subjetividade, levando a relação médico-paciente para o segundo plano. Na área de enfermagem Watson (apud BARNHART et. al., 1997) formulou os 10 (dez) elementos assistenciais sobre o exercício profissional, dentre os quais 02 (dois) se destacam dentro da perspectiva da desumanização da medicina: – desenvolvimento de uma relação que inspire fé e esperança; este elemento que incorpora valores humanistas, facilita a promoção da assistência e potencializa a saúde entre os pacientes. Também descreve o papel do pessoal de saúde no desenvolvimento de inter-relações eficazes com o paciente e na promoção do bem estar, ajudando o paciente a adotar condutas na busca da saúde; – desenvolvimento de uma relação de ajuda e confiança – em que o desenvolvimento deste tipo de relação é crucial para a assistência transpessoal. Uma relação de confiança promove e aceita a expressão de sentimentos positivos e negativos. Implica coerência, empatia e comunicação eficaz. A coerência leva o ser humano a ser: real, honesto, genuíno e autêntico. A empatia seria então a capacidade de experimentar e, portanto, compreender as percepções e sentimentos de outra pessoa, assim como a capacidade para comunicar esta compreensão. Por outro lado a comunicação eficaz está constituída por elementos cognitivos, afetivos e por resposta de conduta. Berlo (apud LEITE et al, 2004) tratando da empatia, diz que o nível de interdependência mais complexo na interação médico-paciente é o das expectativas mútuas, uma vez que, as expectativas envolvem previsões que são feitas tendo como base o contexto sociocultural, ao qual cada um pertence e são influenciados pelas imagens que cada um faz de si mesmo e do outro. A empatia seria, então, o processo por meio do qual acredita-se ser capaz de entender, em parte, o que ocorre dentro de outra pessoa. Watson (apud BARNHART et. al., 1997), ainda, lembra que a assistência, no nível humano, tem sido progressivamente desvalorizada no sistema de saúde e que os fundamentos da assistência em saúde tem sido sublimados pelos avanços tecnológicos e por obstáculos institucionais. Em contra ponto, Ford et al (2003) diz que a relação médico paciente caminha para uma comunicação mais humanista. 64 Por outro lado, Roter (2000) diz que o paciente tem a expectativa de poder se comunicar com um médico que saiba ouvir, que procure compreender suas queixas, que o respeite e o veja como pessoa. Já o médico deve procurar criar um clima inicial favorável e elaborar perguntas que o possibilite identificar a maior preocupação e o motivo pelo qual o problema fez o paciente procurar um serviço, naquele momento de sua vida. A construção de uma parceria entre médico e paciente representa envolvimento e comprometimento, e acontece quando o médico se dispõe a ir além da mera transmissão de informação e possibilita ao paciente interagir. O desenvolvimento da parceria implica na presença de certos elementos no desdobrar da interação, tais como: um cumprimento, um sorriso, senso de humor, atenção, gentileza, demonstração de interesse, desejo de ajudar, e suspensão de julgamentos e comentários pessoais. Encontrar o ponto de equilíbrio é o desafio, dos médicos, para poder criar uma relação adequada (MARCUS, 1999). O equilíbrio pressupõe estabelecer uma comunicação individualizada, de modo que o paciente se sinta valorizado e único. Sendo esta a intenção do médico e do paciente surgirá, então, uma relação mais humana e rica. Por outro lado, se ambos não se predispuserem a um bom nível de comunicação, não haverá empatia, a relação será parcial e impessoal, e a comunicação será vertical o que pode ocasionar sentimentos mútuos de descontentamento e insatisfação. Passando, portanto, o médico uma imagem racional e distante que reduz o paciente a uma questão científica e que estabelece uma relação com o problema ou doença e não com a pessoa (BAEZA; BUENO, 1997; BAEZA; WEIL, 1998). Para Barrier et al (2003) os componentes-chave para o estabelecimento de uma relação adequada entre médico e paciente são: a- construção de um bom relacionamento; b- obtenção de informações; e c- orientação. Na relação médico-paciente a comunicação é limitada pela força dos seus papéis sociais. O médico de forma consciente ou inconsciente efetua a troca do seu conhecimento pela subordinação do paciente. Já o paciente se sente fragilizado no tocante ao seu direito a informação, por aceitar a forma de comunicação dominante do médico, posicionando-se passivamente durante a consulta: resiste em fazer perguntas, esclarecer dúvidas, demonstrar 65 incertezas, discordar, muitas vezes por vergonha ou diferença de status, ou, ainda, de parecer inconveniente ou de ocupar muito tempo do médico (STREET, 1991; BAEZA; BUENO,1997). Pollock e Grime (2002) mesmo considerando que o tempo é crucial na atividade médica, fala que a qualidade e a intensidade da relação médico-paciente independe da quantidade de tempo disponibilizado pelo médico. Por este motivo, para os autores, os médicos precisariam desenvolver uma sensibilidade focada na demonstração de interesse e empatia, e na capacidade de perceber a ansiedade dos pacientes e encorajá-los a falar sobre suas dúvidas e preocupações. Para Ruusuvuori (2001) no momento da iniciação da interação médico e paciente podem surgir barreiras, que podem estar relacionadas as características pessoais e estilo de comunicação verbal e não verbal do médico e do paciente, e podem resultar ainda de aspectos particulares do contexto social e cultural no qual a relação acontece. Galvão (2000) falando sobre a relação médico paciente diz em termos interrogativos que: À primeira vista, parece que toda a avaliação (médica) esta baseada em um exame e que a relação médico-paciente teria uma importância menor (GALVÃO, 2000, p.132). Com base nesse questionamento e em Silva (2000) desenvolve tópicos referentes à relação médico-paciente dos quais podemos destacar: • Inadequação da formação médica no que se refere ao envolvimento emocional com a dor e o sofrimento do paciente. Para o autor, o envolvimento de sentir a dor do paciente é fundamental e deve existir, mas no ensino médico atual esse tipo de conduta não deve existir. O autor alerta que o envolvimento não deve comprometer a objetividade. Ainda, em relação à formação médica é ensinado que o médico deve direcionar o discurso do paciente durante a anamnese, objetivando obter informações sobre os sintomas da doença, e limitando a necessidade de falar do paciente, o que na prática se traduz pelo cerceamento da possibilidade do paciente expressar o que sente; • Onipotência médica que pode ser traduzida através do desafio de curar e enquanto este objetivo não é alcançado torna-se um desafio a seus 66 conhecimentos a ao mesmo tempo, o remete às suas limitações e impotência, ferindo o seu ego; • Os valores da sociedade atual em que as relações pessoais não são estimuladas e a solidariedade é vista com reservas; • Especialização que na maioria das vezes são realizadas precocemente, tendo como conseqüência a perda da capacidade, por parte do médico, em ver o paciente como um ser total. Nas palavras do autor o médico passa a se preocupar com a doença e esquece o paciente. Tratando da especialização Botsaris (2001) diz que: (...) o superespecialista com uma visão muito influenciada pelo reducionismo, costuma lidar mal com os valores gerais, como conflitos íntimos do paciente ou a repercussão das condutas e procedimentos que adota. (BOTSARIS, 2001, p. 224). As conseqüências decorrentes da especialização precoce são a perda da visão global da medicina, do ser humano e da doença. Em decorrência, o médico passa a agir de acordo, estritamente, com uma norma técnica, gerando por vezes efeitos desastrosos, o que leva os pacientes a se tornarem receosos e exigentes, tornando impossível uma relação médico-paciente. Taback (apud Botsaris, (2001), diz que: (...) o aspecto humano, caloroso, físico, da relação médico-paciente, é totalmente insubstituível, a despeito de toda tecnologia: o diálogo, o abraço no momento de crise, a partilha das situações dolorosas, se o tratamento se mostrar insuficiente, a satisfação com o bom resultado. À medida que os médicos se tornam insensíveis a isso, os aspectos negativos da medicina passam a ser ressaltados. (...) A necessidade de contato físico e emocional com o doente é o aspecto mais primitivo da medicina, é o que a torna diferente de todas as profissões (apud BOTSARIS, 2001, p. 235). A revisão teórica realizada permite observar que o tema em pauta, ainda, não foi devidamente estudado e que não existe um consenso, entre os autores, sobre quais seriam, efetivamente, os componentes e atributos da qualidade na relação médico-paciente na perspectiva médica. Existe, na atual sociedade, a defesa no sentido de que o ensino da medicina seja direcionado para uma formação mais humanista, fundamentado no pensamento da Escola 67 Hipocrática, por meio do qual o paciente é visto como um ser integral e defende uma maior comunicação entre o médico e o paciente. Apesar do entendimento de que é necessária a mudança no enfoque, do ensino da medicina que tem se caracterizado pela especialização precoce e pelo uso intensivo da tecnologia, o que contribui para a corrosão da imagem do médico junto ao paciente, este pouco tem evoluído em direção às mudanças almejadas, tanto pela sociedade como pelos teóricos do ensino médico. Várias são as críticas direcionadas a formação médica atual, a qual prima pelo emprego excessivo da tecnologia, levando a uma formação médica incompleta, em face da compartimentalização do corpo humano e ao desprezo por aspectos subjetivos dos pacientes. O que faz com que o médico passe, para o paciente, uma imagem racional que o reduz a uma mera questão científica, e que a relação estabelecida é com a doença e não com o paciente. Existe a compreensão de que a boa relação médico-paciente possibilita, que o médico tenha acesso aos mais diferenciados aspectos da vida do paciente, permitindo uma melhor definição diagnóstica e, conseqüentemente, a prescrição de tratamento mais adequado. Em contrapartida, o paciente, tende a aderir mais fortemente ao tratamento, permitindo que a avaliação dos resultados se dê de forma mais apropriada. Às mudanças ocorridas na sociedade, tanto no campo tecnológico, como dos valores vigentes na atualidade, traz como conseqüência o surgimento de uma grande quantidade de especialidades e de novas profissões na área da saúde, tornando a profissão médica bastante difusa e que ao mesmo tempo distanciou cada vez mais o médico do seu paciente A exploração conceitual do significado de qualidade, seus componentes e atributos, seguem sendo um importante campo de pesquisa tanto para o ensino da medicina, como para os aspectos vinculados à qualidade da atenção médica. 68 CAPÍTULO III 3 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS Com base nas considerações teórico–empíricas apresentadas, esta pesquisa analisa o conceito, componentes e atributos da qualidade na relação médico-paciente, de acordo com a perspectiva médica. Trata-se de uma pesquisa qualitativa, que do ponto de vista da sua natureza pode ser considerada como pesquisa aplicada. 3.1 Design e Perspectiva da Pesquisa A pesquisa é qualitativa por meio do uso de entrevistas semi-estruturadas e da análise dos conteúdos, o que permitiu o aprofundamento do conhecimento dos componentes e dos atributos da qualidade na relação médico-paciente. A perspectiva da investigação é sincrônica, já que se estudam os componentes da qualidade na relação médico-paciente em um determinado momento, sem considerar sua evolução no tempo, embora tenha a preocupação em retratar a percepção dos entrevistados, aqui entendida como fundamental para a compreensão do objeto a ser investigado, tendo como alvo de estudo, profissionais médicos. O suporte na análise de conteúdo se justifica, segundo Gomes (1994), porque se pode encontrar respostas sobre as questões formuladas e se descobrir o que “... está por trás dos conteúdos manifestos, indo além das aparências do que está sendo comunicado.” (p. 74). 3.2 O Contexto da Pesquisa A princípio, a pesquisa deveria ser desenvolvida tendo como base a cidade de Brasília, onde reside o autor da pesquisa. Porém, ao tentar dar início às entrevistas, 69 percebemos o grau de dificuldade para que pudéssemos reunir um número de entrevistas suficiente para a realização da pesquisa. A dificuldade esteve baseada no fato de que havia sido feita a opção de se entrevistar somente médicos que atuassem no segmento privado, e pelos contatos realizados uma grande maioria não se dispôs a participar das entrevistas, inviabilizando em parte a execução do projeto. Por outro lado, sendo o autor da investigação professor convidado da Universidad Nacional de San Agustín, no Peru, e lecionar uma disciplina no curso de Mestrado em Administração e Gerência de Serviços de Saúde e uma vez que a turma, em pauta, constituíase de 19 (dezenove) alunos médicos, que atuam no segmento público, optou-se por executá-la naquela cidade e país garantindo, desta forma, a qualidade da informação, face a legitimidade dos respondentes. Fundada em 15 de agosto de 1540, por Don Garci Manuel de Carbajal, com o nome de “Villa de la Asunción de Nuestra Señora del Valle Hermoso de Arequipa”, nasceu a cidade de Arequipa, capital do Departamento de Arequipa localizado ao sul do território peruano. Considerado como o segundo maior Departamento do Peru, Arequipa ocupa uma extensão territorial de 63.345 quilômetros quadrados e possui uma população de um milhão de habitantes aproximadamente, concentrada basicamente, na cidade com o mesmo nome, tornando-a a segunda cidade mais populosa do Peru, só perdendo, em termos populacionais, para a capital do país Lima. A cidade de Arequipa foi erguida próxima a três vulcões: el Misti, el Chachani e el Pichupichu, motivo pelo qual é conhecida como “Ciudad Blanca” uma vez que nas suas construções são utilizadas lava de vulcão que tem esta coloração. Devido a sua localização geográfica e altitude, o Departamento de Arequipa possui uma vasta gama de recursos naturais, sendo sua economia eminentemente agrícola. É o maior produtor nacional de leite, sendo reconhecida nacionalmente, pela criação de gado de corte, ovinos, caprinos e suínos. Destaca-se, ainda, na produção de outros produtos agrícolas como: cebola, alho, batata inglesa, milho, trigo, cevada e alfafa. A região produz, também, o cobre em grande quantidade sendo, a exploração deste minério, a base da economia peruana. A cidade de Arequipa, também, é conhecida mundialmente como uma cidade turística, visto que é uma cidade histórica, com monumentos tombados como patrimônio da 70 humanidade. Já o Departamento, atrai turistas, também, pelos recursos naturais disponíveis para a prática do ecoturismo, uma vez que a região possui montanhas, vales, selva e mar. A cidade de Arequipa, também, é pólo regional de educação, possuindo duas Universidades de grande porte, uma federal e outra católica, concentrando, basicamente, toda a linha de ensino superior, pesquisa e pós-graduação da região sul do país. 3.3 Delimitação da Pesquisa Delimitou-se nesta pesquisa as perguntas, os sujeitos de pesquisa, a forma de coleta, tratamento e análise dos dados, para que pudessem ser melhor compreendidos os significados das perspectivas dos médicos frente ao tema investigado. 3.3.1 Perguntas de Pesquisa Para responder ao problema de pesquisa estabelecido nesta investigação e atender aos objetivos propostos, as seguintes perguntas de pesquisa foram formuladas: • Qual o conceito de qualidade da relação médico-paciente na percepção dos médicos? • Quais os componentes da qualidade da relação médico-paciente na percepção dos médicos? • Quais os atributos dos componentes da qualidade identificados? • Qual a importância desses atributos na configuração dos componentes da qualidade? 71 3.3.2 Participantes da Pesquisa Os atores desta investigação foram selecionados de forma intencional no segmento definido para o estudo, qual seja os médicos. O universo da pesquisa é o Departamento de Arequipa, no Peru e os sujeitos de pesquisa são médicos que atuam no segmento público, sendo os mesmos, de várias especialidades da área médica. A escolha do Departamento de Arequipa ocorreu, como já explicitado anteriormente, em função do autor da investigação atuar como professor convidado da Universidad Nacional de San Agustín, e lecionar uma disciplina no curso de Mestrado em Administração e Gerência de Serviços de Saúde. Outra razão específica para a escolha dos integrantes da pesquisa, deve-se ao fato dos médicos selecionados trabalharem não só na cidade de Arequipa, e sim em várias cidades do Departamento de Arequipa, o segundo em importância econômica do país. Afora este fato, junta-se à própria questão do acesso a um grupo médico tão variado e ao mesmo tempo acessível e com disponibilidade para a aplicação das entrevistas. Assegurando, desta forma, a qualidade da informação, em face à legitimidade dos respondentes, uma vez que, os sujeitos entrevistados são profissionais atuantes e detentores de conhecimento do assunto em pauta. 3.3.3 Coleta, Tratamento e Análise dos Dados Para a coleta de dados, utilizou-se a técnica de entrevista semi-estruturada, aplicada aos entrevistados. A análise dos dados foi realizada utilizando-se a técnica de análise de conteúdo. a) Fontes Secundárias Foram utilizadas fontes secundárias para a coleta de dados, tais como: livros, periódicos especializados, teses e dissertações pertinentes na área em estudo. Foi utilizada a pesquisa bibliográfica, uma vez que segundo Richardson (1989), consiste em uma série de 72 operações com o objetivo de estudar e analisar livros e artigos para observar o estado da arte em relação ao objeto em tela, identificando também, as possíveis relações sociais envolvidas. b) Fontes Primárias A fonte dos dados primários foram as entrevistas semi-estruturadas, que segundo Lakatos e Marconi (1990, p.84), é “um encontro entre duas pessoas, a fim de que uma delas obtenha informações a respeito de um determinado assunto, mediante uma conversação de natureza profissional. É um procedimento utilizado na investigação social, para coleta de dados ou para ajudar no diagnóstico ou no tratamento de um problema social”. Segundo Triviños (1995), a entrevista semi-estruturada possibilita aos entrevistados, liberdade de expressar suas percepções de forma criativa. E acrescenta que o propósito da entrevista qualitativa é obter dados ricos para construir “teorias” que descrevem um cenário ou explicam um fenômeno. Dada a multidimensionalidade que envolve a questão da qualidade na relação médico-paciente, este instrumento se mostrou adequado para o desenvolvimento da pesquisa. Ainda, na opinião de Triviños (1995) a entrevista semi-estruturada parte de questionamentos básicos, com o suporte de teorias que interessam à pesquisa, e que possibilitam um amplo questionamento, resultante de novas sínteses surgidas como fruto das repostas emitidas. Desta forma, o entrevistado, seguindo espontaneamente a sua linha de pensamento e de acordo com suas experiências, começa a participar na elaboração do conteúdo da pesquisa. Todos os alunos foram convidados e concordaram em participar da pesquisa. As entrevistas foram realizadas em ambiente privado e seguiu o modelo tradicional de gravação em áudio. O instrumento de coleta de dados escolhido possibilitou a interação entre o pesquisador, o informante e a investigação. Por uma questão de compromisso firmado com os entrevistados, a identidade dos mesmos foi mantida em sigilo. Assim, as fitas com as entrevistas foram identificadas por números em ordem crescente, até o total de entrevistados. 73 c) Tratamento e Análise de Dados Primeiramente, as fitas com as entrevistas foram transcritas em espanhol e traduzidas para o português, na íntegra, pelo próprio autor da pesquisa, e em seguida realizouse a leitura das mesmas, o que permitiu se destacar trechos das transcrições que foram relevantes para compor as unidades de conteúdo. Para a organização e interpretação dos relatos, das entrevistas, foi adotado o método de análise de conteúdo, que consiste em um conjunto de técnicas de análise das comunicações, visando compreender melhor um discurso, aprofundar suas características e extrair os momentos mais significativos, mediante procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens e de indicadores que permitam inferir conhecimentos relativos às condições de produção/recepção das mensagens (BARDIN, 1994; RICHARDSON, 1989; TRIVIÑOS, 1995). Para tanto foram criadas categorias de análise com a finalidade de sistematizar os resultados encontrados. Trabalhar com categorias significa agrupar elementos, idéias ou expressões em torno de um conceito (GOMES, 1994). Segundo Grawiz (apud MONTEIRO, 1999) a análise de conteúdo consiste em substituir o impressionismo, dependente das qualidades pessoais do pesquisador, por procedimentos padronizados que tendem, às vezes, a quantificar. Trata-se, portanto, de converter os materiais coletados em informações, ou seja, sobre a perspectiva dos médicos acerca da relação médico-paciente. Para a consolidação do conjunto de informações obtidas, foi adotada a técnica de triangulação que, segundo Triviños (1995), propicia ao pesquisador a máxima amplitude na descrição, explicação e compreensão do problema em foco. Esta técnica parte do suposto de que os dados coletados nas diversas fontes precisam ser confrontados entre si, de tal modo, que todos sejam contemplados durante a fase de interpretação e análise do material levantado para o estudo. 3.4 Definição de Termos No trabalho proposto, alguns termos específicos têm o seguinte significado: 74 • Percepção: ato de captar e interpretar coisas ou eventos através de inclusão dos dados coletados em categorias ou classes (BRUNER apud PENNA, 1993). • Componente: aquilo que entra na composição de alguma coisa. Parte de um sistema (FERREIRA, 1995). • Atributo: algo que se percebe e faz a diferença entre coisas semelhantes em termos de qualidade (PALADINI, 1990). • Paternalismo: a busca do bem de outra pessoa em um nível de grandeza que permite prescindir da opinião dessa pessoa (GONZÁLEZ, 1998). • Paternalismo aplicado à saúde: a tendência a beneficiar ou evitar danos a um paciente, atendendo aos critérios e valores do médico em detrimento dos desejos ou opções do paciente capaz de decidir (GONZÁLEZ, 1998). • Ato médico: resultante da interação entre o médico e o paciente (KIPPER; CLOTET, 1998). • Autonomia: pode ser traduzida por auto governo, autodeterminação da pessoa em tomar decisões que afetem sua vida, sua saúde, sua integridade físicopsíquica, suas relações sociais (MUÑOZ; FORTES, 1998). 3.5 Limitações da Pesquisa Os limites presentes nesta pesquisa têm combinação com o fato de se tratar de um tema com um fenômeno em constante evolução uma vez que os sujeitos entrevistados estão em constante aprendizagem e o ambiente mundial impõe novas habilidades ao seu perfil profissional. Lakatos e Marcone (1990), ao falar de pesquisas baseadas em entrevistas, destacam que as limitações da mesma podem ser minimizadas quando o investigador tem bom senso, uma vez que pode haver, por parte do entrevistado, uma compreensão errônea do 75 significado das perguntas da pesquisa, bem como, uma percepção não adequada do problema, provocada pelo esquecimento. Na medida que esta investigação foi desenvolvida através de entrevistas semi-estruturadas constitui-se uma possível limitação à fidedignidade e comprometimento dos sujeitos entrevistados quando da coleta de informações. E por fim, os dados obtidos por meio das percepções dos sujeitos da pesquisa, através de entrevistas não necessariamente retratam a realidade histórica. Isto porque as percepções das pessoas tendem a ser voláteis, ou seja, estas percepções podem variar em diferentes períodos de tempo. 76 CAPÍTULO IV 4 ANÁLISE DOS DADOS Este capítulo se refere ao núcleo da pesquisa e trata da análise dos componentes e atributos da qualidade na relação médico-paciente, na perspectiva médica. A análise dos dados obtidos na série de entrevistas realizadas é fundamentada em registros bibliográficos. Para Ismael (2002) ao longo dos séculos, o exercício da medicina girou em torno de uma comunhão, mais que uma relação entre médicos e pacientes. Sendo resultante da Escola Hipocrática, que pregava uma relação efetiva com o paciente e defendia a necessidade do médico observar e ouvir o paciente. A definição ou caracterização do que seja relação médico-paciente, nos tempos atuais, é de fundamental importância para a compreensão da interação exercitada pelos médicos, em relação aos seus pacientes, isto porque, segundo Uribe (1999), com as mudanças ocorridas nos últimos tempos, sejam elas políticas ou sociais, além do grande desenvolvimento científico e tecnológico, as condições de vida, os costumes evoluíram, também, em igual ritmo. No entanto, o ato médico seguiu possuindo características muito especiais que a distinguem de outras atividades. A percepção de que essa relação vem sofrendo alterações fica bem caracterizada, na fala de um dos entrevistados quando diz que: “A relação médico-paciente está modificada por fatores sociais e culturais, e se desenvolve nos planos intelectual, técnico, afetivo e ético” (E 01). Para Charles et al (2000) apesar de todo o avanço ocorrido, no desenvolvimento do mecanismo das doenças e das atuais possibilidades existentes de alteração de sua evolução, na relação médico-paciente a comunicação continua sendo um dos temas centrais nesta complexa relação. Para Baeza e Bueno (1997), no exercício da medicina a comunicação é um componente sempre presente. Corroborando a fala de um dos entrevistados, quando diz que: a relação médico-paciente vem a ser o resultado da inter-relação que se estabelece entre o médico e o seu paciente através das diferentes formas de comunicação; e cada um com seus diferentes componentes culturais, sociais, educacional, valores e outros aspectos próprios da formação de cada um, na qual o médico deve tratar de ajustar-se às condições do paciente sem perder a autonomia (E 12). 77 Na relação médico-paciente o nível de interdependência mais complexo é o das expectativas mútuas, em que estão envolvidas previsões feitas por ambas partes. Estas previsões são influenciadas pelas imagens que cada um faz do outro e de si mesmo e elaboradas a partir do contexto social ao qual cada um se encontra inserido (BERLO, apud LEITE et al, 2004). Para Roter (2000), a expectativa do paciente é ter como interlocutor um médico que saiba ouvi-lo, que procure compreender suas queixas e que o respeite e o veja como pessoa. O proposto, pelos autores, pode ser corroborado na fala de um dos entrevistados, que diz que a relação médico-paciente: Compreende o bom diálogo, fundamentado no respeito mútuo, onde o médico deve oferecer ao seu paciente a confiança necessária para poder trocar opiniões com a finalidade de chegar a um ótimo resultado.Deve caracterizar esta relação, uma boa atenção e percepção das doenças do paciente, com a finalidade de proporcionar ao paciente conforto e satisfação pela atenção recebida (E 16). Ainda, segundo Roter (2000), cabe ao médico apresentar-se, criando um clima, inicial, favorável, obtendo informações sobre o paciente e direcionando as perguntas que o levem a identificar as preocupações e os motivos pelo qual o paciente sentiu a necessidade de procurar um médico. Para Marcus (1999), existe a necessidade da construção de uma parceria entre os dois, médico e paciente, e pressupõe a presença de alguns elementos, tais como: um cumprimento, um sorriso, senso de humor, atenção, gentileza, demonstração de interesse, desejo de ajudar, suspensão de julgamentos e comentários pessoais. Estes discursos também se encontram presente na fala dos entrevistados como se pode verificar a seguir: A relação deve ser mútua, porém deve ser iniciada pelo médico, que deve saber ganhar a confiança do paciente e este por sua vez deve perceber o médico como alguém que pode ajudá-lo a resolver seu problema. O médico deve ser amável, flexível e demonstrar segurança nos seus atos. Não deve criticar os atos do paciente (E 18). A relação médico-paciente é iniciada pelo médico no momento em que o paciente ingressa no consultório e o médico dá início a consulta com uma atitude agradável e uma saudação amável, mostrando a disposição de escutar e resolver os problemas do paciente (E 13). Corroborando com o pensamento de Feldman (1996), Malin et. al. ( 2001) fala que a qualidade da consulta, a comunicação empática, a cortesia, o respeito e atenção dos médicos durante as consultas são os pontos mais citados, pelos pacientes, como componentes de uma experiência positiva de tratamento. 78 Gaviria (1999) ressalta, ainda, o fato de que a pessoa que se encontra doente, fica fragilizada pela incerteza do seu futuro imediato e que necessita de alguém em que possa confiar, na busca da recuperação da saúde perdida. Portanto, não se deve estranhar a empatia que surge, ao longo do tempo, entre o médico, o paciente e sua família. O médico, em tempos passados, utilizava uns poucos instrumentos para o exame do paciente, que era composto de um exame físico cuidadoso e uma ampla entrevista sobre suas doenças e antecedentes, durante o qual o paciente tinha a oportunidade de contar ao médico suas preocupações. O diagnóstico se fundamentava no que se chamou durante muito tempo de “olho clínico”, que não era outra coisa senão um sólido conhecimento, uma boa capacidade de observação e raciocínio, uma boa comunicação com o paciente e um profundo conhecimento da natureza humana, adquirida por meio de uma sólida formação humanista (URIBE, 1999). Apesar do autor falar no passado, ainda, nos dias atuais vamos encontrar médicos que procuram manter esta mesma posição, em relação aos seus pacientes, tanto no tocante à questão humanista, bem como em relação à questão técnica, uma vez que expressam, no discurso articulado, algumas idéias relativas ao tema, como poderemos ver a seguir, quando se referem à relação médico-paciente: Compreende uma comunicação humanitária e técnica. Humanitária por que a finalidade da medicina é ajudar o ser humano. O paciente traz problemas, maiores ou menores, para resolver e o médico terá que escutar, examinar e resolver de forma técnica, para qual aplicará seus conhecimentos, habilidades e destreza e uma atitude positiva ante a consulta (E 08). Ou: (...) um processo de encontro, onde o usuário se põe em contato com o médico que é o responsável direto pela resolução do problema de saúde pelo qual ele procura ajuda. Portanto, o pessoal de saúde deve contar com capacidade técnica e qualidade humana que satisfaça às expectativas e necessidades do usuário utilizando as técnicas diagnósticas e terapêuticas que gerem a sua satisfação (E 09). O que se percebe pela análise, tanto bibliográfica como dos dados resultantes das entrevistas realizadas é que o conceito e a caracterização do que seja a relação médicopaciente, na sua essência, permanece, em discurso, dentro do espírito da Escola Hipocrática, mas que ao mesmo tempo foi afetada pela evolução ocorrida na sociedade, bem como, no exercício da medicina, uma vez que como falam Machado e Rego (1995) a evolução tecnológica e da própria ciência médica proporcionaram uma revolução na geografia do saber científico, e por que não dizer das ciências médicas. 79 Para Baeza e Bueno (1997) a comunicação é uma constante no exercício da medicina. Sendo que devido à falta de conhecimento do paciente com a terminologia médica, propicia o surgimento de uma barreira na comunicação entre o paciente e o seu médico, desta forma, médicos e pacientes terminam por conversar entre si fazendo uso de vozes diferentes (BOURHIS et al, 1989). Para Carson et al (1998), faria sentido então, dar voz ao próprio paciente. Falando, ainda, da passividade e fragilidade do paciente Street (1991), Baeza e Bueno (1997) dizem que, por aceitar o estilo de comunicação dominante do médico, o paciente assume um papel passivo no decorrer da consulta; deixando de fazer perguntas e esclarecer dúvidas, evidenciar incertezas ou discordar, do médico, por vergonha, diferença de condições sociais, ou por receio de parecer inconveniente e de ocupar muito tempo do médico. De acordo com um dos entrevistados, o médico: (....) é quem inicia esta relação mediante uma saudação respeitosa e convidando o paciente para entrar no consultório, com a finalidade de resolver seus problemas de saúde... É ai onde inicia o primeiro contato da relação médico-paciente, porque é necessário efetuar uma abordagem, suave com a finalidade de criar junto ao paciente, um ambiente de confiança e possibilitar ao paciente que fale com muita tranqüilidade o motivo de sua consulta (E 16). Ou como fala este entrevistado: Quem inicia a relação é o médico, desde o momento que recebe o paciente com um gesto, uma saudação amigável ou um olhar, procurando ganhar a empatia do paciente. Isto porque, o paciente é a pessoa que busca ajuda, para curar-se ou prevenir enfermidades, e que geralmente tem certo grau de ansiedade ou temor, motivo pelo qual geralmente mantém uma atitude passiva (E 17). Os entrevistados expressam que a responsabilidade pelo desenvolvimento da interação médico-paciente cabe aos médicos, assumindo, assim, o peso pelo êxito ou fracasso da relação. Este ponto de vista pode ser observado no discurso dos entrevistados, como no caso seguinte: O médico é o responsável direto pela relação médico-paciente e deve contar com capacidade técnica e qualidade humana que satisfaça às expectativas e necessidades do paciente (E 09). Ou na posição assumida pelo Entrevistado 08 quando diz que a responsabilidade da relação médico-paciente é: 80 Fundamentalmente do médico, muito embora a responsabilidade seja mútua, já que se não houver interlocutor, se não houver paciente, não haverá relação. O médico é quem a dirige, quem a modula e através de sua experiência é capaz de controlar a comunicação para um bom termo, inclusive em situações adversas (E 08). Ou, ainda, no expresso por um dos entrevistados referindo-se ao mesmo tema, que diz que a responsabilidade da relação médico-paciente: Basicamente será do médico, uma vez que ele deve ter conhecimento dos fatores e como manejar as situações que se deve ter em conta para que a relação com o paciente, na maioria dos casos, se realize de bom grado ou de forma adequada (Entrevistado 12 ). Neste ponto, cabe ressaltar que os achados da pesquisa estão de acordo com o pensamento de Batterman (1985), que diz que o paciente necessita encontrar um profissional médico que seja atencioso, compreensivo, dedicado e sensível. Sendo importante que o médico demonstre, ao seu paciente, que sabe ouvir, está preocupado em compreendê-lo, e que sanou as suas dúvidas transmitindo todas as informações de maneira clara e completa. Por outro lado, mesmo reconhecendo que a instauração e manutenção de uma relação médico-paciente adequada são de responsabilidade do médico, os entrevistados reconhecem que a mesma pode não existir, em função de vários fatores, como se pode perceber nos discursos transcritos a seguir: Sim, a relação médico-paciente pode não ocorrer quando o médico, devido às normas institucionais, tem que atender um mínimo de 24 pacientes, em sua jornada diária (produtividade do serviço), o que ocasiona tempo limitado para cada consulta, em detrimento da qualidade da mesma, gerando um cliente insatisfeito (E 01). Sim, a relação médico-paciente pode não ocorrer quando o médico muito apressado se limita a perguntar ao paciente, como um autômato, sem olhar em seus olhos, só escrevendo, tratando de terminar o mais rápido possível a consulta (E 04). A relação médico-paciente pode não ocorrer quando algum ou todos os componentes não interajam adequadamente. O médico, cansado pelo excesso de trabalho, atende o seu paciente de forma mecanizada, rápida e sem interesse nas opiniões do paciente (E 02). Esta questão, qual seja, o tempo disponível para o atendimento dos pacientes, pode ser resultante do “assalariamento” dos médicos que, segundo Machado e Rego (1995), é conseqüência do modelo econômico e assistencial adotado na maioria dos países desenvolvidos ou em desenvolvimento, nos quais os médicos se vêem obrigados a trabalhar 81 como assalariados, seja do Estado, ou empresas privadas, uma vez que, a assistência médica tornou-se uma atividade de alta complexidade, tanto tecnológica quanto econômica. Pollock e Grime (2002), mesmo considerando que o tempo é crucial na atividade médica, falam que a qualidade e a intensidade da relação médico-paciente independe da quantidade de tempo disponibilizado pelo médico, por este motivo, os médicos precisariam desenvolver uma sensibilidade focada na demonstração de interesse e empatia, e na capacidade de perceber a ansiedade dos pacientes encorajando-os a falar sobre suas dúvidas e preocupações. Desta forma, os médicos poderiam suprir a escassez de tempo, dedicado ao paciente, e ao mesmo tempo instaurar e manter uma relação médico-paciente adequada. Além do tempo e do excesso de trabalho, relatados anteriormente, os entrevistados também se referem à empatia que pode ser entendida como sendo o processo por meio do qual acredita-se ser capaz de entender, em parte, o que ocorre com outra pessoa. Dentro desta perspectiva o nível de interdependência mais complexo na interação médico-paciente é o das expectativas mútuas, uma vez que, estas envolvem previsões que são feitas tendo como base o contexto sociocultural, ao qual cada um pertence onde são influenciados pelas imagens que cada um faz de si mesmo e do outro (BERLO apud LEITE et al, 2004). Outro ponto ressaltado pelos entrevistados é a comunicação que, para Baeza e Bueno (1997), é um componente sempre presente no exercício da medicina. Para Marcus (1999), encontrar o ponto de equilíbrio nesta relação, é o maior desafio dos médicos, para estabelecer uma relação adequada. Uma vez que o equilíbrio pressupõe o estabelecimento de uma comunicação individualizada, na qual o paciente se sente único e valorizado. Baeza e Bueno (1997) e Baeza e Weil (1998) falam que se os médicos e os pacientes não tiverem como objetivo a instauração de um bom nível de comunicação, não existirá a empatia, tornando a relação impessoal, proporcionando o surgimento de uma comunicação vertical que ocasionaria sentimentos de descontentamento e insatisfação. Os entrevistados acreditam que na maioria das vezes a culpa pelo não estabelecimento da relação médico-paciente, acontece em função do próprio médico, uma vez que eles se sentem responsáveis pela instauração, manutenção e condução da relação com o seu paciente. Este fato pode ser observado na fala do Entrevistado 08: A relação médico-paciente pode não ocorrer se não há comunicação. O paciente em consulta externa entra no consultório e o médico não o cumprimenta, solicita as informações sem envolver-se ou friamente, não 82 examina o paciente, indica o tratamento sem dar explicação e geralmente sem variar as indicações anteriores e quando o faz não explica o porque da mudança. Muitas vezes, neste tipo de consulta os pacientes saem insatisfeitos, por que não chegou a existir uma comunicação adequada entre o médico e o paciente (E 08). E o expresso na entrevista transcrita abaixo: A relação médico-paciente pode não ocorrer por que não se dão as características dessa relação, e a consulta pode ser um ato mecânico, de rotina, onde unicamente se mantém o medicamento. Pode ocorrer quando o paciente não é examinado, nem auscultado, só se pergunta que doença tem, que medicamentos toma e se indica que os repita (E 14). Ou ainda, nas palavras do Entrevistado 06: Não se estabelece uma relação médico-paciente quando não se realiza uma comunicação efetiva entre ambos. O paciente não informa ao médico as suas doenças e preocupações, este se limita a examinar, diagnosticar e prescrever. A anamnese é muito curta e dirigida. O paciente termina a consulta insatisfeito e duvida que o tratamento indicado seja o que ele necessita (E 06). Além da empatia e da comunicação, pode-se perceber no discurso dos entrevistados que eles se referem, ainda, a outros aspectos relacionados à questão da relação médico-paciente como olhar, escutar, tocar e confortar. Neste ponto, torna-se necessário retomar a argumentação de alguns autores como Ismael (2002); Feldman (1996); Remen (1993); Botsaris (2001), que corroboram os pontos levantados pelos entrevistados. No que se refere ao olhar, Ismael (2002) diz que devido a transitoriedade existente, nos tempos atuais, nas relações pessoais “... as pessoas vêem, mas não olham, e esta é uma forma de cegueira...”(p. 67). Na medida em que o paciente se sente fragilizado, ele necessita ser olhado, uma vez que o olhar do médico pode ser a diferença entre ser considerado um ser humano ou mais um dado em uma ficha ou em um computador. Para Feldman (1996) escutar é um fator importante na construção da relação médico-paciente, uma vez que na nossa cultura, e devido ao estilo de vida atual, o tempo não é disponibilizado, pelas pessoas, para ouvir ou ser ouvido. Por sua vez, Ismael (2002) fala que a autêntica escuta exige paciência, atenção e interesse. E que o médico que pretender desenvolver uma relação construtiva com o paciente precisa escutá-lo com atenção, isto porque para alguns pacientes sua história pessoal só começa a ter algum significado com o aparecimento da doença. 83 Segundo Remen (1993) os pacientes necessitam não apenas da habilidade e da competência profissional do médico, mas de sua compaixão e desvelo que podem ser melhor transmitidos pelo toque. Tratando do mesmo assunto, Ismael (2002) fala do conhecimento que o médico detém que para a maioria dos pacientes a consulta resulta satisfatória quando estes são auscultados. Por sua vez, Botsaris (2001) diz que o toque age positivamente sobre a psique e a emoção dos pacientes, neste sentido, a ausência do contato físico médico paciente pode ocasionar uma avaliação incorreta do quadro clínico, e também, o paciente por falta deste contato pode sentir-se pouco cuidado, gerando insegurança e perda de confiança no médico. Para Ismael (2002) confortar não se traduz como demonstração de piedade do médico, e sim apoiar. Isto porque a doença fragiliza o ser humano que passa a necessitar de carinho e conforto. Neste sentido, o distanciamento do médico ou o seu não envolvimento com o doente pode torná-lo, apenas, em um robótico profissional de saúde o que não o impede de deter um bom conhecimento técnico. Mas, ao mesmo tempo o impede de instaurar uma relação médico-paciente adequada, diz o Entrevistado 08. Dessa forma, a percepção, de parte dos entrevistados, segue a mesma perspectiva dos pacientes que, segundo Ismael (2002), define como sendo quatro as atitudes fundamentais para o bom desenvolvimento da relação médico-paciente: confortar, escutar, olhar e tocar. Como visto, anteriormente, os médicos se sentem responsáveis pela instauração, desenvolvimento e manutenção de uma relação médico-paciente adequada. E neste sentido, cabe verificar como se estabelece essa relação na percepção dos atores investigados. Para Roter (2000) médico e paciente constituem um par de opostos, no qual o paciente objetiva encontrar um médico, com o qual ele possa se comunicar e que saiba ouvi-lo, que compreenda suas queixas, que o respeite e o veja como pessoa. O autor, ainda fala, que cabe ao médico criar um clima inicial favorável e elaborar perguntas que o possibilite identificar a maior preocupação e o motivo pelo qual o problema fez o paciente procurar um serviço, naquele momento de sua vida. Corroborando o que expressa um dos entrevistados quando diz: Ao ter o primeiro contato, o médico deve saudar o paciente, apresentar-se e incentivá-lo para que detalhe seus problemas de saúde; durante a entrevista o médico deve estar tranqüilo, mostrar-se amável e sorridente, e com capacidade de escutar com sinceridade, falar o necessário e dar explicações convincentes acerca de sua doença. O médico deve estar apto para responder a inquietude do paciente e manter a calma. Chamar o paciente por seu nome que é uma forma de chamar a sua atenção e de fazer com que ele saiba que o médico esta verdadeiramente interessado em sua pessoa (E 01). 84 Considerando que no exercício da medicina a comunicação é uma constante (BAEZA; BUENO, 1997), Bourhis et. al. (1989) diz que a falta de conhecimento do paciente com os termos médicos possibilita o aparecimento de uma barreira na comunicação entre o paciente e o seu médico, desta forma médicos e pacientes terminam por conversar entre si fazendo uso de vozes diferentes. Para Carson et al (1998), faria sentido então, dar voz ao próprio paciente. Achado em que encontra respaldo o discurso do Entrevistado 05, como se pode observar no texto transcrito: O médico deverá chamar o paciente de maneira educada e apresentar-se dando início a uma conversa informal, para logo passar a perguntar qual o motivo da sua visita e que mais o preocupa. O médico deverá saber escutar o que o paciente tem a lhe dizer, deverá examiná-lo, seguindo o procedimento de uma correta consulta médica. Finalmente deverá dar uma adequada informação de sua doença, assim como o provável prognóstico e, sobretudo explicar adequadamente como deve realizar o seu tratamento e quando deve retornar para efeito de controle (...) (E 05). Leite et al (2004), diz que para a manutenção de uma experiência positiva e o aumento da satisfação dos pacientes, os médicos poderiam: a- procurar diminuir a distância que os separa dos pacientes, apresentando-se e tratando os pacientes pelo nome; b- prover todos os esclarecimentos necessários, questionando o paciente sobre dúvidas ou perguntas adicionais; c- deixar claro o motivo da consulta; e d- dar uma visão de futuro, explicando os procedimentos e o tratamento. O Entrevistado 16, também partilha da mesma concepção, na medida que se preocupa em tornar a consulta em um momento de diálogo com o paciente, como podemos observar a seguir: Em primeira instância, se convida o paciente para entrar no consultório, logo se faz uma saudação cordial e o convida para sentar. Depois se pergunta o motivo da sua consulta de forma clara, precisa e motivadora. Abre espaço para que o paciente expresse suas idéias sobre sua doença e se responde a qualquer pergunta feita pelo paciente, com palavras entendíveis. Durante o diálogo se trata de ganhar a confiança e a segurança do paciente, com a finalidade de obter a informação necessária e poder ter um panorama amplo da enfermidade (E 16). 85 Pelos discursos transcritos pode-se perceber que os entrevistados, de uma maneira geral, concordam com os achados de Roter (2000), Baeza e Bueno (1997), Bourkes et al (1989), Carson et al (1998) e Leite et al (2004), o que pode significar o desejo de aproximação com os seus pacientes e, ao mesmo tempo, que existe, por parte dos médicos, o conhecimento de como efetuar esta aproximação. Como visto na revisão bibliográfica, para Barrier et al (2003) existem componentes-chave para o estabelecimento de uma interação adequada entre médico e paciente, quais sejam: (1) construção de um bom relacionamento, (2) obtenção de informações e (3) orientação. Já Marcus (1999) defende que alguns componentes são básicos no desenrolar da interação, tais como, um cumprimento, um sorriso, senso de humor, atenção, gentileza, demonstração de interesse, desejo de ajudar, suspensão de julgamentos e comentários pessoais. Pollock e Grime (2002) defendem que os médicos necessitam desenvolver maior sensibilidade para demonstrar interesse e empatia, perceber a ansiedade dos pacientes e encorajá-los a falar sobre suas preocupações. Deste modo, cabe fazer um questionamento, junto aos entrevistados, da existência ou não de uma única maneira ou padrão no desenvolvimento da relação médico-paciente. Para o Entrevistado 04 existem aspectos gerais que são comuns, como se pode observar a seguir: A relação médico-paciente tem aspectos gerais comuns, contudo cada médico possui seu toque pessoal, pois cada profissional tem diferentes características, toma certas atitudes que não são compartilhadas por seus colegas e sabem chegar melhor ao paciente (E 04). Aspecto no qual é seguido pelo Entrevistado 08, quando afirma que existem aspectos gerais que são ensinados no curso de graduação, conforme o texto a seguir transcrito: Tem aspectos gerais que são adquiridos no curso universitário, contudo existem variações típicas e especiais de cada médico, podemos dizer, por exemplo, um sorriso, mais dedicação e mais calor humano (E 08). Ou como no caso dos Entrevistados 09, 12 e 02 que admite que existe um protocolo a ser seguido, contudo admitindo que cada médico tem a sua estratégia de atuação, em função de suas características pessoais. 86 A relação médico-paciente tem uma maneira protocolizada para esta questão, contudo cada médico possui características pessoais que podem ser utilizadas para obter a empatia e boas relações interpessoais com os pacientes (E 09). Os passos, a seguir pode-se dizer que em sua maioria existem, porém a forma como os realiza cada profissional serão distintos, segundo as características próprias e inatas de cada profissional e de acordo com as características próprias e típicas de cada paciente e das condições ambientais que existem em torno de ambos (E 12). A cortesia, o interesse, a sinceridade, o conhecimento e a calma são as maneiras gerais para conduzir a relação médico-paciente. A estratégia para utilizá-las de maneira efetiva dependerá muito da atitude do médico (E 02). Os Entrevistados 16 e 05, apesar de afirmarem que a relação médico-paciente é particular em cada médico, no conteúdo expresso em suas entrevistas admitem que existe, uma forma, geral de se conduzir a interação entre médico e paciente, como se pode perceber na transcrição das entrevistas: Sim, a relação médico-paciente é particular para cada médico, contudo os parâmetros gerais considerados durante esta relação são comuns para todos. Ex.: respeito, compreensão, confiança, humanismo, aceitabilidade e um bom tratamento (E 16). A relação médico-paciente é particular de cada médico, já que depende muito de suas qualidades de comunicação, de como chegar ao paciente, de desenvolver um tratamento adequado. Porém se pode criar uma cultura de interação, termo usado para definir um tratamento adequado ao paciente, onde se inspira confiança, segurança, informação e tratamento amável (E 05). Conforme os entrevistados, existe uma maneira geral de se estabelecer e conduzir a relação médico-paciente que, segundo ainda, os entrevistados, a forma de implementá-las depende das características pessoais de cada médico. O resultado da percepção dos entrevistados está de acordo com os achados de Barrier et al (2003), Marcus (1999), Pollock e Grime (2002) que defendem a existência de componentes-chave no estabelecimento da interação médico-paciente. Na medida que, se admite a existência de uma maneira geral de se estabelecer a interação entre o médico e o paciente. Interação esta que pode ter como origem a Escola Hipocrática, uma vez, que ela pregava uma relação efetiva com o paciente e defendia a necessidade do médico observar e ouvir o mesmo. E considerando, ainda, que para Piñero (2000) o ensino médico está atravessando uma profunda crise em todo o mundo e já não possui um modelo adequado às características científicas, técnicas e sociais da medicina atual. E, que o quadro atual das ciências médicas correspondem ao extraordinário desenvolvimento 87 das ciências e técnicas de saúde, o que ocasiona a dedicação por parte dos profissionais a aspectos determinados das ciências médicas. Para Leite et al (2004) a relação médico-paciente foi colocada em segundo plano, pelo avanço tecnológico e o acesso à informação, especialmente na área biológica, o que proporcionou a perda de espaço da subjetividade, presente anteriormente, na interação. Balint (1999) diz que as décadas de 70 e 80, do século passado, foram profundamente científicas, tendo como foco central a fisiopatologia e o conseqüente distanciamento do paciente. Para Charles et al (2000), mesmo com a melhoria no entendimento dos mecanismos das doenças e as possibilidades de alteração de sua evolução, a comunicação entre o médico e o paciente segue como uma das atividades centrais da complexa relação médico-paciente. Uribe (1999) discorrendo sobre o assunto, diz que, nos tempos atuais, a deteorização da relação médico-paciente, ocorre em virtude do grande avanço tecnológico, que tem limitado o papel do médico no diagnóstico e tratamento das doenças. Botsaris (2001) vê na divisão da medicina em especialidades e ao modo de trabalho vigente, outra razão importante para a deteriorização da relação médico-paciente, uma vez que o ensino médico mantém como paradigma a concepção do organismo humano como um conjunto de órgãos que deve ser estudado cada um por diferentes especialistas. O desaparecimento do médico humanista, em decorrência da adoção do modelo de ensino médico norte-americano, muito mais pragmático e fundamentado nas ciências biológicas talvez seja a razão que mais influenciou na deteriorização da antiga relação médico-paciente. Para este modelo de ensino, o paciente antes de ser um ser humano é um organismo enfermo que busca somente o restabelecimento de sua saúde e, portanto nada mais espera do médico (URIBE, 1999). Conforme se pode observar, a mesma questão é abordada pelos entrevistados quando se referem que nos cursos de graduação não existe uma formação direcionada à interação dos médicos com os seus pacientes, conforme transcrito abaixo: (...) nas faculdades de medicina não existe formação sobre a relação médicopaciente, e menos ainda sobre o que é qualidade da atenção médica. Existe muita formação sobre qualidade técnica, porém não sobre qualidade do serviço ou da atenção médica (E 05). 88 Outro entrevistado se posiciona, de forma contundente, sobre a falta de orientação quanto a interação do médico com o paciente e diz que nos cursos de medicina “só se ensina a diagnosticar”, conforme transcrição abaixo: (...) nos estudos de graduação não se ensina a tratar o paciente, como um todo e no sentido de se estabelecer uma relação médico-paciente através do ato médico. Só se ensina a diagnosticar (E 06). Ou como se posiciona o Entrevistado 10, corroborando, em parte, a fala do Entrevistado 06, a seguir transcrito: Com a experiência que tenho hoje, considero que nas faculdades de medicina, não se oferecem cursos a respeito do assunto para a formação dos estudantes e possibilitar que estes possam estabelecer uma relação médicopaciente de qualidade (E 10). Ou, ainda a fala do Entrevistado 18, quando diz que se aprende na prática diária, face a falta de orientação nos cursos de medicina. Geralmente se ensina pouco na universidade sobre como criar uma adequada relação médico-paciente. A maior parte se aprende com a prática diária e se modifica segundo a experiência que cada um vai tendo, e será ótima na medida que se tenha maior tempo de contato com os pacientes, sempre quando exista a vontade de faze-lo (E 18). Analisando o discurso dos entrevistados, percebe-se que existe uma concordância entre o por eles expresso, e os achados de pesquisadores como: Leite et al (2004); Balint (1999); Charles et al (2000); Uribe (1999) e Botsaris (2001), na medida que reconhecem não receberam uma formação e orientação para prepará-los, adequadamente, no estabelecimento e manutenção de uma relação médico-paciente de qualidade. E chegam a reconhecer que existe, por parte dos cursos de graduação em medicina, uma preocupação com a formação técnicocientífica, desprezando o lado humano da profissão. Por outro, lado quando questionados sobre a orientação que dariam, a um recémformado, corroboram a posição no sentido de se desenvolver habilidades especificas para o estabelecimento de uma relação mais humana, em reconhecimento ao fato de que, nos dias atuais, não existe uma formação adequada por parte dos médicos para o trato com os pacientes, como se percebe nas entrevistas realizadas. O Entrevistado 12 coloca de forma clara a comunicação como foco central para o estabelecimento de uma relação, o que encontra respaldo nos achados de Baeza e Bueno (1997) que colocam a comunicação como uma constante no exercício da medicina. 89 Ter-se-ia que reforçar no que se refere ao desenvolvimento de qualidades e técnicas de comunicação, que é parte básica para favorecer o desenvolvimento de uma boa relação, neste caso do médico, assim mesmo realizar um treinamento, ressaltando as diferenças no trato dos pacientes em função das suas condições, segundo a idade, sejam crianças, adolescentes, adultos, mulheres, segundo o grau de instrução ou outras características próprias, que nos pode proporcionar a parte inicial da história clínica, porém o principal é o bom tratamento, desde o primeiro contato com o paciente (E 12). Os Entrevistados 16 e 18, por sua vez ressaltam aspectos como respeito, bom trato com os pacientes, confiança, humanismo, amabilidade, informação e orientação, o que, em outras palavras pode significar os elementos-chave, colocados por Barrier et al (2003), para o estabelecimento de uma relação médico-paciente. Tratando-se de um médico que terá a responsabilidade ética de curar pessoas, insistiria e orientaria, basicamente, nos seguintes aspectos: – responsabilidade; – disciplina; – respeito; – bom trato com os pacientes; – confiança; – humanismo; e – equidade (E 16). Que tenha um nível aceitável de conhecimentos médico; – que tenha uma boa educação e seja amável; – que saiba conduzir a consulta até onde queira chegar e não sair muito do tema; – que pergunte não só por doenças físicas; – que sempre examine seu paciente; – que explique ao paciente claramente o que ele tem; e – assegure-se que o paciente tenha compreendido como deve efetuar seu tratamento (E 18). Por outro lado, os Entrevistados 04 e 07, se reportam à necessidade de escutar e respeitar o paciente como a forma fundamental para o estabelecimento de uma relação médico-paciente. Os entrevistados encontram respaldo em Carl Rogers (apud FELDMAN, 1996), que criou a “terapia centrada no cliente” – método que supõe o estabelecimento de uma relação de afeto e segurança, transmitindo uma sensação de empatia com os sentimentos e comunicações do paciente (GRANDSTAFF et. al. 1997) – na qual se define as dimensões de respeito, aceitação e empatia como pré-requisitos na construção de qualquer relação humana, em especial as que incluem o encontro do profissional de saúde com o paciente. Feldman (1996), fala que apesar de fundamentais estes conceitos são abstratos e uma das formas de torná-los reais é através da escuta, já que, “Escutar é a maneira operacional, concreta e objetiva de se respeitar, aceitar, ser empático e compreender o outro”. (op. cit., p. 46). Corroborando com o pensamento de Feldman (1996), Malin et. al. (2001) fala que a qualidade da consulta, a comunicação empática, a cortesia, o respeito e atenção dos médicos durante 90 as consultas são os pontos mais citados, pelos pacientes, como componentes de uma experiência positiva de tratamento. Como podemos perceber no discurso dos entrevistados a seguir: Antes de tudo que aprenda a escutar o paciente, que tenha respeito pelo paciente e pelo que ele manifeste, que saiba dar bom tratamento ao paciente (E 04). Que diante do paciente seja uma pessoa amável, respeitosa, cautelosa e demonstre ao paciente o interesse em escutar, com paciência, suas queixas sobre suas doenças (E 07). O Entrevistado 02, também se posiciona no sentido de assumir uma atitude positiva em relação ao paciente e à sua enfermidade, na medida que tem uma preocupação em demonstrar interesse, examinar o paciente e transmitir as informações necessárias para que o mesmo compreenda claramente as suas recomendações e a causa da sua doença, o que tem respaldo, nos achados de autores, já citados, como Barrier et al (2003) e Marcus (1999). Em primeiro lugar é fundamental ter uma capacitação contínua. Posteriormente, aplicar o seu conhecimento como exemplo: na forma de receber o paciente, iniciar o interrogatório, mostrar interesse pela enfermidade, examinar o paciente, explicar sua enfermidade, indicar verbalmente e por escrito as recomendações e terapêutica indicada, e animar o paciente no sentido de seguir o tratamento, dando confiança para uma pronta recuperação. (E 02) Por sua vez, o Entrevistado 08 vale-se dos princípios da boiética, como base de orientação para um médico recém formado. O entrevistado expressa, no seu discurso, preocupação com 03 dos 04 princípios da bioética, que pode ser compreendida como complemento da ética prática – que se ocupa do agir correto ou bem fazer, por oposição à ética teórica ocupada em conhecer, definir e explicitar – e abrange os problemas relacionados com a vida e a saúde, configurando-se como uma ética aplicada (KIPPER; CLOTET, 1998). Como se pode verificar a seguir: Os princípios da bioética. Respeitar a autonomia do paciente, ser justo nos tratamentos, ou seja, tratar todos os pacientes da mesma maneira. Beneficência – sempre tratar de fazer o bem; e na Não Maleficência – não fazer danos aos outros de forma proposital. A recomendação seguinte é dar uma consulta atenciosa (E 08). Preliminarmente pode-se dizer que, para os entrevistados, existiria uma preocupação em orientar os médicos recém-formados, no sentido de adquirirem ou desenvolverem habilidades de comunicação que para Baeza e Bueno (1997) é uma constante no exercício da medicina. E também, se preocupam, em orientar o médico a escutar o seu 91 paciente, sendo coerente com Feldman (1996) que defende a escuta como a maneira operacional, concreta e objetiva de se respeitar, aceitar, ser empático e compreender o outro. Para Ruusuvuori (2001) a interação pode apresentar barreiras que podem estar relacionadas às características pessoais e de estilo de comunicação tanto do médico, como do paciente e dependem também do contexto social e cultural no qual o encontro acontece. Britten et al (2000) diz que a falta de participação na consulta leva à desinformação referente a decisões de prescrições. Para o autor, isto ocorre pela existência de um diferencial de poder entre médico e paciente, somada à própria experiência de vida do paciente e ao contexto nem sempre facilitador no qual algumas interações acontecem. Neste sentido, torna-se importante saber da percepção dos entrevistados em relação aos pontos considerados importantes na definição do plano de tratamento e da preferência dos pacientes em relação às prescrições. De maneira geral, existe, por parte dos entrevistados uma preocupação, além dos aspectos normais de uma prescrição médica como: a idade, sexo, quadro clínico, anamnese; resultados dos exames auxiliares; com a aceitação por parte do paciente com o tratamento prescrito; com a questão da autonomia do paciente e com as possibilidades econômicas do mesmo, como se pode perceber nos termos empregados pelos seguintes entrevistados: Bom, como médico geral, não como especialista, primeiro avalio o tipo de enfermidade e, de acordo, com o paciente vejo se o tratamento que indicarei será adequado, se não interferirá com outras patologias do paciente, também avalio se o medicamento indicado está ao alcance econômico do paciente e se sua aplicação será compreendida pelo mesmo. Antes de tudo, é necessário se assegurar de que o paciente compreende sua doença (E 04). Ou como falam os Entrevistado 11, 12 e 18 conforme os textos transcritos: Um fator importante é que o paciente compreenda a natureza de sua enfermidade, seu prognóstico e tenha responsabilidade com o seu tratamento; e elejo com o paciente o tratamento mais viável economicamente (E 11). Em primeiro lugar uma boa relação médico-paciente. A seguir realizo uma boa anamnese, exame clínico para assim realizar uma impressão diagnóstica, a mais precisa possível, e poder indicar o tratamento em concordância com os dados obtidos do paciente, segundo o acesso econômico, cultural e de trabalho do paciente, bem como, sua relação familiar, preferências e tecnologia disponível (E 12). Primeiro explicar a enfermidade e as causas que a ocasionaram, dependendo do nível cultural que tenha o paciente, podendo ser mais detalhada se o paciente solicita ou se mostra interesse em conhecer sua enfermidade. Logo após, analisar a factibilidade do cumprimento do tratamento obtendo a concordância do paciente; certificar-se de que o paciente entendeu bem as indicações; assegurar de que o paciente não está tomando outro 92 medicamento que possa causar reações adversas, ao iniciar o novo tratamento; e conhecer os antecedentes patológicos do paciente (E 18). A questão da bioética, também, faz-se presente, de forma explícita como se pode perceber no discurso do entrevistado de número 08, a seguir: Meus conhecimentos de medicina do problema a tratar. Penso muito no custo benefício, segundo o caso. Muito importante neste ponto é a autonomia do paciente em aceitar ou não o tratamento sugerido (E 08). De acordo com os entrevistados, além dos aspectos técnicos e científicos que se devem levar em conta na hora de uma prescrição médica, existe uma preocupação clara com a aceitação, por parte dos pacientes, com o tratamento indicado. É bom ressaltar que a aceitabilidade é um dos atributos da qualidade definidos por Donabedian (1990). Outra preocupação explícita, dos médicos entrevistados, é aquela relacionada ao aspecto econômico do tratamento, que nada mais é do que a otimização, outro dos atributos definido por Donabedian (1990) que estuda a relação favorável entre custo e benefício; esta posição pode ser justificada, por serem os entrevistados oriundos do sistema de saúde pública do Peru, país com pouco desenvolvimento econômico e social, detendo um alto grau de pobreza. A questão da bioética também faz parte da percepção dos entrevistados, que se referem à autonomia do paciente, fazendo uso de um dos princípios de Beauchamp e Childress (apud KIPPER; CLOTET, 1998) dos quatro princípios básicos definidos por ele, e que admite a liberdade que tem o paciente para tomar decisões que afetem ao seu próprio corpo. Este reconhecimento obriga o médico a fornecer uma informação adequada e a respeitar as escolhas efetuadas pelos pacientes (GONZÁLEZ, 1998). Neste sentido, os entrevistados ratificam o posicionamento anterior na medida que, de maneira geral, consideram as preferências dos pacientes na prescrição dos medicamentos e terapias, o que nos remete aos atributos definidos por Donabedian (1990) e aos princípios da bioética definidos por Beauchamp e Childress (apud KIPPER; CLOTET, 1998), conforme se pode observar nas falas emitidas pelos entrevistados, a seguir: Sim, porque como existem diferentes fármacos, alguns deles gozam de certas preferências por parte dos pacientes por acreditarem que são mais efetivos. Também é importante a experiência anterior do paciente com um produto similar. Por fim, é importante considerar as expectativas dos pacientes (E 05). Ou, ainda, o que pode ser observado na fala do Entrevistado 18, transcrita a seguir: 93 Sim, é ideal saber se uma pessoa tem preferência, por um determinado tipo de tratamento, e se este tipo de tratamento pode obter êxito, neste caso é preferível fazer uso dele porque o paciente confia nessa terapia e provavelmente a conhece parcialmente, o que facilita a adesão ao tratamento (E 18). Existe também uma preocupação, por parte dos entrevistados em orientar o paciente, como se pode verificar, por meio da fala do Entrevistado 12: Sim, sempre e quando se ajustam ao conteúdo técnico do tratamento e pedimos a sua participação na medida que nos ajude na aceitação e no cumprimento do tratamento, porém sempre lhes explicando em detalhe as indicações e o por que delas (E 12). Uma das questões que pode refletir a boa relação do médico com o seu paciente, pode estar vinculada à emissão, por parte do paciente, de opinião sobre as consultas e atenção médica recebida, e o retorno para controle ou continuidade do tratamento, com o médico de sua escolha, uma vez que, como tratado por Berlo (apud LEITE et al, 2004) na relação médico-paciente o nível de interdependência mais complexo é o das expectativas mútuas, em que estão envolvidas previsões feitas por ambas as partes. Tratando-se da questão da emissão de opinião sobre atenção prestada aos seus pacientes, os entrevistados assumem uma posição coerente com uma interação adequada com os pacientes como se pode observar pelos depoimentos a seguir transcritos: Os pacientes manifestam suas opiniões sobre a consulta recebida, não só da especialidade objeto da consulta mas, também, de outras consultas, bem como manifestam sua aceitação ou não com os tratamentos recebidos com base na melhoria ou não de sua doença (E 01). Ou como se coloca o Entrevistado 12: Sim, os pacientes, particularmente no meu caso, têm a confiança suficiente de se expressar sobre a consulta recebida. Solicitam explicações das diferentes partes do processo de atenção e fazem, inclusive, observações dos pontos que não lhes parecem convenientes, especificamente nos tratamentos, e existem pacientes que questionam a qualidade dos medicamentos (E 12). Tratando-se dos motivos que levam os pacientes a retornarem para uma nova consulta ou continuidade do tratamento, os entrevistados percebem que a atenção dispensada ao paciente e o escutar funcionam como pontos básicos para o retorno dos pacientes, naturalmente que alinhados a um diagnóstico, e tratamento adequados o que é condizente com Baterman (1985) que defende que os médicos devem apresentar comportamentos que demonstrem que sabem ouvir e estão preocupados com a compreensão do paciente. 94 Sim, freqüentemente retornam, os motivos principais seriam: – o bom tratamento durante a consulta; – porque escuto bastante todos os pacientes; e – porque prescrevo o tratamento e dou conselhos baseados integralmente em princípios científicos estabelecidos (E 08). Ou como se expressa o Entrevistado 10: Sim, meus pacientes têm por costume voltar a realizar outras consultas comigo, penso que os principais motivos que os leva a isto é o tratamento e a importância que dispenso aos meus pacientes (E 10). O Entrevistado 13 deixa explícito o processo de empatia no processo de atenção ao paciente, que para Berlo (apud LEITE et al, 2004) é o processo pelo qual acredita-se ser capaz de entender o que ocorre dentro de outra pessoa. Creio que sim, isto pode dever-se ao fato de que procuro nunca mostrar má disposição no momento da consulta. Gosto de escutar problemas que não são só próprios da enfermidade e trato de entabular um processo de empatia (E 13). Os entrevistados 14 e 16, por outro lado reforçam o aspecto humanista, o respeito e a confiança, aspectos corroborados por Ford et al (2003) que diz que a relação médicopaciente caminha para uma comunicação mais humanista. Se os pacientes buscam nova consulta comigo e não aceitam outro profissional para a sua atenção médica, creio que os motivos são: – a qualidade do tratamento; – a qualidade da atenção médica; – a eficiência no diagnóstico e tratamento; – assim como a explicação médica científica e humana que lhes faço de suas enfermidades (E 14). Os motivos que levam alguns pacientes a retornarem para nova consulta estão relacionados principalmente a: – a oferta de uma atenção e tratamento adequado; – diagnóstico e tratamento adequado; – respeito; – bom tratamento; e – confiança mútua (E 16). O conhecimento dos fatores ou dimensões que interferem na relação médicopaciente, parece ser importante, para que os profissionais de saúde possam proporcionar aos seus pacientes uma atenção médica mais adequada. Os autores pesquisados, Feldman (1996), Malin et al (2001), Leite et al (2004), Botsaris (2001), Pollock e Grime (2002), Watson (apud BARNHART et al, 1997), Berlo (apud LEITE et al, 2004), Roter (2000), Marcus (1999), Baeza e Bueno (1997), Baeza e Weil (1998), Barrier et al (2003), Street (1991), Ismael (2002) tratam do tema e apresentam pontos em comum entre eles os fatores intervenientes, na relação médico-paciente, uma vez que sempre se referem à comunicação, à confiança, ao respeito mútuo, à empatia, à escuta, ao olhar, à compreensão, ao tempo disponível, ao interesse pelo 95 paciente e à informação, entre outros pontos, que devem ser observados pelos médicos para o estabelecimento de uma relação médico-paciente adequada. A complexidade do tema proporcionou que, um dos entrevistados, antes de listar uma série de fatores intervenientes, fizesse uma declaração sobre quase todos os pontos tratados pelos autores citados e que na verdade traduzem a complexidade e ao mesmo tempo a importância do tema em questão, como se pode observar na transcrição da entrevista abaixo: É importante que o paciente conheça o máximo possível das questões relacionadas com a sua doença. O médico deve explicar tudo da maneira mais compreensível, o que se conhece sobre a doença, o que não se conhece, as vantagens e desvantagens dos antigos e novos tratamentos, quais são as novas pesquisas e a experiência pessoal com os tratamentos para a doença. É importante o tempo da consulta, a facilidade de se fazer entender e o desejo ou vontade do médico, e não a maior ou menor cultura do paciente... Para o paciente é importante que lhe expliquem da melhor forma possível o que ele tem e por que tem, que lhe esclareçam as dúvidas sobre o que tenham dito e o que eram impressões errôneas ou corretas, o que depois permitirá que ele atue em conjunto com seu médico... Concluindo, acima da qualidade técnica do médico, está a sua atitude, a educação, o tempo disponível, a habilidade de comunicação, por outro lado a atitude do paciente, também, intervém fundamentalmente na qualidade da relação médico-paciente (E 01). Outros entrevistados foram mais objetivos ao falar nos fatores que interferem na relação médico-pacientes, mas após análise do conteúdo do texto, pode-se verificar que eles remetem em suas falas, à questão do humanismo que deve permear a atividade do médico, conforme se pode observar nos textos transcritos das entrevistas realizadas com os Entrevistados 09, 12 e 13 a seguir: É a boa relação interpessoal, a confiança do paciente, a capacidade técnica e a qualidade humana que satisfaça as expectativas e necessidades do paciente (E 09). A educação, a qualidade técnica e humana do médico e, também, tem importância o ambiente no qual se estabelece a relação (E 12). A capacidade do médico para escutar, resolver e tratar dos problemas de saúde do paciente e o ambiente adequado (E 13). A exemplo dos entrevistados 12 e 13, o Entrevistado 18 também se reporta à questão do ambiente como um dos fatores que interferem no estabelecimento da interação do médico com o paciente. Um ponto que chama atenção neste discurso é quando o entrevistado se refere ao senso de humor, ponto que encontra respaldo na proposta de Marcus (1999), que coloca o senso de humor como um dos fatores responsáveis pela ampliação da probabilidade de interagir como paciente. 96 Ambiente, tratamento do médico, tempo, grau de confiança que o paciente tem no seu médico, espontaneidade tanto do médico como do paciente e uma dose de senso de humor (E 18). Watson (apud BARNHART et al, 1997), lembra que a assistência, no nível humano, tem sido progressivamente desvalorizada no sistema de saúde e que os fundamentos da assistência em saúde têm sido sublimados pelos avanços tecnológicos. Conduzindo o leitor ao pensamento expresso por Falk e Carvalho (1999) de que a avaliação da qualidade dos serviços de saúde ocorre muito em relação à qualidade técnica do tratamento e não da inter-relação pessoal (relação médico-paciente) dispensada pelo médico no processo de atender. Ao mesmo tempo, Zenke e Chaaf (1991) dizem que os pacientes baseiam suas percepções nos pontos em que se sentem mais qualificados para julgar. O que é consistente segundo Lim e Zallocco (apud FALK; CARVALHO, 1999) com o comportamento de consumidores que se encontram em posição inferior para avaliar produtos ou serviços que sejam tecnicamente complexos, optando por utilizar outras dimensões que não as técnicas para efetuar a sua avaliação. No caso da relação médico-paciente, a assimetria oriunda da força e do poder do médico, e, no caso da doença, a fragilidade do paciente, que torna a relação desproporcional (SILVA, 1997), fazem com que os pacientes então, de acordo com Lim e Zallocco (apud FALK; CARVALHO, 1999), tendam por avaliar esta relação por outras dimensões que não as técnicas. De acordo com os argumentos anteriormente citados, os pacientes não se sentem aptos a avaliar a dimensão técnica no atendimento médico, devido ao alto emprego de tecnologia na área médica, fazendo com que o componente afetivo ganhe uma proporção ainda maior. Cabe então, verificar a percepção dos entrevistados em relação à importância que pode ter uma relação médico-paciente adequada para o êxito do tratamento. O Entrevistado 01 acredita que da boa interação depende um bom diagnóstico, como se pode perceber no texto abaixo transcrito: Definitivamente pode interferir, já que da relação depende um bom diagnóstico, uma condução adequada do caso e a cura definitiva do paciente, com a participação ativa do mesmo (E 01). Ou como se expressa o Entrevistado 02, que fala sobre a possibilidade de motivar o paciente para que ele colabore no tratamento: 97 Com certeza que interfere porque sem uma boa relação não podemos chegar a um diagnóstico preciso, não somos capazes de elaborar uma boa história clínica e não motivaremos o paciente para que colabore no tratamento da sua enfermidade (E 02). Por outro lado, o Entrevistado 08 reporta-se à questão da confiança que surge decorrente da interação do médico com o paciente: Definitivamente. Por exemplo: se o médico não emana confiança, não tem conhecimentos sólidos que possa mostrar durante a consulta, vai gerar desconfiança e deteriorar o êxito do tratamento (E 08). O Entrevistado 11, por sua vez, fala que nos casos de doenças crônicas, a boa interação do médico com o paciente é fundamental para o êxito do tratamento, como se pode verificar: Definitivamente que sim, porque dele depende um bom resultado no cuidado da saúde, sobretudo nas enfermidades crônicas ou nas doenças nas quais o paciente deve adotar uma forma de vida diferente, que seja básica para a recuperação da sua saúde (E 11). Os entrevistados falam da resistência e da desconfiança do paciente em seguir as orientações do médico, no caso de uma relação médico-paciente inadequada, conforme as narrativas a seguir: Sim, porque na medida em que não se estabelece uma boa relação médico-paciente, ocasionada por múltiplos fatores associados a esta relação, o paciente pode ter mais resistência para aceitar as indicações médicas para o seu tratamento, sejam na realização de estudos complementares, tratamento com medicamentos, indicações de cuidados concomitantes, interconsultas a outros profissionais e qualquer outra ação para o seu beneficio (E 12). Sim, logicamente que a qualidade da relação médico-paciente influirá no tratamento administrado, já que uma relação inadequada colocará o paciente em desconfiança, e certamente fará com que ele não queira seguir o tratamento indicado. A percepção negativa por parte do paciente durante a consulta o levará a duvidar do médico e por conseguinte na não aceitabilidade do tratamento (E 16). No caso, os entrevistados se posicionaram como sendo de fundamental importância uma relação médico-paciente adequada para a adesão do paciente e o bom êxito do tratamento, uma vez que, segundo os entrevistados, da interação resulta um bom diagnóstico e uma condução adequada do caso. A complexidade verificada na relação médico-paciente faz com que não exista uma única definição, dos componentes-chave, para o estabelecimento de uma relação 98 adequada entre médico e paciente. Os autores, que tratam do assunto, dividem-se entre aqueles que trabalham a percepção dos pacientes e aqueles que trabalham a dos médicos, e ainda, os que trabalham a percepção de outros profissionais da área de saúde. Entre os que trabalham a percepção dos pacientes temos Ismael (2002), Roter (2000) e Malin et al (2001). Para Ismael (2002), na perspectiva dos pacientes, quatro atitudes são fundamentais para o bom desenvolvimento da relação médico-paciente: confortar, escutar, olhar e tocar. Por outro lado, Roter (2000) diz que o paciente tem a expectativa de poder se comunicar com um médico que saiba ouvir, que procure compreender suas queixas, que o respeite e o veja como pessoa. Malin et al (2001) fala, que para os pacientes, os componentes de uma experiência positiva de tratamento é composto pela qualidade da consulta, a comunicação empática, a cortesia, e o respeito e atenção dos médicos. Trabalhando na área de psicologia Carl Rogers (apud FELDMAN, 1996) define as dimensões de respeito, aceitação e empatia como pré-requisitos na construção de qualquer relação humana, em especial as que incluem o encontro do profissional de saúde com o paciente. Feldman (1996), ainda na área de psicologia, coloca a necessidade de acrescentar mais uma dimensão, como uma resultante das três anteriormente colocadas, a dimensão que denominou de compreensão. Porém, a autora acredita que a operacionalização destas dimensões ocorre por meio da escuta que “é a maneira operacional, concreta e objetiva de se respeitar, aceitar, ser empático e compreender o outro” (FELDMAN, 1996, p. 46). Na área de enfermagem Watson (apud BARNHART et al, 1997) formulou os 10 (dez) elementos assistenciais sobre o exercício profissional, dentre os quais 02 (dois) se destacam: o desenvolvimento de uma relação que inspire fé e esperança; este elemento que incorpora valores humanistas facilita a promoção da assistência e potencializa a saúde entre os pacientes. E o desenvolvimento de uma relação de ajuda e confiança – em que o desenvolvimento deste tipo de relação é crucial para a assistência transpessoal. Entre os autores que tratam do tema Marcus (1999), Street (1991), Baeza e Bueno (1997), Pollock e Grime (2002), Leite et al (2004), Barrier et al (2003) dedicam-se a perceber 99 em quais dimensões que deveriam ser trabalhadas pelos médicos para o estabelecimento de uma interação adequada. Para Marcus (1999) a construção de uma parceria entre médico e paciente representa envolvimento e comprometimento, e acontece quando o médico se dispõe a ir além da mera transmissão de informação possibilitando ao paciente interagir. Encontrar o ponto de equilíbrio é o desafio, dos médicos, para poder criar uma relação adequada. Street (1991), Baeza e Bueno (1997) dizem que o paciente se sente fragilizado no tocante ao seu direito à informação, e por aceitar a forma de comunicação dominante do médico, posiciona-se passivamente durante a consulta preocupando-se em não ocupar muito tempo do médico. Pollock e Grime (2002) mesmo considerando que o tempo é crucial na atividade médica, fala que a qualidade e a intensidade da relação médico-paciente independe da quantidade de tempo disponibilizado pelo médico. Por isto, os médicos precisariam desenvolver uma sensibilidade focada na demonstração de interesse e empatia, e na capacidade de perceber a ansiedade dos pacientes e encorajá-los a falar sobre suas dúvidas e preocupações. Para Baeza e Bueno (1997), no exercício da medicina a comunicação é uma constante, ou seja, a principal dimensão na interação entre médico e paciente, seria para os autores, a comunicação. Leite et al (2004), diz que para a manutenção de uma experiência positiva e o aumento da satisfação, os médicos poderiam: a- procurar diminuir a distância que os separam dos pacientes, apresentando-se além de tratar os pacientes pelo nome; b- prover todos os esclarecimentos necessários, questionando o paciente sobre dúvidas ou perguntas adicionais; c- deixar claro o motivo da consulta; e d- dar uma visão de futuro, explicando os procedimentos e o tratamento. 100 Por outro lado, Barrier et. al. (2003) define os componentes-chave para o estabelecimento de uma relação adequada entre médico e paciente como sendo: a- construção de um bom relacionamento; b- obtenção de informações; e c- orientação. Os autores citados definem os componentes da relação médico-paciente que quando listados, de forma agrupada podem ser melhor analisados como sendo: 1) Parceria entre o médico e o paciente (MARCUS, 1999); 2) Tempo dispensado, 3) Interesse e empatia (POLLOCK; GRIME, 2002); 4) Comunicação (BAEZA; BUENO, 1997); 5) Diminuição da distância que os separa dos pacientes apresentando-se e tratando os pacientes pelo nome; 6) Prover todos os esclarecimentos necessários, questionando o paciente sobre dúvidas ou perguntas adicionais, 7) Deixar claro o motivo da consulta, 8) Dar uma visão de futuro, explicando os procedimentos e o tratamento (Leite et al 2004); 9) Construção de um bom relacionamento, 10)Obtenção de informações, e 11) Orientação (BARRIER et. al., 2003). Se agruparmos os fatores pelo que eles, na essência, significam, poderiam ter a conformação demonstrada no quadro a seguir: 101 Quadro 1 Componentes da Qualidade na Relação Médicos paciente • Diminuição da distância que os separa dos pacientes, apresentando-se e tratando os pacientes pelo nome; • Construção de um bom relacionamento; • Interesse. Tempo • Tempo dispensado ao paciente. Informação • Prover todos os esclarecimentos necessários, questionando o paciente sobre dúvidas ou perguntas adicionais; Empatia • Deixar claro o motivo da consulta; • Dar uma visão de futuro, explicando os procedimentos e o tratamento; e • Orientação. Comunicação Fonte: Adaptado de Marcus (1999), Pollock e Grime (2002), Baeza e Bueno (1997), Leite et al (2004), Barrier et al (2003). Desta forma teremos reduzido para quatro, o número de componentes-chave de acordo com a literatura consultada. Uma vez que, o agrupamento leva em consideração o significado expresso pelos autores, não modificando o sentido dos termos utilizados. Os entrevistados, discorrendo sobre os componentes-chave para o estabelecimento de uma relação médico-paciente adequada, falam na sua grande maioria, de maneira simples e direta, que três são os componentes: o médico, o paciente e a comunicação. Ou seja, a partir do processo de comunicação, estabelecer-se-ia uma relação médico-paciente adequada sendo esta posição, corroborada pela posição de Baeza e Bueno (1997), que diz que no exercício da medicina a comunicação é uma constante. No caso, a principal dimensão na interação entre médico e paciente, seria para os autores, a comunicação. Como se pode observar, por meio da narrativa do Entrevistado 12, a comunicação em todas as suas formas é considerada como a maneira de se estabelecer a relação entre o médico e o seu paciente: Basicamente são as diversas formas de comunicação oral, corporal, reações, postura, etc que permitem a inter-relação de duas pessoas. (E 12) 102 Ou, como narram os Entrevistados 01, 02, 08 e 17 que falam na comunicação entre médico e paciente em constante movimento. Os componentes são: médico, paciente e comunicação. Todos relacionados entre si e em constante movimento (E 01, E 02, E 08, E 17). Contudo, os entrevistados também se reportam a outros componentes, expresso pelos autores pesquisados, como no caso do Entrevistado 13, que se refere a empatia, conforme colocado pelos autores e ao meio ambiente, citado, também, pelos entrevistados 07 e 15, que não faz parte dos componentes enumerados na bibliografia referenciada. O médico, o paciente, o meio ambiente e a empatia mútua (E 13). O médico, o paciente e o meio ambiente (E 07, E 15). O Entrevistado 10 coloca que: Os componentes são: – afeto por parte do médico e do paciente; – escutar em todo momento, o paciente; – dedicar o tempo suficiente ao paciente; – informar tudo o necessário ao paciente sobre sua enfermidade; e – respeito ao paciente (E 10). Que quando analisados individualmente, podem ser traduzidos como três, dos quatro componentes vistos na bibliografia, que seriam: Empatia, Tempo e Informação. Restando, ainda, dois componentes citados pelo entrevistado que seriam o Respeito e o Escutar que também, foram citados por outros entrevistados. Fazendo um apanhado geral de todas as narrativas, vamos encontrar vários componentes que, foram citados pelos entrevistados e, que serão listados para que se possa ter uma visão geral das respostas: Respeito; Confiança; Compreensão; Aceitabilidade; Humanismo; Segurança; e Escutar. Destes componentes, vamos encontrar alguns que fazem parte dos achados de alguns autores que estudam o tema, e que os consideram como pontos fundamentais no processo de estabelecimento da relação médico-paciente, como: (1) Respeito que é citado por Roter (2000) e Rogers (apud FELDMAN, 1996); (2) Confiança que é citado por Watson (apud BARNHART et al, 1997); (3) Compreensão citado por Feldman (1996) e Roter (2000); 103 (4) Aceitabilidade que é citado por Rogers (apud FELDMAN, 1996); e (5) Humanismo citado por Roter (2000). Apesar de todos os componentes citados pelos entrevistados, pode-se dizer,com base nas narrativas, que a Comunicação se apresenta como o componente mais importante na relação médico-paciente, de acordo com a percepção dos entrevistados, o que encontra respaldo em Baeza e Bueno (1997), para quem, no exercício da medicina a comunicação é uma constante. E como falam Charles et al (2000), quando percebem a comunicação entre o médico e o paciente, como sendo um dos componentes centrais da complexa relação médicopaciente e dos mais intrigantes da comunicação humana. Ou seja, a principal dimensão na interação entre médico e paciente, seria para os autores, a comunicação. Na medida que, a comunicação se configura como o componente principal do processo de estabelecimento da relação médico-paciente, na percepção dos entrevistados, cabe compreender quais são os seus atributos e de que forma eles influenciam no processo de estabelecimento e manutenção da interação do médico com o seu paciente. A partir das entrevistas realizadas, pode-se perceber a recorrência de alguns pontos em comum, entre os atores pesquisados, como na fala destes entrevistados: A confiança e empatia que o médico oferece ao paciente. Para o paciente, o médico deve ser competente, tranqüilo, interessado na informação do cliente, sorridente, falar o necessário e dar explicações sobre sua doença e sempre se mostra disposto a responder às suas inquietudes (E 02). A base da relação médico-paciente é a comunicação. E se consegue estabelecendo uma comunicação empática, o médico manifestando atenção, verdade, solidariedade, sensibilidade e desejo de ajudar. Expondo de maneira clara na comunicação seus conhecimentos, suas habilidades e assumindo uma atitude positiva (E 08). Desta forma, procurou-se perceber dentro das narrativas quais os termos mais utilizados como atributo da comunicação na relação médico-paciente, uma vez que este componente se configurou como sendo o mais importante na interação, segundo os pesquisados. Realizada a análise do conteúdo de todos os entrevistados, percebe-se que a Confiança, a Empatia, o Respeito, a Cordialidade, o Escutar e a Competência se apresentam como os atributos mais importantes na relação médico-paciente, isto porque, para a maioria dos entrevistados, estes atributos são os fundamentais no estabelecimento de interação dos médicos com o seu paciente. Como nos relatos dados pelos Entrevistados 15 e 16. 104 A empatia que o médico deve ter é a origem para que o seu paciente tenha a confiança necessária para contar o seu problema e a segurança de que será tratado como uma pessoa integral e não só como um mero enfermo (E 15). A base da relação médico-paciente é a cordialidade, o bom trato, a confiança depositada e a compreensão. Mediante estas características, poderá haver uma maior aproximação entre as partes e, poder-se-á obter uma boa relação médicopaciente e por conseqüência a resolução dos problemas de saúde (E 16). Quando os entrevistados falam na Confiança, por exemplo, são corroborados por Watson (apud BARNHART et al, 1997) que na área de enfermagem formulou os 10 (dez) elementos assistenciais sobre o exercício profissional, e disse que uma relação de confiança promove e aceita a expressão de sentimentos positivos e negativos. Implica coerência, empatia e comunicação eficaz. Por outro lado, a Empatia também é tratada por Carl Rogers (apud FELDMAN, 1996) na “terapia centrada no cliente” – método que supõe o estabelecimento de uma relação de afeto e segurança, transmitindo uma sensação de empatia com os sentimentos e comunicações do paciente (GRANDSTAFF et al, 1997) – por meio da qual definem as dimensões de respeito, aceitação e empatia como pré-requisitos na construção de qualquer relação humana, em especial as que incluem o encontro do profissional de saúde com o paciente. O Respeito também é tido por Roter (2000), como um dos fatores de sucesso na interação do médico com o paciente, quando diz que o paciente deseja poder se comunicar com um médico que saiba ouvir, que procure compreender suas queixas, que o respeite e o veja como pessoa. Para Malin et al (2001), os pontos mais citados, pelos pacientes, como responsáveis por uma experiência positiva de tratamento são: a qualidade da consulta, a comunicação empática, a cortesia, o respeito e a atenção dos médicos. Outro ponto ressaltado pelos entrevistados é o Escutar, que para (FELDMAN, 1996, p. 46), “... é a maneira operacional, concreta e objetiva de se respeitar, aceitar, ser empático e compreender o outro”. Desta forma, percebe-se que uma série de autores, Watson (apud BARNHART et al, 1997), Carl Rogers (apud FELDMAN, 1996), Grandstaff et al (1997), Roter (2000), Malin et al (2001), Feldman, (1996) corroboram a percepção dos atores desta investigação. Aos cinco atributos anteriormente descritos, seguem diversos outros que foram citados, de maneira individual, por alguns entrevistados, como por exemplo: a Compreensão, a Solidariedade, a Tranqüilidade, a Informação, a Sensibilidade, a Segurança, a Honestidade e a Ética. Pontos que foram trabalhados por autores como, Feldman (1996) que construiu o conceito de Compreensão. No caso da Informação, outro ponto citado pelos entrevistados, foi trabalhado por Leite et al (2004) e Barrier et al (2003). A Solidariedade foi trabalhada por Marcus (1999) que percebe e defende a necessidade da construção de uma parceria entre 105 médico e paciente, sendo um dos elementos a serem trabalhados, a demonstração do desejo de ajudar, entre outros. Porém, outros pontos citados como tranqüilidade, sensibilidade, segurança, a honestidade e a ética, apesar de serem fatores percebidos pelos entrevistados como atributos da qualidade na relação médico-paciente, os mesmos não encontram respaldo na literatura pesquisada, nem como atributos ou habilidades considerados importantes pelos pacientes em relação aos médicos, e nem como habilidades a serem desenvolvidas pelos médicos na percepção dos autores pesquisados. Ou seja, os achados permitem dizer que os entrevistados percebem que para o estabelecimento e manutenção da relação médico-paciente, além da competência profissional, faz-se necessário uma série de outras habilidades, relacionadas à comunicação para o sucesso da interação. Sendo, na percepção dos entrevistados, os seguintes atributos da qualidade na relação médico-paciente a Confiança, a Empatia, o Respeito, a Cordialidade, o Escutar e a Competência. A percepção do que seria uma relação médico-paciente de qualidade, na visão médica, perpassa todas as indagações realizadas, até o presente momento, isto porque, a conceituação serviria para corroborar ou não, a percepção expressa nas entrevistas realizadas junto à amostra escolhida. O Entrevistado 01 expressa que a interação deve se basear no respeito mútuo, levando em conta o conhecimento técnico e a experiência do paciente, bem como suas preferências: A relação médico-paciente de qualidade deve se basear no respeito mútuo e no reconhecimento das vantagens de se trabalhar de forma conjunta. O médico aporta o seu conhecimento técnico e o paciente sua própria experiência, suas circunstâncias sociais e preferências pessoais (E 01). O Entrevistado 02 além do respeito, refere-se à empatia, e como o Entrevistado 01 se reporta à cultura e preferências do paciente, como se pode observar no texto abaixo: A relação médico-paciente compreende a interação de duas pessoas, cujo respeito mútuo e empatia buscam o alívio ou cura de uma doença. O médico aporta o seu conhecimento científico e o paciente sua experiência, a cultura e preferências terapêuticas, entre outras (E 02). O Entrevistado 04 se expressa falando da confiança no médico e no tratamento que o paciente deve sentir e dos esclarecimentos das suas inquietações. Desta forma acredita o entrevistado que o paciente sentirá satisfação com o médico e com a consulta realizada. Uma relação médico-paciente de qualidade é aquela em que o paciente sai satisfeito da consulta, com suas inquietações esclarecidas e com a confiança de que o tratamento indicado pelo médico é o adequado (E 04). 106 A eficácia, a segurança, a empatia, o conforto e a boa orientação foram os argumentos utilizados pelo Entrevistado 05 para fazer a sua definição de uma relação médicopaciente de qualidade: O paciente deve sair da consulta com a sensação de haver sido eficazmente atendido (qualidade técnica adequada) e sentir que foi tratado com segurança, empatia, conforto e bem orientado (qualidade percebida: do serviço ou funcional) (E 05). Ou como expressa a fala do Entrevistado 13, quando cita as expectativas que envolvem os dois atores na interação encontrando respaldo em Berlo (apud LEITE et al, 2004). Como pode ser observado: É aquela relação em que o paciente tem satisfeita suas expectativas e também o médico está satisfeito com os resultados (E 13). O que se pode perceber da colocação dos entrevistados é que a boa relação médico-paciente está vinculada aos atributos anteriormente expressos, quais sejam: confiança, empatia, respeito, competência, cordialidade e escuta, e que fazem parte do processo de interação do médico com o seu paciente. Desta forma, a percepção dos entrevistados em relação à qualidade na relação médico-paciente mantém coerência com os atributos por eles definidos como fundamentais para o bom processo de interação entre médicos e pacientes e, ao mesmo tempo, encontra respaldo na bibliografia consultada. Quando remetidos de forma clara, por meio de um cartão em que se relacionam os atributos da qualidade da atenção médica, definidos por Donabediam (1990), e por ele classificados dos “sete pilares da qualidade”, quais sejam: Eficácia, Efetividade, Eficiência, Otimização, Aceitabilidade, Legitimidade e a Eqüidade, os entrevistados se posicionaram de acordo com o autor, por acreditarem que estes atributos contribuem para reforçar o estabelecimento de uma relação médico-paciente de qualidade e se expressaram da seguinte forma: Eu incluiria todos os termos assinalados, em minha rotina de trabalho, porque cada um contribui de diferentes formas para uma atenção de qualidade em saúde e, contribuem para estabelecer e manter uma ótima relação médico-paciente (E 02). Ou, como fala o Entrevistado 04, que também se mantém em concordância com o autor, quanto aos atributos da qualidade em saúde: Eu incluiria todos os termos, posto que resumem os componentes de um trabalho em saúde, que vai em direção à satisfação do paciente, que é afinal o principal objetivo do nosso trabalho (E 04). 107 Por seu lado, o Entrevistado 12, além de concordar com o autor, permitiu-se esclarecer item por item o porquê da sua concordância na utilização dos atributos da qualidade em saúde, como se pode verificar pelo depoimento a seguir: Em relação aos termos relacionados, eu particularmente procuro trabalhar com Eficácia por permitir que eu possa oferecer maiores benefícios aos meus pacientes, e por conseqüência melhorar a qualidade de vida do paciente; a Efetividade porque permitirá que os pacientes percebam os resultados da atenção; a Eficiência porque não só temos que solucionar um problema de saúde, mas também procurar alternativas mais econômicas, que não criem um problema econômico, que leve logo o paciente a desenvolver uma nova patologia; a Otimização porque a atenção médica deve realizar-se com um enfoque multisistêmico, tratando de oferecer um serviço com o máximo de benefício para o paciente, e isto só é possível se trabalharmos com um enfoque de custo-benefício, considerando desde o tempo perdido por espera, exames diagnósticos desnecessários, custos injustificados, etc.; a aceitabilidade que está em íntima relação com a otimização, e se não considerarmos este fator, o processo de atenção pode restar nulo; a Legitimidade é importante, em especial, para os profissionais que trabalham diretamente com comunidades, e deve ser maior se dentro de nossas atividades temos que trabalhar com aconselhamento e orientação, tanto de forma individual, como em grupos educativos, profissionais e organizações de base; a Equidade: deve-se adotar este atributo, principalmente, quando se tem que priorizar benefícios subvencionados ou nos programas gratuitos, fazendo com que se equilibre a situação entre quem não tem acesso por falta de recursos econômicos e os que possuem recursos suficientes. Em resumo, eu particularmente, procuro trabalhar com todos os conceitos relacionados, uma vez que contribuem para a realização de uma atenção de qualidade aos pacientes, foco central do nosso trabalho (E 12). A resposta dos entrevistados, em relação aos atributos da qualidade na atenção médica é congruente, com a posição por eles assumida no decorrer da pesquisa. 108 CAPÍTULO V 5 CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES O objetivo geral desta pesquisa foi descrever os componentes e atributos da qualidade na relação médico-paciente, percebidos pelos fornecedores dos serviços de atenção à saúde, no caso os médicos. 5.1 Conclusões Em decorrência da proposta de pesquisa chegou-se às seguintes conclusões: • Na percepção dos entrevistados, o conceito e a caracterização do que seja a relação médico-paciente, na sua essência, que no discurso, permanece dentro do espírito da Escola Hipocrática. • Os entrevistados sentem-se responsáveis pelo estabelecimento e manutenção da relação médico-paciente, assumindo, assim, o peso pelo êxito ou fracasso da relação. • A instauração e manutenção de uma relação médico-paciente adequada são de responsabilidade do médico, segundo os entrevistados que reconhecem que a mesma pode não existir, em função de vários fatores: o tempo disponível para o atendimento dos pacientes, que pode ser resultante do assalariamento dos médicos, como conseqüência do modelo econômico e assistencial adotado na maioria dos países desenvolvidos ou em desenvolvimento, nos quais os médicos se vêem obrigados a trabalhar como assalariados. • Além do tempo e do excesso de trabalho, relatados anteriormente, os entrevistados também se referem à empatia que representaria a tentativa de 109 intensificar a inter-relação entre os dois atores sociais, e na medida em que não exista a empatia entre o médico e o paciente, os entrevistados percebem que não há condições de se estabelecer e manter a relação médico-paciente de forma adequada. • Outro ponto ressaltado pelos entrevistados, é a comunicação que é um componente sempre presente no exercício da medicina. Ainda, para os entrevistados, se tanto os médicos quanto os pacientes não tiverem como objetivo, a instauração de um bom nível de comunicação, não existirá a empatia. • Conclui-se, portanto, que os entrevistados acreditam que a culpa pelo não estabelecimento da relação médico-paciente, ocorre em função do próprio médico, uma vez que eles se sentem responsáveis pela instauração, manutenção e condução da relação com o seu paciente. • Além da empatia e da comunicação, pode-se perceber no discurso dos entrevistados que eles se referem, ainda, a outros aspectos relacionados à questão da relação médico-paciente como olhar, escutar, tocar e confortar. Desta forma, pode-se concluir que a percepção dos entrevistados segue na mesma direção dos pacientes quando colocam como quatro as atitudes fundamentais para o bom desenvolvimento da relação médico-paciente: confortar, escutar, olhar e tocar Ismael (2002): • Conclui-se, também, que para os entrevistados, existe uma maneira geral de se estabelecer e conduzir a relação médico-paciente e que a forma de implementálas depende das características pessoais de cada médico. Pode-se concluir por meio do que foi expresso pelos entrevistados, que os médicos não recebem uma formação e orientação adequada para o estabelecimento e manutenção de uma relação médico-paciente de qualidade. E, os entrevistados, chegam a reconhecer que existe, por parte dos cursos de graduação em medicina, uma preocupação com a formação técnico-científica, desprezando o lado humano da profissão. 110 • Outra conclusão, a que se pode chegar é que, para os entrevistados, existe uma preocupação em orientar os médicos recém-formados, no sentido de adquirirem ou desenvolverem habilidades de comunicação. • De acordo com os entrevistados, além dos aspectos técnicos e científicos que se devem levar em conta na hora de uma prescrição médica, existe uma preocupação clara com a aceitação, por parte dos pacientes, com o tratamento indicado. Outra preocupação explícita, dos médicos entrevistados, ocorre em relação ao fator econômico, do tratamento, que nada mais é do que a Otimização, um dos atributos definido por Donabedian (1990). A questão da bioética também faz parte da percepção dos entrevistados, que se referem à autonomia do pacienteConclui-se, neste sentido, que os entrevistados ratificam o posicionamento de considerarem as preferências dos pacientes, na prescrição dos medicamentos e terapias. • Os entrevistados tratando dos motivos que levam os pacientes a retornarem para nova consulta ou continuidade do tratamento, percebem que a atenção dispensada ao paciente e o escutar seriam aspectos relevantes para o retorno dos pacientes, pontos estes que não dispensariam um diagnóstico e tratamento, adequados. • Outra conclusão da pesquisa refere-se à importância da relação médicopaciente para o sucesso dos tratamentos prescritos pelos médicos. No caso, os entrevistados por perceberem que da interação do médico com o paciente resulta um bom diagnóstico e uma condução adequada do caso, posicionaramse como sendo de fundamental importância uma relação médico-paciente adequada para a adesão do paciente e o bom êxito do tratamento. • Conclui-se, também, que a resposta dos entrevistados, em relação aos atributos da qualidade na atenção médica, definidos por Donabedian (1990), é congruente com a posição por eles assumida, no decorrer da pesquisa, na medida que percebem estes atributos como fatores que podem intervir, de forma positiva para a melhoria da qualidade da atenção médica e a conseqüente satisfação do paciente. 111 A seguir apresentamos as respostas às perguntas de pesquisa. a) Qual o conceito de qualidade da relação médico-paciente na percepção dos médicos? O que se pode perceber da colocação dos entrevistados é o conceito de qualidade na relação médico-paciente está vinculada ao componente Comunicação, percebido pelos entrevistados como o componente principal na interação, e aos atributos, deste componente, quais sejam: Confiança, Empatia, Respeito, Competência, Cordialidade e Escuta, e que fazem parte do processo de interação do médico com o seu paciente. Desta forma, a percepção dos entrevistados em relação à qualidade na relação médico-paciente mantém coerência com os atributos por eles definidos como fundamentais para o bom processo de interação entre médicos e pacientes e, ao mesmo tempo, encontra respaldo na bibliografia consultada. b) Quais os componentes da qualidade da relação médico-paciente na percepção dos médicos? Para os entrevistados, os componentes-chave para o estabelecimento de uma relação médico-paciente adequada são três: o médico, o paciente e a comunicação Mesmo considerando a Comunicação, como componente principal, os entrevistados citam outros componentes de maneira fluída e, que serão listados para que se possa ter uma visão geral das respostas: Respeito; Confiança; Compreensão; Aceitabilidade; Humanismo; Segurança; e Escutar. Apesar de todos os outros componentes citados pelos entrevistados, pode-se dizer com base nas narrativas, que a Comunicação se apresenta como o componente mais importante na relação médico-paciente. Seguida secundariamente pelo: tempo disponível; informação; empatia; respeito; confiança; compreensão; aceitabilidade; humanismo; segurança; e escutar. c) Quais os atributos da qualidade identificados? Procurou-se perceber nas narrativas quais os termos mais utilizados como atributo da comunicação na relação médico-pacientes, uma vez que este componente, segundo os pesquisados, configurou-se como sendo o mais importante na interação.. Sendo na percepção dos entrevistados, os seguintes atributos da qualidade na relação médico-paciente: Confiança; 112 Empatia; Respeito; Cordialidade; Escutar e Competência. Seguidos secundariamente por: Compreensão; Solidariedade; Tranqüilidade; Informação; Sensibilidade; Segurança; Honestidade e Ética. d) Qual a importância desses atributos na configuração dos componentes da qualidade? Na medida que os entrevistados assumem a total responsabilidade pelo estabelecimento, manutenção e condução da relação médico-paciente, e percebem ser a Comunicação o componente principal da interação, os atributos deste componente: a Confiança, a Empatia, o Respeito, a Cordialidade, o Escutar e a Competência, se mostram de fundamental importância, na visão dos entrevistados, para o sucesso da relação. Isto porque por meio das narrativas pode-se perceber que existe uma preocupação dos respondentes, em deixar claro que o componente Comunicação se faz acompanhar de atributos e habilidades específicas, que devem ser desenvolvidos pelos médicos, no sentido de criar um ambiente facilitador para o estabelecimento de uma relação médico-paciente de qualidade. 5.2 Recomendações O presente trabalho procurou verificar os componentes e atributos da qualidade na relação médico-paciente, na perspectiva médica. Desta forma, os resultados seriam como sinalizadores para outros estudos que tenham como base a relação médico-paciente. Isto porque os seus achados servem como um passo intermediário, que devem ser aprofundados. Recomenda-se, ainda, que este mesmo estudo seja reproduzido no Brasil, uma vez que para a pesquisa atual, foi utilizada uma amostra de médicos peruanos, cujos achados podem não corresponder à realidade brasileira, devido às questões culturais, econômicas e sociais de cada país. Ressalte-se que, para o atual estudo, foram pesquisados médicos do setor público de saúde, e de várias especialidades da área médica. Desta forma pode-se recomendar a realização de estudos com médicos atuantes na área privada, e de uma só especialidade, para que se possa verificar se existe similaridade ou não entre os resultados. 113 REFERÊNCIAS AKEL, R. Mudança de paradigma na administração de hospital universitário. 1993. 157f. Curitiba. 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APÊNDICE I 120 FICHA DE COLETA DE INFORMAÇÕES Dados Pessoais Nome: ___________________________________________ Idade: ________ anos Profissão: ________________________________________ Especialidade: ____________________________________ Tempo de Graduação: _________________ anos Local de Trabalho: _________________________________ Função: __________________________________________ Pós-graduação em: _________________________________ Observações: ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ APÊNDICE II 121 ROTEIRO DE ENTREVISTA 01 – Como compreende e caracteriza a relação médico-paciente? 02 – Quem e como se inicia a relação médico-paciente? 03 – Quais são os componentes da relação médico-paciente? 04 – Você acredita que de alguma maneira a relação médico-paciente pode não ocorrer, mesmo sucedendo uma consulta médica? Pode dar um exemplo? 05 – Qual é a base da relação médico-paciente? 06 – De quem é a responsabilidade da relação médico-paciente? 07 – Pode identificar como se estabelece a relação médico-paciente? 08 – Considera que a relação médico-paciente é particular de cada médico ou existe uma maneira geral da medicina conduzir esta questão? 09 – Como compreende uma relação médico-paciente de qualidade? 10 – O que intervém na qualidade da relação médico-paciente? 11 – Você considera que a qualidade da relação médico-paciente pode interferir para o êxito do tratamento médico? 12 – Seus pacientes manifestam opinião sobre sua consulta? E, também, se os medicamentos prescritos obtiveram êxito ou não? 13 – Seus pacientes tem como costume retornar para outra consulta com você? Quais são os principais motivos que você pensa que os leva a isto? 14 – Você procura conhecer as preferências de seus clientes com relação aos tratamentos prescritos? 15 – Quais são os fatores que você leva em consideração sobre seus pacientes para fazer a definição do plano de tratamento? 16 – Com a experiência que tem hoje, como avalia a formação dos médicos para o estabelecimento, manutenção e preservação de uma relação médico-paciente de qualidade? 122 17 – Se você estivesse admitindo em seu serviço um médico recém formado com a responsabilidade de fazer a orientação sobre a relação médico-paciente, quais os principais aspectos que incluiria na orientação? 18 – Agradecendo sua colaboração, solicito que entre os termos relacionados informe quais os que incluiria em sua rotina de trabalho? Por que? – Eficácia – é a capacidade do cuidado, assumindo sua forma mais perfeita de contribuição para a melhoria das condições de saúde; – Efetividade – o quanto que as melhorias possíveis nas condições de saúde são de fato obtidas; – Eficiência – a capacidade de obter a maior melhoria possível nas condições de saúde com o menor custo provável; – Otimização – a mais favorável relação entre custo e benefício; – Aceitabilidade – conformidade com as preferências do paciente, no que concerne à acessibilidade, à relação médico paciente, à comodidades, aos efeitos e aos custos do cuidado prestado; – Legitimidade – conformidade com as preferências sociais relacionadas a tudo anteriormente mencionado; – Eqüidade – igualdade na distribuição do cuidado e seus efeitos sobre a saúde.