ENTREVISTA Wagner Gomes faz um balanço dos 5 anos da CTB
C L A S S I S T A
Revista da Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil
Nº 12 – Dezembro de 2012
AFINAL, QUE NOVA
CLASSE MÉDIA É ESSA?
REFORMA AGRÁRIA
A dura realidade fundiária do país
INTERNACIONAL
As razões para a nova vitória de Chávez
E D I TO RI AL
ÍNDI CE
DIREÇÃO EXECUTIVA
Presidente
Wagner Gomes
DIRETORIA
Nivaldo Santana, David Wylkerson de
Souza, Vicente Selistre, Márcia Almeida
Machado, Pascoal Carneiro, Salaciel Fabrício
Vilela, Vilson Luiz da Silva, Gilda Almeida,
Celina Arêas, Joílson Antonio Cardoso,
Carlos Rogério Nunes, Severino Almeida,
João Batista Lemos, Eduardo Navarro,
Raimunda Gomes (Doquinha), Paulo
Vinicius Santos da Silva, Valmira Luzia da
Silva, Maia do Socorro Nascimento Barbosa,
Elias Bernardino, Sérgio de Miranda,
Hildinete Pinheiro Rocha, Fátima dos Reis e
João Paulo Ribeiro.
CONSELHO EDITORIAL
Altamiro Borges, André Cintra, Augusto
Cesar Petta, Eduardo Navarro, Fernando
Damasceno, Gilda Almeida, Madalena
Guasco, Joilson Antonio Cardoso, Márcia
Almeida Machado, Nivaldo Santana,
Umberto Martins, Wagner Gomes.
REDAÇÃO
Secretário de Imprensa e Comunicação
Eduardo Navarro
Equipe
Cinthia Ribas, Fernando Damasceno,
Láldert Castello Branco e Paula Farias.
Colaboradores desta edição
Deborah Moreira, Joanne Mota, Priscila
Lobregatte e Vanessa Silva.
Diagramação
Luciana Sutil
Projeto gráfico
Caco Bisol
Fotos de capa
Shutterstock
Impressão
HR Gráfica
Tiragem
15 mil exemplares
UM DEBATE QUE SE
FAZ NECESSÁRIO NO
MOVIMENTO SINDICAL
Carimbo sobre parte emergente
da população tem forte
conotação ideológica
PÁGINA 4
PAUTA SINDICAL
Pelo desenvolvimento do Brasil,
CTB defende investimentos em
educação, ciência e tecnologia
ENTREVISTA WAGNER GOMES
Presidente da CTB faz um balanço
positivo dos 5 anos da Central
PÁGINA 10
COMPORTAMENTO
“Nova classe média” altera o
padrão de consumo no país
PÁGINA 16
PERFIS
Três brasileiros da “nova classe
média” contam suas histórias
PÁGINA 20
RURAIS
Desenvolvimento exige uma
ampla reforma agrária
PÁGINA 24
PÁGINA 28
APOSENTADOS
O desrespeito contra aqueles que
serviram ao país durante décadas
PÁGINA 32
INTERNACIONAL
As razões que deram a Chávez um
novo mandato na Venezuela
PÁGINA 36
ACONTECEU
O 8º Congresso da Contee e a luta
da CTB pela unicidade sindical
PÁGINAS 40 E 41
CULTURA
O drama familiar retratado em
“Gonzaga – de pai para filho”
PÁGINA 42
AGENDA SINDICAL
As principais atividades do
mundo sindical entre os meses de
dezembro e fevereiro
PÁGINA 43
ARTIGOS
EDITORIAL
Wagner Gomes
Av. Liberdade, 113 – 4º andar – Liberdade,
São Paulo – SP
CEP 01503-000
Fone (11) 3106-0700
E-mail: [email protected]
PÁGINA 3
CONJUNTURA
Eduardo Navarro
PÁGINA 15
WAGNER GOMES
Visão Classista é uma revista trimestral,
publicada pela CTB – Central dos
Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil.
A “nova classe média” e a velha
ideologia burguesa
D
ezenas de milhões
de pessoas foram
resgatadas da
condição de extrema
pobreza no Brasil desde
a eleição de Lula em
2002, graças às políticas
de redistribuição de
renda instituídas pelo
governo, com destaque
para a valorização do
salário mínimo, e à salutar
expansão do mercado de
trabalho. O fenômeno
é inegavelmente
positivo. Falsa, porém,
é a interpretação que
o caracteriza como a
emergência de uma nova
classe média no Brasil,
amplamente disseminada
pela mídia nativa.
Num livro recente
em que refuta tal
caracterização, o
economista Marcio
Pochmann mostra que
a causa principal dessa
mobilidade social foi a
criação de 21 milhões de
novos postos de trabalho
nos últimos dez anos,
sendo 94,8% deste total
com salários equivalentes
a 1,5 mínimo. O nível de
desemprego, que tinha
subido a 20% com FHC,
despencou. Mas não se
pode falar com seriedade
em nova classe média.
“Seja pelo nível de
rendimento, pelo tipo
de ocupação, pelo perfil
e atributos pessoais, o
grosso da população
emergente não se encaixa
em critérios sérios e
objetivos que possam ser
claramente identificados
como classe média”,
argumenta Pochmann.
Trata-se, na realidade, de
classe trabalhadora – e
de baixa remuneração.
Os dois conceitos
conduzem a estratégias
políticas diferentes, uma
vez que os interesses e
objetivos históricos da
classe trabalhadora não
coincidem com os da
classe média
Embora pareça
inofensivo, o falso
conceito de classe
média serve a um
propósito ideológico
e político reacionário,
que é o de incutir neste
novo contingente de
assalariados a cultura
do consumismo e do
individualismo.
É uma operação
ardilosa da velha
ideologia liberalburguesa, hoje travestida
de neoliberalismo, cujo
objetivo é obscurecer
a identidade e a
consciência de classe
das trabalhadoras e
trabalhadores, afastandoos com isto da busca
de soluções coletivas
para problemas sociais
comuns, das lutas
solidárias e das bandeiras
classistas, que desde
sempre inspiraram e
guiaram o movimento
operário e sindical.
Podemos notar em tudo
isto um significado
análogo ao do novo
idioma que o patronato
usa para caracterizar o
empregado, chamando-o
de “parceiro” ou
“colaborador”, como
se já não existisse a
subordinação do trabalho
ao capital (atestado
pelos altos índices de
rotatividade) e (como
se) o trabalhador tivesse
sido alçado à condição de
sócio da empresa.
O sindicalismo
classista deve não só
rechaçar o falso conceito
em voga como também,
e ao mesmo tempo,
procurar compreender
com maior rigor
científico o fenômeno
social em questão, de
forma a abordar este
novo contingente da
classe trabalhadora com
espírito classista, visando
sua conscientização,
sindicalização e
incorporação nas lutas
sociais. Desta forma,
daremos à Agenda da 2ª
Conclat por um novo
projeto nacional de
desenvolvimento com
soberania e valorização
de trabalho a energia e a
força de amplas massas.
Embora pareça
inofensivo, o falso
conceito de classe
média serve a
um propósito
ideológico e político
reacionário
Wagner Gomes é presidente
nacional da CTB.
VISÃOClassista
3
C A PA
AFINAL, QUE “NOVA CLASSE MÉDIA” É ESSA?
Fernando Damasceno
“B
em-vindo ao mundo
do carnê, do
consórcio, do SPC.
Bem-vindo ao mundo do metrô,
do buzão, da lotação, da CBTU,
do seminovo zerado. Bem-vindo
ao mundo do vale-refeição, do
PF e da marmita. [...] Bem-vindo
ao mundo do Ratinho, Raul Gil,
Bruno & Marrone, Banda Calypso,
Calcinha Preta, MC Leozinho e
da Rádio Tupi. [...] Bem-vindo
ao mundo surpreendente da
economia da base da pirâmide”.
Com essa apresentação, aqui
reproduzida parcialmente, o
instituto Data Popular se propõe
a oferecer serviços de pesquisa
em relação ao nicho populacional
brasileiro que, nos últimos
anos, se convencionou chamar
de “nova classe média” – NCM.
Com bom humor, o sócio-diretor
da empresa, Renato Meirelles
(veja o BOX na PG 7), procura
mostrar para companhias,
órgãos governamentais e demais
interessados qual o perfil desses
cidadãos que, segundo o Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE), já correspondem a mais de
50% dos brasileiros.
Mas por que foi colocado tal
4
VISÃOClassista
Shutterstock
Carimbo sobre parte
emergente da população
traz consigo forte viés
político-ideológico
carimbo sobre determinada parte
da população? Quais os interesses
envolvidos? A quem convém a
existência de uma “nova classe
média”? Existe alguma justificativa
real para isso? Afinal, que classe
media é essa?
Marcio Pochmann, economista
e ex-presidente do Instituto de
Pesquisa Econômica Aplicada
(Ipea), defende, na obra “Nova
classe média?”, que não houve no
Brasil a emergência de nenhuma
nova classe – “muito menos de
uma classe média”, de acordo
com seu texto. “O que há, de fato,
é uma orientação alienante sem
fim, orquestrada para o sequestro
do debate sobre a natureza
e a dinâmica das mudanças
econômicas e sociais, incapaz de
permitir a politização classista do
fenômeno de transformação da
estrutura social”, complementa.
Fenômeno na cidade e no
campo
O conceito de “nova classe
média” gera debates a partir de
diferentes vieses, mas certos
números são incontestáveis.
Segundo dados reunidos pela
Secretaria de Assuntos Estratégicos
(SAE) do governo federal, entre
2004 e 2010, 32 milhões de
pessoas ascenderam à categoria de
classes médias (A, B e C) e 19,3
milhões saíram da pobreza. Ainda
segundo a SAE, esse nicho em
1992 era composto por 34,96%
da população. Em 2009 chegou a
50,5% e dados de 2010 apontam
para aproximadamente 52%.
Em 2009, a NCM foi
responsável por R$ 881 bilhões
dos gastos com consumo – a maior
fatia do total de R$ 2,2 trilhões do
país. Ela também é responsável
por 78% de tudo que é comprado
em supermercados. Estima-se
que, ao longo desta década, a
cada ano esse grupo (constituído
fundamentalmente por jovens e
negros) crescerá 4%.
No campo, entre 2003 e 2012
a “nova classe média” cresceu
72% e hoje equivale a 9,1 milhões
entre os cerca de 25,7 milhões de
habitantes rurais do país, segundo
o pesquisador Marcelo Neri, atual
presidente do Ipea. “A redução da
desigualdade foi mais forte e mais
rápida na área rural, sobretudo nas
regiões mais pobres”, diz o autor
do estudo Pobreza e a Nova Classe
Média no Brasil Rural. “Houve
uma visível elevação da renda
rural, algo que antes só ocorria
na área urbana. Há mobilidade
social mais dinâmica no meio
rural, o que melhorou a vida das
pessoas”, complementa o ministro
do Desenvolvimento Agrário,
Guilherme Cassel, em depoimento
para o seminário “A Nova Classe
Média Brasileira”, promovido
pela SAE.
Governo Lula e suas
prioridades
DIVERSIDADE Rótulo sobre parte específica da classe trabalhadora atende a interesses do mercado
Sob qualquer ponto de vista,
os dados referentes às mudanças
sociais no Brasil na última década
esbarram nas políticas adotadas
pelo governo do ex-presidente
Luiz Inácio Lula da Silva, iniciado
em 2003. Roberto Amaral, vicepresidente do PSB, é crítico do
VISÃOClassista
5
C A PA
termo “nova classe média”, mas vê
como inquestionável a ascensão
social de parte da população.
“O conceito de ‘classe-média’
não é rigoroso e se presta a
manipulações. O fundamental,
e isto é o que precisa ser posto
em destaque, é que os governos
de centro-esquerda iniciaram o
processo (negado pela direita) de
distribuição de renda, responsável
pela emergência das massas na
cidadania, que compreende, de
saída, o direito ao consumo. São
milhões de brasileiros que estão
mudando a paisagem de nossas
ruas, de nossos aeroportos, de
nossas lojas e sustentando o
consumo que impediu a recessão”,
sustenta Amaral, referindo-se à
crise financeira de 2008/09, cujos
efeitos chegaram ao Brasil, mas
não com a mesma intensidade
sentida por outras nações.
No momento, a preocupação
do dirigente socialista, diante
dos avanços obtidos por esse
contingente populacional, é
criar as condições necessárias
para que o país não permita
qualquer tipo de retrocesso. “O
Brasil só tem uma alternativa:
o desenvolvimento econômico,
mãe e pai de tudo o mais. Sem
desenvolvimento não há geração
de emprego, não há distribuição de
renda, não há igualdade social, não
há saúde pública, não há escola
pública e não há soberania. E,
como a esquerda brasileira sempre
defendeu, nosso desenvolvimento
depende do crescimento do
mercado interno. Aí a relação é
siamesa: um alimenta o outro”,
defende.
Crítica conceitual
Arquivo CTB
CLASSISMO Para Nivaldo, sindicatos devem se contrapor à ótica do mercado
6
VISÃOClassista
Tanto no campo político
quanto acadêmico, não faltam
críticos à forma como esse
debate vem sendo travado. “Essa
classe média é uma fantasia
que está se criando”, critica
Eduardo Fagnani, do Instituto
de Economia da Universidade
Estadual de Campinas (Unicamp).
“Não se define a classe média
pela renda, mas pela posição na
estrutura populacional”, explica
o economista, que também
participa do núcleo de estudos
Plataforma Política Social. Segundo
ele, o conjunto da população
em ascensão ainda depende
muito do sistema público de
saúde, previdência e ensino e
não tem entre as suas despesas o
pagamento de escola particular
para os filhos, a manutenção de
previdência complementar, acesso
a planos de saúde privados ou
o costume de fazer viagens ao
exterior.
Fagnani recorda, em entrevista
à “Agência Brasil”, que a noção
de classe média é associada a
determinados padrões de consumo
e de formação educacional “que
não temos no Brasil, como amplo
acesso ao curso superior”, disse
o economista, mencionando a
situação da Europa Ocidental na
fase logo após a Segunda Guerra
Mundial, quando a maior parte da
população se torna classe média.
Crítica semelhante é feito
por Augusto Petta, coordenador
técnico do Centro de Estudos
Sindicais (CES). Para o sociólogo,
quando se fala em classes
sociais, menciona-se um grupo
Ponto de vista
Entrevista com Renato Meirelles,
sócio-diretor do Data Popular,
instituto especializado em
pesquisas e estudos sobre a “nova
classe média”.
Visão Classista: Analisando
as políticas adotadas pelo
governo federal ao longo da
última década, quais delas mais
influíram para o surgimento
desse fenômeno da “nova classe
média”?
Renato Meirelles: A estabilidade
econômica, que contribuiu para
o aumento dos empregos formais
serviu como alavanca para que
o brasileiro da antes tida como
Classe C, pudesse ter acesso ao
crédito, e com isso, realizar seus
sonhos de consumo.
Visão Classista: A partir de sua
experiência, qual é a visão que
o cidadão da chamada “nova
classe média” tem a respeito do
sindicalismo no Brasil?
Este cidadão pouco escolarizado
começa a se conscientizar dos
seus direitos através dos jovens
da família, aqueles que são
os primeiros universitários e
descobriram na internet uma
janela para o mundo e para as
informações.
Visão Classista: Até que ponto os
sindicatos e outras associações
populares não conseguem
se comunicar adequadamente
e atender as demandas dessa
grande parcela da população?
A maioria dos erros cometidos
consiste na falta de didatismo,
pois parcela desta população
não compreende a diferença
de esquerda e direita. O que
eles precisam mesmo saber é
o que esta ideologia vai mudar
na prática em suas vidas. A
conscientização dos direitos
também é importante.
Visão Classista: Passadas as
eleições municipais, já é possível
fazer alguma análise sobre
como a “nova classe média” foi
às urnas ou não é possível vê-la
como um grupo homogêneo
em termos de posicionamento
político?
Com a entrada dos jovens
emergentes nas universidades e
o acesso à informação, também
encontrada através da internet,
podemos dizer que já contamos
com parcela da classe média indo
até as urnas conscientes do que
esperam de seu candidato.
Visão Classista: O cientista
político André Singer, em artigo
recente, afirmou que o cidadão
da “nova classe média” é, em
geral, individualista e que é
atraído mais facilmente para
um evento religioso do que para
uma reunião de associação de
bairro ou de um sindicato. Até
que ponto essa visão é correta?
Por quê?
Levando em consideração
as pesquisas de campo
que vivenciei em algumas
comunidades, discordo
parcialmente da afirmativa. O
cidadão da NCM tem uma visão
de coletividade muito grande e
é nisso que se difere das classes
altas. O fato dele se atrair mais
pelo evento religioso do que para
uma reunião de associação de
bairro tem mais a ver com uma
dissonância cognitiva, gerada por
uma comunicação equivocada
do que com a ideologia política
em si.
Visão Classista: É possível dizer
que a ascensão social por meio
do consumo enfraquece a luta
por melhorias em serviços
públicos em geral? Ao conseguir
um plano de saúde ou pagar
por uma creche particular, o
brasileiro deixa de lado tais
demandas?
Acredito que o acesso ao
consumo, principalmente o de
serviços, torna esse brasileiro
mais consciente das suas reais
necessidades. Tanto de ensino,
como de saúde pública.
Visão Classista: Ao constatarem
essa ascensão social dos
últimos anos, é exagero dizer
que governo, mídia e empresas
passaram a ver esses brasileiros
muito mais como consumidores
do que como cidadãos?
Na verdade, esses brasileiros só
passaram a ser enxergues como
cidadãos quando passaram a
consumir, infelizmente.
VISÃOClassista
7
C A PA
8
VISÃOClassista
pelo viés da renda, como sendo
segmentos das classes sociais. Para
certos estudiosos, alguém que
ganha R$ 1000,00 por mês entra
na classe média, para outros não.
Há ainda os que não consideram
apenas a questão salarial, mas
também o acesso a serviços como
educação, cultura e outros fatores”,
salienta. “Quer seja de um jeito ou
de outro, no meu entendimento
não existe uma nova classe
média, mas sim pessoas com certa
mobilidade em função de políticas
implementadas, sobretudo, a partir
do governo Lula, que fazem com
que elas tenham uma condição de
vida melhor, sem mexer naquilo
que se determina como classes
sociais”, defende o sociólogo.
Arquivo CTB
de pessoas que se situam em
posição semelhante num processo
econômico. Entre os que são
classificados como burguesia e
proletariado existiria uma “classe
média que também faz parte da
classe trabalhadora”, segundo o
ele, “pois são pessoas que vendem
seu trabalho ou fazem parte de
uma pequena burguesia, dona de
pequenas e médias empresas”.
A partir dessa premissa, Petta
entende que, quando se começa a
falar de uma “nova classe média”,
não existe nenhum elemento
que justifique tal terminologia.
“Entende-se que uma determinada
classe social é formada por pessoas
com uma determinada posição
no processo de produção. Parece
que o que ocorreu é simplesmente
um processo de melhoria de
vida dessas pessoas, com salário
melhor. Elas passaram a se situar
melhor, a consumir mais. Mas elas
continuam fazendo parte da classe
trabalhadora”, explica.
Por sua vez, Nivaldo Santana,
vice-presidente da CTB e secretário
Sindical do PCdoB, é mais direto
ao definir como “incorreta” a
expressão “nova classe média”. O
sindicalista entende que se trata
de um termo com forte conteúdo
ideológico conservador. “Tratase de uma perspectiva capitalista
a ideia de identificar o cidadão
meramente como um consumidor,
valorizá-lo por sua capacidade de
consumo. Dessa forma, acaba por
prevalecer a ótica do mercado,
na qual o Estado deixa de ser o
provedor e somente quem tem
recursos obtém determinados
serviços e benefícios”, critica.
Nesse sentido, Petta entende
que, na verdade, não existe
qualquer “nova classe média”
no Brasil. “Alguns começam a
utilizar essa terminologia somente
Agenda classista
Para Nivaldo Santana, é papel
dos sindicatos e dos partidos
políticos fomentar uma discussão
que reorganize a busca por
determinadas demandas na
O comando do Ipea e as diferentes
visões sobre a “nova classe média”
No último dia 12 de setembro,
tomou posse como novo
presidente do Ipea o economista
Marcelo Neri, em substituição
ao também economista Marcio
Pochmann. Além de uma disputa
partidária envolvendo o PT e o
PMDB, a troca de comando do
órgão do governo federal chamou
a atenção pela diferença de perfis
entre seu comandante anterior e
o atual.
Os pontos de vista de Neri
(FGV) e Pochmann (Unicamp)
sobre o fenômeno da “nova
classe média” simbolizam a
substituição. Enquanto o primeiro
foi o principal nome acadêmico a
bancar a existência desse suposto
nicho populacional, o segundo
adotou uma postura crítica a essa
denominação.
Oficialmente, a saída de
Pochmann do Ipea, após cinco
no cargo de presidente, se deu
por conta de sua candidatura à
Prefeitura de Campinas (terminou
o pleito na segunda colocação).
Guido Mantega, ministro da
Fazenda, teria sido um dos grandes
apoiadores do nome de Neri, que
DISSONÂNCIA Petta não vê qualquer justificativa para o uso da expressão “nova classe média”
só passou a ser bem-visto entre os
petistas justamente por conta de
seus trabalhos sobre a “nova classe
média”.
Para Augusto Petta,
coordenador-técnico do Centro de
Estudos Sindicais (CES), o trabalho
realizado por Pochmann à frente
do Ipea foi de grande valia para
o Brasil, mas é prematuro fazer
qualquer tipo de diagnóstico
sobre como será a gestão de
Neri diante do órgão federal.
“Pochmann fez um trabalho muito
importante para a compreensão
da classe trabalhadora, algo que
se tornou uma base fundamental
para a atuação dos sindicatos.
Esperamos que o Ipea continue
nessa linha. Há uma preocupação
de que esse caminho se altere, mas
precisamos aguardar para ver o que
acontecerá”, afirmou.
sociedade. “Ao prevalecer o atual
formato, ao invés de defender a
classe trabalhadora e demandas
como educação, saúde, lazer,
e cultura, o que temos visto é
o incentivo cada vez maior ao
consumo”, critica. “Existe uma real
necessidade de se alterar a agenda
de preocupações que essa parte da
população deveria ter”, completa o
dirigente da CTB e do PCdoB.
Petta entende como natural,
em uma sociedade capitalista, o
fato de que, à medida em que as
pessoas passam a receber mais, elas
aumentam seu padrão de consumo.
“No entanto, estão aparecendo
determinados valores que essas
pessoas passam a assumir. Elas
deixam uma vida de miséria, de
pobreza muito grande e, ao ter
um novo padrão de consumo, isso
também mexe em seus valores,
naquilo que elas querem adquirir.
A posição que você ocupa na
economia tem muita força sobre as
ideias que as pessoas têm. Existe
uma relação dialética entre as ideias
e o material, mas a força do material
predomina muitas vezes sobre as
ideias”, argumenta o pesquisador.
Diante desse cenário, Petta
define como “o grande desafio
do movimento sindical hoje” a
busca por um canal efetivo de
diálogo junto à população que se
convencionou chamar de “nova
classe média”. Ele se recorda
da década de 1980, quando os
sindicatos conseguiram encontrar
esse caminho, baseados em uma
relação de bastante credibilidade.
“Hoje estamos vivendo uma nova
fase. Estamos tentando entender
como interferir neste atual cenário.
Outro dia encontrei com alguns
dirigentes do Sindicato dos
Bancários de Sergipe. Eles me
contaram que, em uma recente
campanha salarial, o uso da
internet foi fundamental, pois
quando os sindicalistas foram
conversar com os trabalhadores,
muitas informações já eram
conhecidas e estavam assimiladas.
Então acho que precisamos
entender essas mudanças, tanto
na estrutura econômica quanto
nas ideias que as pessoas têm. Ao
entender o que ocorre, precisamos
ter uma política mais adequada
para conseguir essa mobilização”,
defende Petta.
VISÃOClassista
9
EN T R EVISTA
WAG N E R G OM ES
EM 5 ANOS, CTB CONSEGUIU
CRESCER E SE CONSOLIDAR
Fernando Damasceno
“A tendência da
CTB, sem dúvida,
é de crescimento
contínuo nos
próximos anos”
Visão Classista: Falar em
avaliação positiva desses cinco anos
de fundação da CTB é algo natural.
Dessa forma, em sua opinião quais
são os aspectos mais relevantes
dessa trajetória?
Wagner Gomes: Desde que
fundamos a CTB, tínhamos
como objetivo principal ter uma
central que pudesse não apenas
opinar nas questões trabalhistas,
mas também em questões mais
amplas do Brasil. Entendíamos que
essas duas características seriam
fundamentais, pois precisamos estar
antenados à vida política do país,
prontos para opinar e participar,
no sentido de ajudar o Brasil a se
desenvolver e gerar mais empregos.
Na questão sindical, a expectativa
era a de que nossa Central pudesse
ser mais um instrumento dos
trabalhadores na defesa de suas
bandeiras mais específicas. Com
essas duas questões, estaríamos
bem preparados para atuar no
cenário nacional. Assim, felizmente
o balanço é muito bom nesses
cinco anos. A CTB sem dúvida
conseguiu se fortalecer, se firmar
e se consolidar. Hoje a CTB tem
cerca de 900 sindicatos filiados,
sendo que desse total há cerca de
600 já registrados no Ministério do
Trabalho e Emprego.
Podemos dizer que foram cinco
anos bem agitados. O debate foi
intenso, passamos por uma disputa
presidencial na qual apoiamos um
projeto progressista para o Brasil
e, no campo sindical, eu destacaria
a luta pela política de valorização
do salário mínimo como nossa
maior conquista, com seu reajuste
vinculado à inflação mais a metade
do Produto Interno Bruto (PIB)
do país. Isso fez com que o salário
Jesus Carlos
VISÃOClassista
Chico Alves
10
“N
asce na cidade de
Belo Horizonte a
CTB – Central dos
Trabalhadores e Trabalhadoras do
Brasil”. Diante de 1.400 delegados,
de todos os estados brasileiros e do
Distrito Federal, Wagner Gomes
anunciava, às 20h34 de uma quartafeira, 12 de dezembro de 2007, a
criação da entidade. Na condição
de seu primeiro presidente, após
cinco anos de fundação, o dirigente
sindical avalia como extremamente
positivo o balanço desse período
inicial. “A CTB sem dúvida
conseguiu se fortalecer, se firmar e se
consolidar”, afirma.
Natural de Araçatuba, interior
do estado de São Paulo, Wagner
Gomes tem 55 anos e é metroviário.
Foi um dos fundadores do
Sindicato dos Metroviários de São
Paulo em 1983 e seu presidente
de 1989 a 1995 e de 2007 a 2010.
Integrou a Executiva Nacional da
Central Única dos Trabalhadores
(CUT) de 1994 a 2007. É membro
titular do Comitê Central do
Partido Comunista do Brasil
(PCdoB) desde 1997.
Nesta entrevista, ao fazer um
balanço positivo sobre a trajetória
da CTB, Wagner Gomes destaca
o compromisso da Central em
prol da unidade do movimento
sindical, analisa como positiva a
campanha em defesa da unicidade
e da contribuição sindical, define
como fundamental o papel dos
trabalhadores rurais dentro da
entidade e traça uma perspectiva
bastante otimista para o futuro da
CTB. Confira abaixo:
VISÃOClassista
11
WA GN E R G OM ES
Visão Classista: A unidade
dentro do movimento sindical
sempre foi uma bandeira defendida
pela CTB. Pensando nesses cinco
anos, a segunda Conferência
Nacional da Classe Trabalhadora
(Conclat) foi o ápice dessa política?
com as outras centrais no sentido
de realizar um grande encontro,
durante o qual aprovaríamos essa
plataforma, que serviria como base
para a unidade das centrais.
E foi o que ocorreu na Conclat,
em 2010, com a presença de cerca
de 30 mil dirigentes sindicais
de todo o país, aqui no Estádio
do Pacaembu, em São Paulo.
Aprovamos na ocasião a Agenda
da Classe Trabalhadora, entregue
no mesmo ano à candidata Dilma
Rousseff. Até o presente momento,
o conteúdo dessa Agenda segue
norteando nossas atividades.
Olhando para trás, a Conclat sem
dúvida foi uma grande vitória para
a classe trabalhadora.
O futuro da CTB é de
bastante otimismo. Nossa
tendência é sermos cada
vez mais um instrumento
valoroso para a classe
trabalhadora
Wagner Gomes: Desde nossa
fundação achávamos que os
trabalhadores só teriam alguma
chance de influir no destino do país
se as centrais atuassem de forma
unificada. Se cada uma das centrais
ficasse para um lado, certamente
não conseguiríamos muita coisa.
Diante disso, propusemos uma
plataforma de luta com questões
nacionais e sindicais. Conversamos
Valcir Rosa
12
VISÃOClassista
Visão Classista: Outra
bandeira fundamental da CTB tem
sido a defesa da unicidade e da
contribuição sindical. Como você
avalia a campanha feita neste ano?
Que resultados ela trouxe?
Wagner Gomes: Essa bandeira
é praticamente uma cláusula pétrea
para nós da CTB. A unicidade
garante o mínimo de unidade para
que os trabalhadores tenham apenas
um sindicato por município. E a
contribuição garante que os próprios
trabalhadores sustentem suas
entidades, a partir do pagamento
de um dia de trabalho por ano.
Essa bandeira é polêmica, mas se
mostrou majoritária no movimento
sindical. Hoje já vemos outras
centrais defendendo a unicidade.
Nossa campanha veio em uma
hora decisiva [março de 2012],
pois foi quando o assunto começou
a aparecer. A CUT, por exemplo,
defendeu a chamada “liberdade
sindical” e o fim da contribuição
sindical, também a partir de uma
campanha, mas me parece que
os companheiros recuaram e
vão deixar essa questão meio de
lado. Isso ocorreu, no meu modo
de ver, por conta da força que
essas bandeiras têm. Sem elas,
muitos sindicatos fechariam e não
poderiam mais fazer a defesa dos
trabalhadores.
Apesar de certa divulgação de
que haveria um plano para acabar
com a unicidade sindical, ainda
não apareceu nada realmente de
concreto nesse sentido. Sei que há
companheiros que defendem essa
proposta, mas não temos qualquer
indício de que haja uma campanha
de verdade contra a unicidade.
Nossa campanha fortaleceu isso,
pois centrais que não defendiam
essas bandeiras agora passaram a
defendê-las. Sem dúvida foi uma
posição vitoriosa da CTB, pois
ajudamos a firmar certas convicções
em defesa daquilo que acreditamos.
E entendo que agora no começo
de 2013, com a publicação de uma
nova Portaria do Ministério do
Trabalho, em substituição à Portaria
186, nossa posição sairá ainda mais
fortalecida.
Visão Classista: Nesta edição,
estamos tratando na capa da
questão da chamada “nova classe
média”. Como você tem percebido
esse debate? Até que ponto ele
corresponde à realidade?
Wagner Gomes: Há uma
polêmica muito grande, sem dúvida.
Para mim, classe média era quem
tinha casa própria, dois carros na
garagem, apartamento na praia,
filhos na escola particular, dinheiro
no banco. Mas agora enquadraram
na classe média cidadãos que
ganham em torno de R$ 1100 – e
isso para mim não é classe média.
São pessoas que precisam lutar
intensamente para pagar suas
contas e que fazem parte da classe
trabalhadora. É claro que durante os
governos Lula e Dilma – que tiveram
Arquivo CTB
mínimo ganhasse uma grande força
e se tornasse, atualmente, um dos
principais instrumentos de renda
da classe trabalhadora.
Foram sem dúvida cinco anos
de muita batalha. Não podemos
esquecer também de lembrar que
conseguimos nosso reconhecimento
junto ao governo federal, mantendo
filiados em nossa base mais de 9%
do total de trabalhadores do país.
Era uma meta que alcançamos
e que pretendemos ampliar nos
próximos anos.
nosso apoio, mas também foram
alvos de nossas críticas – o Brasil
melhorou, mas ainda não consigo
compreender que classe média é
essa. Trata-se apenas de uma classe
trabalhadora que teve uma pequena
melhora. Minha convicção é a de
que, dentro da questão central do
capital, essa classe média recebe
salários muito baixos.
Visão Classista: Pensando
ainda nesse balanço de cinco anos
de fundação, qual a importância
conquistada pelos trabalhadores
rurais dentro da CTB?
Wagner Gomes: A CTB é uma
central de trabalhadores urbanos
e rurais. Oito federações de
trabalhadores rurais são filiadas à
CTB e mais duas devem se filiar
em breve. Temos na direção da
Contag [Confederação Nacional
de Trabalhadores na Agricultura]
vários companheiros cujas
entidades também são filiadas à
CTB. A Contag tem cerca de quatro
mil sindicatos filiados e, por isso,
é a mais legítima representante dos
trabalhadores rurais. E nós estamos
conseguindo ter um trabalho
unificado. A Contag precisa ter suas
bandeiras específicas e sua vida
própria. Nesse sentido, as centrais
devem apoiar suas iniciativas.
Podemos dizer que a maioria
do movimento sindical rural
está filiada à CTB. Trata-se de
uma grande vitória, pois os
companheiros rurais têm dado
VISÃOClassista
13
C ON J U NT U RA
E NT R E V IS TA
Visão Classista: Um tema
que ainda precisará de muitas
discussões internas é a situação das
CTB’s estaduais. Que análise você
faz dessa questão?
Wagner Gomes: Essa é uma
das nossas grandes preocupações.
Precisamos estimular o papel que
as estaduais podem ter. Teremos
nosso Congresso em agosto de
2013 e essa será uma das questões
principais. Precisamos discutir como
as estaduais podem ter uma vida
política mais ativa, tornando a CTB
mais conhecida em cada estado e
passando a filiar mais sindicatos.
É claro que em algumas
localidades existe um cenário
diferente, onde as CTBs estaduais
já possuem uma vida política
muito intensa. Mas a maioria tem
problemas e precisamos enfrentálos. No Congresso iremos tomar
decisões específicas em relação
a isso. Estamos neste momento
discutindo a criação de uma
Secretaria de Organização específica
para enfrentar essa demanda e para
participar diretamente nos estados.
Esse é um desafio para o futuro,
pelo qual brigaremos para valer, no
sentido de melhorar a situação das
CTBs estaduais.
de vista classista da entidade a que
somos filiados.
Mas falando de forma mais
específica do Congresso, iremos
debater o que acertamos e erramos
e, a partir disso, tocar a bola pra
frente para sermos maiores do ponto
de vista política e também pelo viés
da quantidade de sindicatos.
Visão Classista: Você acabou de
mencionar o 3º Congresso da CTB.
O que mais já pode ser adiantado
sobre esse tão importante evento?
Wagner Gomes: Iremos fazer
um balanço desse período de
existência da CTB, ver quais pontos
de pauta da Agenda da Conclat
foram encaminhados e quais ainda
não foram, discutiremos a situação
internacional e nacional. Inclusive
na véspera do congresso haverá um
encontro de dirigentes sindicais
internacionais, para ouvir um
pouco os companheiros que atuam
em outros países. Junto com a
Federação Sindical Mundial (FSM),
estamos fazendo um trabalho
importante na América Latina, com
o propósito de difundir o ponto
Valcir Rosa
14
VISÃOClassista
Visão Classista: Passados os
cinco primeiros anos de história
da CTB, que perspectiva é possível
vislumbrar para daqui a cinco
anos? Qual papel a CTB terá no
sindicalismo nacional?
Wagner Gomes: A tendência da
CTB, sem dúvida, é de crescimento
contínuo nos próximos anos.
Ainda temos muitos sindicatos para
filiar. Temos condição de aprovar
no próximo Congresso uma meta
de filiação, para chegarmos no
4º Congresso com o dobro de
sindicatos filiados.
Achamos que a CTB ainda
está no caminho da estruturação.
Temos muito campo a desenvolver
e também para fazer com que nossa
Central jogue um papel político
cada vez mais importante. Temos
conseguido, a partir da unidade com
as outras centrais, batalhar pelas
principais causas do país. Isso tem
gerado um respeito muito grande
em relação à CTB – tanto no Brasil
quanto no exterior. A CTB hoje é
uma central que goza da confiança
das outras entidades sindicais.
O futuro da CTB é de bastante
otimismo. Nossa tendência é ser
cada vez mais um instrumento
valoroso para que a classe
trabalhadora possa defender seus
direitos e também para influenciar
no destino do país, do ponto de
vista do crescimento e das reformas
necessárias. Acho que chegamos
agora ao terceiro Congresso com
um capital político importante.
EDUARDO NAVARRO
uma grande ajuda ao restante
do movimento sindical. Nesse
sentido, precisamos conhecer
mais a realidade do campo e suas
dificuldades para podermos ajudálos e nos integrarmos. Ao olhar
para esses cinco anos, podemos
dizer que se trata de uma grande
vitória política e organizativa ter
essa proximidade e confiança dos
trabalhadores rurais.
Sujeitos dos seus destinos
N
os últimos meses
o Brasil tem
discutido muito
sobre a nova classe média
– a parcela de brasileiros
que teriam ascendido a
essa posição no intervalo
dos dois mandatos de
Lula e metade do mandato
de Dilma. Uma parte
desse debate refere-se à
validade dos conceitos
utilizados, se está correto
o enquadramento –
enquanto classe média
– das pessoas com renda
familiar per capita de R$
291, 00 a R$ 1.019,00
ou se isso se refere a uma
elevação do padrão de
consumo.
Pode variar o método
ou o instrumental
empregado, o referencial
utilizado pode ser
da economia ou da
sociologia, ou pode ser
dada uma ênfase mais
otimista ou pessimista
ao assunto, porém um
dado é concreto: a melhor
distribuição de renda
levou 40 milhões de
brasileiros e brasileiras
a mudarem de vida
no período e, o mais
importante, a adquirirem
sonhos e esperanças,
vontade de participar,
garra para transformar
suas vidas e das pessoas ao
seu redor. Essas questões
devem ser consideradas
seriamente pelo
movimento sindical, pois
este imenso contingente –
comparável a um país da
dimensão da Alemanha –
tem implicações profundas
para o mundo do trabalho.
É preciso considerar
que entre os fatores
para essa inclusão estão
mudanças demográficas,
transferências públicas
governamentais, acesso
ao trabalho e ganhos de
produtividade. Nesse
sentido, a ampliação da
taxa de ocupação e o
crescimento da renda
do trabalhador estão
relacionados diretamente
à lide sindical. Essa
inclusão produtiva traz um
ambiente diferenciado do
que foi vivido pela classe
trabalhadora na década
de 90, de forte matriz
neoliberal, quando as
taxas de desempregados
eram elevadas e a ameaça
de demissão era uma
constante. Esse cenário
levou os trabalhadores a
buscar saídas individuais,
se distanciando do
movimento sindical.
O cenário agora
se inverte. Segundo o
IBGE, 14 milhões de
novos empregos foram
criados e o salário médio
do trabalhador cresceu
cerca de 20%. A taxa de
sindicalização também
aumentou – passou de
16,7% em 1992 para
19,1% em 2009 (se
considerarmos somente o
índice dos trabalhadores
rurais estes vão de
13,9% para 23,4% no
mesmo período). Esse
crescimento expressa
a luta dos sindicatos
pela representação dos
trabalhadores, por seu
poder de negociação,
pelo aumento dos níveis
de emprego formal, pela
expansão dos serviços,
pela política de valorização
do salário mínimo e, para
o campo, por iniciativas
como o Pronaf.
No seu conjunto, os
sindicatos se tornaram
mais presentes para os
trabalhadores, porém
o nível de cobrança
amplia-se com a alteração
da base da pirâmide,
pois estes novos atores
trazem valores culturais
diferenciados, fortemente
amparados em uma visão
de futuro em que eles se
tornam protagonistas.
São cidadãos conscientes
de seus direitos e de
suas possibilidades,
com um sentimento de
pertencimento maior, e
com um orgulho de suas
conquistas, que lutarão
para preservar essa
condição de acesso e de
inclusão social.
São sujeitos mais
afeitos aos princípios de
coletividade propugnados
pelos sindicatos. Porém,
não devemos nos descurar
das questões dos outros
71 milhões de brasileiros
em idade ativa que
estão no desemprego
ou na inatividade,
como aposentados ou
pensionistas.
Esse crescimento
expressa a luta
dos sindicatos pela
representação dos
trabalhadores,
pelo seu poder de
negociação, pelo
aumento dos níveis
de emprego formal
Eduardo Navarro é secretário de
Imprensa e Comunicação da CTB.
VISÃOClassista
15
C OM PORTA M EN TO
DO BOM E DO MELHOR
Poder de escolha da
“nova classe média”
muda padrão de
consumo no país e gera
frutos para a economia
Deborah Moreira
A
classe média chegou para
ficar. Deixou de ser vista
como um mero segmento de
mercado, que transita entre pobres
e ricos, e passou a ser protagonista,
a partir do salto de 40 milhões
de brasileiros para esse segmento
social nos últimos dez anos,
somando cem milhões de pessoas e
responsável por movimentar cerca
de R$ 1 trilhão ao ano. A elevação
no padrão de consumo foi o que
acabou chamando a atenção do
mercado. A denominada nova
classe média quer consumir mais e
melhor.
Os números fazem parte do
estudo da Secretaria de Assuntos
Estratégicos da Presidência da
República (SAE), intitulado
‘’Vozes da Classe Média’’, uma
compilação de dados lançada em
setembro deste ano. De acordo
com a publicação, a classe média é
formada por famílias que possuem
renda per capita entre R$ 291 e
VORACIDADE Televisores modernos se tornaram símbolo de consumo no país
16
VISÃOClassista
R$ 1.019 e dependem da renda
do trabalho para ascender. Seus
rendimentos chegam a ser 2,5 vezes
maior que a da classe baixa, mas
quatro vezes menor do que a da
classe alta.
Dentro do grave quadro de
desigualdade social do país, esse
segmento já alcançou quase 40%
da renda total do consumo das
famílias. Ampliando para o cenário
internacional, o Brasil representa
hoje o oitavo mercado consumidor,
logo depois da Itália. Se a classe
média fosse um país, representaria
o 18º mercado consumidor
mundial, logo abaixo da Argentina
e da Turquia e acima da Holanda.
Boa parte dessa mudança está
INCLUSÃO Mundo virtual se populariza por meio de celulares multifuncionais
nas condições econômicas criadas
a partir da valorização da renda,
geração de emprego, estabilização
da moeda, controle da inflação,
redução de juros com crescimento
do Produto Interno Bruto (PIB).
A ausência da inflação, somada
ao aumento da população, com
redução no tamanho das famílias e
a oferta abundante de crédito para
o mercado interno fizeram com
que uma legião de consumidores
vorazes despertasse de um
sono profundo. No entanto, a
modalidade preferida dessa parcela
da população ainda faz pouco uso
do sistema financeiro, já que 77%
preferem pagar suas despesas em
dinheiro.
A ascensão da classe média
não é novidade. Os mais velhos
devem lembrar que na década de
1970, quando houve a migração
de milhões do campo para cidade,
o país passou por crescimento
significativo a partir da aquisição de
bens de consumo duráveis, como
automóveis.
No entanto, há uma diferença
bastante significativa na forma
com a qual o consumidor se
relaciona com os produtos. Há uma
consciência maior, se comparado
com a classe baixa, sobre suas
necessidades e sobre o que é
preciso para formular e expressar
suas demandas. O consumidor
típico da classe média é aquele que
lota os Procons em busca de seus
direitos. Nesse sentido, também
é capaz de se mobilizar em níveis
políticos organizados, como na
campanha pela lei da ficha limpa.
Há mais perspectiva de futuro,
diferente dos pobres que se ocupam
em formular estratégias para
sobrevivência. E isso abre o apetite
para o consumo de bens, essenciais
e supérfluos, que agreguem valores.
Segundo a Pesquisa de
Orçamentos Familiares, POF,
realizada pelo IBGE, entre 2003 e
2009, o consumo médio mensal de
carne de primeira aumentou 4,2%
no país. Enquanto isso, o de frango
caiu 11,8%. A compra de azeite
subiu 13,8% e a de óleo de soja,
recuou 45,5%, mesmo o primeiro
sendo, em média, três vezes mais
caro.
O setor de produtos
tecnológicos também comemora
as vendas. Os smartphones, por
exemplo, cresceram 179% em
2011 – para se ter uma ideia, no
mercado estadunidense a alta não
chegou a dois dígitos no mesmo
período. As TVs com tecnologia
3D já respondem por quase um
quarto dos negócios fechados. Dos
12 milhões de aparelhos vendidos
por ano, 92% são de telas finas
(LED, LCD), que custam o dobro
do valor, pelo menos, dos modelos
mais antigos. Outro segmento
que está sentindo a ferocidade
do consumo é o automobilístico.
A participação de carros com
motor 1.0 no total de automóveis
emplacados em fevereiro de 2012
foi de 42,6%, o que corresponde
ao menor percentual em 17 anos.
Há dez anos, os carros populares
tinham mais de 70% da preferência
dos brasileiros. Atualmente, quando
o país já é o quarto maior mercado
global de veículos, modelos com
motor 1.6 e 1.8, airbag, câmbio
automático e banco de couro
começam a ocupar mais as garagens
dessas famílias.
O crescimento de adesões a
planos de saúde e previdência
privada também é uma
característica desse novo
consumidor, que é exigente e
prefere pagar um pouco mais
para ter qualidade em assistência
médica, da mesma forma que
escolhe marcas com mais
qualidade.
“Acredito que o acesso ao
VISÃOClassista
17
C OM PORTA M EN TO
consumo, principalmente ao setor
de serviços, torna esse brasileiro
mais consciente das suas reais
necessidades. Tanto de ensino,
como de saúde pública”, afirma
Renato Meirelles, pesquisador e
sócio diretor do Data Popular,
instituto de pesquisa pioneiro no
estudo do Brasil emergente.
A tudo isso se agrega o aumento
da escolaridade e a democratização
do acesso à informação por meio
da internet e da TV por assinatura
(que também passou a ser item
básico de consumo). O que dá
a essa nova classe média mais
liberdade de escolha.
“Este cidadão pouco
escolarizado começa a se
conscientizar dos seus direitos
através dos jovens da família,
aqueles que são os primeiros
universitários e descobriram na
internet uma janela para o mundo
e para as informações”, explica o
pesquisador.
Sua experiência bem próxima
a agentes dessa nova classe média
lhe permite afirmar que a mesma
define seus sonhos de consumo e
passam a enxerga-los como metas,
com perspectiva real de conquista.
Escolaridade
É perceptível uma expansão das
ocupações de maior escolaridade
nas duas últimas décadas, com
elevação no nível escolar dos que
recebem salário de base. Segundo
estudo publicado pelo economista
Marcio Pochmann, nos anos 1980
entre esse grupo a maior parte
possuía Ensino Fundamental
(8,3 milhões). Segundo a PNAD,
em 1990 houve forte redução do
número de analfabetos (menos
quatro milhões) e predominância
de trabalhadores com Ensino
Médio (4,1 milhões). Já nos anos
18
VISÃOClassista
2000, a formação em Ensino Médio
disparou para 11,4 milhões e o
número de empregados com Ensino
Superior já é considerável, de 3,5
milhões – superior aos 269 mil da
década anterior.
Nos anos 2000, foram criados
21 milhões de postos de trabalho
e a grande maioria (94,8%) com
rendimento de até 1,5 salário
mínimo mensal, chegando a
representar 47,8% da classe
trabalhadora em 2009. Para
Pochmann, esse é um indicador
forte de que houve avanço maior
nas ocupações localizadas na
base da pirâmide social do país.
Contudo, o economista não
acredita que esse segmento possa
ser associado ao conceito de classe
média, uma vez observadas suas
ocupações e remunerações.
O consumidor típico da
classe média é aquele
que lota os Procons em
busca de seus direitos.
Nesse sentido, também
é capaz de se mobilizar
em níveis políticos
organizados, como na
campanha pela lei da
ficha limpa.
Dança das cadeiras
Seis milhões de brasileiros
cruzaram a linha da miséria
durante os oito anos do governo
Lula. De acordo com o professor
e pesquisador Waldir Quadros,
colaborador do Cesit (Centro de
Estudos Sindicais e de Economia
do Trabalho), do Instituto de
Economia da Universidade d0e
Campinas (Unicamp), houve
efetivamente uma redução na
população de miseráveis (com
rendimentos abaixo de R$ 350),
que migrou para o que ele classifica
como “massa trabalhadora” ou
pobres (com rendimentos entre R$
350 e R$ 700 mensais). Por sua
vez, essa categoria também ficou
menor, já que boa parte passou a
integrar a baixa classe média (com
rendimentos declarados entre R$
700 a R$ 1.750 mensais).
A partir da análise de dados
do Censo Demográfico de 2000
e 2010, o economista chegou à
STATUS Classe C já não se contenta com modelos populares de automóveis
conclusão de que os cerca de 30%
de miseráveis (em 2000) caíram
pela metade. A outra metade
migrou para as camadas superiores
(em 2010). Assim, a massa de
trabalhadores passou de 27% para
30% e a da baixa classe média de
25% para 36%.
O analista econômico e político
também questiona o surgimento de
uma nova classe média a partir da
elevação do padrão de consumo.
“Não é possível olhar esse
movimento social somente pelo
consumo. É claro que teve uma
explosão de consumo. Mas todo
mundo consumiu, não só a classe
média, o pobre e o rico também”,
explica o professor.
Ele ressalta que deixar de ser
miserável não significa pertencer a
uma nova classe média: “É preciso
levar em conta outros aspectos,
além da renda. É preciso medir
politicamente e socialmente
as ocupações, muitas delas
precarizadas como um dos efeitos
das crises. Algumas perderam
espaço, valor e até a renda, que está
diretamente relacionada à qualidade
e padrão de vida.”
Formalização do trabalho
O número de postos de trabalho
formal cresceu de forma expressiva
na década de 2000. Para cada
vaga informal, três outras foram
criadas no mercado formal. Além
disso, houve elevação de cerca
de 20% da renda do trabalhador
(entre 2003 e 2010), tendo em
vista uma política de aumento do
salário mínimo. Para todas essas
ações no cenário econômico, o
movimento sindical esteve presente,
cobrando de governos e empresas
o compromisso com o crescimento
estrutural.
Também há um número
crescente de trabalhadores
sindicalizados, pelo menos nas
categorias profissionais com de
salário de base, que atualmente
respondem por metade da massa
trabalhadora brasileira. Destes, pelo
menos um terço se sindicalizou.
“Há uma mistificação dessa classe
média. Mas, do ponto de vista
sindical, essa população que
ascendeu economicamente está de
fato mais empregada, ganhando
mais, e com consciência sobre
seus direitos trabalhistas”, observa
Eduardo Navarro, secretário de
Imprensa e Comunicação da CTB.
Navarro ressalta o círculo
virtuoso, descrito em estudos
do Ipea, que surgiu a partir de
quatro fatores importantes que
vieram à tona com a atual política
econômica: geração de emprego,
valorização do salário mínimo,
políticas sociais de transferência
de renda e demografia – redução
do número de pessoas na família
e o bônus demográfico registrado
no país, quando a população
economicamente ativa (PEA) supera
a de dependentes, composta por
idosos e crianças, o que gera mais
força de trabalho, dando condições
de uma maior dinamização da
economia.
“Levando em conta essa parcela
de trabalhadores que adentraram
no mercado de consumo, esse
próprio mercado passa a ficar mais
aquecido porque as empresas terão
que contratar novos funcionários,
gerando novos salários. Com a
mudança no padrão de consumo, a
estrutura produtiva (das empresas)
terá que ampliar a oferta de
emprego para atender a nova classe
trabalhadora, desde que garantida
a produção nacional”, explica
o dirigente da CTB, referindose à adoção de uma política de
reindustrialização.
VISÃOClassista
19
PERF I S
TRÊS BRASILEIROS E SUAS HISTÓRIAS
Fotos: Cinthia Ribas
EVOLUÇÃO Relatos de Marquinhos, Edélsia e Sônia demonstram grande otimismo em relação ao futuro de suas famílias e do país
Estabilidade financeira
e busca por qualificação
profissional marcam
trajetória da “nova
classe média”
Cinthia Ribas
O
crescimento da classe média
brasileira nos últimos anos
é um dos assuntos mais
discutidos por especialistas da área.
Não é para menos. No Brasil, ao
longo da última década, o número
de pessoas que entraram para a
chamada classe C, de acordo com a
Secretaria de Assuntos Estratégicos
(SAE), chegou a 37 milhões –
passando de 38% (2002), para 53%
(2011) da população, somando
20
VISÃOClassista
atualmente mais de 100 milhões de
brasileiros.
Conforme avaliação da
Comissão Ministerial para Definição
da Nova Classe Média coordenada
pela SAE, a divisão da sociedade
brasileira se dá em três grandes
grupos (classes baixa, média e alta).
Foram considerados pertencentes
à classe média os que vivem em
famílias com renda per capita entre
R$ 291 e R$ 1.019 por mês.
No entanto, apesar de ser
classificada como nova classe C,
um olhar mais próximo sobre essa
parcela da sociedade, oriunda
das camadas mais humildes,
que ainda habita comunidades,
conjuntos habitacionais, favelas e
a periferia, revela o sacrifício feito
para o almejado desenvolvimento
dentro de uma conjuntura que hoje
permite o crescimento profissional
e econômico, diante da queda da
desigualdade social.
Estudar é preciso
Para Marcos Lopes, de 30 anos,
a evolução que veio a partir do
crescimento econômico do país
permitiu centrar forças nos estudos.
Casado e pai de uma menina de
dois anos, Marquinhos, como é
conhecido, viu sua vida mudar
quando conseguiu voltar a estudar.
Vindo do Rio Grande do
Sul para São Paulo há apenas
seis anos, o rapaz franzino e
de fala calma já foi servente de
pedreiro, eletricista e repositor em
supermercado. Ganhava um salário
mínimo trabalhando em obras e
hoje coordena uma equipe que
inclui cinco supervisores em uma
renomada empresa de segurança
patrimonial. “Percebi que sem
estudo continuaria no mesmo
lugar. Vi que era a hora de voltar a
estudar”, destaca o gaúcho.
Marquinhos exemplifica o
fenômeno que ocorre na sociedade
nos últimos dez anos. Com
um emprego estável, carteira
assinada e melhor remuneração,
o trabalhador encontra condições
para se qualificar e voltar a ocupar
as cadeiras de faculdades e cursos.
Hoje, o rapaz assiste satisfeito à
evolução de sua família. Ao lado da
esposa Suellen de Oliveira Lopes,
de 25 anos, ambos conquistaram o
sonhado emprego com estabilidade,
carro novo e conseguem conciliar
família, trabalho e estudos, em prol
de seus objetivos.
Nos últimos anos as coisas
mudaram no Brasil. O aumento
da renda e do emprego formal, a
consequente expansão do crédito,
o aumento da escolaridade e a
democratização da informação
por meio da internet e da TV por
assinatura deram à “nova classe
média” liberdade de escolha. Os
sonhos de consumo deram lugar às
Marcos: “Tive que me
esforçar para fazer
um curso superior.
Ganhava pouco e
ajudava com as
despesas em casa”.
metas, a partir de uma perspectiva
real de conquista.
“Vi que a partir dos estudos
viria meu enriquecimento. Esforceime e fui fazer um curso de gestão
em segurança privada. Minha
esposa, que antes tinha um salário
de R$ 700,00, hoje, formada,
conseguiu duplicar seu salário”,
avalia Marquinhos. Questionado
sobre seus sonhos, se engana quem
pensa que ele, que mora de aluguel,
tem como principal objetivo a casa
própria. O objetivo do casal é dar
continuidade aos estudos. “Eu
quero fazer uma pós-graduação
e cursar inglês. E ela, medicina
(aponta para a esposa)”, explica.
Para ir além
Questionada sobre fazer parte da
chamada “nova classe média”, Sônia
Regina da Costa pensa um pouco,
antes de concordar satisfeita. Mãe
de quatro filhos e com uma vida
confortável, Sônia, contudo, lembra
que lutou – “e muito!” – para
chegar ao atual patamar.
Mulher, negra e moradora do
Conjunto Habitacional (Cohab)
Cidade Tiradentes, periferia da
zona leste São Paulo, Sônia é
professora de educação infantil.
Mas para chegar ao cargo, a carioca,
que veio para São Paulo aos 12
anos de idade, “comeu o pão que o
diabo amassou”.
VISÃOClassista
21
PERF I S
“Fui criada em um internato
no Rio de Janeiro, pois perdi
minha mãe muito nova. Vim para
São Paulo com meu pai e minha
madrasta”, lembra Sônia, que após
o falecimento do pai começou a
trabalhar como doméstica. “Depois
de casada percebi que aquilo não
era vida para mim. Eu tinha filhos
e casa para cuidar, mas queria ir
além. Então dei continuidade aos
estudos”, revela.
Sônia percebeu que com
estudo poderia ampliar seus
conhecimentos e evoluir. “Com
estímulo das amigas, decidi então
fazer faculdade de pedagogia”,
relembra a carioca, que, para
chegar onde queria, teve ajuda de
um programa do governo, o Bolsa
Escola da Família.
Por intermédio do programa,
milhares de universitários
dedicam seus finais de semana à
comunidade e, em contrapartida,
têm seus estudos custeados por
meio da concessão de bolsas de
estudos. Sônia percebeu que essa
era a chance para a conclusão do
ensino superior. “Eu trabalhava
em dois empregos. Trabalhava na
escola como agente escolar e como
recepcionista no Hospital Municipal
do Tatuapé. Cuidava da casa, dos
filhos e estudava. Sem contar
que tinha meus finais de semana
tomados pelo programa Escola da
Família. Foi um sacrifício”, confessa
ao se lembrar de sua rotina à época.
Fazendo uma avaliação de
tudo que passou e dos desafios
que enfrentou, Sônia conclui que
valeu a pena. Formada e com a
situação financeira estabilizada,
a professora ainda mora em seu
apartamento da Cohab. Reformado,
o imóvel exibe uma televisão de
LED de 55 polegadas, hometheater
(amplificador de áudio),
computador, televisões nos quartos
e carro novo na garagem.
A filha, pós-graduada em
administração, recentemente
comprou o primeiro imóvel
financiado pelo programa do
governo federal Minha Casa
Minha Vida e aguarda as chaves do
apartamento de dois dormitórios.
“Vejo com muita satisfação a
evolução dos meus filhos. Acredito
que eles se espelharam em mim.
Batalhei muito para chegar até
VISIBILIDADE Pelo Brasil afora, periferia começa a ser vista por outra perspectiva
22
VISÃOClassista
Edélsia: “Faço isso
para que meus filhos
tenham melhores
oportunidades. Eles
só vão trabalhar após
terminar os estudos”.
aqui e eles seguiram pelo mesmo
caminho. O governo deu as
oportunidades. Mas sem força de
vontade para correr atrás do que
eu queria tudo isso não valeria para
nada”, analisa a professora.
Mobilidade social
As trajetórias do coordenador e
da professora ilustram a explicação
de especialistas da área, quando
afirmam que a educação é um dos
fatores para a mobilidade social
presenciada na última década.
Há dez anos, o Instituto de
Pesquisas Datafolha registrava
que havia mais brasileiros que
não tinham completado o Ensino
Fundamental do que aqueles que
possuíam ao menos o nível médio
completo.
A Cartilha “Vozes da Classe
Média” da SAE explica que essa
mudança pode estar relacionada
ao conjunto dos fatores voltados
à inclusão produtiva (expansão
no acesso ao trabalho e ganhos
de produtividade), que explicam
a maior parte (mais de 51%) do
crescimento na renda per capita
da classe média. Dessa forma,
pode-se dizer que a expansão
da classe média resulta muito
mais de um sólido processo de
inclusão produtiva. A partir
dessa análise, enquanto os menos
favorecidos miram o presente e
adotam estratégias defensivas de
sobrevivência, a classe média se
concentra no futuro, buscando
formas de promover ou preservar
sua ascensão.
Salário x Estabilidade
Apesar de ainda pensar em
voltar a estudar, a vida de Edélsia
Gomes de Jesus a levou para
outro caminho. Nascida em Feira
de Santana (Bahia), ela veio para
São Paulo ainda criança e não
conseguiu concluir os estudos.
A baiana já trabalhou com a
carteira assinada em casa de família
e hoje se dedica à faxina diária
pelo dobro do valor recebido na
condição anterior. “Apesar de
abrir mão da segurança eu consigo
ganhar mais dessa forma”, revela a
diarista, que veio do Nordeste com
dois anos de idade em companhia
da mãe para morar no município de
Itapecerica da Serra.
No entanto, Edélsia que
começou a trabalhar como babá,
revela saudosa que seu sonho
sempre foi ser professora. “No
entanto, a vida a levou para este
lado”, revela. A diarista conta que
largou os estudos após a 8ª série do
Ensino Fundamental para trabalhar
e nunca mais conseguiu retornar.
Revela também que todo esforço
feito hoje é para que os filhos
tenham a oportunidade de estudar.
Mesmo trabalhando mais, a
diarista acredita que não tem do
que reclamar. Suas condições
Sônia: “Eu trabalhava
em dois empregos e
ainda tinha que dar
conta da casa, dos
filhos e estudar”.
financeiras melhoraram, assim
como a de seu marido, que hoje
trabalha como verdureiro. “Nesses
últimos anos, conseguimos dobrar
nossa renda. Algo impensável há
uma década. Agora temos mais
oportunidades e o que não me falta
é serviço”, comemora.
Aumento da demanda
Na última década a profissão
de empregada doméstica passou
por uma evolução, devido ao
crescimento da economia. Com o
aumento da geração de emprego
e a melhora da educação, muitas
trabalhadoras se especializaram e
passaram a exercer outras funções.
Segundo a Pesquisa Nacional
por Amostra de Domicílio (PNAD2008), o trabalho doméstico
representa 15,8% do total de
ocupados no país. Nesse cenário,
93,6% das vagas são ocupadas por
mulheres; 61% são negras e 26,8%
não têm carteira assinada.
Como a renda das famílias
também aumentou, a demanda
pelo serviço doméstico cresceu.
Por outro lado, com cerca de
7,2 milhões de trabalhadoras e
trabalhadores em todo o país, a
categoria sofre com a precarização e
os baixos salários.
A maioria (mais de 70%)
não possui carteira assinada, de
acordo com a PNAD. Dos 34
direitos trabalhistas assegurados
na Constituição, apenas nove são
garantidos aos domésticos.
Esses fatores pesaram na decisão
de Edélsia. Casada e mãe de três
filhos (13, 12 e 3 anos), a diarista
foi na contramão do que deseja a
maioria. Por semana, trabalha em
cinco casas diferentes. Resultado:
o valor que ganhava por mês
(equivalente a um salário mínimo),
ganha agora por quinzena. “Nosso
Curva ascendente
e “amortecedor
interno”
– A despeito das discussões que se
desenrolam na sociedade sobre a
existência ou não dessa nova classe
média, entidades renomadas como
a Fundação Getúlio Vargas (FGV)
afirmam que a expansão da classe
média brasileira segue robusta,
conforme dados apurados até
junho de 2012.
– De acordo com declarações
do economista e presidente do
Instituto de Política Econômica
Aplicada (Ipea), Marcelo Neri, a
projeção é de que mais 12 milhões
de pessoas ascenderão para esse
segmento até 2014.
– Para Neri, foi a nova classe
média que estabilizou a economia
brasileira e fez crescer o Produto
Interno Brunto (PIB) nos últimos
anos, mesmo em um cenário
marcado pela crise internacional.
“A classe média é o amortecedor
interno da economia. Se ela
quebrar, não sabemos para onde
vai o país”, afirma.
próximo objetivo é comprar um
carro, mesmo que seja usado e
popular”, declara a dona de três
televisores, dois aparelhos de DVD
e outros eletrônicos.
No entanto, o maior sonho
de Edélsia é a conquista da casa
própria. Questionada sobre o
programa Minha Casa Minha Vida,
ela revela que ainda pretende
se inscrever. “Quem sabe não
consigo realizar mais esse sonho”,
confidencia a trabalhadora, que
ainda não tem um computador para
fazer sua inscrição no programa.
VISÃOClassista
23
RU RA I S
Arquivo CTB
EMPENHO Contag e CTB se mantêm na linha de frente das reivindicações
Recentes avanços no
campo não podem
mascarar a dura
realidade fundiária
do país
Paula Farias
24
VISÃOClassista
O
Brasil se consolidou em
2012 como a sexta maior
economia do mundo,
deixando para trás o Reino Unido.
Para completar o momento de
“prosperidade”, milhares de
brasileiros ascenderam para a
chamada “nova classe media”.
Mesmo diante desse quadro atual,
o país permanece como devedor
de sua própria história. Atrelado
à Lei de Terras nº 601, de 1850
(responsável pela implantação da
propriedade privada territorial e
por abrir espaço para a proliferação
do latifúndio), seu povo até hoje
sofre com os efeitos de uma injusta
estrutura fundiária.
Sendo assim, o termo “questão
agrária” pode ser interpretado de
diversas maneiras. Para Sérgio de
Miranda, secretário de Política
Agrícola e Agrária da CTB, o
processo de desenvolvimento
Diante desse quadro, a
indagação se torna mais forte ao
se analisar os motivos pelos quais
o país não consegue se libertar
de uma lei do século 19. Para
o dirigente da CTB, a falta de
interesse do Estado brasileiro é
um dos principais entraves. “Falta
convicção do governo para tratar
esse tema como prioridade. Os
próprios órgãos governamentais
encarregados deste assunto, como
o Ministério do Desenvolvimento
Agrário (MDA) e o Instituto
Nacional de Colonização e
Reforma Agrária (Incra), não
conseguem cumprir suas funções
por falta de estrutura. Por outro
lado, os latifundiários brasileiros,
representados pela bancada
ruralista no Congresso Nacional,
conseguem barrar as iniciativas que
possam trazer avanços nas questões
fundiárias”, analisa.
Já para o Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem Terra
(MST), além da falta de coragem
do governo ainda há a ofensiva
do agronegócio na exploração das
terras. “O avanço do agronegócio
na agricultura brasileira, que não
produz alimento, precisa de muita
terra para manter o modelo de
produção de commodities agrícolas
e é baseado numa agricultura com
grande utilização de veneno. O
Brasil é o maior consumidor de
agrotóxicos do mundo, com 20%
de toda produção mundial. Aliado
ao modelo de agricultura brasileira,
que está desnacionalizado, com as
transnacionais dominando tudo,
incluindo as sementes transgênicas,
a produção e a exportação.
Além disso, existe a questão da
desnacionalização, por meio da
qual as empresas estrangeiras,
através de fundos de pensões, têm
adquirido muitas terras”, pontua
Alexandre Conceição, membro da
Coordenação Nacional do MST.
Agricultura Familiar
A falta de uma política de
reforma agrária é algo que afeta
diretamente a mesa dos brasileiros,
mesmo que muitos ainda não
se deem conta disso. Segundo
o engenheiro agrônomo Gerson
Luiz Mendes Teixeira, autor de um
estudo sobre o perfil da estrutura
fundiária do Brasil entre 2003 e
2010, existem no país 69,2 mil
MST
DESENVOLVIMENTO
EXIGE REFORMA AGRÁRIA
pleno do país já está há anos
sendo debatido pelos movimentos
sociais. “O movimento sindical
dos trabalhadores e trabalhadoras
rurais liderados pela Contag vem
debatendo há vários anos o Projeto
Alternativo de Desenvolvimento
Rural Sustentável e Solidário
(PADRSS). Ele tem como pilares
de sustentação o fortalecimento
e a valorização da agricultura
familiar, bem como a realização de
uma massiva reforma agrária. Em
se tratando de desenvolvimento
existe uma grande diferença entre
as regiões de latifúndio e as que
têm como modelo a agricultura
familiar”, analisa.
A necessidade de realizar a
reforma agrária, proporcionando
justiça no campo com a
diferenciação entre o agronegócio
e a agricultura familiar, se torna
algo tão relevante dentro do
contexto histórico brasileiro
que atinge diversos aspectos do
país. “A reforma agrária tem um
papel importante para minimizar
a desigualdade histórica social,
econômica e política vivenciada
pelos sujeitos do campo”, ressalta
Maria Lúcia Moura Santos,
presidenta da Federação dos
Trabalhadores na Agricultura do
Estado de Sergipe (Fetase).
Se o Brasil por um lado tornouse o país mais importante da
América Latina, em contraponto
nações como o México, Bolívia,
Cuba e Venezuela conseguiram
durante o século 20 realizar
algum tipo de reforma agrária.
Mesmo os que não concretizaram
totalmente esses processos,
ao menos obtiveram êxito em
mudanças estruturais rurais, em
grandes latifúndios herdados da
época colonial. Dessa maneira,
a consolidação já se torna algo
possível em curto prazo.
COBRANÇA Sem terra exigem medidas para fixar a população no campo
VISÃOClassista
25
RU RA I S
Mulheres, jovens e idosos
A questão da reforma agrária
não é algo restrito apenas ao
campo. Com o avanço do
latifúndio, inúmeros camponeses
são obrigados a migrarem para
as grandes cidades, em busca
de melhores condições de vida.
26
VISÃOClassista
“O não esvaziamento do campo
só é possível mediante o acesso
dos sujeitos sociais as políticas
públicas que garantam qualidade
de vida. Além disso, a manutenção
do homem do campo no campo
requer um projeto alternativo
de desenvolvimento rural que
não replique o modelo imposto
pelo agronegócio, oferecendolhes condições de produção
que garantam a consolidação e
o fortalecimento da agricultura
familiar”, analisa a presidenta da
Fetase, Maria Lucia.
O MST, por sua vez, entende
e defende a reforma agrária como
um modelo econômico e social
de desenvolvimento do interior
do país, alterando sua estrutura
fundiária a partir do assentamento
das famílias, seguido da construção
de cooperativas de produção, com
infraestrutura nos assentamentos,
escolas, estradas para escoar a
produção, áreas de esporte e lazer,
postos de saúde e um grande
programa nacional de agroindústria
para gerar mais trabalho e renda
para a produção de alimentos sem
agrotóxicos. “Essas são medidas
que fixam as populações no
campo, gerando emprego, renda
e cultura, ajudando a combater
os graves problemas das cidades,
que atualmente estão tomadas pela
violência, fruto da desigualdade
social, levando a juventude a
caminhos perversos”, conclui
Alexandre Conceição.
A juventude trabalhadora
rural, afetada diretamente por
esse cenário, segue mobilizada em
vários estados. “Nós queremos
sim a reforma agrária, pois muitos
jovens acabam saindo do campo
por falta de terra e de estrutura
para formar sua própria família. A
reforma agrária é fundamental para
acabarmos com a miséria no país.
Essa não é a meta da presidenta
Dilma?”, questiona Dorenice Cruz,
secretária da Juventude Rural da
Federação dos Trabalhadores na
Agricultura do Estado de Mato
Grosso (Fetagri-MT).
Maria Lúcia, da Fetase, faz um
alerta também para a causa dos
trabalhadores rurais idosos, que já
contribuíram muito para o país.
“Eles reivindicam espaço na reforma
agrária. Inclusive há uma proposta
para que haja lotes em menores
áreas para viabilizar o trabalho na
terra pelos trabalhadores rurais
da terceira idade. Porém, alguns
entraves legais dificultam esse
acesso. Algumas normativas do
Incra e do MDA não permitem que
trabalhadores rurais aposentados
sejam beneficiados”, destaca.
Contradições
Mesmo diante dos inúmeros
fatores favoráveis à reforma agrária,
listando seus benefícios para
toda a sociedade, os movimentos
campesinos têm pouco a
comemorar. Dados oficiais do
Incra sobre o tema revelam que
o governo Dilma alcançou em
2011 a pior marca dos últimos
17 anos. A pesquisa ainda mostra
que a gestão atual está bem atrás
dos governos anteriores (FHC e
Lula). Em 2011, mais de 22 mil
famílias conquistaram lotes em
assentamentos, o que representa
51% da marca de FHC em 1995,
quando mais 42 mil foram
assentadas. Já em relação ao
primeiro ano do governo, Dilma
atingiu 61% do resultado obtido
em 2003, quando 36,3 mil famílias
foram assentadas.
De acordo com a Comissão
Pastoral da Terra (CPT), o número
de mortes de trabalhadores rurais
cresceu 50% nos primeiros meses
Arquivo CTB
grandes propriedades improdutivas,
com área equivalente a 228,5
milhões de hectares.
Para Sérgio de Miranda, uma
forma de pressionar o governo para
a realização da reforma agrária é
justamente o fortalecimento da
agricultura familiar, com ênfase
no pequeno e médio agricultor.
“A população cresce no Brasil e
no mundo. Atualmente, segundo
informações da FAO, mais de
um bilhão de pessoas passam
fome. Então, é fundamental
criar as condições para aumentar
a produção de alimentos. O
Brasil pode fazer isto, através
da desapropriação das áreas
improdutivas e que não cumprem
com a função social da terra. Outra
política importante que precisa ser
fortalecida como complementar
a reforma agrária é o crédito
fundiário, especialmente para a
manutenção dos jovens no meio
rural”, acrescenta.
O líder do MST também
questiona o governo quanto à
destinação de suas verbas. “Estamos
diante de uma fragilidade agrícola e
agrária colocando em risco a nossa
soberania alimentar. Na agricultura
familiar, geram-se oito vezes mais
emprego por hectare do que nas
monoculturas envenenadas do
agronegócio. E, mesmo assim, no
orçamento da União deste ano foram
destinados R$ 118 milhões para o
agronegócio e apenas R$ 18 milhões
para agricultura familiar”, critica.
CLASSISMO Para Maria Lúcia e Sergio de Miranda, governo Dilma precisa olhar com mais atenção para o campo
de 2012 em comparação ao mesmo
período de 2011. “Os latifundiários
brasileiros continuam mandando
matar trabalhadores e lideranças
que lutam para mudar a estrutura
fundiária no país. Por outro lado,
a Justiça brasileira tem sido muita
lenta na apuração dos fatos, muitos
crimes demoram anos para serem
julgados.”, analisa Sérgio de Miranda.
Além dos agravantes já
existentes, nos últimos meses
outra questão foi levantada por
parte do governo federal, que
durante o lançamento do Plano
Safra 2012/2013 afirmou que a
reforma agrária no momento não
é prioridade, mas sim as famílias
que já estão assentadas. “Nós
sabemos que os assentamentos
existentes enfrentam muitas
dificuldades, especialmente no
que se refere à infraestrutura,
como falta de estradas em boas
condições, moradias, energia
elétrica, escolas e condições de
transporte. No entanto, este não
pode ser motivo para deixar
de realizar a reforma agrária. É
preciso solucionar os problemas,
avançar nas desapropriações e nos
assentamentos. É preocupante
ver o governo dizer que a reforma
agrária não é prioridade no
momento, ficando claro que
o movimento sindical precisa
retomar a mobilização para colocar
novamente o assunto em pauta”,
retruca Sérgio de Miranda.
Valorização dos avanços
A questão agrária nacional vem
sendo debatida pelo sindicalismo
rural há décadas, e perante os
desafios que ainda persistem é
importante reconhecer os avanços
obtidos pelos trabalhadores e
trabalhadoras rurais, como forma
também de abastecer as lutas que
ainda continuam.
“Primeiro conquistamos
a aposentadoria a partir da
Constituição Federal aprovada
em 1988. Embora seja de apenas
um salário mínimo, é algo muito
importante para a categoria.
Depois, conquistamos o Pronaf, que
é uma linha de crédito diferenciada
para agricultura familiar; o crédito
fundiário, habitação rural, seguro
da agricultura familiar, programa
de garantia de preços, entre outros.
Todas essas conquistas são frutos
das mobilizações, especialmente
do Grito da Terra Brasil, que
é realizado todos os anos em
Brasília”, afirma Sérgio de Miranda.
“No entanto, isso não significa
que tudo esteja resolvido. Muitos
problemas ainda estão sem solução
e precisamos continuar a luta na
busca de novas políticas públicas
para a categoria”, pondera.
Dessa forma as expectativas
sobre o campo brasileiro
permanecem efervescentes
dentro da luta dos trabalhadores
rurais. “Nossas expectativas
são que os governantes possam
se atentar para a importância
da agricultura familiar para a
produção de alimentos no país e
com isso possam ‘frear’ o avanço
do agronegócio e seus impactos
negativos sobre a sociedade.
Esperamos ainda que a matriz
agroecológica seja amplamente
difundida e que haja subsídios
governamentais que fortaleçam
a agricultura familiar, para que
dessa forma possamos favorecer
a sucessão rural e garantir a
permanência dos sujeitos do campo
no campo”, sustenta a presidenta da
Fetase, Maria Lucia.
VISÃOClassista
27
PAUTA S IN DICA L
Divulgação
TRIPÉ PARA O
DESENVOLVIMENTO
CTB defende investimentos
em educação, ciência e
tecnologia para elevar o
país a um novo patamar
socioeconômico
Joanne Mota
A
s últimas décadas nos
apresentaram mudanças
significativas em todos os
setores da sociedade, com uma
forte redefinição do lócus, padrão
e dinâmica dos processos de
produção de riqueza e agregação
de valor. O marco central dessas
mudanças está na evolução
das necessidades do setor
econômico, que demanda novos
conhecimentos, tecnologias e mão
de obra em contínua especialização.
E no Brasil não é diferente.
Diante desta realidade social,
a qual as carências econômicas e
sociais da população desafiam-nos
e onde cada vez mais os jovens
são chamados a participar, mais
cedo, da renda familiar. Investir em
Educação, sobretudo em formação
profissional, torna-se chave para
dar conta desse novo paradigma
sócio-econômico.
O assessor técnico do
Departamento Intersindical
de Estatística e Estudos
Socioeconômicos (Dieese), da
Subseção da Confederação Nacional
28
VISÃOClassista
dos Trabalhadores Metalúrgicos
(CNTM), Roberto Anacleto, explica
que estas mudanças demandam
uma reposta rápida do Estado, a
qual deve estar diretamente ligada
a um projeto de desenvolvimento
concreto, que leve em conta a
valorização do trabalhador e a
modernização do setor industrial.
Anacleto, que também é
economista, explica que no caso
do Brasil, o setor industrial, por
exemplo, ainda carece de uma
proposta mais contundente neste
sentido. Ele frisa que investir em
inovação, ciência e tecnologia e
formação da mão de obra significa
investir em desenvolvimento.
“O setor industrial precisa
rever sua postura no que se refere
ao investimento em pesquisa e
na formação dos trabalhadores.
E se falta um cenário favorável,
tal como o fomento do governo
na diminuição de impostos, nós
devemos – trabalhadores, empresas
e governo – reavaliar e pensar
numa proposta que garanta esse
cenário”, explica Anacleto.
Segundo ele, o Brasil vive
um novo panorama econômico.
“Estamos em outro patamar, só que
precisamos fazer transformações
internas no setor produtivo
para que passemos a crescer de
forma sustentada. Então, por
que não pensar em uma ação
na qual o Banco Nacional de
Desenvolvimento Econômico e
Social (BNDES), por exemplo,
entre com um financiamento na
questão do aprimoramento de
PERSPECTIVA Capacidade de empresas como a Embraer serve de parâmetro: por que não apoiar uma montadora de automóveis com DNA nacional?
nossa base tecnológica, reduzindo
assim nossos níveis de importação
de produtos nesse setor, para assim
garantir o aumento dos postos de
trabalho?”, questiona o assessor.
Gilson Reis, presidente do
Sindicato dos Professores do Estado
de Minas Gerais (Sinpro-MG) e da
CTB-MG, lembra que o país vive
um processo de desindustrialização
e que precisa retomar o processo
de reindustrialização nacional, o
fortalecimento e fomento de uma
nova indústria, novas tecnologias.
“Urge discutimos o papel da ciência
hoje, de forma a dar condições à
modernização do nosso parque
industrial, dando conta dessa nova
indústria do século 21. E todo esse
processo passa, necessariamente,
pela educação. Seja a educação de
nível superior, seja a de nível médio
e técnico”.
Segundo Reis, é preciso que o
Estado brasileiro tome consciência
da necessidade desse investimento,
de forma que os entes sociais
possam, assim, desenvolver a
educação nessa perspectiva. “Penso
que estamos avançando e que
medidas já estão sendo pensadas
e atingidas, como, por exemplo, a
defesa dos 10% PIB para educação
e o compromisso do governo
federal em realizar políticas de
fortalecimento e construção
de universidades públicas e a
ampliação e fomento da formação
técnica. Mas, mesmo com estas
medidas positivas é preciso muito
mais, e penso que o grande desafio
é a ampliação dos investimentos
para a educação.
Para Luiz Fernandes, secretário
executivo do Ministério do Esporte
e ex-presidente da Financiadora de
Estudos e Projetos (Finep), órgão
público vinculado ao Ministério
de Ciência e Tecnologia, o atual
cenário do país é resultado de um
modelo implementado no pósguerra, orientado pela política de
industrialização via substituição de
importações e que não incorporava
a geração de tecnologia nacional
como dimensão crítica.
“A lógica desse modelo fez
com que não se trouxesse o
tema da inovação para o coração
das estratégias empresariais de
competitividade no esforço de
industrialização nacional. E
como resultado colhemos os
frutos de uma sistema complexo,
carente e sedento de políticas
que reconfigurem o setor e o
coloque em um novo circuito
de desenvolvimento”, defende
Fernandes.
Que modelo de
desenvolvimento queremos?
Wagner Gomes, presidente
Nacional da CTB, lembra que é
preciso definir que modelo de
desenvolvimento queremos, e essa
escolha passa por repensar modelos
de educação de qualidade e políticas
de desenvolvimento.
VISÃOClassista
29
PAUTA S IN DICA L
Arquivo CTB
MUDANÇA Gilson vê o país em nova fase
“Para podermos investir em
educação, precisamos ter uma
política econômica que tenha essa
ideia como foco. E na avaliação da
CTB a política macroeconômica
brasileira não possui, nem de
longe, esse foco. A educação é
hoje, juntamente com a inovação
e a ciência e tecnologia, um setor
fundamental para o nosso país,
por isso deve ter toda a atenção
e ampliação dos investimentos.
E investir em educação significa
preparar e formar o povo, tornar
soberana a sociedade, colocar o
país em um circuito amplo de
desenvolvimento com inclusão e
distribuição de renda”, diz Wagner.
30
VISÃOClassista
O presidente da CTB lembra
que a educação não se mede por
uma régua. “Ela não pode ser tida
como qualquer setor. Ela é política
estruturante, e como tal, necessita
de um olhar macro. Ou seja, é a
educação que estrutura o setor de
desenvolvimento dos estados, do
país. É ela quem dá a base para as
futuras gerações que governarão
nosso Brasil, e como tal deve ser
prioridade tanto para o Estado
como para o setor produtivo”.
Gilson Reis entende a
modernização do país para torná-lo
competitivo, como tem defendido
a presidenta Dilma Rousseff, será
possível somente quando setores
como a educação – com foco na
formação dos trabalhadores – e
industrial forem reestruturados.
“Com essa medida colocaremos o
país em um novo patamar”.
Roberto Anacleto acrescenta
que a discussão sobre qual modelo
de desenvolvimento queremos
deve estar na ordem do dia das
discussões dos trabalhadores.
Segundo ele, “essa é uma discussão
que os trabalhadores devem
pautar, não é o governo e nem os
empresários que devem delimitar
isso somente, mas sim todos
e conjuntamente. Precisamos
entender que quando melhoramos
a vida do trabalhador, geramos um
efeito em outros setores. Ou seja,
geram-se serviços, aumenta-se o
consumo e a roda gira. Você só tem
comércio e serviços se você tem
uma industria forte, e ter industria
forte significa ter um trabalhador
qualificado e valorizado”.
Modelos de crescimento
Luis Fernandes, que também é
professor do Instituto de Relações
Internacionais da PUC-Rio,
explica que o Brasil possui vários
horizontes para o desenvolvimento,
mas este só será alcançado com o
investimento maciço em educação
e inovação tecnológica. “Um dos
segredos do impressionante e
sustentado desempenho da China
e da Índia no último quarto de
século é a adoção de políticas
estatais de forte indução nas
empresas. A China, no período
em questão, tornou-se o segundo
maior investidor em Pesquisa e
Desenvolvimento no mundo, atrás
apenas dos Estados Unidos”.
Fernandes destaca que “o
principal desafio brasileiro é o
de assegurar a sustentabilidade
econômica do novo ciclo de
desenvolvimento nacional, seja
via a transformação da inovação
em alavanca estratégica para
a competitividade, seja com o
fomento de mão de obra qualificada
e com a ampliação de investimentos
nacionais em pesquisa,
desenvolvimento e inovação”.
Para reforçar essa ideia, Roberto
Anacleto cita como exemplo a
experiência implantada pelos sulcoreanos. “Que caminhos seguiu
a Coreia do Sul? Este país definiu
que não tinha como o Estado não
assumir seu papel como indutor
de crescimento. Então, o governo
investiu em educação, criou
empresas nacionais fortes e investiu
em ciência e tecnologia. Hoje a
Coreia do Sul é uma referência na
produção de produtos com valor
agregado”, exemplifica.
“E no Brasil? Nós conseguimos
ter uma fábrica de aviões brasileira,
mas não conseguimos ter uma
montadora de veículos. Então,
precisamos vencer as barreiras
políticas para assim pensar em um
projeto real de desenvolvimento.
Exportar soja, suco de laranja,
frango, minério é bom, já provamos
que somos bons nisso, mas é
chegada a hora de abrir novas
frentes, nas quais o Brasil desponte
com força tanto no mercado interno
como no externo”, finaliza.
Gilson Reis pontua que, em
um cenário internacional de muita
competitividade, o Brasil precisa
se colocar em outro patamar – e
esse patamar está na ciência e na
tecnologia. Desse modo, “o Brasil
precisa, definitivamente, investir
grandes volumes de recursos na
área de Ciência e Tecnologia para
que a gente possa disputar essa
nova economia mundial em outro
patamar. E que essa nova economia
possibilite o desenvolvimento de
uma nova indústria, que a gente
possa projetar em áreas como a
nanotecnologia, a bioquímica, a
biofísica, a genética e na área da
tecnologia da informação, por
exemplo”, enfatiza o dirigente.
Unidos pelo Brasil
De acordo com Gilson Reis, o
movimento sindical vive um novo
momento, o qual aponta outro
nível de maturidade. “Considero
que o conjunto dos trabalhadores
compreende, hoje, a necessidade
da formação. Basta olhar para
as indústrias automotivas e de
capitais, pode-se observar que
grande parte dos trabalhadores
hoje são jovens e que muitos deles
Agência Brasil
Urge discutimos o papel
da ciência hoje, de
forma a dar condições
à modernização do
nosso parque industrial,
dando conta dessa nova
indústria do século 21.
INOVAÇÃO Fernandes sugere alterações na política industrial brasileira
estão preocupados em cursar
nível superior. Então, a base da
representação sindical no país tem
também adquirido essa consciência
da necessidade da formação
permanente e da qualificação
profissional”.
Porém o dirigente explica que
ainda estamos em um patamar
muito baixo no que se refere ao
percentual de trabalhadores que
buscam um nível de conhecimento
e formação maior. “Penso que
estamos aquém no que se refere às
discussões com o governo e com o
setor produtivo sobre as alternativas
que viabilizem um cenário
motivador para os trabalhadores.
Mesmo o debate realizado ao longo
desse ano, quando discutimos a
questão da desindustrialização, não
tivemos grande retorno para os
trabalhadores”, reflete Reis.
Segundo ele, é preciso
aprimorar o debate entre os entes
sociais que se debruçam sobre
esse setor. “Penso que o governo,
setor produtivo e trabalhadores
devem sentar e pensar esta questão
e, sobretudo, é preciso que os
trabalhadores sejam ouvidos e que
suas propostas sejam, efetivamente,
incorporadas aos programas
discutidos entre as três partes.
Então, penso que precisamos
amadurecer mais e precisamos
impor de forma mais firme as
nossas posições para que a gente
tenha êxito, não só nesse projeto de
desenvolvimento nacional, no qual
todos saiam ganhando”.
Wagner Gomes pondera que
diante da conjuntura mundial
não há outro caminho senão o da
ampliação dos investimentos em
educação, Ciência e Tecnologia com
a perspectiva da reindustrialização
do país e uma retomada de
um novo projeto nacional de
desenvolvimento. “Ao investir
nestes setores, o Estado não só
absorve a mão de obra existente no
mercado, como também viabiliza
sua qualificação, desenvolve o
mercado interno, que amplia
as condições de salário e de
trabalho de um universo maior de
brasileiros”, reforça o dirigente.
VISÃOClassista
31
AP OS E N TA DOS
MOBILIZAÇÃO CONTRA O
DESRESPEITO
Apesar de seu papel
fundamental para
o desenvolvimento,
aposentados ainda lutam
para exercer seus direitos
junto ao Estado brasileiro
Priscila Lobregatte
U
ma vida de muito suor,
incontáveis obstáculos
e diversas superações
resumida a um cálculo injusto
e a um interminável processo
de desvalorização de sua
aposentadoria. Esta é a realidade
enfrentada por milhões de
brasileiros tão logo deixam de
receber o salário para ganhar o
seu benefício previdenciário. No
momento em que param de fazer
parte do mercado de trabalho,
esses homens e mulheres passam
a enfrentar uma nova batalha:
sobreviver com rendimentos cada
vez mais baixos e numa sociedade
que ainda não dá ao idoso o valor
que ele merece.
A situação deles é paradoxal.
Por um lado, os aposentados do
INSS estão à mercê de uma política
previdenciária que encolhe seus
benefícios e sua dignidade; por
outro, essa população é responsável
por parte importante da economia
nacional. Estima-se que mais de 15
milhões de idosos com mais de 60
anos respondam pelo sustento de
suas famílias em todo o Brasil.
De acordo com o Instituto de
Pesquisa Econômica Aplicada
(Ipea), com base na Pesquisa
Nacional por Amostra de
Domicílios (Pnad 2011), em
setembro do ano passado os
idosos brasileiros movimentaram
R$ 28,5 bilhões, dos quais
69,5% têm origem na seguridade
social. O valor corresponde a
19,4% da renda de todos os
brasileiros e a 64,5% da renda
das casas onde vivem. Segundo
o Instituto, “acredita-se que os
idosos brasileiros de hoje estão
invertendo a tradicional relação
de dependência apontada pela
literatura. A grande maioria deles
tem assumido o papel de provedor,
mesmo dependendo de cuidados”.
Além disso, a economia de cerca
de 64% das cidades depende desses
rendimentos, dinheiro curto, mas
certo, que mês a mês aquece o
comércio e os serviços locais. Em
muitos casos, o montante advindo
dos benefícios é maior do que os
recursos que chegam às prefeituras
por meio do Fundo de Participação
dos Municípios. Pensar uma
política de reajuste e valorização
das aposentadorias e de extinção
do fator previdenciário, portanto, é
pensar também no desenvolvimento
sócio-econômico especialmente das
pequenas e médias cidades e da
população mais pobre.
Envelhecimento da população
Agência Brasil
EXPERIÊNCIA No Congresso Nacional, aposentados cobram o fim do fator previdenciário
32
VISÃOClassista
No que diz respeito à melhoria
das condições previdenciárias, a
dívida do Estado com os brasileiros
grisalhos ainda é grande e tende a
aumentar com o envelhecimento da
população. Enquanto o número de
brasileiros cresceu de 70 milhões
em 1960 para mais de 190 milhões
em 2010, o número de pessoas
com mais de 60 anos saltou de 3,3
milhões naquele ano – ou 4,7% do
total – para mais de 20 milhões, o
que corresponde a 10,8% do total.
Também é importante salientar o
importante papel que teve no país,
especialmente no que diz respeito
aos idosos, o estabelecimento
do salário mínimo como piso
da aposentadoria, bem como a
sua valorização, experimentada
a partir do governo Lula. Esses
fatores permitiram uma forte queda
no número de idosos pobres e
indigentes. Em 1992, os do sexo
masculino eram 32,7%; hoje eles
são 6,2%. Entre as mulheres, estes
índices foram de, respectivamente,
28,9% e 5,4%.
Porém, é urgente que o
Estado brasileiro enfrente os
problemas relativos à Previdência
Social no que diz respeito ao
achatamento das aposentadorias.
Além de ser necessário enfrentar
o envelhecimento natural da
população, o Brasil pode aproveitar
os bons ventos da economia interna
para estabelecer uma nova lógica
em seu sistema previdenciário
enquanto é possível administrar os
impactos de tais mudanças.
Um indicador de que o país
está hoje – e nos próximos anos
– em condições mais confortáveis
de rever tal situação pode ser
visto na publicação “A situação
do trabalho no Brasil na primeira
década dos anos 2000”, editado
pelo Departamento Intersindical
de Estatística e Estudos
Socioeconômicos (Dieese). Os
níveis da razão de dependência
demográfica – que mede a
proporção entre o número de
pessoas que, pela idade, estão aptas
a produzir riquezas e o daquelas que
potencialmente apenas consomem
– “deverão ser os menores no
período que se estende de agora até
aproximadamente 2025 do que em
qualquer outro momento da história
brasileira recente”, explica.
Ainda de acordo com o
levantamento, “o período atual é
considerado uma oportunidade
para o ‘enriquecimento’ da
sociedade ou um bônus
demográfico, como definem
os especialistas: relativamente
muitas pessoas podem trabalhar
e relativamente menos pessoas
dependem da produção das que
trabalham. O excedente econômico
que pode ser gerado em situações
como esta, dependendo da política
econômica e do modelo de
desenvolvimento adotado, pode
ser transformado em aumento nos
níveis da poupança, investimento
e produção, resultando em
um crescimento econômico e
possibilidade de superação das
desigualdades sociais”.
Apesar disso, o que ainda se
vê é resistência, dentro do próprio
governo, para corrigir as distorções
causadas pela falta de uma política
de reposição das aposentadorias
superiores a um salário mínimo e
VISÃOClassista
33
AP OS E N TA DOS
Agência Brasil
pelo fator previdenciário. Soma-se
a isso o impacto que pode ter sobre
a Previdência as desonerações sobre
as folhas de pagamento anunciadas
recentemente.
Fator previdenciário em pauta
34
VISÃOClassista
PREOCUPAÇÃO Para o presidente da Cobap, aposentados estão escaldados
Boas, secretário de Previdência
da Federação Interestadual de
Metalúrgicos e Metalúrgicas do
Brasil (FitMetal) e integrante da
Secretaria de Previdência da CTB,
“não se vê em nenhum momento
dessa discussão a garantia de que
o trabalhador vai poder trabalhar
até o último dia de sua carreira
para se aposentar. Em muitos
países da União Europeia não
existe aposentadoria por tempo
de serviço, só por idade, mas
há estabilidade. O trabalhador
garante o rendimento de maneira
que ao se aposentar receba um
valor adequado. No Brasil, há uma
tendência à renovação do efetivo
nas empresas e consequentemente
o empregado antigo, quando chega
numa certa idade, é demitido”.
A preocupação dos dirigentes
sindicais é respaldada pela análise
do Dieese publicada em “A situação
do trabalho no Brasil na primeira
década dos anos 2000”. Em 2004,
a taxa de rotatividade foi de 43,6%;
em 2008, 52,5% e em 2010,
53,8%, incluídas nestes percentuais
tanto as demissões feitas conforme
os interesses dos empregadores
quanto aquelas ocorridas a pedido
do trabalhador, por aposentadoria
ou morte. Excluindo estes últimos
fatores, o maior índice da década
seria o de 37,5%, verificado no ano
de 2008.
Recomposição
Além da questão do fator
previdenciário, outra preocupação
dos trabalhadores é a recomposição
das aposentadorias daqueles
que ganham mais de um salário
mínimo. Afinal, se por um lado a
política de valorização prestigiou,
com justiça, os trabalhadores
e aposentados mais pobres,
por outro aqueles que ganham
acima do mínimo tiveram perdas
consideráveis por terem recebido
apenas os reajustes inflacionários.
Até o momento, não há nenhuma
indicação concreta de que a partir
de 2013 os aposentados terão
algum reajuste acima dos 4,5% de
reposição. Mantido este quadro, a
perda acumulada será de 10,4%.
“Defendemos que a política de
valorização das aposentadorias
atinja todas as faixas salariais. Além
da recuperação da inflação, podese adotar uma fórmula equivalente
à de reajuste do salário mínimo.
O governo deveria avançar nesta
matéria porque é uma dívida
que ele tem com essa parcela de
estima-se que ao invés de R$ 21,5
bilhões, a União passará a arrecadar
R$ 8,74 bilhões anuais.
“Existe um compromisso do
governo de ressarcir essa diferença
com recursos do Tesouro. Só que
já temos um histórico no Brasil
de o dinheiro da Previdência ser
usado para outras finalidades. Com
isso, você diminui a capacidade
previdenciária de bancar uma
política mais avançada. Precisamos
de uma definição mais clara de
quais recursos orçamentários serão
usados para cobrir esse déficit”,
argumenta Santana.
O desafio da mobilização
Para fazer frente a tantos
desafios, a CTB tem buscado
ampliar o diálogo com as demais
centrais a fim de estabelecer
alguns objetivos comuns na
luta dos aposentados, entre os
quais se destacam o fim do fator
previdenciário com uma alternativa
adequada aos interesses dos
trabalhadores; uma política de
reposição das perdas para quem
recebe benefícios maiores que um
FitMetal
Com a retomada dos trabalhos
na Câmara Federal após o recesso
e as eleições municipais, voltou
à pauta nacional o Projeto de Lei
3299/08, do deputado licenciado
Pepe Vargas (PT-RS), atual
ministro do Desenvolvimento
Agrário, que propõe a extinção do
mecanismo usado na concessão
de aposentadoria por tempo de
contribuição, conhecido como
fator previdenciário, com a
implantação da regra conhecida
como 85/95. Nos debates sobre o
tema, o governo tem colocado que
aceita acabar com o famigerado
dispositivo introduzido durante
o governo de Fernando Henrique
Cardoso desde que seja estabelecida
uma idade mínima para se pedir
aposentadoria.
Diante da única alternativa
apresentada até o momento,
estabelecendo a regra 85/95,
as centrais sindicais têm se
posicionado no sentido de apoiar
a medida para atenuar as perdas
dos aposentados. “É melhor do
que o fator previdenciário, mas
também tem problemas. O Brasil
é um país com muita rotatividade
e quem muda muito de emprego
ao longo de sua vida laboral pode
enfrentar dificuldade de atingir a
soma estipulada”, explica o vicepresidente da CTB, Nivaldo Santana.
Segundo a regra, o trabalhador
poderá se aposentar quando a soma
da idade e do tempo de contribuição
for de 95 anos para homens e de 85
para mulheres.
Na avaliação de Uriel Villas
aposentados que ganham acima
de um salário mínimo”, explica
Nivaldo Santana.
“O governo diz que se der
aumento ao aposentado, vai quebrar
a Previdência. Desde os meus
15 anos ouço falar isso. Estamos
escaldados. E se a Previdência está
sob risco de quebrar, como pode se
desonerar a folha de pagamento? E
estamos ainda mais preocupados
porque sabemos que o governo
deve continuar esse processo,
diminuindo assim a arrecadação da
nossa previdência”, alerta Warley
Martins, presidente da Confederação
Brasileira dos Aposentados e
Pensionistas (Cobap).
A preocupação de Martins é
outra questão que tem tirado o
sono dos movimentos sindicais e
ligados aos aposentados. Afinal,
como alternativa para aquecer a
produção e estimular a economia,
o governo tem ampliado a
desoneração da folha de pagamento
em diversos setores. Ao todo, 45
deixarão de pagar a contribuição de
20% ao INSS em troca de pagar um
percentual que fica entre 1% e 2%
sobre o seu faturamento. Com isso,
ESTRATÉGIA Villas Boas (à dir.) diz que centrais devem exigir nova postura do governo
salário mínimo e a garantia de que
a desoneração não acarretará perdas
em médio e longo prazo.
Porém, na avaliação de Villas
Boas, a atuação das centrais deve
se focar numa mudança na relação
entre movimento sindical e governo,
com maior poder de interferência
daquele nas decisões deste. “Estamos
numa situação muito grave. Quando
a Previdência foi criada, em 1943, o
governo Vargas juntou as propostas
que estavam sendo pleiteadas pelo
movimento sindical. De lá para
cá, até hoje, o movimento sindical
nunca apresentou propostas
concretas em relação à Previdência,
limitando-se a discutir as que vêm
do governo”.
Para lidar com tamanhos
desafios, a CTB busca ainda
ampliar a mobilização da própria
base – envolvendo aposentados
e trabalhadores da ativa – para,
assim, aumentar o poder de pressão
do movimento, tarefa difícil diante
do afastamento natural que acaba
acontecendo entre o trabalhador e
o sindicato quando ele se aposenta.
Neste sentido, os cetebistas
defendem que os aposentados
estejam inseridos na própria
estrutura sindical de sua categoria,
postura diferente da CUT e da
Força Sindical, por exemplo, que
estimulam a criação de sindicatos
próprios para aposentados.
Sem prejuízo de ampliar o
diálogo com todas as centrais,
Nivaldo Santana salienta que “o
aposentado deve manter o vínculo
com o sindicato de sua origem e
a forma mais comum é a criação
de uma associação de aposentados
vinculada ao sindicato ou a criação
de um departamento pelo próprio
sindicato. Acreditamos que, para
dar mais força e eficácia à luta ele
deve estar vinculado à entidade de
sua categoria”.
VISÃOClassista
35
I NT E R N A CION A L
POR QUE CHÁVEZ VENCEU AS ELEIÇÕES
NA VENEZUELA?
Agência Brasil
Conquistas da revolução
bolivariana ajudam a
explicar o triunfo do
presidente reeleito
Vanessa Silva
E
ssa é uma pergunta
recorrente no Brasil. Por
não conhecerem a realidade
venezuelana, muitos não entendem
como pode um “ditador” vencer as
eleições com mais de 1,5 milhão
de votos de diferença e falar em
aprofundamento do socialismo
em pleno século 21. A questão
é que, como os brasileiros,
os venezuelanos não estão
preocupados com rótulos e não se
deixam manipular pela imprensa. O
raciocínio é: “Nossa vida melhorou,
Chávez governa para nós, então
estamos com ele”.
A famosa frase de Lula também
é válida no país vizinho. “Nunca
antes na história daquele país” um
governo fez tanto pelo povo. Apesar
da intensa campanha opositora,
as eleições foram celebradas de
maneira limpa. Como reconheceu o
instituto Jimmy Carter, o país tem
um dos processos eleitorais mais
seguros do mundo.
Organismos internacionais
como a Organização dos Estados
Americanos (OEA), a Organização
das Nações Unidas (ONU) e
a Comissão Econômica para
36
VISÃOClassista
CONSAGRAÇÃO Apoio popular garante mais um mandato para o Comandante
revolução democrático-nacional,
com o “objetivo de libertar os
venezuelanos da elite corrupta
e degenerada que atuava como
representante local do imperialismo
estadunidense”, como esclareceu
o escritor e político britânico Alan
Woods em artigo sobre o processo
conduzido no país.
É este o processo defendido
pelos venezuelanos, que
reelegeram Chávez com 55%
dos votos válidos, contra 44% de
seu opositor, Henrique Capriles.
“Amor com amor se paga”, diziam
os venezuelanos para justificar o
voto durante a campanha chavista.
Solidariedade e fraternidade são a
tônica do socialismo construído ao
sul dos trópicos.
Missões
América Latina e Caribe (Cepal)
reconhecem os avanços realizados
pelo governo bolivariano. Entre
as conquistas de mais destaque
estão o fortalecimento da
democracia, a redução da pobreza,
da desigualdade, da desnutrição
infantil e do desemprego; o
aumento da escolaridade; a
maior igualdade de gênero; mais
acesso aos serviços de saúde; a
democratização dos meios de
comunicação e o fortalecimento da
integração latino-americana.
“Por 14 anos votamos no
Chávez. Outro presidente como
ele não vamos ter nunca mais. Ele
é um homem bom e digo isso pelo
que dá ao povo, que sempre esteve
miserável. Com Chávez, a vida é
muito melhor para todos”, declarou
Gertrudes Fuentes, pouco depois
de votar, no dia 7 de outubro.
O socialismo bolivariano
Chávez, ao falar de seu
projeto, enfatizou: “Cada dia
estou mais convencido de que
é necessário transcender o
capitalismo. Mas o capitalismo
não pode ser transcendido desde
o próprio capitalismo, mas através
do socialismo, do verdadeiro
socialismo, com igualdade e justiça.
Também estou convencido de que é
possível fazê-lo na democracia, mas
não na democracia imposta [pelos
Estados Unidos]”.
A revolução bolivariana é um
projeto que se propõe a superar o
capitalismo. Ela começou como uma
O grande projeto do governo
para mudar a Venezuela na verdade
são 23. As chamadas missões são
programas sociais desenvolvidos
em diversas áreas do país. O maior
projeto e de mais visibilidade é o
Grande Misión Vivenda, ou Grande
Missão Habitação, em português.
Até o final de 2012, terão
sido construídas 353.404 casas
e apartamentos, sendo que
90% dessas residências já foram
entregues. Para 2014, a meta
é alcançar a cifra de 978.404.
Para financiar as moradias, não
é necessário dar entrada, o que
garante que os mais pobres também
tenham acesso ao programa. Além
disso, recursos como geladeira e
fogão já vêm com a casa e entram
no financiamento geral.
Diferentemente do Brasil, na
Venezuela as casas são construídas
no centro da cidade e não nas
distantes periferias. Caracas é
um verdadeiro canteiro de obras.
Nas principais avenidas do país é
possível encontrar os vários prédios
vermelhos da Misión Vivienda. Com
uma concepção socialista, 50%
dessas moradias são construídas
por conselhos comunais, onde
o povo autogestiona o processo.
Assim, quebra-se com a lógica das
grandes empreiteiras e ainda há o
controle dos meios de produção
por parte dos trabalhadores, como
avalia o especialista em habitação,
que integra a missão do Instituto de
Pesquisas Econômicas Aplicadas na
Venezuela, Flávio Higuchi Hirao.
“Quando se usam apenas
as empreiteiras, avança-se na
construção de casas, mas não
no processo organizacional
revolucionário, nas relações de
trabalho, tecnologia e propriedade
dos meios de produção. Do modo
como estão fazendo na Venezuela,
podem ser colocados como
expoentes mais avançados no campo
da construção civil”, avalia o técnico.
Mas o projeto também
incomoda porque expõe a divisão
de classes que existe no país.
“Hoje, a todos os venezuelanos
estão sendo dadas casas, que são
construídas em lugares onde os
ricos nunca pensaram. Então,
no bairro de Florida, que é de
classe média e média alta, há três
edifícios ‘de pobres’. Os moradores
estão começando a vender seus
“Cada dia estou mais
convencido de que é
necessário transcender
o capitalismo. Mas o
capitalismo não pode
ser transcendido desde o
próprio capitalismo, mas
através do socialismo,
do verdadeiro socialismo,
com igualdade e justiça”.
apartamentos por um preço menor
porque não querem viver ao lado
dos pobres”, conta a economista
venezuelana Melisa Maytín Marquez.
Educação
Garantir que todos tenham
acesso à educação é outro
objetivo central do projeto
bolivariano. Desde 2005 não
existem analfabetos no país, que
já conta com a quinta maior taxa
de matrículas universitárias do
mundo. Essas conquistas se devem
às missões educativas.
Conversando com jovens
caraquenhos é fácil ver o alcance
desses projetos. “Graças ao meu
comandante, este país agora é
outro. O programa de inclusão
universitária nos abriu portas.
Progredir não é mais um sonho,
e sim uma realidade”, diz a
universitária Yeisa Rodriguez. No
mesmo bairro, o emblemático
23 de Enero – um dos maiores
conjuntos habitacionais de Caracas
– o estudante de medicina Dany
Fuentes manifesta seu voto em
Chávez e conta que estuda ali
mesmo: existe uma faculdade no
bairro que forma os profissionais
VISÃOClassista
37
I NT E R N A CION A L
Direitos trabalhistas ampliados
Ao contrário do projeto
neoliberal de “flexibilização” dos
direitos trabalhistas, sob Chávez
as conquistas dos trabalhadores
foram ampliadas. O texto da lei,
vendido – como todas as demais
leis e a própria Constituição
– em formato de livrinho por
camelôs nas bancas de Caracas,
garante que “o processo social
de trabalho tem como objetivo
essencial superar as formas de
exploração capitalista, a produção
de bens e serviços que assegurem
nossa independência econômica,
satisfaçam as necessidades humanas
mediante a justa distribuição
da riqueza e criem as condições
38
VISÃOClassista
materiais, sociais e espirituais
que permitam à família ser o
espaço para o desenvolvimento
integral das pessoas e conquistar
uma sociedade justa e amante da
paz, baseada na valorização ética
do trabalho e na participação
ativa, consciente e solidária dos
trabalhadores e trabalhadoras nos
processos de transformação social,
consubstanciados com o ideal
bolivariano”.
Neste sentido, as terceirizações
foram proibidas, direitos como
licença-maternidade e paternidade
foram consolidados e, bandeira dos
movimentos sindicais brasileiros,
a Venezuela aprovou a redução da
jornada para 40 horas semanais,
sem alteração salarial. Outro ponto
importante, que vai na contramão
da cartilha de Washington, é
a redução da idade mínima
para aposentadoria. Homens se
aposentam com 60 anos, e as
mulheres, com 55. Além disso,
todos agora têm seguro social, com
direito ao salário integral.
Não é à toa que muitos
venezuelanos, quando questionados
sobre qual é a principal conquista
Para o debate...
O projeto Grande Misión
Vivienda possibilita a quebra da
lógica das empreiteiras e garante
aos trabalhadores, o controle
dos meios de produção, em uma
experiência das mais avançadas no
campo da construção.
da revolução citam a “Missão Amor
Maior”, que garante aposentadoria
aos idosos independentemente
de terem ou não trabalhado
formalmente.
Relações com a imprensa
Não se pode dizer que os
veículos na Venezuela são
censurados ou que o governo
cometa ingerências para restringir a
liberdade de expressão. Abundam
manchetes contra o presidente
Chávez e na TV aberta vê-se todo
tipo de notícia, geralmente contra
o mandatário. Mas, diferentemente
da liberdade de empresa que temos
no Brasil, os venezuelanos têm
liberdade de imprensa, com jornais
de esquerda como opção, somados
a rádios e TVs comunitárias
que dividem o espectro com as
emissoras comerciais.
Esse é um grande trunfo de
Chávez. Na avaliação da jornalista,
escritora, advogada e pesquisadora
venezuelano-americana, Eva
Golinger, “os meios comunitários
são fundamentais para garantir
a soberania do país”. Apesar
dos avanços na área, “eles não
são a maioria, nem têm a maior
audiência, mas através da internet,
das redes sociais, podem assegurar
que a voz do povo seja escutada,
que se expressem e ocupem os
espaços que antes não tinham”.
Essas conquistas vieram com
a Constituição da República
Bolivariana da Venezuela,
aprovada em 1999, que criou a
figura dos meios de comunicação
comunitários, como lembra Eva.
“Antes de Chávez, não existiam
meios comunitários, alternativos,
como existem agora. Estavam
na clandestinidade, tinham que
trabalhar de maneira secreta e não
havia nenhum apoio”. Hoje, o
Estado passou a ter que apoiar e
fortalecer esses meios, garantindo
sua sobrevivência.
E esses meios, por sua vez,
garantem a soberania popular ao
servir como contrainformação e
contraponto às calúnias e tentativas
desestabilizadoras da grande
imprensa venezuelana.
Para o debate...
CONQUISTA Popularização de moradias leva dignidade a milhares de venezuelanos
Ao contrário da receita
neoliberal de “flexibilização” dos
direitos trabalhistas, na Venezuela
as conquistas dos trabalhadores
foram ampliadas e, com a Missão
Amor Maior, a aposentadoria
passou a ser um direito de todos.
Vanessa Silva
que vão atuar no atendimento
primário, como fazem hoje os
médicos cubanos.
Para garantir a democratização
do ensino, algumas universidades
que aceitam o ingresso de jovens e
adultos proveniente das missões,
realizam estudos preparatórios para
esses alunos. Diferentemente dos
“cursinhos” brasileiros, os Centros
de Iniciação Universitária oferecem
aulas, já na faculdade, para nivelar
eventuais deficiências que os
estudantes possam ter antes de
começar os estudos acadêmicos.
Para entrar na universidade
o processo é também mais
democrático. De acordo com
a professora, especialista em
educação de adultos, Inocencia
Orellana Hidalgo, para ingressar em
uma faculdade na Venezuela, basta
inscrever-se no Conselho Nacional
de Universidades. Para isso, é
preciso ter concluído o Ensino
Médio e estar inscrito no Ensino
Universitário. Segundo ela, algumas
universidades ainda mantêm os
vestibulares, mas não são a regra.
INVESTIMENTO Desde 2005, país se orgulha de não ter nenhum analfabeto
Integração
O projeto socialista é também
internacionalista. Com esse
entendimento, Chávez deu início
a uma revolução que afetaria
toda a América Latina. Eleito
pela primeira vez em 1998, era
uma voz dissonante contra o
imperialismo estadunidense. Até
que em 2003, Néstor Kirchner,
na Argentina, e Luiz Inácio Lula
da Silva, no Brasil, passam a
integrar o time de presidentes
progressistas. Juntos, em 2005
dizem não à proposta dos EUA de
criar a Área de Livre Comércio das
Américas (Alca). A partir daí tem
início o despertar para a integração
latino-americana.
O Mercosul então ganha força
e um viés à esquerda. São criadas
novas propostas como a Aliança
Bolivariana para os Povos de
Nossa América (Alba), a União das
Nações Sul-Americanas (Unasul) e
a Comunidade dos Estados LatinoAmericanos e Caribenhos (Celac).
Com a visão de que a integração
deve ser feita do e para o povo,
Chávez pautou o debate por
mudanças no Mercosul. De acordo
com o deputado venezuelano do
PSUV, Roy Daza, em entrevista
concedida logo após a entrada da
Venezuela no bloco, “esse foi um
passo a mais na unidade latinoamericana em um momento de
crise mundial do capitalismo”.
Com a exceção temporária
do Paraguai, devido ao golpe
parlamentar que destituiu o
presidente Fernando Lugo, “todos
os presidentes do Mercosul são
de esquerda, e orientam seus
governos para resolver o problema
da inclusão”. Segundo o deputado,
“todos temos um mínimo
denominador comum: desenvolver
uma política econômica dirigida
a solucionar os graves problemas
da desigualdade que há em nossos
países e acabar com a pobreza,
tanto geral quanto crítica”.
A revolução não é exportável,
mas pode influenciar positivamente
outras experiências pelo continente,
como vem fazendo nitidamente
nações como Equador, Bolívia,
Nicarágua e Cuba.
VISÃOClassista
39
AC O NT ECEU
Chapa da CTB se reelege no
8º Congresso da Contee
P
rofessores e professoras
de todas as regiões do
país estiveram reunidos
na cidade de São Paulo entre os
dias 31 de agosto e 2 de setembro
para participar do 8º Congresso
da Confederação Nacional dos
Trabalhadores em Estabelecimentos
de Ensino (Contee), que elegeu
a nova diretoria da entidade e
aprovou a desfiliação da Central
Única dos Trabalhadores (CUT).
Durante os três dias de debates
e tomadas de decisões, os 671
delegados e delegadas presentes,
de 78 entidades e federações
filiadas, elegeram a Chapa 3, da
CTB, encabeçada pela professora
Madalena Guasco Peixoto, e
aprovaram as diretrizes que
nortearão a entidade na próxima
gestão (2012-2016).
Três chapas concorreram
ao pleito: a chapa 1 (CUT),
encabeçada por Cassio Bessa,
recebeu 160 votos; a chapa 2,
liderada por Fabio Zambon, obteve
192 votos; e a chapa 3, chamada
“Ação Classista”, que reelegeu
Madalena Guasco, consagrou-se
vitoriosa com 304 votos.
Resoluções
Além da vitória massiva da CTB,
importantes deliberações foram
aprovadas durante a atividade.
Resoluções a respeito da conjuntura
nacional e internacional apontaram
as posições políticas e a forma de
enfretamento à crise econômica
mundial e seus efeitos na luta da
classe trabalhadora.
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VISÃOClassista
Direção da CTB reforça sua luta
em defesa da Unicidade Sindical
Contee
VITÓRIA Combatividade cetebista obteve destaque durante os debates
A pauta educacional também
definiu as prioridades da luta
da Confederação na defesa da
educação pública, democrática, de
qualidade socialmente referenciada,
e da regulamentação do setor
privado de ensino.
A posse da diretoria eleita no
8º Conatee foi realizada após a
divulgação do resultado e contou
com a presença de centenas de
sindicalistas.
Além da desfiliação à CUT,
entre as principais decisões do
8º Conatee destacam-se ainda
as alterações estatutárias que
mudaram a composição da diretoria
executiva e o tempo de gestão da
próxima direção, passando para
quatro anos.
“Foi um congresso democrático
e representativo, pois adotou
resoluções no sentido de fortalecer
a Contee, aprofundando a unidade
da categoria”, afirmou o vicepresidente da CTB, Nivaldo
Santana, que acompanhou todo
o processo ao lado dos dirigentes
cetebistas, entre eles Gilson Reis
(presidente da CTB-MG e do
Sinpro-MG) e da secretária nacional
de Formação Sindical, Celina Arêas.
Para o sindicalista, o congresso
representou uma vitória para os
trabalhadores do setor. “Como
corrente majoritária, a CTB se
mantém à frente da entidade
e aprovou a desfiliação a CUT
para permitir uma convivência
unitária de todos os segmentos que
compõem a confederação. Foi uma
vitória”, disse Santana.
O
s últimos meses foram
bastante intensos na luta
da CTB pela Unicidade
Sindical. Nos dias 12 e 13 de
setembro, o secretário de Imprensa
e Comunicação Eduardo Navarro
esteve à frente da delegação
cetebista que participou do
Seminário sobre Tabela de
Categorias, iniciativa do Conselho
de Relações do Trabalho (CRT), com
o propósito de iniciar um processo
para estabelecer regras mais claras
sobre a organização sindical no país
e a cessão dos registros sindicais
para novas entidades.
A CTB, desde sua fundação,
tem essa postura porque até a
promulgação da Constituição de
1988, o Ministério do Trabalho
e Emprego (MTE), por meio da
Comissão de Enquadramento
Sindical, realizava a tarefa de
determinar o sindicato que
representaria cada categoria
profissional ou mesmo econômica.
“Temos que fazer um esforço para
atualizar a tabela de categorias,
no sentido de respeitar e garantir
a unicidade sindical prevista na
Constituição”, afirmou Navarro.
possibilidade de entendimento
entre as partes e podem ter tarefas
sobrepostas em alguns casos.
Pascoal Carneiro, secretáriogeral da CTB, tem visto com bons
olhos o trabalho feito pelo ministro
do Trabalho, Brizola Neto. “Esse
esforço para combater os sindicatos
fantasmas vem ao encontro daquilo
que defendemos desde nossa
fundação”, explica. Para ele, a
palavra-chave para definir o papel
dos sindicatos que vierem a ser
criados a partir da publicação da
nova Portaria é o “respeito” ao
princípio da unicidade sindical.
Fim da Portaria 186
Entre dezembro e janeiro, o MTE
deve publicar uma Portaria que
substitua a de número 186, com a
intenção de sistematizar com maior
rigidez as regras para a criação de
entidades sindicais no país e acabar
com as organizações fantasmas.
O governo quer barrar também o
desmembramento das associações
existentes, que se tornam menos
representativas, diminuem a
VISÃOClassista
41
C ULT U R A
A GEN D A SIN D IC A L
Filme retrata drama familiar de
dois ídolos da música brasileira
Divulgação
Fernando Damasceno
“A
verdade é que a gente
nunca se entendeu”. A
frase de Gonzaguinha,
logo no começo do filme, dá o tom
de acerto de contas que permeará a
narrativa de “Gonzaga – De Pai Para
Filho”, filme dirigido por Breno
Silveira (“2 Filhos de Francisco” e
“À Beira do Caminho”). Mais do
que uma tentativa de contar as
trajetórias de dois expoentes da
música popular brasileira, a obra
aborda um drama familiar, com
nuances pouco conhecidas do
grande público – e até mesmo por
parte dos fãs de ambos.
Em um tempo no qual o cinema
brasileiro encontra dificuldade
para encontrar uma narrativa
original para as biografias de seus
grandes artistas, a opção adotada
por Silveira é bastante válida. A
partir de uma boa escolha de atores
para interpretar Luiz Gonzaga e
seu filho, o diretor expõe alguns
momentos-chave da trajetória de
ambos, de modo a explicar por que
o já referido acerto de contas tornase necessário em uma fase delicada
de suas vidas.
Proposta clara
Algumas questões são
apresentadas de maneira
dura: a pobreza na infância de
Luiz Gonzaga no interior de
Pernambuco, o racismo por sua
cor mulata, o preconceito contra
nordestinos, a morte da mãe de
Gonzaguinha (grande paixão de
42
VISÃOClassista
integração latino-americano e os
trabalhadores”, com a presença
de sindicalistas de diversos
países da região.
Direção Plena CTB
DEZEMBRO
Seminário Internacional
JANEIRO
Curso de Gestão Sindical
DEZEMBRO
CTB Bahia capacita
sindicalistas
sua vida), os tempos de ostracismo
após o sucesso arrebatador e,
sobretudo, as falhas do Rei do
Baião enquanto pai – retratado
como exemplar provedor, mas
ausente na criação do filho. Para
contrapor tantos dramas, uma
trilha sonora riquíssima, com os
principais clássicos da história do
forró, atenua o peso da narrativa e
permite ao espectador saber como o
Rio de Janeiro, então capital federal,
se rendeu a ritmos como o xaxado e
o baião entre os anos 1940-50.
Apesar da efeméride dos cem
anos de nascimento de Gonzaga,
completados em 2012, Breno
Silveira não se propôs a fazer uma
biografia sobre o Rei do Baião
ou Gonzaguinha. A proposta do
diretor é clara e, por sua singeleza,
eficaz. Ao contar uma história
entre pai e filho, carregada de
rancor, ressentimento e um tipo de
carinho represado por décadas de
distanciamento, a fama de ambos
passa a ser coadjuvante diante de
seus dramas. Espera-se, portanto,
que cada um deles mereça no
futuro um trabalho específico
(documental ou não), que aborde
com maior riqueza de detalhes
suas trajetórias, de modo a permitir
que as novas gerações tomem
consciência da importância de suas
obras para a cultura nacional.
A CTB Bahia irá realizar
entre os dias 3 e 7 de dezembro
o “Curso Básico de Formação
Sindical e o Seminário de
Atualização Política”, com o
objetivo de preparar a militância
para enfrentar os desafios da
agenda política de 2013. Nas
discussões, os temas Conjuntura,
Sindicalismo, Política e
Economia darão sentido a uma
análise da realidade mundial
frente à grave crise econômica.
Nas mesas de debate estão
previstas a participação diversos
palestrantes.
Seminário Internacional
A CTB irá realizar nos dias
11 e 12 de dezembro, em São
Paulo, no Hotel Excelsior,
o Seminário “O processo de
Na sequência do seminário
internacional, será realizada,
também em São Paulo, nos
dias 13 e 14 de dezembro, a
10ª Reunião Plena da CTB,
com a participação de toda sua
Executiva Nacional. Na pauta,
um balanço das atividades de
2012 e uma discussão sobre
as perspectivas para 2013, ano
em que será realizado o 3º
Congresso da Central.
JANEIRO
Curso Nacional de Gestão
Sindical
O Centro de Estudos
Sindicais e do Trabalho (CES),
em parceria com a CTB,
realizará entre os dias 14 e
18 de janeiro o “2º Curso
Nacional de Gestão Sindical”,
em São Paulo. A atividade
tem como foco sindicalistas e
ativistas sindicais que queiram
aprofundar a compreensão sobre
e o funcionamento e organização
das entidades sindicais, o que
implica em aulas direcionadas à
gestão das mesmas.
Formação de formadores
Durante o período em que
será realizado o Curso de Gestão
Sindical, também ocorrerá,
no mesmo local, o curso de
Formação de Formadores. A
atividade, no entanto, será
destinada apenas a sindicalistas
que já participaram de outras
edições e para aqueles que
são responsáveis pelo setor de
formação em seus estados ou
municípios.
FIQUE DE OLHO:
Contag realiza seu 11º
Congresso
O 11º Congresso da Contag
acontecerá entre os dias 4 e 8
de março, em Brasília. O evento
vai reunir dirigentes rurais de
todo o país, que elegerão a nova
a diretoria e o Conselho Fiscal
da Contag, para a gestão de
2013/2017.
Fórum Social Mundial 2013
será na África
Entre os dias 26 a 30 de
março acontecerá o Fórum Social
Mundial 2013, na Tunísia, com
o lema “Por uma outra Tunísia,
por um outro Magreb-Machrek,
por outra África, por um outro
mundo”. O FSM permitirá
um reencontro de homens e
mulheres que estão lutando
contra a gestão neoliberal da
economia, que lutam pela
igualdade de todos e todas, a
solidariedade, justiça, paz, pela
preservação do meio ambiente e
a defesa dos bens comuns.
VISÃOClassista
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