Artigo de Revisão ANEURISMAS DISSECANTES DE AORTA - Duque , Alberto e. * Duque , Fernando L.V. ' * INTRODUÇÃO Nos últimos anos temos observado que a incidência de aneurismas dissecantes da aorta tem aumentado . É provável que isto se deva a maior sobrevida da população, à melhoria dos meios diagnósticos, ao maior número de pessoas atendidas pela rede hospitalar ou, ainda, devido ao aumento dos fatores causadores de dissecção. De doença rara, torna-se problema da prática diária , tornando-se oportuna uma revisão sobre suas características clínicas e terapêuticas . Esta importância aumenta devido à confusão que pode ocorrer no diagnóstico diferencial com entidades que cursam com dor toraco-abdominal e pela freqüência com que os angiologistas e cirurgiões vasculares são chamados a opinar, nestes casos . CONCEITOS E CLASSIFICAÇÃO Os M. apresentam os principais sinais e sintomas dos aneurismas dissecantes da aorta, sua importância clínica e cirúrgica bem como analisam a terapêutica enfatizando o diagnóstico diferencial. Unitermos: Dissecção aórtica. Aneurisma dissecante. Aneurismas. * Cirurgião Vascu·lar do Hosp. Lagoa (INAMPS-RJ). Responsável pelo Dept? de Angiologia & Cirurgia Vascular do Ins!. Estadual de Diabetes e Endocrinologia (IEDE). ** Chefe do Serviço de Angiologia da Santa Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro. Professor do Curso de Angiologia (Post-Graduação) da P.U.e. CIR . VASCo ANG . 4(1) : 23,25, 1988 Como sabemos, aneurisma é a dilatação permanente deum vaso. Os aneurismas dissecantes são aqueles onde , além da ectasia arterial, ocorre descolamento de planos parietais. A dissecção dá-se quando a íntima e fracionada de maneira tal que o sangue penetra na parede arterial , separando a camada intimai e um pequeno segmento da média em sentido longitudinal, de extensão variável. Esta doença aguda da aorta tem grande importância porque é quase sempre fatal, ao evoluir sem tratamento. O fator que predispõe à dissecção é comprometimento da camada média, tal como na gênese dos aneurismas em geral. A doença da média que mais predispõe à dissecção é a necrose cística da média. Não é incomum encontrarmos esta doença da média nos portadores da Síndrome de Marfan. A arteriosclerose é causa menos freqüente de dissecção. Usualmente a dissecção é desencadeada por fatôres " traumáticos" da parede arterial , tais como a hipertensão arterial, a coarctação da aorta , gravidez e válvula aórtica bicúspide. Quase todas as dissecções (ou delaminações, como também são chamadas) começam na aorta ascendente, cerca de 2cm a Scm acima da válvula iôrtica ou na aorta descendente, logo abaixo da origem da artéria subclávia esquerda . Esta predileção é explicada pelo fato de a aorta ser relativamente fixa neste ponto e, portanto , mais sujeita ao trauma hemodinâmico da onda sistólica . Sob este impacto, a íntima que recobre a camada média poderá romper-se permitindo o ingresso de sangue e a separação das camadas da parede da artéria . Estatisticamente segundo CRA WFORD (3) a dissecção localiza-se na aorta ascendente em 68% dos casos, no arco aórtico transverso em 10% , na aorta torácica descendente em 20% e na aorta abdominal em 2% dos casos. O quadro clínico, bem como a conduta terapêutica , são suficientemente distintos para justificar a separação desta entidade em dois grupos nosológicos distintos: A) Dissecção da aorta ascendente ; B) Dissecção da aorta descendente . Esta é a classificação da Universidade de Stanford - USA - e é muito útil do ponto de vista clínico . Sob 23 Aneurisma Dissecante da Aorta Duque Alberto C. e cal. a ótica puramente cirúrgica, De Bakey(1) classificou os aneurismas dissecantes em três grupos: TIPO I: A dissecção se inicia na aorta ascendente e estende-se por uma distancia vanável em direção distaI. TIPO 11: Dissecção limitada à aorta ascendente. TIPO 111: Dissecção inicia-se após a emergência da artéria subclávia esquerda e progride para a aorta abdominal em extensão v-ariável. Em termos gerais, o grupo "A" inclue os tipos I e 11 da classificação de De Bakey e o grupo "B" inclue o tipo IH (Figura 1). Por ser mais práti"ca, analisaremos a classificação da Universidade de Stanford. 3 B FIGURA I. Esquema de classificação dos aneurismas dissecantes de aorta segundo DeBakey (tipos 1, 2 e 3) ou se~undo a classificação do Departamento de Cirurgia da Univ. de Stanford (A e B). DIAGNÓSTICO E CONDUTA A • Dissecção da aorta Ascendente: A dissecção inicia-se na aorta ascendente proximal, estende-se pela croça, podendo ir até a aorta abdominal (Tipo I). E a forma mais comum e também a mais letal. A maioria dos pacientes constitui-se de homens com idade abaixo de 60 anos e portadores de necrose cística da média, sendo que 50% destes são hipertensos. As vezes a dissecção caminha em sentido inverso, em direção à válvula aórtica, mas limitando-se á aorta ascendente (TIPO 11). Clinicamente as dissecções do grupo A são caracterizadas por forte dor torácica, de grande intensidade desde o seu início. Sua localização mais freqüente é na região anterior do tórax, podendo irradiar-se para a região escapular esquerda. 24 Comumente é confundida com a dor do infarto agudo do miocárdio mas alguns dados são importantes no diagnóstico diferencial, a saber: 1~) A dissecção pode determinar diferença nos pulsos carotídeos ou na pressão arterial de um membro superior para outro. Desta forma deve-se sempre verificar a pressão arterial nos dois membros em pacientes com suspeita de infarto do miocárdio. 2~) O envolvimento das artérias carótidas pode determinar alterações neurológicas súbitas, muito semelhantes a Um acidente vascular encefálico. 3~) A ausculta cardíaca revela sôpro compatível com o diagnóstico de insuficiência aórtica, no caso provocada pela dissecção proximal. Por analogia, a presença de sôpro tipo "insuficiência aórtica" em pacientes portadores de quadro digestivo de infarto de miocárdio deve levar à pesquisa de outros sinais de dissecção. Deve-se pesquisar, ainda, sinais de atrito pericárdico. O atrito pericárdico, nestes casos, deve-se ao hemopericárdio que, se importante, pode evoluir para o tamponamento cardíaco. Deve-se ressalvar que nos pacientes jovens com a Síndrome de Marfan, quase sempre encontramos insuficiência aórtica. 4~) Como uma conseqüência da dissecção aórtica poderá haver comprometimento das artérias coronárias, em grau variado, provocando arritmias ou até causando sinais de isquemia miocárdica no eletrocardiograma. Ao suspeitarmos do diagnóstico de delaminação aórtica, devemos, após o exame clínico, solicitar radiografias simples do tórax, que podem mostrar um alargamento no mediastino superior, às custas da ectasia da aorta ascendente em contraste com o diâmetro normal da aorta , abdominal. Se houver suspeita de dissecção a avaliação deverá ser completada com uma aorto-arteriografia, salvo se estiver presente quadro clínico de hipotensão e choque hipovolêmico. A aorto-arteriografia, nestes casos, é sempre realizada pela técnica do cateterismo retrógrado, demonstrando usualmente uma falsa luz ou, às vezes, um "flap" de íntima separando a luz verdadeira da falsa. Caso exista um coágulo obliterando a luz falsa, veremos apenas uma redução no calibre da artéria. Nos pacientes hipertensos, o tratamento médico deve ser imediato, visando a redução da pressão arterial, com o uso de TRIMETAF AN (Arfonad - 1mg por minuto) ou NITROPRUSSIATO (20 a 400 nanogramas por minuto) em infusão venosa contínua. utilizando-se veia calibrosa. Deve-se controlar a pressão arterial através de cateter intra-arterial conectado a manômetro. Em caso de choque, o tratamento inclui os métodos clássicos visandu ao aumento da pressão arterial, mas sem elevá-la excessivamente, apenas o necessário para manter uma boa pedusão cerebral, miocárdica e renal. Estes parâmetros podem ser controlados pelo nível de consciência, eletrocardiograma contínuo (monitorização) e diurese horária, entre outros, respectivamente. Uma vez feito o diagnóstico aortográfico de dissecção ascendente da aorta, e não havendo contra-indicações clínicas quase todos os pacientes são tratados pela cirurgia. A técnica operatória consiste na ressecção do segmento aórtico comprometido e a sua substituição por CIR . VASCo ANG. 4(1) : 23,25, 1988 Aneurisma Dissecante da Aorta Duque Alberto C. e col. enxerto de Dacron. Se necessária é feita, simultaneamente, a troca da válvula aórtica. O risco cirúrgico oscila em 20%. Outras técnicas cirúrgicas, antes utilizadas, não oferecem a mesma segurança ou garantia, a longo prazo, segundo Crawford (2) B - Dissecção da Aorta Descendente: A dissecção limitada ~ aorta descendente é mais comum em pacientes idosos, geralmente com mais de 60 anos, hipertensos e do sexo masculino. A doença causal tanto pode ser a arteriosclerose como a neurose cística da média. A dissecção usualmente começa logo abaixo da emergência da artéria subclávia esquerda e progride distalmente, em direção ao diafragma, podendo atingir a aorta abdominal (TIPO I1I). Como os segmentos proximais não estão afetados, não há insuficiência aórtica nem hemopericárdio, e os pulsos carotídeos e dos membros superiores não estão alterados. Geralmente o primeiro sintoma é uma súbita dor torácica, quase sempre interscapular, irradiando-se para a região lombar. Eventualmente o quadro clínico será o de uma oclusão arterial aguda com ausência ou redução dos pulsos dos membros inferiores, às vezes acompanhado de dor abdominal (isquemia visceral). A radiografia simples do tórax poderá mostrar alargamento do mediastino e alargamento da aorta descendente, mas o diagnóstico deverá ser confirmado pela aottografia. Se o paciente estiver hipertenso, o tratamento hipotensor já mencionado deverá ser iniciado e a pressão sistólica mantida em torno de 110 ou 120mmHg. Os pacientes com dissecção da aorta descendente não têm indicação cirúrgica de urgência. A meta do tratamento clínico é minimizar ou cessar a dissecção através da redução da pressão arterial. Se o tratamento médico não aliviar a dor, se houver evidências de progressão da dissecção através do controle pela radiografia do tórax, ou se surgir derrame pleural, indicativo de hemotórax, a ressecção cirúrgica deverá ser realizada de imediato. Caso contrário, poderá ser realizada com um preparo adequado, pertinente ao grupo etário. O risco cirúrgico neste tipo é maior em função da idade e da presença de doenças degenerativas associadas. Entretanto, os resultados do tratamento operatório têm melhorado, com vanações estatísticas em função do centro médico. A cirurgia inclui a ressecção do segmento afetado, com interposição de enxerto de Dacron, com eventual embolectomia associada. Segundo Crawford a mortalidade cirúrgica oscila em torno de 20%. (2) No tratamento médico, o controle da hipertensão é essencial. Na ausência de insuficiência aórtica ou isquemia de membros, tem sido útil o uso do propanolol a longo prazo. Pelo exposto o diagnóstico dos aneurismas, em especial o aneurisma dissecante da aorta, deverá ser sempre considerado, nos casos de dores súbitas toraco-abdominais, e o tratamento instituído sem delongas. CIR. VASCo ANG. 4(1) : 23. 25. 1988 SUMMARY DISSECTING ANEURISM DF AORTAThe al./thors review the present status of the diagnosis and treatment of the dissecting aneurisms of aorta, with emphasys on the differencial diagnosis and treatment. Uniterms: Aortic Dissection: Dissecting Aneurism. Aortic Aneurism. REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS I. DEBAKEY M E , MeeOLLUM e H , eRA WFORD E S. MORRIS G e JR, HOWELL J F , NOON G P , LAURIE G: Dissection and dissecting aneurysms of the aorta: Twenty year follow-up of five hundred twenty-seven patients treated surgically. Surgery 92: 118, 1982. 2. eRA WFORD E S, SNYDER o M, eHO G e, ROEHM J O F Jr: Progress in the treatment of thoraco-abdominal and abdominal aneurysms involving celiac, superior mesenteric and renal arteries. Ann Surg, 188:404, 1978. 3. eRA WFORD E S, eRA WFORD J L, Diseases of Aorta. Baltimore & London , Williams & Wilkins, 1986. 25